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Burn After Reading – Queime Depois de Ler


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Os irmãos cineastas Ethan e Joel Coen não são bem certos da cabeça. Isso eles já comprovaram em mais de um filme de suas carreiras e, novamente, reafirmam esta característica com Burn After Reading. Afinal, hoje em dia, não pode ser muito “certo da cabeça” quem faz um humor ácido, que trata de mortes e da violência como consequências lógicas de uma sociedade desumanizada e que gasta zilhões de dólares a cada ano com espionagem, segurança e formas variadas de controle social. Apenas eles – e alguns outros cineastas atualmente – podem fazer um filme que trate destes temas sem parecerem caricatos ou ridículos. Não. Pelo contrário. Burn After Reading apenas reforça a idéia das pessoas que admiram esta dupla pelo que ela explora visivelmente e, em especial, nas entrelinhas de seus filmes.

A HISTÓRIA: O consultor da CIA Osbourne Cox (John Malkovich) é afastado de seu trabalho e recomendado para um posto “menor” fora da instituição – mas, revoltado com a decisão de seu superior, Palmer Smith (David Rasche), ele resolve dizer adeus definitivamente ao trabalho. Em casa, ele comunica a nova realidade para a mulher, Katie (Tilda Swinton), que fica preocupada com as finanças domésticas. Ao mesmo tempo, farta do marido e querendo assumir o relacionamento com o amante, Harry Pfarrer (George Clooney), ela pensa em pedir o divórcio. Enquanto isso, Osbourne começa a trabalhar em um livro com tons autobiográficos que pretende revelar os bastidores do trabalho de um consultor da CIA. Aconselhada pelo advogado, Katie faz uma cópia dos arquivos do marido que, por acidente, acaba caindo nas mãos de Chad Feldheimer (Brad Pitt) e Linda Litzke (Frances McDormand), empregados de uma academia de ginástica que acabam enxergando no texto de Osbourne Cox uma oportunidade de conseguirem dinheiro.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Burn After Reading): Os irmãos Coen são ótimos no que fazem. Não apenas na direção, com a escolha acertada de planos de câmera exatos e pelo talento de guiar os atores pelos caminhos corretos de suas interpretações, mas sobretudo pelo roteiro que eles costumam lapidar com cuidado em cada linha. Burn After Reading, como muitos filmes da dupla, nos apresenta personagens incríveis jogados em situações igualmente peculiares. Quem mais, hoje em dia, conseguiria justificar tantos palavrões falados por minuto por uma figura como John Malkovich do que os Coen? Ou quem conseguiria pensar em um personagem tão irritante e desastrado para o galã George Clooney do que eles? Difícil dizer quem é o melhor neste elenco de astros afinados que assume a pele de personagens cômicos e, ao mesmo tempo, realisticamente incômodos.

Vamos começar falando de John Malkovich e da neura que circula ao redor dos agentes da CIA. Mesmo mal sofrido pelo personagem de George Clooney, que faz parte dos “federais” – ou, mais precisamente, do “U.S. Marshals Service”, que tem um artigo bem esclarecedor sobre como essa agência funciona aqui. Os dois, Malkovich e Clooney, a sua maneira, interpretam personagens enlouquecidos pela segurança – deles próprios e de suas famílias, mais que nada. Poderíamos classificá-los praticamente como neuróticos. No caso de Osbourne Cox, ele está mais interessado na tranquilidade de sua aposentadoria do que em controlar os carros que passam em sua rua. Mais “pavio curto” que Harry Pfarrer, por outro lado, ele não mede as palavras para desqualificar quem ouse afrontá-lo. Poucas vezes vi um ator como John Malkovich proferir tantos palavrões em tão pouco tempo. hehehehehehehehehe. Perfeito em seu papel descontrolado, ele está para tirar o chapéu neste filme. Curioso perceber que, por mais “valentão” que ele possa ser, Osbourne encontra uma queda-de-braço singular na própria casa, na figura da ambiciosa e um tanto “fria” esposa.

E George Clooney… inicialmente fiquei um pouco nervosa com aquele jeito dele irritante. A cena em que Harry Pfarrer se exibe no jantar oferecido pelos Cox, cuspindo comida enquanto fala, é de rachar o bico. Só por esta cena o ator merece aplausos. Mas depois ainda virá mais… como nos outros filmes em que trabalhou com os Coen, Clooney se revela em Burn After Reading. Se fosse analisar apenas esta intepretação, eu diria que o ator francamente topa tudo, deixa o ego para trás e se coloca na pele do personagem. Pena que não é todos os dias que Clooney se entrega assim a um personagem – ou o problema esteja na falta de papéis desta natureza para ele… vai saber. De qualquer forma, além da cena do jantar, a sequência do pavor dele pela invasão de um homem na casa da amante e a mesma reação no parque ao saber da ligação entre Linda e Chad valem o salário milionário do ator – e o tempo que gastamos por vê-lo neste filme.

Mas além de Malkovich e Clooney, o filme conta com uma outra grande interpretação masculina: Brad Pitt como o desmiolado Chad. Dei muitas risada com ele, porque Pitt está simplesmente incrível e perfeito. Outro ator que deixou o ego de lado para interpretar este papel, e sem cair no erro que seria fácil de cometer em uma interpretação do gênero, que é o do estereótipo. Ele e os outros atores comprovam que existe uma diferença clara entre fazer uma comédia e/ou sátira sobre determinadas “idéias préconcebidas” das pessoas e a prática de simplesmente assumir estas idéias como realidade – ou vestir estereótipos. 

As mulheres desta história são as únicas, digamos, mais “plausíveis”. Pelo menos a ambiciosa personagem de Tilda Swinton. A interpretada por Frances McDormand também é um pouco exagerada, a exemplo dos homens da trama, mas nada que não possa ser visto como um exagero crítico. E Burn After Reading é bastante crítico, meus amigos. A sua maneira, os irmãos Coen abrem a artilharia contra a sociedade das aparências, do culto exagerado ao corpo – e não ao intelecto -, na mesma medida em que metralha instituições de “inteligência” como é o caso da CIA e dos U.S. Marshals. Na ótica divertida e exagerada de Joel e Ethan, o culto ao corpo chega ao extremo de justificar crimes e organizações de “inteligência” servem apenas para alimentar neuroses, manias de perseguição e o gasto de recursos e energias para apagar os incêndios que elas mesmas provocam. Não é todos os dias – e nem qualquer diretor – que nos apresentam questionamentos como estes. Palmas para os Coen!

NOTA: 9,5.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: Além das estrelas do filme já citadas, que ocupam grande parte do interesse dos diretores, vale citar o papel secundário vivido pelo ótimo ator Richard Jenkins. Nesta história ele interpreta a Ted Treffon, o chefe apaixonado de Linda e supervisor de Chad na academia. Nesta história ele não tem o protagonismo de The Visitor, por isso ele acaba meio que “desaparecendo” atrás dos atores principais – ainda que ele tenha pelo menos um grande momento nesta história, quando confronta a Osbourne Cox.

Outros atores que participam em papéis secundários: Elizabeth Marvel como Sandy Pfarrer; J.K. Simmons como o superior de Palmer Smith na CIA; Olek Krupa como o russo Krapotkin; e J. R. Horne como o advogado contratado por Katie Cox para o divórcio.

Para quem gostou da fotografia do filme – que é bem feita, mas nada excepcional -, o responsável por ela é Emmanuel Lubezki. A trilha sonora leva a assinatura de Carter Burwell, e a edição, dos irmãos Coen. 

Burn After Reading recebeu a nota 7,3 dos usuários do site IMDb. Achei baixa. Merecia mais – prova disso é a nota que eu dei para o filme. 😉 Certo que não precisava tanto, mas acho que pelo menos um 8,5 ele merecia. Os críticos que tem textos publicados no Rotten Tomatoes dedicaram 161 avaliações positivas e 47 negativas para a produção – o que lhe garantiu uma aprovação de 77%. Melhor que o IMDb.

Para constar: o filme é uma co-produção Estados Unidos, Inglaterra e França. 

Em sua trajetória, Burn After Reading concorreu a nove prêmios – incluindo dois Globos de Ouro -, mas não ganhou nenhum deles.

De bilheteria ele foi bem, obrigado. Mas não tão bem quanto algumas pessoas deveriam imaginar… afinal, esse foi o filme seguinte dos premiados com o Oscar imãos Coen. Mas ele se pagou, pelo menos. Burn After Reading teria custado aproximadamente US$37 milhões e faturou, apenas nos Estados Unidos, pouco mais de US$ 60,3 milhões. 

hahahahahahhahahahahahahaha. Agora que reparei um detalhe de um dos cartazes do filme… “Intelligence is relative”. Melhor impossível, vai. Grande sacada – e com duplo sentido, como o filme pede.

CONCLUSÃO: Uma comédia bastante cínica e crítica dos irmãos Ethan e Joel Coen que não poupa ninguém em um raio de quilômetros que abrange agentes secretos da CIA e agências afim e enlouquecidos por academias de ginástica. Diretores, roteiristas e editores desta história lançada depois do quatro vezes premiado com o Oscar No Country for Old Men, os irmãos Coen volta a brincar com os estereótipos vigentes na sociedade sobre diferentes personagens para contar uma história de traição e de disputa, onde o sexo, o dinheiro e o jogo pelo poder dominam o cenário apesar das aparências de futilidade. Uma produção que garante algumas boas risadas ao mesmo tempo em que joga pitadas de ácido em alguns dos produtos mais importantes do atual Estados Unidos da América. Receitado para quem enxerga o que vê e um pouco mais.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 25 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing, professora universitária (cursos de graduação e pós-graduação) e, atualmente, atuo como empreendedora após criar a minha própria empresa na área da comunicação.

4 respostas em “Burn After Reading – Queime Depois de Ler”

Poxa, me surpreende que esse filme ainda não tenha nenhum comentário! Achei simplesmente fantástico. Nos vemos sempre inundados por comédias que se dividem em 3 categorias básicas: pastelão, escatalógica e românticas (às vezes as 3 ao mesmo tempo) e ver uma comédia tão inteligente faz muito bem pra alma! O trio de protagonistas masculinos está ótimo! Costumoa char o George Clooney meio canastrão, mas ele está muito bem no papel. John Malkovich e Brad Pitt idem. Brad Pitt tem um certo estigma de galã, mas eu defendo ele até o fim. Não é “só um rostinho bonito”, é um ator muitíssimo competente e filmes como esse ajudam a demostrar isso.
A história, que beira o nonsense, está muito bem amarrada e proporciona momentos de humor muito bons. Em algumas partes, como no diálogo final do Chefe da CIA com o assistente, sobre as conseqüências dos acontecimentos, envolvimento com os russos, mortes, etc, percebe-se o absurdo da seqüência de fatos. Paira uma exclamação de “WTF?” no ar!. ahahahahah
Até pra escrever esse comentário me dá vontade de rir. Simplesmente adorei.

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Oi Isa!!

Pois sim… também me parece curioso ninguém ter falado sobre este filme dos irmãos Coen, especialmente porque eu achei que ele seria mais “popular” do que outros filmes que já receberam vários comentários no blog. Mas, como eu sei que nem sempre as coisas são lógicas ou matemáticas, eis aqui mais um destes mistérios da blogosfera… hehehehehehehe

Concordo contigo que comédias inteligentes são um bocado raras – e que esta é um exemplo do gênero. E o George Clooney canastrão… esse parece ser o “modus operandi” do ator nos filmes dos Coen, já notou? Em todos eles o Clooney faz esse estilo de atuação – com outros atores ele incorpora seu papel de forma distinta.

O Brad Pitt já demonstrou há muito tempo que não é apenas bonito, mas que tem um dos melhores trabalhos como intérprete de sua geração – muito melhor que o “outro bonitinho”, Tom Cruise.

Isso mesmo, Isa, siga indicando este filme. Ele merece. Um abração!

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Olá sou a Sandra, nova aqui. Só para dizer que gosto muito do blog, acho-o bastante interessante e com muita informação o q é bastante importante para quem gosta de cinema.
Ja andei por aí, e concordo plenamente com tudo o q disseste acerca de este filme.
Vou continuar a ler as tuas críticas com gosto e a dar a minha opinião se não te importares.
Parabens

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Oi Sandra!!

Seja muito bem-vinda por aqui!!

Fico feliz que tenhas gostado do blog e deste texto.

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Obrigada por tua visita, teu comentário e teu incentivo. Valeu mesmo! E espero te “encontrar” por aqui muitas vezes ainda.

Um abraço e inté!

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