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Trade – Desaparecidos


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O tráfico de mulheres e crianças para a prostituição é um problema grave e real, muito real. Quem vive fora do Brasil ou já viveu algum período de sua vida fora acompanha, uma vez ou outra, notícias a respeito de quadrilhas presas por esse tipo de crime. No Brasil os jornais também publicam algo a respeito, mas o destaque é menor. Afinal, no próprio país se sofre com esse tipo de crime sem ele ser, exatamente, de “exportação”. Sem contar o fato que nos países europeus, nos Estados Unidos ou Canadá o tema ganha maior “importância” porque estes locais são os “alvos” de destino de mulheres, crianças e homens que acabam sendo vendidos como antigamente se fazia com escravos. Como disse Antonio María Costa, diretor-executivo do Escritório das Nações Unidas para as Drogas e o Crime, “o tráfico de seres humanos é a escravidão dos nossos dias”. Pois justamente sobre esse tema que trata Trade, uma produção com algumas falhas mas com grande boa vontade e, porque não dizer, com grandes qualidades.

A HISTÓRIA: Adriana (Paulina Gaitan) celebra o aniversário de 13 anos com suas amigas quando chega em casa o seu irmão, Jorge (Cesar Ramos) com uma bicicleta. Para a menina, esse presente inesperado é muito mais do que ela poderia imaginar ganhar – Adriana vive com a mãe e o irmão em um bairro pobre da Cidade do México. Enquanto isso, chega no aeroporto Weronika (Alicja Bachleda-Curus), uma polonesa que comprou um pacote turístico para o México. Enquanto Jorge engana turistas que falam inglês na cidade, Adriana sai para estrear a sua bicicleta e é sequestrada por uma quadrilha que leva mulheres e crianças para os Estados Unidos para depois vendê-las através de um site. Antes de ser levada como mercadoria para fora do México, Adriana conhece a Weronika, também sequestrada pelo mesmo grupo.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que o texto a seguir conta partes importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Trade): Um ponto positivo do filme é que ele começa bem, muito bem. Afinal, o tipo de mentira que pregam em Weronika é bem verdade. Há muitas empresas por aí que vendem “pacotes turísticos” ou “visados de trabalho” e, no fundo, tudo isso é nada mais que escravidão. Digo isso porque essas mulheres que saem de países pobres com tais promessas chegam no outro país e viram escravas, normalmente da prostituição. Direto se lê matérias a respeito aqui na Espanha, por exemplo. Os países do Leste europeu e da América Latina (especialmente o Brasil) são os principais alvos destas quadrilhas para trazer as mulheres e crianças. Também foi realista – ainda que menos – o sequestro de Adriana em uma rua da periferia do México. Se sabe que muitas quadrilhas realmente sequestram crianças e jovens em locais muito podres (isso quando não “compram” as pessoas de seus pais) para depois traficá-los como mercadoria.

Os problemas do filme começam, na minha opinião, depois do sequestro de Adriana. Afinal, como o irmão dela, Jorge, tem sorte, não? Fico impressionada. Por duas vezes, pelo menos, ele tem uma sorte fantástica! Vejamos: Cidade do México é uma metrópole, uma cidade gigantesca. E ele tem a sorte do garoto que pega a bicicleta da irmã passar justamente por ele pouco depois dela ser sequestrada! Uau!! Na vida real isso seria quase impossível, convenhamos. Além disso, quando o carro que ele está usando para seguir a quadrilha enguiça sem gasolina, outra vez ele tem uma sorte fantástica… depois de correr e chegar a um pequeno vilarejo, ele descobre que perdeu o rastro do caminhão. Mas, pouco depois, ele olha para o lado e… voilà, lá está o caminhão. Outra vez impressionante. Alguém pode dizer: “Ah, mas você está pedindo demais ao exigir lógica de um roteiro de Hollywood”. Não se trata disso. Em filmes menos “sérios”, como suspenses, filmes de terror ou ação, eu já vejo a falta de lógica como um ingrediente quase básico. Mas em um drama como Trade, com o roteiro de Jose Rivera (indicado ao Oscar anteriormente pelo roteiro de Diários de Motocicleta) baseado em um artigo premiado do jornalista Peter Landesman, não aceito esse tipo de “facilidade” do roteirista… ou seja: já que é para ser realista, porque não cuidar dos detalhes? Ainda que tenha essas pequenas falhas, Trade merece ser visto, claro.

Além de tratar de um tema importante – e pouco tratado no cinema – como é o tráfico de mulheres e crianças para a prostituição, Trade é uma história interessante sobre a busca por justiça e por fazer a diferença para uma pessoa que seja. O conto dos irmãos Jorge e Adriana também torna a história forte e bonita. Interessante a busca do policial Ray Sheridan (Kevin Kline) por sua redenção pessoal. E, no final, ele descobre que pode fazer a diferença de outro modo… e, ao invés de se acomodar ou de assumir uma postura de “vamos olhar para todo o quadro”, que é a postura dos responsáveis pela lei em Nova Jersey (cidade para onde as garotas são levadas), ele resolve salvar ao menos aquela família de mexicanos que ele tem à sua frente. É um grão de areia no deserto? Pode até ser, mas mostra como um grão de areia faz toda a diferença.

Fora os pequenos deslizes, gostei do roteiro de Jose Rivera e da direção do alemão Marco Kreuzpaintner. Aliás, essa última, para mim, foi exata, como um cálculo matemático. O diretor, com apenas 30 anos, não exagerou no drama e cuidou de manter uma câmera firme, um olhar quase documentarista do que estava acontecendo – sem grandes “rebuscadas” de estilo e sem cair no fácil recurso de “dramatizar” demais as cenas, o que poderia ter sido feito com extensos closes nas vítimas e tal.

Os atores estão bem, no geral. Além dos já mencionados, destaco a atuação dos vilões: Pavel Lychnikoff como Vadim Yochenko; Zack Ward como Alex Green e, principalmente, Marco Pérez como Manuelo. Falando nesse último, só achei a parte do filme próxima da conclusão também fora da realidade. Afinal, mesmo que tivesse toda a culpa do mundo, o personagem de Manuelo na vida real jamais ajudaria a salvar Adriana, ainda mais que, naquela situação, estava claro que ele iria se ferrar – morrer ou ser preso, pelo menos. Ah, mas o maior erro (ou exagero absurdo do roteiro) na minha opinião é o lance do gatinho no carro de Ray no final. Tudo bem que Jorge conseguisse deixar o dinheiro no carro, depois da operação policial, mas daí a conseguir um gato é um pouco demais. Totalmente absurdo e desnecessário – não fazia falta um gatinho na história, né?

NOTA: 9.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: A história de Trade é baseada no artigo do jornalista Peter Landesman publicado no dia 25 de janeiro de 2004 no jornal New York Times Magazine. Em seu texto, Landesman trata da escravidão sexual de mulheres e crianças, denunciando a chegada de mexicanos para os Estados Unidos.

Entre as interpretações, destaco o grande trabalho de Alicja Bachleda-Curus, Paulina Gaitan e Cesar Ramos. Os três estão realmente perfeitos. Kevin Kline merece elogios por ter se envolvido no projeto – querendo ou não, por ser um nome mais conhecido, ele atrai público e interesse para o filme, o que é muito positivo.

Trade ganhou dois prêmios no Festival de Berlin: um especial, chamado Bernhard Wicki para o diretor Marco Kreuzpaintner e outro, chamado CineMerit, para o ator Kevin Kline.

A nota 9 para o filme se deve mais ao tema proposto, às interpretações e à direção do que ao roteiro em si. O roteiro é bom, quero deixar registrado, mas os “erros” que eu comentei antes acabam dando uma nota menor para o filme. No site IMDb Trade leva a nota 7,6. No Rotten Tomatoes o filme registra 13 críticas positivas e 39 negativas – os críticos, realmente, não gostaram da produção.

Gostei de dois dos cartazes do filme. Especialmente do que traz um código de barras sobre o corpo de uma menina. Mas já os cartazes dos personagens principais são bem ruinzinhos…

Admiro o ator Kevin Kline há bastante tempo já, mas ele ganhou vários pontos positivos com Trade. Não apenas por entrar no projeto – que não é nenhuma superprodução – mas também, e principalmente, por se envolver na divulgação do filme e do seu tema. Ele inclusive foi na ONU falar sobre o tema. Bacana.

Trade teria custado aproximadamente US$ 12 milhões e faturou, em três semanas nos Estados Unidos pouco mais de US$ 214 mil… ou seja: está indo muito mal na bilheteria. Talvez pelo relativamente baixo número de cópias nos cinemas: o filme estrou com 90 cópias no dia 30 de setembro e foi diminuindo para 33, 5 e 1 (!!) cópias até o dia 21 de outubro. Assim fica difícil faturar, ou não?

O filme é uma co-produção dos Estados Unidos com a Alemanha.

CONCLUSÃO: Um importante filme sobre o tráfico de mulheres e crianças para a exploração sexual. Tem várias falhas e exageros no roteiro, mas vale por mostrar parte da realidade das vítimas e dos algozes desta exploração moderna de pessoas. Vale ser visto.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 25 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing, professora universitária (cursos de graduação e pós-graduação) e, atualmente, atuo como empreendedora após criar a minha própria empresa na área da comunicação.

9 respostas em “Trade – Desaparecidos”

acabei de ver Trade, pensei aqui: o gatinho não teria sido o Kevin que comprou pra levar pra mulher???, parece que o deles havia morrido…

achei forçado o FBI aparecendo “do nada” no final, rsrs fora o que vc já mencionou,

abs

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Oi Wendell!!

Puxa, obrigadíssimo por tua visita, por teu comentário e, especialmente, por indicar meu blog lá no seu… ando em uma correria tremenda e com pouco tempo até para responder os comentários daqui (se percebe pelo tempo que demorei para te responder, não é?), mas deu uma rápida olhada no teu blog e gostei do que eu vi. Quando tiver um pouco mais de tempo, vou lê-lo com atenção e tempo e deixar algum comentário por lá também.

No mais, espero que tu voltes por aqui muitas vezes ainda. Um grande abraço e obrigada, mais uma vez! Sorte também com o seu blog!!

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Olá
Um filme muito bom, tem como o tema bem parecido (que particularmente gostei muito) com o de Bordertown (Cidade do Silencio – no elenco Jennifer Lopez, Antonio Banderas, Kate del Castillo, John Norman, Irineo Alvarez e até a Sonia Braga) só que no Bordertown as mulheres eram estupradas e mortas,enquanto que no Desaparecidos (Trade) sequestradas e obrigadas a trabalhar para os traficantes sexuais.
Um filme com atuações quase que perfeitas, uma historia real e atual, no qual não pode deixar de ser assistido. E o melhor não dá sono heheheh
Recomendo, Assista! Um suspense real.

bom só isso!!!!
abraços

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Oi Elizeu!

Ainda não assisti a este Bordertown, mas coloquei ele na minha pequena – leia-se imensa – listinha… 🙂

Realmente, o filme tem um bom ritmo… ainda que trate de um assunto sério e que para alguns é meio difícil de lidar, mas ele não cai no simples discurso e acaba sendo bem costurado.

Mais um abraço e volte, volte sempre.

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Bem, Particularmente gostei, é muito bom saber que pessoas ainda mostra a realidade de hoje… Esse filme foi posto em minha sala de aula por minha professora, eu não gosto muito de filmes de ”drama” mais porventura gostei desse pois é bem nossa realidade de hoje… Suas críticas também amei pois são bem detalhadas* , o filme por si é ótimo é quase perfeito, e ele é bem original… Bjs*

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Olá Lorrainny!

Antes de mais nada, seja bem-vinda por aqui!

Sim, de fato alguns filmes que parecem difíceis, por tratarem de uma realidade muito dura, se revelam muito interessantes. Justamente por nos mostrar uma parte da história que é pouco contada.

Que bacana que a tua professora apresentou este filme na sala de aula. Boa iniciativa!

Fico feliz que tenhas gostado do filme, que tenha sido uma experiência bacana pra ti, e que tenhas gostado da crítica.

Obrigada pela tua visita e pelo teu comentário, e volte por aqui mais vezes.

Abraços e inté!

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