Categorias
Cinema Cinema norte-americano Crítica de filme Documentário Filme premiado Movie

Deliver Us From Evil – Livrai-nos do Mal


Comentei antes aqui sobre o meu gosto por documentários. Existem algumas narrativas tão boas, alguns trabalhos tão bem feitos que dá vontade de buscar o diretor ou a diretora e lhe dar um beijo. De tão grata que uma pessoa como eu – jornalista e, antes disso, uma aficcionada por histórias bem contadas – se sente ao ver um retrato da realidade magistralmente “fotografado”. Mas os documentários também tem um problema: abalam a nossa fé. Ou nos alimentam de esperança. Tudo depende, claro, do documentário. Pois este Deliver Us From Evil (não encontrei o título em português, mas seria algo como “Livre-nos do Mal”) é destes que abalam a tua fé. Ainda mais porque mexe fundo em um tema delicado: a pedofilia praticada por padres.

A HISTÓRIA: O documentário da diretora Amy Berg conta a história de algumas famílias que tiveram suas vidas marcadas por abusos sexuais praticados pelo padre irlandês Oliver O´Grady contra seus filhos. Os abusos desse padre começaram na década de 70 e seguiram até os anos 90 com a conivência da Igreja Católica. Depois de ser denunciado pela primeira vez, em 1976, pela família da garota Nancy Sloan, O´Grady foi sendo transferido de paróquia para paróquia, todas distantes algumas dezenas de quilômetros umas das outras no Norte do Estado da Califórnia. O documentário vai mostrando, depoimento após depoimento, denúncia após denúncia, como os “superiores” ao padre O´Grady foram coniventes com a apuração dos casos, acobertando os seus atos até o ponto em que ele foi julgado na década de 90. Entre os nomes denunciados por conivência está o Cardenal Roger Mahony e o atual Papa Bento XVI.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – o restante do texto conta partes importantes do filme, por isso recomendo que leia quem já o assistiu): A narrativa de Deliver Us From Evil é praticamente linear, ou seja, começa resgatando o caso de Nancy Sloan, registrado em 1976, até passar pelos abusos de Anne Jyono e de Adam. Desde o princípio ouvimos o depoimento de O´Grady que, depois de cumprir sete anos de uma pena de 14, foi deportado outra vez para a Irlanda.

Um dos momentos mais impressionantes, para mim, foi mais no início do filme, quando o padre pedófilo fala, de uma maneira muito simples, como responderia a perguntas sobre seus desejos sexuais. Ele vai comentando que não sente desejo por mulheres, nem por homens, até o ponto de contar que sente muito desejo por crianças. É repugnante! E impressiona a maneira natural e quase como se estivesse contando uma piada quando ele fala.

Mas o documentário tem muitos outros momentos fortes… Fico até agora pensando em como vai mudando a reação dos pais de Anne Jyono, o casal Bob e Maria, conforme vão contando a sua relação de confiança com a Igreja e com o padre molestador. E quando Bob, descedente de japoneses, e Maria, irlandesa, falam das razões que fizeram a filha deles se manter calada por tanto tempo, é de morrer.

O documentário é muito bem conduzido por Amy Berg, uma ex-repórter televisiva do canal KCBS-TV e da CNN. Ela conseguiu realmente um depoimento impressionante do padre O´Grady, assim como da família Jyono e das demais vítimas. Ainda mais se tratando de um tema como esse, pedofilia, e contra quem se trata, a toda-poderosa Igreja Católica. Realmente é um trabalho muito bem feito. Impressionante como a Igreja se considera realmente acima da lei, acima da moral… impressionante como quem está liderando tantas pessoas ao redor do mundo se protegem dessa maneira contra o bem comum, se considerando, com certeza, “escolhidos por Deus” e intocáveis. Impressionante muitas declarações que a diretora conseguiu.

Pena que a crítica a Igreja seja mais dura apenas no final. De qualquer forma, é repugnante ver como o Cardenal Roger Mahony privilegiou apenas a sua própria ascensão dentro da Igreja e de como o atual Papa Bento XVI foi responsável por fazer “vistas grossas” para esse problema, com tantas denúncias, acobertando o problema para que não chegasse ao conhecimento das massas e para preservar uma igreja que, como instituição, está mais que corrompida. Realmente é uma vergonha.

NOTA: 9,8.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: Só não dei nota 10 para o filme porque achei que a narrativa da diretora, algumas vezes, poderia ter sido mais ousada.

O filme concorreu em 2007 ao Oscar de melhor documentário, mas perdeu para Uma Verdade Incoveniente, que trata dos problemas ambientais atuais. Sinceramente? Não vi ainda os outros concorrentes – mas vou vê-los logo e comentar aqui -, mas gostei mais deste Deliver Us From Evil que do filme com Al Gore.

Impressionante saber que existem nos Estados Unidos 100 mil pessoas que foram abusadas sexualmente por padres.

Recomendo. Muito. Especialmente para os “cegos pela fé”.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 25 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing, professora universitária (cursos de graduação e pós-graduação) e, atualmente, atuo como empreendedora após criar a minha própria empresa na área da comunicação.

11 respostas em “Deliver Us From Evil – Livrai-nos do Mal”

Não assisti esse documentário. Está disponível no Brasil?
Assisti “Por trás da fé” (Our Fathers), um excelente filme que mostra a verdade sobre a Igreja nos EUA, desafiada por um valente advogado que recusou polpuda propina e ousou processar com sucesso o arcebispo Bernard Law, promovido depois por
João Paulo II a arcebispo da basílica N S Maior, em Roma. Nos funerais de JP II este arcebispo rezou missa oficialmente, para revolta de famílias americanas que lá foram e que tiveram parentes molestados por algum dos mais de 250 acobertados pelo arcebispo.

Curtir

Oi Nando!

Eu também! Se eu dia eu conseguir, certamente falarei dele por aqui.

Mas se já conseguiste, por favor, diga se ele é bacana, ok?

Abraços e obrigada pela visita. Volte mais vezes. Inté!

Curtir

POR TRÁS DA FÉ é um filme disponível nas vídeo locadoras,
pelo menos era. Vale a pena assistir ao documentário.

Recentemente, no Nordeste, padres foram condenados por abuso.
Ao que parece, pela primeira vez, como consequência do
programa do SBT Conexão Repórter

Curtir

Oi Oswaldo!

Pois nós dois estamos empatados, porque eu ainda não assisti a Our Fathers. Mas vou atrás, agora que você falou.
O Deliver Us From Evil eu consegui através da Internet. Ouvi falar muito bem do documentário – indicado ao Oscar e tudo – e fui atrás. Consegui a legenda em português e depois consegui o filme. Mas como ele não tem uma tradução oficial para o português (me refiro ao título), algo me diz que não chegou nem aos cinemas e nem ao DVD no Brasil.

Uma pena, porque é realmente um documentário muito, muito bom. O fascinante dele é justamente a “confissão” de um molestador, ex-padre. O arcebispo que tu comenta, o Bernard Law, também é citado no filme. Na verdade, o diretor faz um trabalho super completo e denuncia muita gente na Igreja Católica, inclusive fazendo essa crítica que tu fez de que estas pessoas, mesmo com o repúdio dos fiéis, no fim das contas foram “promovidas” pelos papas João Paulo II e, agora, o Benedito 16. Vale a pena mesmo buscar e assistir a esse filme.

E Oswaldo, obrigada pela visita. Espero que frequentes o blog mais vezes. Eu gosto muito de documentários. Logo devo fazer o comentário de outro. Um abraço.

Curtir

Oi Carlos!

Bem-vindo ao blog.

Eu consegui a legenda para Deliver Us From Evil no site Legendas.TV, mas em espanhol. Em português eu realmente não sei onde conseguir.

Se te servir em espanhol, também posso te passar por e-mail. Um abraço e volte sempre!

Curtir

Assisti recentemente esses documentário através de um canal da Tv paga. Endosso, sob todos os aspectos, a opinião daqueles que elogiam esse filme.
Não me surpreende que não tenha conseguido comprar ou alugá-lo aqui no Brasil pois existe uma evidente má vontade dos meios de comunicação em divulgar ou até mesmo permitir que as mazelas, os crimes e os desmandos das igrejas de todos os matizes sejam expostos ao conhecimento do público de uma forma cabal. Quero crer que a força política e o poderio econômico das igrejas são os facilitadores do comportamento criminoso dessas instituições.
Quando me refiro à Igreja com instituição,deliberadamente não excluo aqueles que intencionalmente trilharam pelo caminho criminoso pois se os superiores,tais como pastores,bispos, cardeais, papas, etc. ou quais outras designações que possuam dentro da organização religiosa cometem atos abomináveis, inclusive se omitindo e acobertando os autores de quaisquer crimes, o que sobra para confiarmos?
Como é citado no documentário, ” quando um padre ingere a hóstia ele se consagra a Cristo, naquele instante ele personifica a divindade na Terra. Como admitir que esse individuo estupre uma criança de nove meses, sodomize um garoto de onze anos?”
Como adivinhar quando temos uma besta sob as vestes sacerdotais?

Curtir

Olá dilton!

Antes de mais nada, seja bem-vindo por aqui.

Que bom que conseguiste assistir a este filme através da TV paga. Acho um desperdício esse e outros documentários não chegarem ao mercado brasileiro. Só não sei se as razões passam pelo que comentaste, um tipo de má vontade dos meios de comunicação… acho mais bem que a questão deste e de outros filmes não chegarem ao mercado nacional passe por uma visão das distribuidoras de que não há mercado para estas produções. O que, nem preciso dizer, acho uma visão errada. Mas paciência. Por essa e por outras que, alguns vezes, a internet nos salva com a possibilidade de assistir a filmes que não devem chegar aos cinemas do Brasil.

Agora, sem falar do mercado de filmes e tratando do que Deliver Us From Evil nos fala, tens toda a razão sobre os absurdos que muitas vezes a instituição Igreja e os meios de comunicação fazem ao acobertar e/ou ignorar estes abusos inadmissíveis. Os sacerdotes que acham que não podem se manter dentro dos dogmas (alguns bastante questionáveis, como o de não poderem se casar) da Igreja, não deveriam seguir este caminho. O problema é que depois que eles se formam, a Igreja os protege de quase tudo, o que é um absurdo, é claro.

Obrigada por tua visita e pelo teu comentário, Dilton. Espero que ambos se repitam muitas vezes ainda.

Um abraço!

Curtir

Oswaldo G. Oliveira :

POR TRÁS DA FÉ é um filme disponível nas vídeo locadoras,
pelo menos era. Vale a pena assistir ao documentário.

Recentemente, no Nordeste, padres foram condenados por abuso.
Ao que parece, pela primeira vez, como consequência do
programa do SBT Conexão Repórter

Oi Oswaldo!

Legal. Quando sobrar um tempo, vou atrás deste documentário que você indicou.

Então, eu acho que alguns padres falham. E por ocuparem a posição que ocupam, suas falhas aparecem mais. Mas este problema da pedofilia está espalhado pela sociedade. Há muitos outros homens, em posições de confiança – políticos, médicos, advogados, etc. – que também cometem crimes e tentam ficar impunes.

Obrigada por mais este teu comentário. E volte por aqui mais vezes, inclusive para falar de outros filmes.

Abraços e inté!

Curtir

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.