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The Iron Lady – A Dama de Ferro


O tempo passa para todas as pessoas. Seja você um cidadão “comum”, ou um nome de destaque nos livros de história. Se você tiver sorte e viver muito tempo, uma hora a fatura é cobrada. The Iron Lady equilibra a história de uma mulher que serviu e ainda serve de modelo depois que ela saiu dos holofotes e um rápido repasse em sua vida pública. E para interpretá-la, não existe e nem poderia existir alguém melhor que Meryl Streep. Mais uma vez ela dá uma aula de interpretação, e torna muito difícil a escolha dos votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.

A HISTÓRIA: Uma senhora idosa fica em dúvida sobre o leite que irá comprar. Mas a dúvida dura pouco. Caminhando devagar até o caixa, ela é ultrapassada por um engravatado que fala no telefone celular e parece estar com muita pressa. Ela pega um jornal The Times no caixa e paga a conta, ficando surpresa com o preço do leite. Enquanto toma café com o marido, Denis (Jim Broadbent), Margaret Thatcher (Meryl Streep) comenta sobre a subida do preço do leite. Ele brinca com a preocupação da esposa, e diz que “ela”, a empregada, está chegando perto. Quando a empregada chega, Margaret Thatcher está sozinha na mesa. A partir daí, o filme mostra a fragilidade da ex-primeira ministra inglesa e parte de sua vida.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso só recomendo que continue a ler quem já assistiu a The Iron Lady): O que você poderia esperar de um filme sobre a mulher que ajudou a mudar a história da Inglaterra e da política mundial, abrindo espaço para tantas outras mulheres trilharem o caminho do poder? Para começar, um filme que mostrasse a determinação e a força da Dama de Ferro, como ela ficou conhecida, certo? Pois bem, por incrível que possa parecer, The Iron Lady trata mais da fragilidade do que da fortaleza desta figura histórica.

(SPOILER – não leia se você ainda não assistiu a The Iron Lady). Grande parte do filme enfoca a velhice de Margaret Thatcher e seu progressivo mergulho em um estado de demência. Por um lado, esse enfoque assumido pelo roteiro de Abi Morgan é um acerto ao abordar um aspecto novo, pouco conhecido e inusitado da conhecida líder política britânica. Por outro lado, essa mesma sacada perde o caráter de novidade e acaba se transformando em um desperdício de tempo, de oportunidade para explorar um retrato mais completo da personalidade focada. O grande problema do roteiro é que ele perde o momento de dar a guinada, de sair do estado de “surpreendente” para jogar-se em um trabalho mais aprofundado.

Faltou um pouco mais de talento e de percepção para Abi Morgan. Ela perde o momento de ponderar o que poderia ser mais interessante para o espectador – além do caráter surpresa. E como o roteiro, especialmente quando o foco é uma personalidade histórica, é a alma de um filme e precisa ser bem costurado, o resultado de The Iron Lady se mostra fraco, quase decepcionante, quando percebemos o quanto da história de Thatcher é ignorado pelo texto do filme.

Sem Meryl Streep, o resultado teria sido catastrófico. Mas eis mais um filme em que ela salva a história. A interpretação dela é perfeita. Mais uma digna de prêmios. De Oscar. Mesmo que ela fiquei à ver navios, mais uma vez, na maior premiação do cinema dos Estados Unidos, ela é a grande responsável pelo interesse de The Iron Lady. Ela interpreta com gravidade e um grande respeito a personalidade de Thatcher. Mergulha de tal maneira na fragilidade da velhice e na convicção das opiniões fortes da primeira-ministra na vida adulta que você precisa esforçar-se para recordar da Thatcher real.

Pena que uma grande atriz, sozinha, não salva um filme com roteiro fraco. Para a sorte do espectador, contudo, há pelo menos mais um grande ator em cena: Jim Broadbent, que interpreta ao marido de Thatcher. Ele é a graça do filme – ou, pelo menos, tenta fazer rir em meio ao drama e ao tom sisudo do restante da história. A diretora Phyllida Lloyd faz um bom trabalho, ponderando bem cenas de reconstituição, a inserção de imagens de época, e imprimindo o tom exato, com a ajuda do diretor de fotografia Elliot Davis para diferenciar bem os tempos históricos. Ela também acerta ao tornar a câmera uma grande fã de Meryl Streep, acompanhando-a em cada movimento.

O problema está realmente no roteiro. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Ele gasta muito tempo batendo na tecla da fragilidade de Thatcher, uma forma de emocionar o espectador ao tornar uma personagem sem grande apelo popular como digna de piedade. Claro que, neste sentido, o filme faz pensar no que eu comentei lá no início. De que não importa o quanto grande ou “pequeno” alguém pode ser, o tempo passa para todos e, com esta passagem, a fatura vai ficando mais pesada. Mas o interessante mesmo de um filme sobre Margaret Thatcher não seria essa reflexão, ainda que ela seja válida, e sim mais detalhes sobre a história desta grande mulher. E faltam mais detalhes que possam encorpar essa reconstituição histórica.

Verdade que o espectador acaba tendo rápidas pinceladas sobre vários momentos da vida de Thatcher, antes mesmo dela ter este sobrenome. O problema é que rápidas pinceladas é muito pouco. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Não sabemos nada da infância de Margaret, e saber tão pouco sobre a família dela não ajuda a montar um quadro sobre a formação da personagem histórica. A entrada e, principalmente, o sucesso dela na política também são tratados de maneira muito displicente. Ela não chegou a ser líder do partido sem alianças ou apoios importantes. Estas pessoas não aparecem – ou figuram apenas de relance, sem sabermos nada sobre elas. E mesmo o momento mais importante da personagem, quando ela se torna Primeira Ministra, é mostrado com pouca emoção ou profundidade.

Mesmo com tantos problemas, é interessante rever algumas frases famosas de Margaret Thatcher e relembrar, por exemplo, que ela citou a São Francisco de Assis logo que assumiu como Primeira Ministra. (SPOILER – não leia se você ainda não assistiu ao filme). A diretora e a roteirista acertam ao resgatar cenas históricas, e ao mostrar como o governo dela foi combatido. Mas os bastidores do poder e os jogos ao redor dela são quase todos ignorados. Algumas vezes, a questão parece estar resumida em uma questão sexista – homens versus mulher. Certo que esta foi uma questão importante, mas não foi a única que pudesse explicar a resistência dos pares de Thatcher ao seu poder. Também faltou mostrar o apoio que ela tinha da população – por grande porte do filme, até a guerra com a Argentina, pareceu que a população basicamente estava contra ela. E todos sabemos que ninguém ficaria tanto tempo no poder sendo impopular entre a massa e seus pares. Não faz muito sentido. E fragiliza o filme.

Meryl Streep, algumas das ótimas frases de Margaret Thatcher e o rápido repasse histórico daquela época fazem o filme não ser um completo desperdício e, porque não dizer, revelar-se até interessante. Se você conseguir ignorar algumas teclas batidas com repetição e a ligeireza do roteiro, poderá render-se a Streep. E isso sempre vale a pena.

NOTA: 8.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: Margaret Thatcher não foi apenas a primeira mulher a se tornar Primeira Ministra na Inglaterra – e a única, até agora. Ela foi também a figura forte de um dos principais países do mundo em uma época decisiva para a nossa história moderna. Thatcher ocupou a cadeira de Primeira Ministra entre 1979 e 1990. Certamente seria impossível, para qualquer filme, retratar com precisão os principais momentos destes 11 anos de governo dela. Mas faltou mais molho e enredo em The Iron Lady, tendo como fonte uma biografia e um tempo histórico tão determinante.

Este texto da Wikipédia, em inglês, traz mais informações sobre Margaret Thatcher do que todo o filme The Iron Lady. Para quem quiser saber um pouco mais sobre ela, é um bom ponto de partida. Aguardo o dia em que outro filme fizer mais justiça a uma personagem histórica desta grandeza. Gostaria de saber, por exemplo, dos bastidores das críticas que ela fazia à União Soviética, e a recepção que este combate tinha do outro lado – responsável por chamá-la de “dama de ferro”.

Segundo o texto da Wikipédia, como Primeira Ministra, entre outras ações, Thatcher desenvolveu uma política de desregulação, especialmente do setor financeiro, flexibilizando as regras trabalhistas, fechando e vendendo empresas estatais, e cortando subsídios dados para outras empresas. Parte destes pontos – especialmente as questões trabalhistas – são mostradas rapidamente no filme, com a consequente resistência de trabalhadores. Mas a recuperação da imagem de Thatcher não se deu apenas pela Guerra das Malvinas, em 1982.

Ainda que um conflito armado, que ressuscita a velha questão da soberania e do orgulho nacional, seja sempre um grande afrodisíaco para reeleições e para a política, a vitória da Inglaterra neste conflito justifica apenas em parte o sucesso de Thatcher para ser reeleita em 1983. As duras medidas tomadas logo que assumiu o poder começaram a surtir efeito e o país começou a registrar uma importante recuperação econômica.

Outro tema praticamente ignorado por The Iron Lady e que seria muito interessante de ter sido explorado foi a relação de Thatcher com lideranças mundiais, especialmente os Reagan. Também faltou abordar o que aconteceu com ela nos anos posteriores a ela ter deixado de ser a Primeira Ministra. Interessante como ela passou a ganhar 250 mil libras por ano para ser consultora geopolítica da companhia Philip Morris, por exemplo. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Ficou de fora da história também os problemas que ela teve de saúde, como os derrames “suaves” sofridos em 2002 – um ano antes da morte do marido.

Para quem quiser ler um rápido resumo de Thatcher em português, indico este. Nele ficamos sabendo, por exemplo, que o estado de saúde da ex-líder política é muito mais complicado do que aquele mostrado no filme.

Indicando outras leituras: esta página, em inglês, é o site da fundação Margaret Thatcher, que traz materiais multimídia, frases, discursos, entrevistas e um material bem extenso da líder política; e esta outra página, especial da BBC, com um vasto material de texto, vídeos e áudio com Thatcher.

The Iron Lady estreou no dia 26 de dezembro na Austrália e na Nova Zelândia. Agora em fevereiro, mais precisamente no dia 14, o filme participa de seu primeiro festival, o de Berlim. Pelas característica do filme, não vejo ele fazendo uma grande carreira nos festivais ou ganhando muitos prêmios além daqueles entregues pelos círculos de críticos para Meryl Streep.

O filme teria custado aproximadamente US$ 13 milhões e faturado, até o dia 29 de janeiro, um mês depois de estrear nos Estados Unidos, pouco mais de US$ 17,5 milhões. Sem dúvida esta bilheteria foi feita por duas razões: pelo nome de Meryl Streep, que é sempre um chamariz, e pela esperança dos espectadores de ver um grande filme sobre uma grande personagem histórica. Pena que apenas Streep faça valer o ingresso.

Até o momento, The Iron Lady ganhou oito prêmios e foi indicado a outros 20, incluindo as nomeações para dois Oscar’s. Quase todos os prêmios recebidos foram para Meryl Streep, como era de se esperar.

Os usuários do site IMDb deram a nota 6,2 para o filme. É baixa, mas compreensível pela qualidade do roteiro da produção – frente ao que ela poderia ser. Os críticos que tem seus textos linkados no Rotten Tomatoes também não perdoaram a fragilidade da produção. Eles dedicaram 101 críticas positivas e 86 negativas para The Iron Lady, o que garante uma aprovação de 54% para a produção – e uma nota de 5,8.

The Iron Lady é uma co-produção do Reino Unido com a França. Curioso, porque estas duas escolas de cinema, normalmente mais cuidadosas com cinebiografias, desta vez não tiveram a competência em focar uma personagem histórica tão relevante.

Fora os atores já citados, há pouca relevância no trabalho dos demais. Mas não custa citar os nomes de Alexandra Roach, que interpreta a jovem Margaret Thatcher; Harry Lloyd, que interpreta o jovem Denis Thatcher; e Olivia Colman, que faz um bom trabalho como a filha de Margaret, Carol. Da parte técnica do filme, nunca é demais citar o trabalho competente de Thomas Newman, na trilha sonora e a edição de Justine Wright.

Ah sim, e para quem acha que eu fui muito generosa com a nota acima, tenho duas considerações a fazer: de fato, acho que eu ando muito generosa, especialmente com os filmes indicados ao Oscar, já que este ano a premiação tem uma concorrência bem mais fraca do que em anos anteriores; e a nota é justificada, basicamente, por mais um excelente trabalho de Meryl Streep. Ela, sozinha, justifica a nota.

CONCLUSÃO: Um filme cuidadoso, atento aos detalhes de mais uma interpretação exemplar de Meryl Streep. The Iron Lady é conduzido por esta atriz espetacular. E ainda tem um roteiro inteligente em vários momentos, mas que não consegue aproveitar o legado de Margaret Thatcher. A produção perde uma boa oportunidade de contar mais detalhes da vida desta grande líder política. O roteiro ignora as forças que a levaram para o poder e a sustentaram por tanto tempo. Porque ninguém chegaria onde ela chegou e nem ficaria tanto tempo no poder apenas por suas ideias brilhantes. Toda a reflexão sobre a fragilidade da etapa final de Margaret Thatcher é válida, mas poderia ter sido encurtada para explorar melhor outros aspectos relevantes da vida desta personalidade histórica. Mesmo com os seus defeitos e simplificação da história, The Iron Lady é uma ótima oportunidade para assistirmos a mais um grande trabalho de Meryl Streep e, ainda de quebra, saber um pouco mais sobre a rotina de Thatcher em um momento em que ninguém mais se interessava por ela.

PALPITE PARA O OSCAR 2012: The Iron Lady concorre a duas estatuetas este ano: a de Melhor Atriz, para Meryl Streep, e a de Melhor Maquiagem. As duas indicações foram merecidíssimas. Bato palmas para elas. Mas quais as chances do filme ganhar alguma destas estatuetas?

Meryl Streep sempre merece um Oscar. Impressionante. Dito isso, acho que ela poderia receber o Oscar por The Iron Lady. Conta a seu favor o fato dela ter recebido um Globo de Ouro pelo papel. Mas tenho minhas dúvidas se ela vai conseguir isso. Primeiro, porque as bolsas de apostas estão apontando para uma vitória de Viola Davis. Que também merece, diga-se. Depois, porque The Help está com uma moral muito mais alta com a crítica do que The Iron Lady. E isso conta pontos na hora da votação.

O trabalho feito com a maquiagem também é merecedor de uma indicação. E eu acho, pela sutileza do trabalho, que ele merecia ganhar a estatueta. Só que será difícil, para não dizer impossível, já que The Iron Lady concorre com os fortes candidatos Albert Nobbs e, principalmente, Harry Potter and the Deathly Hallows: Part 2. Resumindo a ópera: acho que The Iron Lady pode sair do Oscar sem prêmio algum.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 25 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing, professora universitária (cursos de graduação e pós-graduação) e, atualmente, atuo como empreendedora após criar a minha própria empresa na área da comunicação.

2 respostas em “The Iron Lady – A Dama de Ferro”

Gosto muito do seu site, pois apresenta uma critica muito bem detalhada. Mas uma crítica: (construtiva, espero) acho louvável aviso de spoiler, mas repetir ad infinitum é meio irritante, a não ser que isso seja um estilo proposital, uma brincadeira talvez. abç

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Olha, alertar tantas vezes sobre spoilers é mais um excesso de zelo do que outra coisa. Mas após o teu comentário, passei a ter mais cuidado com isso, para não exagerar na dose.

Obrigada pelo toque.

Abraços e inté!

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