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6. Greves em Hollywood


EPÍLOGO: Este é o sexto texto que produzi para o site DVD Magazine e que reproduzo aqui no blog. Este artigo sobre as greves ocorridas ou aquelas que chegaram a ameaçar a produção de filmes e séries nos Estados Unidos, assim como os demais artigos que você, caro leitor, poderá ler aqui, devem ser vistos – como sempre – levando em conta a data em que eles foram produzidos e publicados. Sempre que possível acrescentarei atualizações e comentários datados e posteriores, como faço com as críticas dos filmes.

DATA DE PUBLICAÇÃO: 8 de setembro de 2008.

TÍTULO: Greves em Hollywood: afinal, por que existe tanta gente descontente?

No início de novembro de 2007 eclodiu a greve dos roteiristas em Hollywood. Séries tiverem temporadas adiadas ou foram canceladas; programas foram cortados, filmes também adiados ou cancelados e, a partir de aí, até premiações como o Globo de Ouro e o Grammy foram afetadas. A tal greve dos roteiristas terminou em fevereiro deste ano com o que os dirigentes sindicais chamaram de “o melhor acordo feito nos últimos 30 anos”. Depois dos roteiristas, os atores de Hollywood esboçaram uma paralisação similar. Mas afinal, o que duas das três principais categorias do entretenimento nos Estados Unidos estão querendo?

Na verdade, como a escritora Agatha Christie ensinou na maioria de seus livros, quase todos os crimes e/ou ambições se resumem a dinheiro. Claro que uma greve não chega ao patamar de um crime, pelo contrário, é um direito trabalhista que infelizmente está cada vez menos em uso. Mas ainda assim o que realmente move as greves em Hollywood é o dinheiro. Mais específicamente, a tentativa de distribuir de forma um pouco mais justa os ganhos bilionários dos estúdios entre as pessoas que fazem o entretenimento nos Estados Unidos acontecer: roteiristas, atores, diretores e demais profissões.

Hollywood mudou muito no século passado. Se figuras como Hitchcock começaram a carreira “atreladas” a um estúdio, depois seguiram “independentes”, podendo aderir ao projeto que quisessem. Mas se isso começou a ocorrer gradativamente a partir dos anos 30 (quando foram criados os primeiros sindicatos), afetando inicialmente a poucos, essa idéia de “independencia” autoral atualmente é a regra. Há tempos os profissionais em Hollywood são independentes, “freelancers”, autônomos que acabam aderiando a um ou outro projeto. Desde que isso passou a ser cada vez mais comum, ganharam força os sindicatos que representam cada categoria. E foi justamente o Writers Guild of America – sindicato dos roteiristas – que começou aquela greve de 100 dias que começou em novembro e terminou apenas em fevereiro e que causou, segundo um estudo do Milken Institute, prejuízos de US$ 2,1 bilhões.

A grande reivindicação dos produtores e das demais categorias de trabalhadores que fazem Hollywood avançar tem a ver com a porcentagem que eles ganham na venda de filmes e séries em DVD e pelo dinheiro que entra com a comercialização destes produtos por internet e outras novas mídias (como via celular). Depois de 100 dias de paralisação, os roteiristas conseguiram um acordo “aceitável” para eles. Os diretores da indústria, representados pelo Directors Guild of America, nem precisaram entrar em greve: conseguiram um acordo no dia 17 de janeiro.

Os fãs de séries e as pessoas que esperavam determinados filmes para este ano – e que só poderão conferí-los em 2009 ou depois – reclamaram da greve, é claro. Mas no fundo os roteiristas começaram um movimento corajoso e justo. Inicialmente a patronal dos produtores dizia que as “novas mídias”, como internet e o uso de celulares para ver séries e filmes eram movimentos muito recentes e difícies de serem “medidos” na questão de lucros. Mentira. No fundo sabemos que os canais de tevé e os estúdios vêm faturando um bom dinheiro há vários anos com esse tipo de comercio e, claro, tentavam postergar ainda mais tempo a “distribuição” dos lucros. A última greve nestas proporções ocorreu há exatos 20 anos, em 1988, e a razão era um tanto similar: a categoría dos roteiristas queria que os produtores garantissem que a categoria ganhasse uma parte no bolo dos lucros da venda de DVDs. E adivinhem qual era o argumento dos estúdios na época para não ceder? Ah, os DVDs eram ainda uma “grande novidade” e não se sabia como se poderia repartir o bolo. Sei…

Tradicionalmente os “donos do dinheiro” não cedem sem sofrer pressões. O problema é quando greves como a dos roteiristas afetam centenas de famílias, causam prejuízos da ordem de bilhões de dólares e, de quebra, prejudicam projetos como a série Heroes – que teve a segunda temporada encurtada pela metade e que começa a ter episódios novos exibidos somente agora, no final de setembro – e o novo filme de Harry Potter. Segundo o estúdio responsável por Harry Potter e o Enigma do Príncipe, o filme teve a estréia adiada de 21 de novembro deste ano para 17 de julho de 2009 graças à greve dos roteiristas.

Ainda que seja improvável ocorrer outra greve em Hollywood este ano, o risco não está totalmente dissipado. Isso porque o maior sindicato de atores nos Estados Unidos – o Screen Actors Guild – ainda não chegou a um acordo com a patronal dos produtores. Há pouco mais de dois meses (desde o final de junho) eles estão adiando a assinatura de um novo acordo. O risco está em que logo o sindicato passará por eleições e os humores podem mudar. Atores de peso como Tom Hanks, Robert De Niro, Kevin Spacey, entre outros, vêem pedindo para que uma nova greve não comece… mas tudo vai depender das negociações agora mesmo paralisadas.

O sindicato dos atores pede também uma melhor distribuição dos direitos sobre cópias em DVD e veiculação de conteúdos por internet e novas mídias. Mas existe outro ponto importante em discussão: os atores querem diminuir a discrepância salarial da categoria, ou seja, garantir que os profissionais que tem menos projeção em um filme ganhem proporcionalmente mais em relação aos primeiros nomes que aparecem nos créditos iniciais. Em outras palabras: garantir que atores menos conhecidos ganhem melhor em relação às estrelas de Hollywood.

A patronal dos produtores defende que o acordo com os atores siga os outros dois assinados este ano, com os diretores e os roteiristas. O problema é que nada foi garantido ainda e o risco está no ar. O que enfraquece o “movimento” dos atores, na verdade, é uma disputa interna na categoria. O Screen Actors Guild é o maior sindicato de atores que trabalham em Hollywood, mas não é o único. Desde junho ele permanece com uma certa “quebra-de-braço” com o American Federation of Television and Radio Artists, o outro sindicato representativo, para definir os detalhes do que a categoria quer dos estúdios e canais de televisão. O resultado é que a divisão de forças está provocando a demora na definição de um acordo ou mesmo a determinação para começar uma greve.

Mas a previsão realmente é que a patronal dos produtores e os sindicatos dos atores cheguem a um acordo – isso se não houver alguma mudança de “rumos” com novas eleições internas. Ainda assim, o fato é que os lucros sobre produtos distribuídos por internet, celulares e demais plataformas renderá muitas disputas no futuro. Ninguém pode garantir que dentro de alguns anos, quando os atuais contratos terminem, novas disputas não irão começar. E nestas horas me pergunto: se as produtoras lucram bilhões por ano e regateiam tanto para distribuir entre os profissionais pequenas porcentagens deste lucro, como ainda insistem com a idéia de que levam grandes prejuízos com a internet? Para mim eles continuam chorando por centésimos de bilhões – quem ganha muito sempre parece querer ganhar mais.

O que os roteiristas conseguiram:

Depois da longa greve de 100 dias, os roteiristas de Hollywood conseguiram assinar um acordo com a patronal que representa os estúdios que estabelece:

– que eles receberão 2% do lucro líquido pela transmissão dos programas em televisão;

– que eles terão direito a 0,36% dos lucros para os primeiros 100 mil downloads de um programa televisivo e pelos primeiros 50 mil downloads de um filme sem cortes publicitários;

– que estes lucros aumentarão posteriormente para 0,7% e 0,65%, respectivamente.

Onde está o impasse entre produtores e atores:

Até agora a ameaça de uma greve de atores em Hollywood não está abolida porque a patronal que representa os produtores de cinema e televisão e os sindicatos dos atores não chegaram a um acordo sobre alguns pontos. O mais novo deles (além dos já citados no texto principal), é o seguinte:

– os estúdios querem distribuir gratuitamente por internet videoclipes de filmes e programas de TV antigos em formato adequado para plataformas como o YouTube sem autorização prévia dos atores envolvidos, além de pagar uma taxa fixa pelo uso de suas imagens;

– o Screen Actors Guild não concorda com isso, pedindo que os atores sejam consultados para a exibição de cada caso e recebam uma porcentagem dos lucros variável.

Um detalhe sobre isso: os estúdios e redes de TV estão acostumados a veicular vídeos promocionais sem pagar cachês adicionais aos atores que aparecem neles pelo uso de suas imagens… mas o mesmo não acontece quando vídeos são exibidos como entrenimento, como por exemplo em um programa de TV. Nestes casos os produtores são obrigados a pedir autorização dos atores que aparecem nos vídeos e, além disso, pagam um cachê negociado.

Para saber mais:

Fim da greve dos roteiristas – http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u372146.shtml

Situação das negociações entre atores e produtores:

http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/07/080717_atores_hollywoodrg.shtml

http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/07/080701_atores_greve_eua_mv.shtml

http://www.estadao.com.br/tecnologia/not_tec172169,0.htm

A lista de filmes considerados prioritários para os estúdios:

http://www.stalepopcorn.co.uk/movie-news/studios-release-list-of-pre-strike-priority-movies/

Sobre as mudanças no modelo hollywoodiano:

http://diplo.uol.com.br/2005-09,a1165

2 respostas em “6. Greves em Hollywood”

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