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Das Leben ist Eine Baustelle – A Vida é um Canteiro de Obras


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O diretor Wolfgang Becker é um dos grandes nomes do cinema alemão moderno. Ele ficou conhecido pelo filme Good Bye Lenin!, que realmente é muito bom e eu recomendo. Mas, até agora, acredito que este filme era o único que eu tinha assistido do diretor. Pois resolvi ver algo mais antigo dele… foi aí que cheguei a este Das Leben ist Eine Baustelle, que no Brasil recebeu o legítimo nome de A Vida é um Canteiro de Obras. Pelo título, podemos presumir uma das mensagens desta produção de 1997 – lançada cinco anos antes de Good Bye Lenin! O filme se mostra interessante, tocando em temas como o problema das pessoas em se comprometerem e o medo da Aids em uma sociedade movimentada pelo rock’n roll e pelas manifestações de rua. E de quebra, ele apresenta uma história de amor acidentada com um duo de atores bastante carismáticos – Jürgen Vogel e Christiane Paul, que voltariam a fazer um casal no recentemente comentado Die Welle.

A HISTÓRIA: A polícia entra em confronto com manifestantes nas ruas de Berlim no mesmo instante em que Jan Nebel (Jürgen Vogel) tenta transar com Sylvia (Andrea Sawatzki), uma mulher que, junto com a irmã dele, Lilo (Martina Gedeck) promove “festinhas” sensuais. Ele não consegue nada naquela noite e volta para casa frustrado, quando leva um esbarrão de uma garota que está fugindo da polícia. Sem saber, ele agride os policiais e foge com ela, mas termina sendo preso. Depois de faltar no trabalho alguns dias, ele é demitido – mas antes ele conhece um novo colega de trabalho, o “rocker” Buddy (Ricky Tomlinson). Outros problemas graves acabam acontecendo na vida de Jan, ao mesmo tempo em que ele reencontra e começa a ter um romance com a garota daquela noite em que ele foi preso, a enigmática Vera (Christiane Paul).

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta trechos importantes do filme, por isso eu recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Das Leben ist Eine Baustelle): Em uma primeira análise, Jan é um ferrado. Quanto mais a história vai passando, o espectador tem mais oportunidades de ver que a vida dele está indo cada vez mais para um caminho complicado e de pedreira. Mas como muito bem sugere o título do filme, a vida de ninguém é apenas desastre. E se de um lado da balança temos uma série de motivos para sair berrando com um cachorro bravo, como em uma cena do filme, de outro lado da mesma balança existem razões para sair correndo vestidos de pato atrás do nosso grande amor.

Das Leben ist Eine Baustelle é um filme muito, mas muito bem escrito. Mérito dos diretores e roteiristas Wolfgang Becker e Tom Tykwer – dois nomes importantes do atual cinema alemão. A dupla consegue colocar em um mesmo balaio uma forte dose de humor e de temas sérios, de drama e de beleza. Vemos a uma Alemanha de subúrbios, de pessoas um bocado perdidas e “ligadas” através das televisões, do telefone e dos bares. Não existem paisagens bonitas. O cenário é a urbe, sua sujeira, sua adrenalina e suas cores algumas vezes violentas. Conseguir emprego não é fácil, assim como é complicado ter dinheiro para qualquer coisa – seja pagar uma dívida com a polícia ou um exame para saber se uma pessoa é HIV positivo. Mas e quem se importa? Afina, a nossa vida é o que fizermos com ela. Nossa história vai depender dos tijolos e do cimento que colocarmos um sobre o outro.

Uma das grandes mensagens do filme, para mim, foi justamente esta: de que nenhuma história foi traçado do início ao fim, sem possibilidade de mudanças. (SPOILER – realmente não leia se você ainda não assistiu ao filme). Quando Vera fala para Julian que vai deixá-lo e ele afirma que “achava que éramos diferentes”, fica comprovado que nenhuma certeza pode ser gravada no mármore. Certo que algumas se mostram verdadeiras até o fim da vida, mas outras não. E a vida está aí para ser construída, escolha após escolha. Para ser franca, me surpreendeu um pouco o fato de Vera morar com outro cara… quando ela vai buscar o músico pela primeira vez no bar, cheguei a pensar que ele fosse o pai dela. Talvez eu quisesse, naquele momento já, um final feliz. 😉

Bastante “despretensioso”, o filme fala de forma bastante natural sobre o encantamento entre pessoas que se encontram “do nada” na mesma medida em que trata da falta de intimidade e proximidade entre pessoas de uma mesma família. Jan vive na casa da irmã e do cunhado, Harri (o ótimo Armin Rohde), junto com a sobrinha Jenni (Rebecca Hessing). Ele é apegado à menina, mas mantêm uma distância salutar do pai, que mora sozinho, e deixa de falar com a mãe por telefone que, segundo ele, “nunca a escuta”. Raízes é algo que realmente os filhos daquele casal não tem. E cada um busca se virar na vida da melhor forma – com ou sem êxito.

(SPOILER – não leia se você ainda não assistiu ao filme). Até que Buddy solta uma das grandes falas do filme, depois que o pai de Jan é levado da casa. Na mesa em que ele foi encontrado morto, Buddy comenta sobre os planos que uma pessoa faz e que, quando percebe, não concretizou porque ela deixou, simplesmente, a vida passar. O tempo corre e, quando percebemos, o que de fato conseguimos de tudo aquilo que planejávamos ou sonhávamos? O filme não é filosófico – pelo menos não tem essa cara -, mas solta algumas pérolas destas.

Outro tema bacana de Das Leben ist Eine Baustelle é o de que não importa o quanto você estiver ferrado, isso não é motivo para não ajudar uma outra pessoa que está pior. Maravilhoso o gesto de Jan que leva, para a casa que ele está dividindo com Buddy, a grega Kristina (Christina Papamichou), perdida na Alemanha em busca de seu irmão desaparecido. Muito bacana o gesto e a mensagem dos roteiristas.

NOTA: 9 8,3.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: Nos quesitos técnicos do filme, gostei especialmente da trilha sonora assinada por Jürgen Knieper e por Christian Steyer e da edição de Patricia Rommel.

Até buscar mais informações sobre o filme, eu não tinha certeza sobre a cidade em que a história se passava. Mas tudo acontece realmente em Berlim.

Das Leben ist Eine Baustelle ganhou sete prêmios e foi indicado a outros cinco em sua época. Um dos prêmios que ele levou para casa foi uma menção honrosa para Wolfgang Becker no Festival Internacional de Cinema de Berlim, graças ao seu “retrato humorístico e irônico das mudanças que estão ocorrendo em Berlim” (isso em 1997, claro). O filme ainda ganhou os prêmios de melhor ator para Jürgen Vogel, melhor atriz coadjuvante para Martina Gedeck e para Meret Becker (que interpretou Moni), e o Film Award in Silver no German Film Awards;  o prêmio de Melhor Filme pela Associação de Críticos de Cinema Alemães; e o de Melhor Diretor Revelação no Festival Internacional de Cinema de Valladolid.

Os usuários do site IMDb deram a nota 7,4 para o filme. Achei um pouco baixa – ele merecia pelo menos um 8, vai!

Achei curioso que todos os personagens deste filme vivem na dureza. Até a garotinha, sobrinha do protagonista, é amarrada e sacaneada por dois garotos um pouco maiores que ela. Não existe muito espaço para quem está distraído por aquelas bandas… (e estas também, diga-se).

E o filme tem verdadeiras sequências geniais. (SPOILER – não leia se você ainda não assistiu ao filme). Uma das melhores, para mim, é quando Vera descobre a morte do pai de Jan e quando ele corre atrás dela com aquela roupa de pato cômica. Momentos ótimos, realmente. E os protagonistas são muito, muito bons. Especialmente Christiane Paul, que tem muito carisma.

CONCLUSÃO: Um filme sobre o lado difícil da vida mostrado de forma bastante bem humorada e até um bocado cínica. Um roteiro com muita qualidade e com atores que correspondem ao desafio de seus papéis. A história toca em temas importantes na Alemanha em 1997 e que seguem atuais até hoje, como a questão do desemprego, da violência urbana, da perda (ou busca) dos valores morais e a pressão do perigo de contrair o HIV. Mais uma bela mostra do cinema alemão moderno, dirigido por um de seus principais expoentes – e com roteiro dele e de outro nome importante daquele cenário. Deve ser visto de forma descompromissada – porque é menos “sério” que os outros filmes alemães recentemente comentados.

SUGESTÕES DE LEITORES: Mais um filme da minha listinha de produções feitas na Alemanha e que foi motivada pelo resultado da primeira enquete proposta neste blog. Esta é a quarta produção desta safra germânica – ainda falta assistir a algumas outras produções clássicas e outras contemporâneas.

ATUALIZAÇÃO (15/03): Resolvi dar uma “abaixadinha” na nota do filme porque, pensando bem, ainda que ele tenha muitas qualidades, vendo o trailer dele agora percebo que a produção acaba sendo uma mistura de “comédia de erros” com um bocado daqueles filmes meio “porno-chiques” da Alemanha antiga e que ganhou nova roupagem… bem, ele não apenas isso, mas também pode se dizer que é isso, então resolvi abaixar um pouco a nota – até para que eu tenha direito de dar a nota que vou dar para o próximo filme.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 25 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing, professora universitária (cursos de graduação e pós-graduação) e, atualmente, atuo como empreendedora após criar a minha própria empresa na área da comunicação.

2 respostas em “Das Leben ist Eine Baustelle – A Vida é um Canteiro de Obras”

A Internet é mesmo um fenômeno interessante, pois estamos sempre descobrindo páginas sensacionais que jamais pensávamos existir! Parabéns pelo nível de profundidade das resenhas e virei por aqui muitas outras vezes.

Ah sim, achei Good Bye Lenin um filme sensacional por conseguir tratar de um tema tão delicado (a separação da Alemanha) de uma forma bem humorada.

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Pois, pois. Veja você que engraçado: acabo (e estamos falando de 2013, a poucos dias de 2014) de assistir a esse filme. Não daria nem perto dos 7 e tantos, do IMDB. Nem perto. Primeiro, porque, para mim, ou você alopra de jeito, e entra no espírito do, como se diz, ‘fantástico’ (v.g. ‘Brilho Eterno de Uma Mente…’), ou obedece as probabilidades. Não tenho muito saco para encontros inusitados, repetidos em situações nas quais sobra tudo, menos tempo. Daí o porquê da minha má-vontade com a cena da galinha no bonde. …e a morbidez de se tirar um maço de cigarros do bolso de um defunto não me arrancou nem um sorriso. Mas (ah, já foi contado o final, mesmo, então, tudo jóia comentar pontos-chave, né?) a traição dele, com a grega, pareceu-me, aí, sim, verossímil. Aliás, um dos três momentos em que achei Jürgen Vogel bonitão. Tá. Razão da minha bronca: continuamos sem saber o que Vera faz da vida (escroque profisisonal?), e a dúvida não ficou poética. Aquelas reticências Capitu-Bentinho. Coisa nenhuma. E como é, ficam dois mistérios juntos, para a gente classificar o filme de ‘arte’? Esse e o do fiiiiiiiiiiiiiiim-fim, do teste? Ah, vá. Esse filão anda bem desgastado. 4,5, para mim. E, sem a pegadinha com a grega, caía para 2.

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