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Conclave


Uma das religiões mais difundidas do mundo sempre levantou e vai sempre levantar debates e curiosidade. Ainda mais sobre um momento tão importante quanto a escolha de seu novo líder global. Conclave foca nesse momento decisivo para os católicos. É um filme potente, com muitas camadas e muito sobre o que falarmos. Mas, sobretudo, é um filme que nos deixa pensando sobre o quanto temos ali de realismo ou de fantasia. Importante dizer que o filme realmente não aborda um conclave específico, mas que certamente ele se inspirou muito nos últimos dois realizados pela Igreja. Ousado, pode dar o que falar. Mas me pareceu muito bem resolvido e com a ousadia certa.

A HISTÓRIA

Vemos um homem de costas caminhando por um túnel. Ele anda com passos firmes e carrega uma pasta. Depois, vemos ele andando pelas ruas da cidade. No elevador, ele segura o barrete vermelho na mão e olha para baixo. Pouco antes de sair do elevador, ele coloca o barrete na cabeça. Temos certeza ali que ele é um representante da Igreja Católica. Em seguida, vemos ele caminhando até onde estão outros representantes da Igreja. No fim do corredor, ele entra no quarto do Papa. Outros membros da Igreja estão no local, ajoelhados ao redor da cama, rezando pelo Santo Pontífice que faleceu. O cardeal Lawrence (Ralph Fiennes) se junta aos três colegas e começa a rezar. Em breve, por ser o Decano do Colégio dos Cardeais, será ele quem irá liderar o processo de escolha do novo Papa da Igreja Católica.

VOLTANDO À CRÍTICA

(SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Conclave): Eu devo admitir que esse filme mexeu comigo. Fiquei algumas horas após assistir a essa produção pesquisando a respeito dos últimos conclaves da Igreja e fiquei alguns dias pensando em tudo que eu vi nesse filme. Conclave é uma produção muito interessante e cheia de camadas. Um prato perfeito para debates, tanto de quem segue a religião Católica Apostólica Romana quanto de quem não tem nada a ver com ela – ou seus críticos.

Só quem acompanhou tudo que aconteceu na Igreja Católica desde 2005 para saber que esse filme mexe com nossas lembranças e com nossa imaginação. Eu sou, desde criança, e de forma muito consciente, uma pessoa que professa a fé na Igreja Católica Apostólica Romana. Nem por isso, por óbvio, eu não sou uma pessoa crítica sobre diversas questões que essa religião levantou com o passar dos séculos. Claro que existem muitos erros históricos, praticados por pessoas de carne e osso – afinal, a Igreja é feita destas pessoas.

Em teoria, contudo, o Papa não deveria ser assim. Não deveria ser falho, afinal, ele deveria ser santo, ou o mais próximo disso. Escolhido por Deus, afinal. Sucessor de Pedro, o apóstolo escolhido por Cristo por dar sustentação para sua Igreja e seguir com ela após Sua morte. Mas realmente todos os papas que já existiram foram santos ou próximos disso? A História nos mostra que não. Muitos erros, equívocos e até crimes foram praticados em nome da fé. Muito do que Cristo realmente tentou nos ensinar foi esquecido em diversos capítulos da história da Igreja Católica. Só alguém muito fanático ou alheio à realidade, sem pouca crítica, para não admitir isso. Que a Igreja já errou muito, e sempre por causa dos líderes da vez.

Mas como esses líderes são escolhidos? Afinal, quem escolhe o próximo Papa? Eu nasci quando João Paulo II já era Papa. Ele foi, segundo esse conteúdo do site Aleteia, o terceiro Papa a por mais tempo exercer essa função. João Paulo II foi Papa entre 1978 e 2005, ou seja, durante 26 anos, 5 meses e 17 dias – mais que ele, apenas o Papa Pio IX, que ficou no cargo por 31 anos, e o Papa São Pedro Apóstolo, que exerceu a função por cerca de 37 anos.

Então eu me familiarizei um pouco com a ideia do conclave apenas quando João Paulo II morreu, em 2005. Na época, eu ainda estava trabalhando como jornalista. Acompanhei, portanto, toda aquela cobertura sobre a definição do novo Papa. João Paulo II morreu no dia 2 de abril de 2005. O conclave para escolher o novo Papa ocorreu entre os dias 18 e 19 de abril. Participaram do evento secreto da Igreja Católica, naquela ocasião, 115 cardeais, que tiveram que fazer quatro votações até que fosse escolhido como novo Papa o alemão Joseph Ratzinger, que escolheu como seu nome papal Bento XVI.

Assim, lembro bem das três vezes em que o mundo viu a fumaça escura subir antes que a esperada fumaça branca tomasse os céus de Roma. A expectativa era imensa, mesmo para quem não era católico. Então saiu o nome de Ratzinger como o novo Papa. Mas o que aconteceu lá dentro? Como, de fato, é feita essa escolha do novo Papa? A Igreja Católica, talvez junto com a maçonaria, seja um dos principais alvos de curiosidade e de especulações mundo afora sobre seus bastidores. Afinal, há muitos rituais e simbologia em jogo. E nem tudo é de conhecimento público. E onde há “segredo”, há curiosidade e especulações.

A cerimônia do conclave sempre foi cheia de mistérios porque, afinal, como mesmo disse o Papa Francisco posteriormente, todos os participantes desse momento de escolha do novo Papa juram não falar sobre o que aconteceu na votação depois. Por tudo isso, Conclave, o filme, é uma peça rara e muito interessante. Afinal, o filme se propõe a nos apresentar um conclave na prática. Mas o quanto essa produção tem realmente de verdade e o quanto dela é fantasia?

Essa é a pergunta que eu fiz e para a qual eu tentei achar resposta praticamente durante a produção inteira – mas sem perder o foco no que a história muito bem escrita pelo roteirista Peter Straughan, que se inspirou no livro de Robert Harris, nos apresentava a cada cena. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Quando o filme começa, pensei que a produção iria abordar o conclave logo após a morte de João Paulo II.

Afinal, o Papa que vemos deitado na cama, morto (interpretado por Bruno Novelli), lembra, fisicamente, João Paulo II. Então a narrativa que vemos em seguida tenta nos contar, de fato, o que ocorreu após a morte dele em 2005? Por um bom tempo, acreditei nisso. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Então toda aquela narrativa protagonizada pelo cardeal Lawrence, que busca descobrir o que aconteceu com o Papa antes de sua morte e que tenta dirigir as cerimônias de votação que irão apontar para o novo Sumo Pontífice, seria verdade? Ou não passaria de fantasia e de especulação?

Ainda que essa questão perdure por muito tempo durante a condução do filme – ao menos para mim foi assim -, o que menos importa é sabermos o quanto daquilo foi “inspirado em fatos reais” e o quanto é uma “licença poética” do roteirista e do autor da obra original. O que nos interessa mesmo é que a narrativa é primorosa, conduzida com talento pelo diretor Edward Berger, com um roteiro inspirado e com atuações muito condizentes com essa narrativa bem feita.

Temos em cena diversos temas espinhosos da Igreja. Mergulhamos nos bastidores da cúpula de uma das religiões mais importantes do mundo. Feita por pessoas, por óbvio, essa religião não é perfeita. Todas as pessoas que fazem parte da Igreja devem buscar o caminho da santidade, mas desde o primeiro passo nessa direção sabendo que essa é uma busca impossível, porque somos fracos e falhos. Ainda assim, quem faz parte da Igreja não se dá por vencido. A luta deve ser constante nessa busca, mesmo sabendo que cada indivíduo, sozinho, não conseguirá realizar essa jornada.

Isso vale para cada cardeal presente no conclave, vale para o Papa que morreu e para o que irá substituí-lo, e vale para qualquer outra pessoa que faz parte da Igreja, seja essa pessoa ordenada ou leiga. Enfim, essa ideia de busca pelo que é o melhor e a certeza de que temos muitos problemas no caminho transpassa toda essa produção. E esse é um dos pontos altos do filme. Ele não pretende ser o que não é. Não pretende maquiar ou esconder nada.

De forma muito interessante, o roteirista Peter Straughan e o diretor Edward Berger nos conduzem por uma história que revisita muitos temas da Igreja. Independente do quanto de Conclave é baseado ou não em fatos reais, o que vemos em cena poderia ser verdade. Afinal, temos ali mais de uma centena de homens que são líderes da Igreja em todas as partes do mundo, cada qual com sua visão para o futuro da Igreja e com sua visão de mundo.

Em teoria, cada um daqueles cardeais deveria rezar, incansavelmente, para pedir para o Espírito Santo lhes guiar na votação. Afinal, a escolha deles é muito importante, não apenas para a instituição Igreja, mas também para definir o presente e o futuro de milhões de pessoas em diversas partes do mundo. Claro que no Século XXI a Igreja Católica dita menos a vida das pessoas do que antigamente. Há sim quem siga à risca cada doutrina e cada recomendação da Igreja, mas já há muita gente que reflete essas determinações e se adequa a elas conforme planeja sua vida.

Hoje tem menos força a recomendação para as pessoas se casarem e terem o máximo de filhos que for possível. Sim, muitas pessoas ainda se casam e tem filhos. Mas os dados sobre natalidade nos mostram que são muito mais raras, em 2024, do que há 40 ou 50 anos atrás, as famílias compostas por 10 ou mais filhos. Isso tem muito mais a ver com a escolha dos casais de terem menos filhos do que ao real poder reprodutor dessas pessoas. Então, claro, as orientações da Igreja seguem sendo importantes, mas as pessoas, em sua maioria, tendem a filtrá-las de forma muito mais frequente do que antigamente.

Apesar dessa realidade estar posta, é óbvio que um Papa pode ter bastante influência na sociedade – de forma direta, entre os católicos e, de forma indireta, entre os demais. Assim sendo, claro que a escolha de um Papa é um momento importante. E o que está em jogo nesse momento? (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Como bem nos mostra Conclave, muitas questões estão em jogo. E muitas delas são mundanas, nada santas – muito longe disso. Novamente, a cúpula da Igreja é feita por homens. Por sua condição natural, falhos.

Então vemos em cena um verdadeiro jogo de poder. Quem conhece um pouco da Igreja Católica sabe que dentro dela existem muitas correntes de pensamento. Mas, para simplificar, podemos dizer que existe o grupo dos mais “conservadores”, dos que são menos afeitos a mudanças e revisões de dogmas e de tradições da Igreja, e o grupo dos “progressistas”, daqueles que acham que a Palavra, que a Escritura, deve ser sempre atualizada e entendida a partir dos desafios do tempo presente. Em outras palavras, para simplificar – e não me xinguem por isso, estudiosos do tema -, há o grupo dos que acreditam que a sociedade deve mudar para atender ao que seria a vontade de Deus e há o grupo que acredita que a Palavra deve ser interpretada conforme a história humana avança e as sociedades amadurecem.

Ao abordar a escolha de um novo Papa, Conclave nos mostra a reunião de cardeais que fazem parte destas duas correntes “conflitantes” da Igreja e suas variações. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Representando os “conservadores”, temos o cardeal Tedesco (Sergio Castellitto), italiano, que reprovava os “avanços” feitos pelo Papa que morreu e que defende que a Igreja volte às suas tradições – inclusive sugerindo uma espécie de “guerra santa” na reta final da produção.

Depois, temos os cardeais que eram próximos do Papa que morreu – eles são, por definição, sempre nomes fortes quando surge a possibilidade de um novo conclave. Esse grupo, por óbvio, é composto por cardeais mais “progressistas”. Temos Lawrence que, segundo o filme, tentou deixar seu cargo, mas teve a renúncia rejeitada pelo Papa, e que parece ter algumas questões envolvendo a Igreja, mas que encara a missão de liderar o conclave. Ele leva à sério o cargo e não pensa duas vezes em fugir do script para perseguir o que ele considera como o melhor para a Igreja. Um personagem muito interessante, com algumas atitudes surpreendentes e que não está acima de qualquer suspeita.

O cardeal Lawrence era uma das pessoas mais próximas do Papa morto. Assim como Bellini (Stanley Tucci), escolhido pelo grupo mais próximo desse Papa como o cardeal que irá reunir os votos deles em uma declarada campanha para que ele se torne o próximo Papa. O problema é que, e isso Conclave nos mostra muito bem, as pequenas ilhas de cardeais dentro daquele encontro não são suficientes para conseguir os votos necessários para a escolha de um novo Papa. Então essas ilhas devem se juntar para apontar um nome. E esse é o grande desafio.

Conforme a história vai avançando, percebemos que os cardeais se dividem em grupos conforme suas nacionalidades, idiomas, opiniões políticas e sobre a direção que a Igreja deve seguir. Conforme o livro que inspirou esse filme apresenta e outras obras que buscam desvendar os “segredos” de um conclave, existem muitos encontros de bastidores entre os cardeais, onde eles discutem suas opiniões e buscam chegar em consensos sobre o nome que eles irão escolher no momento da votação.

Esses bastidores são mostrados muito bem em Conclave, ainda que o filme deixe de abordar os principais grupos em “disputa” e acabe focando mais nos encontros do grupo central, daqueles cardeais que eram mais próximos do Papa morto e que seriam, em teoria, os mais unidos em um projeto de continuidade do que estava sendo feito. Como comentei antes, esse grupo aponta como o representante deles na disputa pelo papado o cardeal Bellini.

Os principais concorrentes de Bellini nessa disputa são o conservador Tedesco, que eu já citei anteriormente, um italiano que acha que a Igreja deve retomar suas “origens” e ser mais tradicional; Adeyemi (Lucian Msamati), cardeal negro que pode se tornar o primeiro Papa africano da história, apontado pelo grupo de Bellini e de Lawrence como uma pessoa ainda mais “reacionária” do que Tedesco; e Tremblay, dos Estados Unidos, que foi um dos últimos a ver o Papa vivo e que tem questões muito mal explicadas envolvendo seu nome.

Não por acaso, exceto por Tedesco, os quatro cardeais que rezam no leito do Papa após sua morte são justamente Bellini, Adeyemi, Tremblay e Lawrence, quatro nomes que estavam próximos do Papa em seus últimos anos e que, junto com Tedesco, são os que aparecem com maior destaque nas votações do conclave. Porque sim, mesmo sem se colocar como candidato na disputa, Lawrence recebe alguns votos desde o início, o que levanta uma certa “disputa interna” em seu grupo e um pouco de embate entre ele e Bellini.

Um outro nome que aparece com poucos votos no início e que vai aparecendo com um pouco mais de simpatizantes pouco a pouco é o do arcebispo de Cabul, o cardeal Benitez (Carlos Diehz), um ilustre desconhecido de seus colegas – tanto que ele é visto com desconfiança quando chega para o conclave, sendo até tratado como impostor até que Lawrence tira sua história à limpo. Esses são os personagens centrais da história.

Então o enredo de Conclave nos apresenta o que acontece com a Igreja Católica e sua cúpula desde que a morte de um Papa é constatada e até a escolha de seu sucessor. Temos muitos bastidores em cena e muitos dedos nas feridas. Nos encontros entre os cardeais que vão se sucedendo, com enfoque principal no grupo liderado por Lawrence e Bellini, as chagas e problemas da Igreja são revisitados, com resgate de problemas do passado e do presente.

Em uma sequência especialmente importante do filme, o cardeal Sabbadin (Merab Ninidze) está conversando com Bellini e Lawrence sobre quem o grupo deles vai apoiar, já que a candidatura de Bellini não está decolando, mostrando força suficiente, e que os votos para ele estão sendo divididos com Lawrence. Nesse momento, em que Lawrence questiona em que ponto eles chegaram por escolherem o “menos pior”, referindo-se à Tremblay, nome com o qual ele não concorda, mas que seria apoiado apenas para que Tedesco não se tornasse Papa, Sabbadin tem uma sequência de frases marcantes.

Ele relembra que a Igreja Católica já teve Papas que foram acusados de serem apoiadores do nazismo, de comunistas e de fascistas, sem contar Papas que não souberam combater casos graves de pedofilia dentro da Igreja. Bem, está quase tudo ali. As críticas clássicas sobre a Igreja Católica e seus pecados capitais. Claro, o filme não entra no tema das Cruzadas e de outros episódios sinistros da história da Igreja – até porque isso vem à mente em uma das sequências finais da produção, quando um atentado acontece e Tedesco diz que a Igreja deve revidar, acabando com o “relativismo” e fazendo uma nova “guerra santa”.

Naquela sequência, Sabbadin mesmo comenta que a Igreja nunca conseguirá um Papa livre de todo e qualquer debate porque dificilmente um cardeal “não terá qualquer tipo de mancha contra si”. Eles são mortais e seguem um ideal, mas não conseguem “ser sempre o ideal”, nas palavras do cardeal. Bem, isso é verdade. Basta ver quando qualquer Papa é eleito. Sempre aparecem detratores e alguém que “resgata” algo que pode ser levantado como ponto de debate, discussão ou crítica sobre o Papa eleito e que ele teria feito em seu passado.

Ok, então é impossível – ou quase impossível – pouco mais de 100 cardeais reunidos escolherem um santo para a posição de Papa. Em teoria, novamente, eles deveriam rezar para o Espírito Santo os guiar na escolha. E qual seria o melhor resultado? Essa é a grande questão. Individualmente e no íntimo de cada cardeal, eles se perguntam sobre isso. Rezam, claro, pedindo pela melhor escolha, mas eles também se deixam levar por suas convicções. Todos ali presentes tem uma opinião sobre qual seria o melhor caminho para sua Igreja.

Mas não é apenas isso que está em jogo. Conclave nos mostra muito bem que, para além das convicções e das opiniões dos cardeais, temos em cena a ambição de alguns deles. Em certo momento, e novamente uma das melhores frases do filme é dita por ele, o cardeal Sabbadin comenta que vai apoiar Bellini justamente porque ele, Bellini, não deseja ser Papa. Porque, segundo Sabbadin, são os “homens perigosos” que desejam esse posto. Visão interessante.

A verdade é que a função de Papa é pesadíssima. Liderar uma igreja do tamanho da Católica Apostólica Romana é algo monumental. Além de guiar a vida ou, ao menos, parte da vida de milhões de pessoas espalhadas pelo mundo inteiro, a Igreja Católica influencia muitas sociedades e grupos. Ser a cabeça dessa Igreja, a pessoa que nunca passará despercebida por onde passar, cobra muito de quem assume essa função. No fim das contas, quando estão reunidos naquele momento, quem de fato quer, deseja ou repudia essa posição? Quem não deseja o cargo mas, se for escolhido, vai aceitar a incumbência no final?

Porque sim, depois de ser escolhido pela maioria, o cardeal deve aceitar a missão. Ele precisa dizer “sim”, como qualquer crismado. Durante o desenrolar do filme, fica claro que três nomes fortes da disputa fazem campanha e desejam o cargo: Tedesco, Adeyemi e Tremblay. Seriam todos eles perigosos? Sim, uns mais que outros. Percebemos isso na reta final da produção.

Então Conclave nos apresenta muito bem uma história envolvente de bastidores da Igreja em um dos seus momentos mais decisivos. Temos vários pontos de vista dos cardeais sobre qual seria o melhor futuro para a Igreja da qual eles fazem parte. E há várias intrigas de bastidores. (SPOILER – não leia se você não viu ao filme). Primeiro, aparece um escândalo envolvendo Adeyemi, até então o nome que liderava as votações. Claramente o escândalo foi “plantado”, mas quem seria o responsável?

O cardeal Lawrence pega para si a missão de desvendar os segredos dos bastidores. Ele descobre quem foi o responsável pelo escândalo envolvendo Adeyemi. E daí surge o primeiro questionamento para quem está assistindo ao filme: será que Adeyemi seria tratado como foi tratado por seus pares, incluindo Lawrence, caso ele fosse branco? Não sei. Achei bastante desproporcional a forma como ele foi tratado pelo grupo do Decano se comparado com a forma como eles tratam Tremblay, por exemplo.

Como o grupo que mais aparece em cena quer evitar a todo custo que o conservador Tedesco se torne Papa, depois que Adeyemi sai de cena e desidrata nas votações, e como Bellini não consegue decolar, eles chegam a cogitar o apoio a Tremblay. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Só que então Lawrence, que até ali tinha ignorado uma grave denúncia feita por Wozniak (Jacek Koman), de que na última reunião que tinha tido com o Papa o cardeal Tremblay tinha sido compelido a renunciar e a perder seu posto na Igreja por causa de um dossiê que mostrava a corrupção dele e que envolvia as finanças do Vaticano, resolve tirar a limpo de verdade essa história.

Verdade que ele já tinha confrontado Tremblay a respeito. O colega mentiu, na cara dura, e Lawrence não ficou convencido com sua fala. Mas, ainda assim, deixou o assunto por isso mesmo. Agora, quando, de fato, Tremblay poderia tornar-se Papa, Lawrence resolve se coçar e virar um investigador ousado dessa história. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Conclave tem seus momentos de suspense quando Lawrence invade o quarto lacrado do Papa morto. Mas ele consegue o que precisava. Depois, expõe o dossiê do colega. E daí os dados estão lançados.

Teria ele, Lawrence, com essa busca por retirar da disputa homens com pecados capitais, colocado na linha sucessória de Pedro um homem que poderia levar a Igreja para tempos muito mais sombrios? Em algumas ocasiões durante o filme, Bellini questiona Lawrence se ele não tinha o desejo de ser Papa. Ainda que ele negasse, em cada ocasião, esse desejo, o personagem é dúbio o suficiente para nos deixar em dúvida a esse respeito. Acho que fica a gosto de cada pessoa decidir sobre esse tema.

Eu, particularmente, acho que Lawrence não queria ser Papa. Mas ele se sentia em uma missão feroz, quase em uma Cruzada, para garantir que faria o melhor trabalho possível como líder daquele processo. Ele não iria ignorar falhas ou suspeitas sobre seus colegas. Rigoroso em seus princípios, ele levou até o final a busca pela verdade e trabalhou para desmontar as candidaturas que ele considerava como sem merecimento.

(SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Interessante o que acontece quando ele vai votar em si mesmo após os principais concorrentes ao cargo de Papa – menos Tedesco – tinham saído da disputa. Mesmo dizendo e reafirmando que não queria ser Papa, Lawrence vota em si mesmo. E então explode a bomba que muda tudo. Se o filme já tinha sido ousado por tratar de tantas chagas e problemas da Igreja até então, a escolha do novo Papa, no final, acrescenta diversas doses extras de ousadia.

Vejamos. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Já imaginaram uma Igreja que não inclui as mulheres na Cúria ou em funções importantes da Igreja ter como seu novo Papa um homem que tem útero e ovários? Ou seja, será a cabeça da Igreja um homem que tem uma parte importante de mulher e que não quis abrir mão disso. O quanto revolucionário – e escandaloso, para alguns – isso poderia ser? Lawrence descobre isso após o novo Papa ter sido eleito e ter aceito o cargo. Ele percebe que não pode fazer mais nada a respeito e, mais que isso, ele conclui que a mudança radical pela qual a Igreja precisa passar acabou se realizando de maneira inesperada e nada planejada.

Então, no fim das contas, todos aqueles cardeais, de fato, seguiram o que o Espírito Santo lhes sugeriu e decidiram pelo melhor caminho para a Igreja? A convicção é de cada um e a fé é uma escolha particular. Mas eu vi com bons olhos tudo que Conclave nos apresenta. Diferente do que eu imaginava no início, quando fiquei, por uma boa parte do filme, esperando o nome de Ratzinger começar a aparecer nas votações do conclave, esse filme não foca em um processo da Igreja recente. E nem mesmo em um conclave específico.

Essa produção não narra o conclave que escolheu Raztinzer ou aquele que, em 2013, escolheu Jorge Bergoglio como o Papa Francisco. Mas certamente muito do que vemos em cena aconteceu ou poderia ter acontecido em um destes conclaves ou em outros que vieram antes – ou que ainda virão. A divisão entre grupos, as discussões de bastidores, as intrigas para fortalecer ou enfraquecer certas candidaturas, a busca pelo que é o melhor para a Igreja segundo a consciência ou a fé de cada um, tudo isso faz muito sentido.

Achei Conclave uma produção muito bem realizada, com a dinâmica certa, diversas cenas e diálogos marcantes. É um filme que nos faz pensar muito enquanto estamos assistindo a narrativa e por muito tempo depois. Uma produção que realmente mexeu comigo – e que acho que mexerá com muitas pessoas, sejam elas católicas ou não. Bem escrito, com ótimo roteiro, direção e atuações muito boas, sem dúvida alguma é um dos melhores filmes dessa temporada pré-Oscar.

NOTA

9,5.

OBS DE PÉ DE PÁGINA

Vou dividir essa sessão entre curiosidades e observações sobre o filme e sobre o tema dele, beleza?

Começando pelo filme. Para mim, o ponto alto de Conclave é o roteiro de Peter Straughan. Eu não li o livro homônimo de Robert Harris que inspirou o trabalho de Straughan, então não sei o quanto do mérito do texto é do roteirista e quanto é do escritor, mas acho que independente da fidelidade que o roteiro de Conclave tem ou não em relação ao livro, Straughan consegue transpassar para a narrativa do cinema diversos elementos importantes e que funcionam muito bem nessa produção.

Seu texto é envolvente, tem ritmo e mesmo sendo um tanto óbvio o resultado da produção, diversas surpresas espalhadas no meio do caminho nos fazem admirar a narrativa porque elas nos deixa entretidos e interessados o tempo todo. Algo não muito fácil de ser feito em uma produção que se passa, quase toda ela, em ambientes restritos e sem grande possibilidade de mobilidade por paisagens e cenários.

Tão importante quanto o ótimo roteiro de Straughan é a direção de Edward Berger. Ele nos conquista pelos detalhes. Valoriza a interpretação dos atores, mantendo a câmera sempre próxima deles, mas também sabe os momentos certos de distanciar-se e mostrar o quadro mais amplo, além de focar em detalhes que ajudam a contar a história e que precisam ganhar nossa atenção. Em diversos momentos, Berger nos apresenta verdadeiros quadros, recortes do desenvolvimento dramático da história, apresentando um olhar diferenciado para o que acontece.

Ajuda muito nesse trabalho de Berger a ótima direção de fotografia de Stéphanie Fontaine e a trilha sonora marcante, envolvente e que ajuda a dar o tom adequado e aumentar a dramaticidade de diversos momentos da história e que é assinada por Volker Bertelmann.

Entre os aspectos técnicos da produção, vale ainda citar o trabalho de Nick Emerson na edição; de Suzie Davies no design de produção; de Roberta Federico na direção de arte; e de Cynthia Sleiter na decoração de set; de Lisy Christl nos figurinos.

Pelo que a história pede, não temos nesse filme nenhuma interpretação cheia de arroubos. Pelo contrário. Quase todas as interpretações são bastante sóbrias e até um pouco comedidas. Mesmo o filme pedindo por essas interpretações, temos um nome que se destaca nesta produção: Ralph Fiennes. O ator faz um dos seus grandes papéis como o cardeal Lawrence.

Um pouco a exemplo de Fernanda Torres no ótimo Ainda Estou Aqui (com crítica neste link), Fiennes também nos apresenta uma interpretação rica nos detalhes, no olhar, nas manifestações de cansaço, determinação, dúvida e apreensão. Um personagem com diversas nuances e com alguns princípios bem claros. Na comparação, ainda acho a interpretação de Fernanda Torres mais marcante, mas não dá para evitar de pensar no que Ralph Fiennes nos apresenta por bastante tempo. Um dos melhores trabalhos do ator nos últimos anos. O personagem que Fiennes interpreta tem um peso grande sobre as costas. Muita responsabilidade. E o ator nos mostra, a cada segundo, como ele sente todo esse peso. Trabalho muito interessante, de fato.

Além de Fiennes, alguns outros nomes se destacam nessa produção por terem papéis de relevância na história. A interpretação de ninguém, a meu ver, merece um super destaque. Eles fazem um bom trabalho, sim, mas não acho que sejam interpretações acima da média ou que mereçam prêmios, por exemplo. Ainda assim, vale citar o nome dos atores coadjuvantes que ajudam e muito essa história a ser contada.

Entre os coadjuvantes de Conclave, destaque para Stanley Tucci como Bellini, um dos cardeais mais próximos do Papa morto e o nome escolhido pelo seu grupo para receber os votos e ser o novo Papa; Merab Ninidze com algumas das melhores falas do filme em um papel interessante como o cardeal Sabbadin, do grupo de Bellini e de Lawrence; Lucian Msamati como o cardeal Adeyemi, um dos favoritos para a eleição antes dela começar – e mesmo nas primeiras votações; John Lithgow como o cardeal Tremblay, que sempre parece suspeito; Sergio Castellitto como o cardeal Tedesco, italiano que representa o grupo mais conservador na disputa; Carlos Diehz como o cardeal Benitez, uma surpresa no conclave e que se revela uma pessoa diferenciada em meio a tantos homens parecidos ou iguais.

Além deste núcleo central de coadjuvantes, temos alguns outros nomes que ganham relevância durante a produção e que merecem ser citados, como Thomas Loibl como Mandorff e Brian F. O’Byrne como O’Malley, duas pessoas importantes no apoio do cardeal Lawrence na condução dos trabalhos envolvendo o conclave; a atriz veterano Isabella Rossellini como a irmã Agnes, que lidera o grupo de irmãs que serve a toda aquela tropa de cardeais; Jacek Koman em uma super ponta como Wozniak, a pessoa que primeiro coloca pulgas atrás das orelhas de Lawrence sobre Tremblay; Bruno Novelli também em uma super ponta como o Papa morto; e Balkissa Souley Maiga como a irmã Shanumi, utilizada como parte da estratégia de Tremblay para se dar bem no conclave.

Aliás, falando sobre temas importantes que Conclave traz à tona, vale falarmos sobre alguns dos pontos centrais da produção. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Dois candidatos a Papa são derrubados da disputa por assuntos polêmicos. O primeiro é Adeyemi, que tem um segredo do passado, de 30 anos atrás, descoberto. Na época ele engravidou Shanumi, então uma garota de 18 anos, e teve um filho com ela. Filho esse escondido, claro, como todo filho de um líder da Igreja – que não pode se casar e deve manter-se em celibato. O segundo a sair da disputa foi Tremblay, em um caso tão ou mais complicado. Em teoria, ele nem deveria estar ali, já que o Papa que morreu queria que ele deixasse a Igreja. E o motivo para isso era um escândalo envolvendo corrupção e desvio de dinheiro da Cúria. Ou seja, esses dois escândalos resumem parte dos principais escândalos envolvendo a Igreja nos últimos anos.

Existem diversos casos recentes. Mas vou citar alguns. Primeiro, este envolvendo o cardeal Giovanni Angelo Becciu, que teria renunciado do seu cargo e deixado a Igreja após um escândalo de corrupção em 2020 – ou seja, já sob o papado de Francisco. Esse caso depois resultaria na condenação de Becciu, segundo essa matéria da Exame. Aliás, impressionante as coincidências entre o caso de Tremblay e e de Becciu – ainda que a situação de Tremblay não seja explicada em detalhes no filme, mas a de Becciu envolveu o Papa lhe chamar para uma conversa, pedir explicações, não ser convencido por elas e, no fim, pedir que Becciu renunciasse “aos seus direitos” como cardeal, algo que, segundo esta matéria do El País, aconteceu apenas três vezes em 120 anos.

Sobre o caso de Adeyemi, fica mais difícil encontrarmos denúncias porque, a exemplo de muitos casos de pedofilia e abuso de crianças e jovens, essas situações são escondidas e as denúncias não aparecem. Além disso, em teoria, segundo a história de Conclave, Shanumi teria engravidado quando tinha 18 anos – então não seria menor de idade. Mas, claro, ela não poderia ter sido engravidada por ele – ou até poderia ter sido, como o foi, mas ele deveria ter saído da Igreja e assumido o filho. Existem várias histórias assim.

Mas, certamente, os escândalos envolvendo cardeais e o acobertamento ou a prática feita por eles de abuso infantil são muito piores. Um caso recente envolveu o ex-cardeal e arcebispo emérito de Washington, Theodore McCarrick, expulso do sacerdócio após ser acusado de abusos sexuais, segundo essa matéria do G1. Segundo a reportagem, aquela foi a primeira vez na história da Igreja que um cardeal perde seu título por “motivos de abusos sexuais”. E a notícia ainda observa que a decisão do Papa Francisco ocorreu após “grandes escândalos” sobre o tema que foram revelados nos Estados Unidos, Chile e Alemanha.

Sobre conclaves recentes, achei algumas matérias interessantes a respeito. Como esta do site da United States Conference of Catholic Bishops que traz a informação de que o Papa Francisco disse que foi usado, durante o conclave que escolheu Bento XVI, para tentarem derrubar a candidatura de Ratzinger. Mas o próprio Papa Francisco disse que era necessário um Papa com o perfil de Ratzinger ser eleito naquele momento, para trazer estabilidade para a Igreja Católica, em uma espécie de transição entre a era de João Paulo II e de um outro Papa mais “progressista”. E ele não está errado. Por isso que, mesmo sendo escolhido por homens falhos, acredito que a eleição de um Papa realmente tem alguma inspiração divina. Porque as últimas escolhas foram totalmente acertadas – e o tempo nos mostra isso com clareza.

Interessante como nessa matéria do site que citei no parágrafo anterior, Papa Francisco fala um pouco sobre os bastidores daquele conclave. Fiquei curiosa para comprar o livro que eles citam ali.

Falando em bastidores sobre conclave, achei bastante interessante esse texto assinado pelo arcebispo emérito de Westminster, Cormac Murphy-O’Connor. Em seu texto, publicado pelo G1, ele conta um pouco sobre o conclave que escolheu Bento XVI – muito do que ele fala ali vemos no filme Conclave.

Sobre as divisões dentro da Igreja e as diferentes correntes “políticas” e ideológicas que fazem parte da Cúria Romana, achei esse texto do Instituto Humanitas Unisinos uma introdução bastante interessante. Vale a leitura.

Sobre o conclave que escolheu Jorge Bergoglio como Papa em 2013, recomendo a leitura desse texto da BBC que foi reproduzido pelo G1 no qual o jornalista Gerard O’Connell conta fatos interessantes sobre aquele evento. Também recomendo essa entrevista feita com O’Connell e publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos.

Como é possível perceber com boa parte do texto sobre Conclave e com os parágrafos anteriores, esse tema é muito rico e vasto. Há muito para ser falado sobre e há diversos livros a respeito. Tudo isso faz desse filme um chamariz inconfundível de público e de atenção. Não tem como.

Procurei dados recentes sobre as maiores religiões do mundo, mas não encontrei algo realmente atualizado. De qualquer forma, quero citar algumas fontes que nos dão uma ideia sobre a força que a Igreja Católica Apostólica Romana ainda tem no mundo. Achei difícil encontrar um ranking das diferentes religiões atualizado. A maioria dos locais, como nessa reportagem da Superinteressante, citam apenas as “grandes crenças” religiosas agrupadas.

No caso, o cristianismo, quando foi produzida a matéria, em 2023, ainda teria o maior número de praticantes no mundo, cerca de 2,2 bilhões de adeptos, enquanto o islamismo viria logo depois, na segunda posição, com 1,6 bilhão de adeptos. Mas dentro do cristianismo, óbvio, existem diferentes religiões, então fica difícil saber exatamente o quanto o catolicismo ainda é predominante neste “grande grupo” que segue Cristo. Segundo essa notícia do Vaticano, relacionada com dados de 2021, naquele ano o mundo tinha 7,78 bilhões de habitantes, sendo que o número de católicos seria de 1,37 bilhão. Essa outra matéria da CNBB ajuda a dimensionar a importância dos católicos no Brasil e no mundo.

Agora voltando para Conclave, o filme. Ele estreou em agosto de 2024 no Festival de Cinema de Telluride. Depois, a produção passaria, ainda, por outros 18 festivais e mostras de cinema, incluindo os conhecidos festivais de Toronto, San Sebastián, Vancouver e Rio de Janeiro. Na internet, o filme estreou nos Estados Unidos no dia 13 de dezembro.

Até o momento, Conclave ganhou 29 prêmios e foi indicado a outros 139. Ele não é um filme que se consagrou em grandes festivais de cinema, mas, sem dúvida alguma, é uma produção que está crescendo nas indicações e nos prêmios recebidos pelos círculos de críticos de diversas partes dos Estados Unidos. Isso nos leva a crer que o filme terá chances muito grandes de tornar-se um dos mais fortes concorrentes ao Oscar 2025.

Antes de falar sobre o Oscar, vale comentar que Conclave está concorrendo em seis categorias do Globo de Ouro 2025. A saber: Melhor Filme – Drama; Melhor Ator – Drama para Ralph Fiennes; Melhor Atriz Coadjuvante para Isabella Rossellini; Melhor Diretor para Edward Berger; Melhor Roteiro para Peter Straughan; Melhor Trilha Sonora para Volker Bertelmann. Com exceção da indicação para Isabella Rossellini, que é ótima atriz, mas que faz um trabalho ok nesta produção, nada assim de grande destaque, acho todas as outras indicações muito justas.

Assisti Conclave porque estou de olho no Oscar 2025, como quem me acompanha aqui no blog já está sabendo. O filme dirigido por Edward Berger é indicado, pelas bolsas de apostas, como um dos principais concorrentes do ano. Segundo essas bolsas de apostas, Conclave pode ser indicado em oito categorias do Oscar. Essas indicações sairiam nas seguintes categorias: Melhor Filme; Melhor Diretor para Edward Berger; Melhor Ator para Ralph Fiennes; Melhor Atriz Coadjuvante para Isabella Rossellini; Melhor Roteiro Adaptado; Melhor Edição; Melhor Design de Produção; e Melhor Trilha Sonora.

Conclave aparece como favorito em apenas uma destas categorias: Melhor Roteiro Adaptado. Na disputa por Melhor Filme, ele aparece na terceira colocação, atrás de Anora e de The Brutalist. Isso indica que ele não está totalmente fora da disputa da categoria principal, mas que não é o favorito – ao menos, até o momento. O diretor Edward Berger também aparece na terceira colocação na categoria Melhor Diretor, atrás de Brady Corbet (The Brutalist) e de Sean Baker (Anora). O ator Ralph Fiennes aparece em segundo lugar na categoria Melhor Ator, atrás de Adrien Brody (The Brutalist).

Isabella Rossellini aparece em terceiro lugar na disputa pela estatueta de Melhor Atriz Coadjuvante, atrás de Zoe Saldana (Emilia Pérez, com crítica neste link) e de Ariana Grande (Wicked). Em Melhor Edição, Conclave figura na terceira posição também, atrás de Dune: Part Two (comentado por aqui) e de The Brutalist. Em Melhor Design de Produção, o filme aparece apenas na quinta colocação nas bolsas de apostas, e em Melhor Trilha Sonora, ele figura na segunda posição, atrás de The Brutalist. Ou seja, se as bolsas de apostas estiverem certas, Conclave pode sair do Oscar 2025 com uma estatueta ou até três – se levarmos em conta a colocação do filme nas duas primeiras posições de cada categoria.

Ainda preciso assistir aos outros filmes que estão fortes na disputa, mas vejo que Conclave pode chegar no Oscar com força porque o filme tem méritos para isso. Anora e The Brutalist são melhores do que ele? Bem, só vou poder opinar sobre isso após assistir essas duas produções – que estão na minha lista para breve.

Agora, vale citar algumas notas da produção. Uma delas achei bastante significativa porque ela ajuda a explicar algo importante do filme. O cardeal Benitez não era conhecido de seus colegas antes do conclave porque teria sido nomeado cardeal “in pectore”, o que em latim significa “no peito” – podendo ser traduzido também em “no coração”. Esse é um termo utilizado pela Igreja Católica para se referir a uma ação, decisão ou documento que deve ser mantido em segredo. Esse tipo de decisão é utilizado com maior frequência pelo Papa quando ele deseja nomear alguém para o Colégio dos Cardeais sem anunciar publicamente, ou seja, publicar essa nomeação.

A maioria dos cardeais que foram nomeados “in pectore” depois tiveram seus nomes anunciados/publicados. Quando um Papa morre sem ter publicado uma nomeação “in pectore”, essa nomeação acaba expirando. A prática não é comum, mas costuma ser feita quando a Igreja deseja proteger o cardeal ou sua comunidade de perseguições ou represálias políticas. No caso do cardeal de Cabul, essa nomeação se justificaria porque a maior parte do Afeganistão é formada por grupos islâmicos, sendo que muitos deles são extremistas e se opõe frontalmente contra o cristianismo. Claramente os cardeais que estavam próximos do Papa que morreu na história de Conclave decidem aceitar a nomeação dele “in pecture” em respeito à sua memória.

Apesar de ser uma ocorrência rara, na história da Igreja houveram cinco cardeais nomeados “in pectore” que mais tarde foram eleitos Papas: Leão X (1513-1521), que originalmente foi nomeado “in pectore” como cardeal Giovanni di Lorenzo de Medici pelo Papa Inocêncio VIII em março de 1489; Inocêncio X (1644-1655) nomeado como cardeal Giovanni Battista Pamphili em agosto de 1627 pelo Papa Urbano VIII; Bento XIV (1740-1758) como cardeal Prospero Lorenzo Lambertini em dezembro de 1726 pelo Papa Bento XIII; o Papa Gregório XVI (1831-1846) como cardeal Bartolomeo Alberto Cappellari em março de 1825 pelo Papa Leão XII; e o Papa Pio IX (1846-1878), nomeado cardeal Giovanni Maria Mastai Ferretti em dezembro de 1839 pelo Papa Gregório XVI. Ou seja, o que vemos em Conclave é algo raro, mas já aconteceu algumas vezes antes na História.

Sobre a questão de Benitez ser aceito como cardeal pelos seus pares mesmo que sua nomeação foi feita “in pectore”, sem que tenha se tornado público antes da morte do Papa que vemos no filme, as notas de produção comentam que no livro homônimo essa aceitação se justifica porque as regras da Igreja sobre o assunto teriam sido alteradas recentemente e permitiriam que um cardeal “in pectore” fosse aceito mesmo com a morte do Papa. Isso não é válido segundo as regras atuais da Igreja. Claro que, para o filme, isso não faz uma grande diferença, mas acho que poderiam ter amarrado melhor esse ponto da história, já que em quase todo o restante da produção eles se preocuparam em realmente trazer para a telona as regras da Igreja.

Interessante que, segundo as notas de produção, o Papa escolhido no Conclave deveria ser chamado Inocêncio XIV, porque o Papa mais recente que tinha escolhido o nome Inocêncio foi o XIII, e ele ocupou esse cargo entre 1721 e 1724. A escolha do nome de um Papa é sempre muito simbólico. Os papas mais recentes que escolheram o nome Inocêncio voltaram seus papados para a direção da reforma da Igreja, tomando medidas importantes contra a corrupção.

Sobre o assunto da simonia na Igreja Católica, existiram alguns casos de um Papa que “vendeu” seu papado para obter riqueza e beneficiar-se da posição. Segundo as notas de produção do filme, o caso mais notável foi do Papa Bento IX. O tempo dele como Papa foi marcado por diversos escândalos, inclusive muitas acusações de que ele praticava sodomia, bestialidade e orgias dentro do Vaticano, além de ter sido acusado de estuprar freiras e de ordenar que o Exército Papal matasse seus rivais. Bento IX acabou tendo que deixar o papado, mas depois retornou, até que decidiu deixar a função para se casar. Quando fez isso, ele simplesmente vendeu o cargo de Papa para seu padrinho, em troca de uma quantidade alta de ouro. Em seguida, então, a Igreja teve como Papa Gregório VI. Inacreditável, não? Impressionante o que alguns homens já fizeram como Papas, especialmente quando não existia imprensa livre e uma crítica maior da sociedade.

Agora, uma curiosidade que eu não tinha percebido enquanto eu assistia a Conclave. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Logo no início da produção, vemos que o Papa morreu em um quarto da casa de hóspedes do Vaticano. Segundo a tradição, contudo, o Papa vive nos Apartamentos Papais. Apesar disso, o Papa Francisco decidiu viver em uma pequena suíte na casa de hóspedes do Vaticano, usando os Apartamentos Papais como escritório. Com isso, Conclave talvez esteja sugerindo que o Papa que vemos em cena seja Francisco. Terrível pensar nisso. Sim, Francisco já tem 88 anos de idade e ultimamente está aparecendo com alguns problemas de saúde. Ainda assim, espero que o Papa tenha vida longa e que fiquei muito tempo ainda à frente da Igreja, porque ele é um Papa realmente especial.

Ainda segundo as notas de produção do filme, simonia é o “ato de vender cargos, posições ou itens sagrados da Igreja, como relíquias, e é considerado um dos pecados mais graves que um sacerdote pode cometer”. Esse termo surgiu por causa de Simão Mago, mencionado em Atos dos Apóstolos. Ele foi um homem que ofereceu ao apóstolo Pedro uma grande quantia em dinheiro em troca de se tornar um dos apóstolos, para receber o Espírito Santo e, com isso, realizar milagres como Pedro e os demais apóstolos. Apesar da simonia ser contra a lei canônica e ser considerada um pecado, ela foi praticada em diversos momentos da história da Igreja antes das reformas feitas pelo Papa Nicolau II em 1059. Foi ele quem determinou que os futuros papas seriam eleitos por um conclave de cardeais que ficariam isolados, sem qualquer contato com o mundo exterior, enquanto votavam. Antes disso, não havia uma regra definida sobre como os papas deveriam ser escolhidos. Com frequência, novos papas eram nomeados pelo Papa atual ou escolhidos por políticos através de eleições por procuração, o que levava a muitas práticas de corrupção.

Agora, tem um tema que Conclave levanta e que me deixou com algumas dúvidas. E para resolver esse assunto, não achei nenhuma resposta nas notas de produção do filme. (SPOILER – não leia se você não assistiu ainda a Conclave). No final da produção, temos a surpresa maior da história quando o novo Papa revela para Lawrence que ele pensou em fazer uma histerectomia laparoscópica em Genebra, mas que após orar e refletir, ele desistiu do tratamento. Na hora que ele falou isso, de cara eu já pensei: “Ok, ele iria retirar o útero. Como assim?”. Por um breve período de tempo, até o filme terminar, fiquei pensando se Benitez seria um cardeal transgênero. Mas não. Tudo indica, tanto pela fala dele quanto por notícias que li a respeito, que ele nasceu homem, mas com útero e ovários. Benitez afirma que só descobriu isso aos 30 anos, quando foi tirar o apêndice. Algo parecido aconteceu com um homem de 67 anos que, segundo essa reportagem de O Globo, ao ser submetido a uma cirurgia para corrigir uma hérnia, descobriu que tinha desenvolvido útero, colo do útero, tubas uterinas e um ovário. É um caso raro, mas casos assim existem. Muito interessante. E o quão revolucionário um caso desses seria para a Igreja? Fenomenal.

Os usuários do site IMDb deram a nota 7,4 para Conclave, enquanto que os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 62 críticas positivas e cinco negativas para o filme, o que lhe garante um nível de aprovação de 93% e uma nota média de 8,1. O site Metacritic apresenta o “metascore” 79 para Conclave, fruto de 48 críticas positivas e cinco medianas.

De acordo com o site IMDb, Conclave teria custado cerca de US$ 20 milhões e, segundo o Box Office Mojo, até o momento, o filme teria faturado cerca de US$ 50 milhões nas bilheterias, sendo US$ 30 milhões apenas nos Estados Unidos, país onde o filme teve seu melhor desempenho. A segunda nação onde ele foi melhor foi o Reino Unido, onde Conclave faturou US$ 5,1 milhões, seguido da Alemanha, com US$ 4,3 milhões nas bilheterias. Parece que o maior sucesso da produção está, realmente, nos Estados Unidos.

Conclave é uma coprodução do Reino Unido e dos Estados Unidos. Entre os idiomas falados em tela, podemos citar o inglês, o italiano, o espanhol e o latim.

CONCLUSÃO

Eis um filme que vai ficar na sua cabeça por muito tempo. Conclave é uma produção construída peça a peça, sem grandes rompantes ou reviravoltas, mas que tem diversos momentos surpreendentes. Uma narrativa que evolui pouco a pouco e que levanta muitos temas importantes, fazendo o espectador pensar por muito tempo depois que a produção termina. Um filme que explora um dos momentos mais secretos e interessantes da histórica e gigante Igreja Católica Apostólica Romana. Nos deixa em dúvida sobre o quanto é realidade e o quanto é fantasia, enquanto pensamos nas mensagens que o filme nos deixa. Muito bem construído, com um texto ótimo e interpretações condizentes, é um dos grandes filmes desta temporada.

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Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 25 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing, professora universitária (cursos de graduação e pós-graduação) e, atualmente, atuo como empreendedora após criar a minha própria empresa na área da comunicação.

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