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Mary and Max – Mary e Max


Um gosto pelos detalhes impressionante, uma história linda contada de forma satírica e desenhada especialmente para adultos. Mary and Max, a animação criada pelo australiano Adam Elliot é destas peças de cinema para serem colecionadas. Profundo e ao mesmo tempo divertido, engraçado e simultaneamente trágico, este filme surge com um novo conceito de animação para adultos. Muito diferente das obras produzidas por Disney, Pixar ou DreamWorks, Mary and Max comprova como temas sérios e a realidade dura/cheia de esperança da vida como ela é podem ser refletidas em um filme do gênero. Um trabalho brilhante que pode chegar ao Oscar – mas que dificilmente conseguirá vencer a “grande indústria” em uma quebra de braços inevitável.

A HISTÓRIA: Primeiro em um plano geral e, depois, em closes de objetos espalhados por ruas e casas, vamos acompanhando o estilo de vida de Monte Waverley, a cidade australiana onde vive Mary Daisy Dinkle (quando criança, com a voz de Bethany Whitmore; adulta, com a de Toni Collette). A garota de 8 anos quer, acima de tudo, fazer alguma amizade, segundo nos conta o narrador desta história (voz de Barry Humphries). Ao mesmo tempo em que conhecemos um pouco da vida das pessoas que cercam a Mary, incluindo seus pais, Noel e Vera (voz de Renée Geyer), seus animais de estimação e vizinhos, somos apresentados a peculiar educação que ela recebeu. Mary adorava passar seus dias assistindo ao desenho Os Noblets na TV. Enquanto isso, em Nova York, o quarentão solteiro e solitário Max Jerry Horovitz (voz de Philip Seymour Hoffman)  também assistia Os Noblets. Pela iniciativa de Mary, que encontra em uma lista de Nova York o nome de Max, os dois vão começar a trocar correspondências, mantendo uma amizade através de cartas pelo tempo e apesar da distância.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Mary and Max): O primeiro recurso lançado por este filme para “fisgar” o seu público é a deliciosa e envolvente trilha sonora de Dale Cornelius. Um grande trabalho do compositor, que imprime o tom exato de lirismo ou de suspense/ação conforme a história de Mary and Max vai pedindo. Envolvidos no clima proposto por Cornelius, os espectadores são lançados na técnica da “clayography” (em uma tradução livre, “argilografia”), termo lançado pelo diretor e roteirista Adam Elliot para definir o seu trabalho.

Utilizando a técnica da animação fundamentada em bonecos e objetos feitos de argila, conhecida também como “stop motion”, Elliot consegue um diferencial ao narrar as suas histórias com a preocupação de um trabalho “biográfico” – de aí surge a palavra “clayography”, uma junção de “clay” (argila) e “biography” (biografia). Os primeiros minutos de Mary and Max evidenciam esta característica do diretor, que foca, com uma câmera bastante dinâmica, detalhes das vidas dos protagonistas e das pessoas que os cercam. Não é por acaso, mas de forma muito planejada, que este filme se debruce tanto sobre as realidades muito diversas de uma moradora do subúrbio de Melbourne e de um residente de Nova York.

Mary and Max é uma animação única, totalmente singular. Não lembro de ter assistido antes a uma produção do gênero que se lançasse tanto nos destalhes cômicos e trágicos da vida de uma criança e de um adulto, ambos “inocentes” dentro de suas particulariedades. Talvez apenas Persepolis, outra animação incrível, equilibrasse de forma tão poética os dramas, alegrias e demais elementos da complexidade de uma vida.

Mas diferente do filme francês de Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud (comentado aqui no blog), Mary and Max segue uma veia cômica inusitada que, algumas vezes, beira o infame. Por isso mesmo ele é dirigido ao público adulto. Não que as crianças ou os jovens não possam assistir a este filme – mas eles dificilmente conseguirão entender toda a gama de ironias da história. Por exemplo, qualquer criança se pergunta “da onde surgem os bebês”. Mary e Max trocam, em sua primeira correspondência, informações a respeito – explicações absurdas que receberam de seus próprios pais. Na versão de Mary, os bebês na Austrália são “achados em copos de cerveja”. Na de Max, os bebês da América vem de “ovos colocados por rabinos” (ou por freiras católicas, ou por prostitutas sujas e solitárias). 😉 Vamos combinar que estas explicaçõe são geniais – e que, evidentemente, tem seu fundamento/origem nas respectivas origens e hábitos dos progenitores de Mary e Max. Enquanto os adultos um pouquinho informados podem ligar os pontos e chegar as suas conclusões, dificilmente uma criança terá essa leitura.

Não faltam, neste filme, situações em que crianças e adultos “socialmente marginalizados” recebem o seu troco ruim por serem “diferentes” dos demais. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Mary é sacaneada na escola. Max, visto como o “esquisitão” do bairro. Os dois compartilham uma série de dúvidas, solidão e, mesmo quando Mary se torna adulta, uma certa inocência latente que perdura com o tempo. Temas como solidão, alcoolismo, traumas, fobias de diferentes tipos, distúrbios mentais, abandono do lar, tentativa de suicídio e obesidade fazem parte do repertório desta animação. Assuntos muito pesados, certamente. Mas que tornam o filme ainda mais realista e interessante.

Claro que Mary teve muita sorte em encontrar a Max em Nova York. Se sua carta caisse na mão de qualquer outra pessoa, provavelmente esta história não teria acabado bem. Primeiro, porque muitos nem responderiam a sua carta. Depois, porque outros homens adultos poderiam se aproveitar da situação – como bem suspeitou a mãe da menina. Mas Mary and Max lança outra reflexão: afinal, quem é o estranho neste mundo de “normais”? Como bem observa Max, em uma de suas andanças por Nova York, chega a ser cômico que lhe apontem como um cara “louco” ou sinistro levando em conta cada figura considerada “normal” pela sociedade e que parece, realmente, ter muito menos lógica do que ele.

Ainda que os temas “pesados” comentados anteriormente estejam presentes no filme, sua idéia central não é obscura, e sim luminosa: a beleza e o poder de uma amizade. E mesmo contra todas as ameaças, dificuldades e adversidades da vida mesma, esta relação potente entre Mary e Max perdura. Enchendo de alegria e emoção aos espectadores deste filme brilhante. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Honestamente, espero que ninguém se sinta muito frustrado ou triste com o final da produção. Pensem que um “final feliz” clássico a la Hollywood fugiria totalmente do estilo de Adam Elliot – e também, convenhamos, de boa parte da realidade. Quantas histórias não existem, por aí, de pessoas que, por muito pouco, não conseguiram se encontrar? Então paciência, porque Mary e Max vivenciaram uma relação única e bela, eterna enquanto ela durou (me desculpe, poeta, por roubar sua conhecida expressão). E isso, meus caros, é tudo o que alguém pode querer, levando em conta a nossa finitude.

NOTA: 10.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: O diretor e roteirista Adam Elliot carrega em seu currículo pelo menos 31 prêmios e um Oscar. Pois sim. Em 2004 Elliot levou para casa uma cobiçada estatueta dourada por seu trabalho de animação Harvie Krumpet. O curta, que tem uma duração de 23 minutos, conta a história de um homem que sofre com a Síndrome de Tourette e que imigra para a Austrália, onde passa por uma série de trabalhos braçais até parar em um lar para idosos. Tudo indica – ainda não assisti ao curta, que está disponível neste link do Youtube – que em Harvie Krumpet o diretor australiano já mostrava todo o seu estilo, contando uma história dura sem aliviar no realismo. E misturando, claro, uma biografia com a técnica da animação feita com argila.

Falando em vida dura, logo que Max surge na tela deste primeiro longa-metragem do currículo de Adam Elliot, eu pensei: “Vem cá, este homem tem algum distúrbio mental, não pode ser…”. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Realmente. Inicialmente, nem Max sabe que tem uma doença. Mesmo consultando o psiquiatra Bernard Hazelhof e frequentando um grupo de apoio a pessoas com distúrbios alimentares, Max não sabe que sua inestabilidade emocional, suas “variadas manias” e sua dificuldade em se relacionar com os demais são frutos da Síndrome de Asperger com a qual ele sofre. Esta síndrome teria relação com o autismo – para saber mais, recomendo este site. Curioso que Elliot já havia tratado sobre outro distúrbio psiquiátrico anteriormente, em Harvie Krumpet. Sem dúvida lhe interessa contar histórias de pessoas com uma vida diferenciada.

Muitas vezes Mary and Max pode resultar como “politicamente incorreto” para alguns gostos. A verdade é que se trata de um filme que não faz concessões. Ele pode mostrar, ao mesmo tempo, dois cães tentando copular, como uma mãe displicente e alcóolatra ou a crueldade de crianças com pessoas que “não se enquadram”. Alguns podem ficar incomodados com isso. Mas, francamente, eu acho esta franqueza um dos princípios mais interessantes da forma de trabalhar de Adam Elliot. Ele está interessado em fazer um trabalho que se assemelha a de um cronista, de um observador do cotidiano. E transformar isso em arte, em desenho feito de bonecos e cenários nascidos da criatividade, torna seu trabalho ainda mais incrível.

Como resume de forma bastante precisa a sinopse do filme divulgada pelos produtores, Mary and Max é uma crônica da viagem de Mary da adolescência (eu diria, inclusive, infância) para a vida adulta, e a passagem de Max da meia idade para a idade avançada, revelando como os laços de amizade deles puderam durar muito mais do que a média das relações do gênero, apesar dos altos e baixos pelos quais eles passaram.

Bem lembrado também que, além da Síndrome de Asperger, este filme trata de cleptomania e agorafobia, para dar o exemplo de outros dois transtornos psiquiátricos abordados por esta animação.

Buscando as notas de produção sobre o filme, encontrei um texto interessante de Adam Elliot sobre este seu quarto trabalho de “clayography”. Como o diretor revela, em cada um de seus projetos ele explora a vida particular de uma pessoa. Neste seu primeiro longa, seu foco são dois protagonistas. Para Elliot, Mary and Max marca o “terceiro maior salto artístico” pelo qual ele passou na última década. “A triologia Uncle, Cousin e Brother (traz filmes que) são muito similares em estilo, estrutura e forma de entrega. Meu objetivo com estes filmes era contar histórias muito engraçadas, minimalistas e estáticas, curats “mini” biográficos que convidam a audiência para ver e celebrar as qualidades únicas de pessoas comuns”, comenta o diretor. Lembrando que os filmes que ele comenta tinham, respectivamente, 6, 4 e 8 minutos de duração e foram produzidos entre 1996 e 1999.

Seguindo o texto de Adam Elliot, o diretor comenta que sua carreira passou por um outro momento com Harvie Krumpet, que ele classifica como uma produção que revela uma “mais longa e exaustiva exploração da vida de uma pessoa”. “Os valores da produção eram muito maiores, a animação mais dinâmica, e a estrutura do enredo mais complexa. Com Harvie, eu novamente tive como objetivo manter a simplicidade no meu estilo visual e, outra vez, escolhi deliberadamente manter um único narrador conduzindo a história. E mais uma vez, a história explorava temas como o diferente, a aceitação e a solidão”, define o diretor.

A intenção de Elliot com Mary and Max, segundo seu texto, era a de manter o seu estilo visual, mas desta vez produzindo uma história de forma mais dinâmica para que o público mantivesse o seu interesse em um filme com uma duração mais longa. “Este filme, mais uma vez, explora o nosso desejo de aceitação e amor, não importa o quanto somos diferentes! Há ainda um narrador, o maravilhoso Barry Humphries, mas desta vez eu acrescentei as vozes de dois protagonistas, Mary e Max. Eu sempre evitei fazer muitas auto-análises com medo de tornar meu trabalho muito prescritivo e construído. Eu escrevo com o meu coração, com o desejo de uma conexão compassiva com as audiências. Eu não escrevo para um nicho específico de público, mas tento contar histórias universais. Eu imagino que estou contando a história da vida de alguém para um grupo muito grande de pessoas diferentes de muitos países em torno de uma fogueira enorme. Tento manter todos concentrados temperando a história com momentos de humor e melancolia. Eu tento misturar em equilíbrio comédia e tragédia, humor e emoção de uma forma rítmica e potente. A cada filme eu tento despertar todos os sentidos, não apenas os ouvidos e os olhos! Vejo que meu trabalho é o de alimentar a platéia em um composta de estimulação sensorial”. Não sei, francamente, se ele consegue despertar todos os sentidos do público, mas certamente o diretor consegue envolver os espectadores equilibrando os diferentes elementos que ele citou.

Para o diretor, é difícil comparar Mary and Max com outros filmes. Adam Elliot percebe, por exemplo, que sua última produção consegue um certo paralelo com filmes de “live action” (ou seja, produções filmadas com atores, que não são de animação) como 84 Charing Cross Road e About Schmidt. Sobre suas inspirações, Elliot comenta que elas surgem de outros tipos de arte, como por exemplo o trabalho da fotógrafa especializada em retratos Diane Arbus. Ele cita ainda, como referências, o artista performático Barry Humphries e o cartunista e filósofo Michael Leunig.

Sobre Mary and Max, Elliot comenta que o filme apresenta muitos momentos sombrios. “Temos dois mundos simultaneamente representados: o mundo australiano suburbano de Mary, e o mundo urbano de Nova York de Max. O mundo de Mary é representado por uma paleta de cores marrom e o de Max por tons de negro, branco e cinza. Nos dois mundos usamos vermelhos pontuais para tornar certos objetos mais simbólicos. Eu sempre tento manter a variedade de cores no mínimo; o que garante um estilo visual forte e age como um ponto de diferença em relação ao “maluco”, “bobo”, “colorido” mundo da maioria dos filmes animados”.

O realizador de Mary and Max destaca ainda que este seu novo trabalho se destaca dos demais por ter “movimentos de câmera muito mais dinâmicos” que seus predecessores. Esta característica foi resultado do trabalho com o diretor de fotografia Gerald Thompson, “um especialista em controle de movimentos”. “Gerald fez um filme mais potente agora com seus movimentos de câmera muito fluídos e sem costura, com um design de iluminação que torna o mundo muito mais realista do que um filme de animação convencional. Ele aplicou os princípio de ação ao vivo para criar uma estética original”, ressalta Elliot. Eu destacaria ainda o excelente trabalho do editor Bill Murphy que teve um trabalho gigantesco para executar.

Sobre o roteiro de Mary and Max, Adam Elliot comenta que o personagem de Max foi inspirado em um interlocutor que ele mantêm em Nova York há mais de 20 anos. “Ele é uma pessoa muito interessante e a criação deste filme servirá como testemunho para ele e os arquétipos oprimidos que as audiências ao redor do mundo ficarão engajadas. Ele, como Max, tem Asperger, e passei bastente tempo investigando a respeito desta síndrome. Meu objetivo não é apenas iluminar o mundo dos “aspies” (portadores da síndrome), mas também desmistificar os vários conceitos errados que outros tem sobre estas pessoas (mesmo os que são chamados peritos)”.

No mesmo material de divulgação do filme, o diretor faz um emocionante desabafo: “Muitas pessoas dizem que se sentem muitas vezes diferente; que não sentem que se encaixam. Eu sou uma destas pessoas. Mesmo com todo o sucesso, reconhecimento e aceitação que eu obtive com os meus filmes, eu muitas vezes ainda me sinto sozinho e sem sintonizar-me com o resto do mundo. Muitas vezes eu me sinto triste, perseguido e com dúvidas sobre as coisas, eu acho o mundo tantas vezes injusto. Eu realmente sinto empatia com os perdidos e os ignorados, marginalizados e melancólicos. Eu sou atraído por estas pessoas e suas histórias, mas não posso ajudá-los. Eu acho as pessoas tão fascinantes, a partir do normal para o verdadeiramente ímpar. Estas são as pessoas que eu respeito; estas são as pessoas cujas histórias eu quero ouvir e quer ver na tela grande.”

Para Adam Elliot, esse seu gosto pelo diferente também é compartilhado por boa parte do público. “Eu sei que o público também quer ouvir as histórias da diferença, milhares de pessoas no mundo todo me disseram isso na última década. Eu tenho uma caixa no meu corredor que contêm centenas de recortes da imprensa, e-mails e as cartas que recebi sobre o meu trabalho. Recebemos cartas de pessoas com a Síndrome de Tourette, Alzheimer e depressão. Cartas de jovens e adultos, da Suécia até Tóquio. De pessoas que viram os meus filmes na tela grande, em uma companhia aérea, em um festival de cinema, na internet e até mesmo em seus telefones. Todos dizem coisas semelhantes, de que foram afetados de alguma forma por assistir a meus filmes. Para alguns, isso os tem levado a uma mudança de vida, para outros eles simplesmente adicionaram um pouco de alívio para o seu dia”.

Como poucos cineastas que eu já tive o prazer de ler um texto pessoal antes, Adam Elliot tem a consciência de como seu trabalho pode afetar a vida das pessoas para o bem, fazendo a diferença em seu cotidiano. No mesmo material de divulgação, depois de afirmar que tem plena consciência do efeito dos seus filmes – após citar a uma mulher que quis assistir a Harvie Krumpet antes de morrer -, o diretor comenta: “Costumo dizer que, se eu pudesse, gostaria de fazer meus filmes gratuitamente. Nenhuma quantidade de dinheiro jamais poderia comprar a sensação de estar com uma audiência assistindo algo para o qual você tenha dado o seu coração e alma, sabendo que isto não é apenas entretenimento para eles, mas que também os vai nutrir e mover”. Que homem maravilhoso, não? Fiquei fã dele.

Achei interessante (e conciso) o texto da produtora Melanie Coombs, que ressalta a capacidade do roteirista e diretor Adam Elliot em falar sobre a aceitação das diferenças. Ela comenta que os filmes de Elliot mostram como as pessoas vão se abrindo para as diferenças e aceitando, mesmo com alguma dificuldade, diferenças que antes pareciam confusas e difíceis de aceitar. Ela ressalta ainda a maneira peculiar com que o artista trata deficiências físicas e mentais, como um menino que aponta o dedo para dizer que uma pessoa não tem suas pernas, tratando o tema de forma honesta e sem julgamentos.

Adam Elliot, além de diretor e roteirista do filme, também trabalhou como designer da produção e desenhando todos os seus caracteres. Ele foi inspirado por vários retratos em preto-e-branco da fotógrava nova-iorquina Diane Arbus. Um de seus retratos inspirou um dos personagens do filme – que aparece brevemente olhando por uma janela em um ônibus na sequência de abertura sobre Nova York.

Agora, algumas curiosidades sobre esta produção: ela levou aproximadamente cinco anos para ser realizada, contando o momento em que o roteiro foi escrito. Se trata da segunda animação feita em stop-motion na história da Austrália – Mary and Max foi precedido, antes, por $ 9,99, lançado em 2008.

As filmagens foram feitas durante 57 semanas – ou seja, pouco mais de um ano e dois meses -, com um equipe de produção envolvendo 50 pessoas. Elas produziam, em média, por semana, dois minutos e meio de animação. Cada um dos seis animadores envolvidos no projeto produzia, diariamente, quatro segundos de filme  – que loucura, não? Um trabalho homérico.

Mais números: Mary and Max abriga aproximadamente 132.480 quadros (“frames”) individuais que foram registrados por seis câmeras de alta resolução digitais da Canon. Para o filme foram produzidos 212 bonecos feitos de uma variedade de polímeros, argila, plásticos e metais. Foram construídos ainda 133 “sets diferenciados” (ou ambientes) para esta produção. Foram produzidos ainda 475 adereços em miniatura – a máquina Underwood, por exemplo, levou 9 semanas para ser projetada e construída.

Para que os personagens pudessem ter a expressão exata no momento de falarem, foram produzidas 1.026 bocas que eram substituídas a cada frame (quadro). Max, por exemplo, tinha 30 bocas diferentes para que ele pudesse expressar sua emoções e falar. Foram fabricadas ainda 886 mãos para os personagens; 394 pupilas e 147 trajes diferentes para os personagens. Impressionante! Ah, e os “figurinos” tiveram inspirações ilustres: a roupa utilizada por Mary em seu casamento teve como inspiração Lady Diana e a roupa de Ivy foi idealizada seguindo um traje utilizado pela mãe da fotógrafa Annie Leibovitz (aqui uma retrospectiva da artista).

Mary and Max estrou em em janeiro deste ano como o filme de abertura do Festival de Sundance – uma bela (e merecida) honraria. No mês seguinte, ele participou do Festival de Berlim. Depois, participou ainda de outros 15 festivais – o último deles, na Polônia, agora em novembro. Até o momento, o filme ganhou pelo menos sete prêmios. Entre eles, o Urso de Cristal de Menção Honrosa ao Cinema Juvenil Generation 14+ no Festival de Berlim; o Grande Prêmio do Festival de Animação de Stuttgart; o de melhor roteiro no Prêmio Queensland Premier’s Literary; e o Grand Cristal no Festival de Animação de Annecy.

Os usuários do site IMDb deram a nota 8,3 para o filme. Por sua vez, o site Rotten Tomatoes disponibiliza os links para 24 críticas positivas e duas negativas para Mary and Max – o que lhe garante uma aprovação entre os críticos de 92%.

Além dos atores já citados, vale mencionar a participação de Eric Bana que, no filme, empresta a sua voz para o personagem de Damien, um vizinho gago de Mary que vira a sua paixão.

CONCLUSÃO: Uma animação muito diferente do que estamos acostumados a assistir. Carregada de ironia e protagonizada por duas pessoas muito diferentes que tem visões extremamente particulares de mundo/da realidade, Mary and Max nos revela uma tocante história de amizade e de aceitação de diferenças. Uma criança e um adulto, ambos “inocentes” em suas solidões, passam a compartilhar suas vidas através de cartas. Acompanhando suas histórias, o espectador passa a conhecer também um pouco do cotidiano de um subúrbio australiano e de uma Nova York urbana e um bocado obscura. Produzido com esmero nos detalhes, utilizando a técnica do stop-motion e dos bonecos feitos em argila e outros materiais, Mary and Max é um filme ideal para adultos porque toca em temas sérios e densos, ao mesmo tempo em que apresenta muitos momentos de leveza, simplicidade e humor. Emocionante, profundo, divertido, perfeito.

PALPITE PARA O OSCAR 2010: O primeiro longa-metragem do brilhante Adam Elliot figura na lista dos 20 filmes de animação pré-selecionados para o próximo Oscar. Mary and Max deve se engalfinhar com os demais para figurar entre os cinco indicados ao prêmio que dá a maior visibilidade para um filme na indústria do cinema. Francamente, mesmo não tendo assistido ainda a nenhum dos outros concorrentes, eu acho que seria uma injustiça que Mary and Max não estivesse entre os finalistas. Simplesmente porque ele é uma das melhores animações que eu vi nos últimos anos – junto com Persepolis e Wall-E, produções muito diferentes entre si.

Ainda é cedo para que eu possa dar uma opinião decisiva, mas acho que ele tem qualidades de sobra também para ganhar o prêmio. A verdade, contudo, é que será quase impossível que a Academia dê uma estatueta para Mary and Max. Não que ele não mereça. Mas o Oscar não está preparado para ser tão “ousado”. Além do mais, nunca a Academia premiaria uma produção australiana alternativa como esta em lugar de um filme comercial como Up, por exemplo, que deve ser o premiado do Oscar 2010. Esta é a minha primeira avaliação – mas surpresas sempre podem ocorrer, e eu posso mudar de idéia ao assistir a outros filmes na disputa nesta categoria.

SUGESTÕES DE LEITORES: Mary and Max estava na minha lista para ser assistido quando eu deixasse de lado a categoria de Melhor Filme Estrangeiro para o próximo Oscar. Ainda assim, eu não iria assistí-lo antes de Up ou Coraline, por exemplo – produções das quais eu já tinha ouvido falar. Só que quando vi uma sugestão do Mangabeira por aqui, comentando que eu deveria assistir a Mary and Max, não tive dúvidas: ele passou a figurar no topo da minha lista. Grande, grande filme, não é mesmo, Mangabeira? Eu o adorei.

Primeiro, pelo humor peculiar do roteiro de Elliot. Depois, pela qualidade técnica da animação, seu apreço por cada mínimo detalhe. Em terceiro lugar, porque esta é uma belíssima história sobre amizade (sem dúvida a melhor das relações) e sobre a compreensão de diferentes distúrbios psicológicos. Enfim, uma animação que trata da vida mesma, sem censuras, sem meias-palavras. Belíssimo, honesto, emocionante, potente. Fiquei fã do diretor e, certamente, estarei atenta a todo e qualquer trabalho que ele fizer no futuro. Muito obrigada, Mangabeira, por mais esta dica e por ter colocado este filme no topo da minha lista.

Agora, como não estou tendo sucesso para continuar assistindo aos filmes da lista de filmes estrangeiros pré-candidatos ao Oscar, vou me lançar a assistir as animações e os documentários que estão na disputa em suas respectivas categorias. Logo mais, outras novidades por aqui – e grandes filmes, certamente.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 25 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing, professora universitária (cursos de graduação e pós-graduação) e, atualmente, atuo como empreendedora após criar a minha própria empresa na área da comunicação.

14 respostas em “Mary and Max – Mary e Max”

poxa, que bacana saber que você viu e gostou tanto do filme Ale!

Fiquei na dúvida se a frase “baseado em uma história verdadeira” se refere apenas ao amigo interlocutor em Nova York ou será que Mary também teve alguma fonte de inspiração específica, além claro, das cartas e relatos que ele afirma ter recebido de todo o mundo, das chamadas “pessoas diferentes”.

Logo vou tentar ver também a animação Harvie Krumpet que você sugeriu.

Eu que agradeço, por mais essa crítica maravilhosa e recheada de curiosidades de um filme tão singular como esse.

bjão!

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Oi Mangabeira!!

Sim, como você pode ler, eu simplesmente ADOREI o filme. Para mim, uma das melhores animações que eu já assisti. E, provavelmente, o coloco na lista dos melhores de 2009.

Olha, como o diretor mesmo disse, Max teve realmente uma “pessoa real” como modelo… mas em parte alguma ele fala o mesmo de Mary. Então acho que a personagem dela pode ter várias influências de pessoas reais mas, na prática, não ser baseada em ninguém específico. Se é que eu me fiz entender… hehehehehe

Assisti a Harvei Krumpet… é interessante. Mas, sem dúvida, Mary and Max parece ter sido a obra-prima, até o momento, da carreira de Elliot.

Obrigada, mais uma vez, por esta tua dica genial.

Beijos e abraços – e que tenhamos um 2010 recheado de filmes maravilhosos. 😉

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Oi Sarah K!

Antes de mais nada, seja bem-vinda por aqui!

Maravilhoso, verdade?

Um filme fantástico. Um dos melhores que eu assisti no final do ano passado e, sem dúvida, uma das melhores animações dos últimos tempos – para falar o mínimo.

Fico feliz que tenhas gostado do texto. Espero que voltes por aqui mais vezes!

Abraços.

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Olha comcerteza é a melhor e mais tocante animação que eu já vi.Ela vc a um mundo de refleção, alegria e tristeza, a trilha é explendida, só vi algo parecido em termos de trilha em Pequena Miss Sunshine.Nota 10 Sensacional!

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Oi Vander!

Lindo, não é mesmo? Um filme perfeito, por toda a sensibilidade que ele apresenta, pelas reflexões que ele desperta e por todo o demais.

Uma produção maravilhosa, sem dúvidas.

Obrigada, mais uma vez, por tua visita e por teus comentários. Abraços!

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LINDO, COMOVENTE, TOCANTE!!!! ASSISTI UMAS CINCO VEZES E NA CENA FINAL AINDA CHORO. A TEMÁTICA ABORDADA ME CAUSA MUITA COMOÇÃO. PARABÉNS POR ESSA POSTAGEM DETALHADA, ELUCIDATIVA, COERENTE E COESA!!! PERFEITO!!!

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Olá Fernando!

Antes de mais nada, muito obrigada pela tua visita aqui no blog e pelo teu comentário.

Realmente, este é um grande filme. Deveria ser ainda mais conhecido.
Fico feliz que tenhas descoberto Mar and Max e que tenhas gostado tanto dele, assim como me alegra saber que tenhas gostado da crítica.

Espero que voltes por aqui mais vezes, inclusive para comentar sobre outros filmes.
Um grande abraço e até mais!

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Na minha opinião, todo trabalho feito com muito amor e dedicação e criatividade com boas pessoas afins, no final de tudo, gera os mesmos resultados quanto aqueles que trabalharam hora e hora pra sair um resultado com ótimos efeitos de animações aos expectadores e aos Telespectadores e críticos. Eu no propósito de ter um bom Blog orgulho autista só pra Autista, fico muitíssimo feliz por ajudar a todas as mães e pais do PLANETA, a resolverem situações das mais difíceis e com este Blog, dá mais que um resultado para todos que mais procura por ajuda. Meu nome é Washington Lima, Eu estou aqui pra ajudar a cuidar de todos Autistas, independende de raça, cor, Credo, religião e etc.

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Realmente algo novo e original foi produzido. Assisti esta animação, e confesso, olhava este tipo de produção com uma certa reserva. Quanto estava errado!. O filme é muito bom e interessante. Há uma frase de uma autor brasileiro, que não me recordo agora, que diz: “Ostra feliz não produz pérola” , que se encaixa muito bem para esta produção. Pessoas solitárias, que não se “enquadram”, vamos dizer assim, na chamada, “normalidade social”, que sofrem discriminações por serem diferentes, que sentem a dor de não serem aceitas, pois bem, são essas pessoas que muitas vezes produzem verdadeiras obras de arte (pérolas). Adam Elliot confessou que se sente, ou já se sentiu assim algumas vezes. Somente uma pessoa com a sensibilidade (e talento, também, é claro) e com uma visão tão ampla e abrangente do ser humano, é que poderia produzir esta obra. Um grande e indispensável filme.

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