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Django Unchained – Django Livre


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É difícil para um diretor que fez filmes incríveis seguir com a mesma batida a cada nova produção. E mesmo que muita gente diga que Quentin Tarantino não consegue mais reprisar a força de Reservoir Dogs e Pulp Fiction, por exemplo, é inevitável tirar o chapéu para Django Unchained. Claro que ele não faz o filme definitivo de faroeste. E nem chega a resgatar o gênero – que já passou por um resgate fundamental com Unforgiven – e todos os filmes que viriam depois deste clássico de Clint Eastwood. Mas ele consegue nos conquistar logo no início com um roteiro incrível e algumas sacadas que só ele é capaz de ter. Pena que ele perde um pouco a mão na duração do filme, que poderia ter meia hora a menos, pelo menos. Mas ele segue sendo bom, muito acima da média.

A HISTÓRIA: Cenário desértico. A câmara abaixa, e vemos uma fileira de homens negros com machucados graves de chicotadas nas costas. Tempos depois, em uma noite escura, eles estão andando com cobertas nas costas porque o cenário está gelado. Esta história está ambientada em 1858, dois anos antes da Guerra Civil dos Estados Unidos. O grupo está sendo guiado pelos comerciantes de escravos chamados de irmãos Speck (James Remar e James Russo) por algum lugar no Texas, até que Dicky Speck para o grupo ao avistar uma carroça se aproximando. Nela está o Dr. King Schultz (Christoph Waltz) e seu cavalo Fritz. Ele procura pelos Speck e pelos escravos que eles compraram em Greenville. Entre eles está um escravo que trabalhou nas plantações Carrucan. Ele está sendo procurado porque poderá ajudar Shultz em uma missão. E este homem é Django (Jamie Foxx). A partir daquele momento, Schulz e Django desenvolvem uma parceria que vai levá-los longe, em um caminho de justiceiros.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Django Unchained): Os primeiros 50 minutos deste filme é o que ele tem de melhor. Tarantino consegue ganhar a plateia logo no início, com aquela agilidade de roteiro e de sacadas que lhe tornou famoso. Os diálogos, a trilha sonora e a preocupação dele com o tempo e o ângulo da câmera fazem toda a diferença na parte inicial da produção. Mas depois o diretor gasta tempo demais na Candyland.

O filme não chega a ficar arrastado, ou chato. Até porque Tarantino sabe muito bem fazer o seu ofício. Tanto como diretor, como como roteirista. E ele sabe, na mesma medida, escolher os seus atores. E a dupla Jamie Foxx e Christoph Waltz segura todas as pontas, fazendo um dueto ajustado e que funciona com precisão. O mesmo não pode ser dito dos atores Leonardo DiCaprio e Samuel L. Jackson.

O primeiro interpreta ao rico fazendeiro Calvin Candie. Na primeira parte de sua aparição, especialmente na cena do escravo com os cães, ele está bem. Um pouco over, mas ainda bem. Agora, quando se encontra com Samuel L. Jackson, que interpreta ao escravo Stephen, um tanto “mandão” e over demais, DiCaprio acompanha ao ritmo e também fica um pouco acima da nota adequada. Sem dúvida, tirando um pouco de lenga-lenga daquela apresentação de Django, Schulz e Candie, e também da enrolação da proximidade um tanto forçada entre Candie e Stephen, o filme ganharia.

Achei uma ótima sacada de Tarantino, logo após o sucesso de Inglorious Basterds, não apenas recuperar a ótima fase do ator Christoph Waltz mas, e principalmente, colocá-lo na pele de um alemão. Que, como era de se esperar, não entendia aquela infâmia chamada escravidão nos Estados Unidos. E a exemplo do filme anterior, Tarantino fez questão de não se ater a uma história real. Ou a amarrar a história a fatos muito concretos. Apesar disso, e por ser um grande interessado pela Segunda Guerra Mundial e pelo tema da escravidão, ele pode escrever dois roteiros cheios de realismo. Aquele realismo fantástico que o caracteriza.

E é assim que assistimos à perplexididade das pessoas, sejam brancos ou negros, com a relação entre Schultz e Django. O fantástico Christoph Waltz leva com muita propriedade o seu personagem do início até o fim. Ele não entende a escravidão, por isso trata Django como um sujeito igual a ele, oferecendo uma parceria desde o princípio. Correto, como todo alemão, ele logo coloca sobre as mesas as cartas que possui e que está disposto a oferecer. E Django embarca em sua proposta por causa disso. Pelo respeito e pela consideração que ele nunca tinha recebido. E que merecia receber, é claro.

E os dois fazem uma parceria incrível como caçadores de recompensas. Que outra mente além de Tarantino poderia colocar nesta posição um ex-dentista e um escravo alforriado? Grande sacada. O melhor do filme está nesta parceria entre os dois e na trilha que eles percorrem até a casa de Calvin Candie. A partir dali, apenas a cena do encontro de Schultz com Broomhilda von Schaft (Kerry Washington) vale a nossa atenção completa.

Há algumas outras pérolas jogadas até o final, claro. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Como o grand finale de Candie e a aparição de Tarantino como um dos empregados da temida The LeQuint Dickey Mining Company. E, claro, aquele “eterno retorno” de Kill Bill com a cena derradeira na casa grande. Uma vingança que se preze tem que ter uma sequência ciranda como aquela, segundo Tarantino. A marca dele está ali, assim como em todas as outras partes deste filme que trata sobre amor, fidelidade, respeito e uma época em que absurdos aconteciam sob a proteção da lei. Não é o filme definitivo sobre western mas, sem dúvida, é um exemplar interessante do gênero. Como tudo em que Tarantino se mete. A verdade é que o diretor e roteirista não consegue fazer um filme ruim. Ele até pode agradar mais aqui do que ali, mas nunca nos decepciona.

NOTA: 9,5.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: Totalmente uma obviedade dizer isso, mas a trilha sonora de Django Unchained é maravilhosa. Mais um trabalho excepcional de Tarantino que tem como uma de suas marcas registradas fazer uma trilha digna de ser comprada. Entre as ótimas escolhas, o mestre Ennio Morricone; várias músicas de Luis Bacalov; a ótima Freedom de Elayna Boynton, Kelvin Wooten e Anthony Hamilton; RZA e o grande Johnny Cash. Só para citar alguns.

Muito interessante, ainda falando da trilha sonora, de como Tarantino resgatou músicas de vários outros filmes. Como, por exemplo, várias músicas do filme I Crudeli, de 1967, dirigido por Sergio Corbucci; e outras canções de Two Mules for Sister Sara, de 1970, dirigido por Don Siegel; de I Giorni Dell’Ira, de 1967, do diretor Tonino Valerii; de Batoru Rowaiaru, de 2000, dirigido por Kinji Fukasaku; Lo Chiamavano King, de 1971, do diretor Giancarlo Romitelli; e de Città Violenta, de 1970, dirigido por Sergio Sollima. Esta é uma das formas de Tarantino de sugerir ótimos filmes para as pessoas fascinadas não apenas pelo cinema que ele faz mas, especialmente, pelo próprio cinema.

O ator Franco Nero merece um crédito especial no início do filme. E não é por menos. Ele é um veterano e um ícone dos filmes de faroeste. E aparece, em Django Unchained em uma superponta, como Amerigo Vessepi, o italino que aposta contra Calvin Candie em uma luta na noite em que os protagonistas chegam ao local.

Django Unchained custou a barbaridade de US$ 100 milhões. Digo barbaridade porque acabo de assistir a Beasts of the Southern Wild, comentado aqui no blog, que teria custado cerca de US$ 1,8 milhão e que, igualmente, chegou a ser indicado como Melhor Filme no Oscar deste ano. Brincando brincando, o dinheiro gasto com Django poderia ter garantido a produção de 55 filmes como Beasts of the Southern Wild. Claro, vocês vão dizer, os padrões são muito diferentes. Mas mesmo assim… muitos faroestes foram feitos com baixo orçamento. E, francamente, Django não precisava gastar US$ 100 milhões. Certamente custou tudo isso porque os atores pesaram no orçamento. 🙂

Até o momento, apenas nos Estados Unidos, Django faturou pouco mais de US$ 150,9 milhões. Obviamente ele se pagou. Ainda assim, tem um potencial muito menor de lucro do que um filme de baixo orçamento.

Django Unchained estreou no Canadá em dezembro de 2012. Depois, ele foi entrando nos outros circuitos comerciais e, até o momento, não participou de nenhum festival de cinema. Mesmo sem concorrer nestes locais, ele já faturou 19 prêmios e foi indicado a outros 38, além de ser indicado a cinco Oscar’s. Entre os prêmios que recebeu, destaque para o de Filme do Ano no Prêmio da AFI; o Melhor Ator Coadjuvante para Leonardo DiCaprio e um Top Films do National Board of Review; e os Globos de Ouro de Melhor Roteiro e de Melhor Ator Coadjuvante para Christoph Waltz.

Os usuários do site IMDb deram a nota 8,6 para esta produção. Uma avaliação muito boa, levando em conta o padrão exigente do site. Os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 201 críticas positivas e 26 negativas para Django Unchained, o que lhe garante uma aprovação de 89% e uma nota média 8.

Vocês notaram que demorei para assistir a este filme, não é? Admito que eu perdi a estreia dele no Brasil. E que, depois, preferi me jogar em outras “novidades” destacadas pelo Oscar antes de ver a este filme. Afinal, sempre me desmotiva um pouco quando “todos” já assistiram a algo. Mas o bom é que, apesar de tanta gente ter dito que tinha gostado de Django Unchained, isso não me impediu de assistí-lo sem estar contaminada. E agora, só falta um para fechar a lista dos nove indicados ao Oscar principal. Bóra lá!

CONCLUSÃO: Tarantino adora histórias de vingança. Destas que fazem a plateia torcer pelo mocinho que foi sacaneado. Django Unchained muda apenas o gênero de filme, e a paisagem, mas segue a mesma linha de outras produções recentes do diretor. Desta vez, ele faz a mistura inusitada entre faroeste e escravidão, e o resultado, como não poderia deixar de ser, é pop. Para quem não gosta de sangue, esta não é uma boa pedida. Porque não há tiro jogado fora neste filme. Todos acertam algum alvo e, a cada acerto, o sangue jorra. Tarantino parece cada vez mais propenso a fazer isto acontecer. Ele chegou perto de tornar o recurso over, mas o roteiro, especialmente os diálogos, tão bem escritos, ainda fazem a balança pender para o bom gosto. Django Unchained poderia ser mais curto, sem prejuízo para a história. Mas graças ao roteiro e aos atores principais, não sofremos com a vontade de Tarantino em utilizar o tempo que ele acha adequado para nos levar pela mão em mais um conto de vingança. Com aquela trilha sonora impecável. Ele segue bem. E mereceu estar no Oscar.

PALPITE PARA O OSCAR 2013: Django Unchained foi indicado a cinco Oscar’s. Conseguiu emplacar as indicações de Melhor Filme, Melhor Fotografia, Melhor Edição de Som, Melhor Ator Coadjuvante para Christoph Waltz e Melhor Roteiro Original.

Francamente, pela ousadia que Tarantino segue tendo ao trilhar seu próprio caminho e filmografia autoral, Django merece ter sido indicado como Melhor Filme. Até como incentivo para que outros autores sigam fazendo isso, independente se o tema ou a condução do filme segue a cartilha do politicamente correto ou do que Hollywood quer pregar no momento.

Apesar de merecer estar entre os nove melhores filmes do ano, segundo o Oscar, Django não tem chances de ganhar dos favoritos Lincoln, Argo ou, correndo por fora, até de Zero Dark Thirty. Mas em outras categorias ele tem chances reais de levar a estatueta.

Não assisti ao trabalho de Philip Seymour Hoffman em The Master, mas conferi o trabalho dos demais concorrentes nesta categoria. E acho que Christoph Waltz está melhor que Alan Arkin, Robert De Niro (muito caricato e repetitivo) e Tommy Lee Jones em seus respectivos filmes. Claro que o Oscar pode premiar Arkin ou Jones para consagrar ainda mais a Argo ou Lincoln, respectivamente. Mas seria muito justo Waltz levar esta estatueta.

Django pode faturar também Melhor Edição de Som, ainda que ele tenha em Zero Dark Thirty um concorrente fortíssimo. Em Melhor Fotografia, fica difícil de opinar porque só assisti a Lincoln, do restante da lista, mas acredito que Life of Pi seja o grande concorrente desta categoria.

Em Melhor Roteiro Original a parada volta a ser duríssima. Sou suspeita para falar… gosto demais do roteiro de Moonrise Kingdom. Mas Zero Dark Thirty também ganharia, fácil, o meu voto, assim como Amour. Eita categoria difícil! E Django Unchained ainda se junta a eles. Dificile. Todos os roteiros muito bons. Mas eu acho que ficaria entre Zero Dark Thirty e Django. Para resumir, qualquer um que vencer terá sido por méritos.

Resumo da ópera: Django Unchained pode sair de mãos vazias deste Oscar, ou levar uma ou duas estatuetas. Entre as que tem mais chance, estão a de Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Roteiro Original e Melhor Edição de Som. Especialmente o de ator.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 25 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing, professora universitária (cursos de graduação e pós-graduação) e, atualmente, atuo como empreendedora após criar a minha própria empresa na área da comunicação.

7 respostas em “Django Unchained – Django Livre”

Impressionante realmente a trilha que chega a ofuscar a atenção do filme em determinados momentos, de tão bom que é. E como o próprio Tarantino destacou, boa parte das músicas fazem parte de sua coleção pessoal em vinil. Falando no ‘The Master’ (que vc ainda não viu) Joaquim Phoenix definitivamente fez uns dos melhores trabalhos de sua vida. Recomendadíssimo.

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Oi Mangabeira!

Ufa, finalmente estou colocando a conversa aqui em dia.

Realmente, trilha sonora perfeita em Django Unchained. Característica esta que ajuda a definir o Sr. Tarantino. Muito bom!

The Master… bem, a estas alturas, janeiro de 2014, já assisti ao filme. hehehehe. Concordo contigo que o Phoenix está incrível no papel, um dos grandes deles até o momento – aguardo, agora, para ver a Her. Mas não sei… o filme propriamente dito não me pareceu tão incrível. De qualquer forma, também acho que ele merece ser visto.

Obrigada por acompanhar este espaço. Abraços e inté!

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Olá Marcus!

Bacana te reencontrar por aqui!

De fato, o Tarantino é um sujeito que sabe o que faz. Manja do ofício chamado cinema. Algo que eu acho interessante nele, mesmo que nem sempre veja os seus filmes como brilhantes, é que não há maneira de não ver a digital do realizador nas distintas produções.

Sabemos que ali está uma obra de Tarantino. Seja pelos ângulos escolhidos, pela trilha sonora ou pelo estilo de texto e falas dos personagens.

Bacana que você acompanhe o diretor e goste tanto dele. Acho importante isso. Cada vez mais pessoas estarem de olho nos nomes responsáveis pelas produções. E acompanhá-los. Também gosto de fazer isso.

Obrigada por mais esta visita e comentário. E volte sempre! Abraços e inté!

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Olá Tommy!

Bacana receber uma visita tua.

Concordo que Django Unchained foi um dos grandes títulos do ano. Gostei que você deixou link para a tua página também.

Fiquei feliz em saber que você gostou da cobertura do Oscar. E agora, que temos mais uma premiação pela frente, espero que estejas me acompanhando aqui no blog.

Obrigada pela tua visita e pelo teu comentário, e volte por aqui mais vezes, inclusive para deixar a tua opinião sobre outros filmes.

Abraços e inté!

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