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5. Cinema no Brasil e na Espanha


EPÍLOGO: Este é o quinto texto que produzi para o site DVD Magazine e que reproduzo aqui no blog. Este artigo comparativo entre o mercado do cinema na Espanha e no Brasil, assim como os demais artigos que você, caro leitor, poderá ler aqui, devem ser vistos – como sempre – levando em conta a data em que eles foram produzidos e publicados. Sempre que possível acrescentarei atualizações e comentários datados e posteriores, como faço com as críticas dos filmes.

DATA DE PUBLICAÇÃO: 25 de junho de 2008.

TÍTULO: Mercado do cinema no Brasil e na Espanha: o que nos une e o que nos separa

O discurso é antigo sobre como o Brasil “sofre” com o “colonialismo” dos Estados Unidos. Por diversas vezes na história do cinema nacional se discutiu maneiras de reforçar as produções tupiniquins e fomentar, especialmente, que o público assista a filmes brasileiros. A discussão é importante, válida e tem sentido, mas algumas vezes é importante olhar o quadro em perspectiva. Digo isso porque, morando na Espanha, acho inevitável fazer comparações entre os dois mercados. E a verdade é que mais elementos nos unem do que nos separam – inclusive nos números negativos.

Em 2007 os dois países sentiram um movimento que parece ser inevitável na era dos downloads de filmes por Internet e do êxito de tecnologias que cada vez mais transformam de forma eficaz nossa casa em um verdadeiro cinema: a caída de público nas salas de exibição. Ainda que com uma população quatro vezes maior que a da Espanha, o Brasil registrou ano passado 88,6 milhões de espectadores nos cinemas – uma diminuição de 2,9% em relação a 2006. Espanha, ainda que diminuindo o número de espectadores em 20 milhões no ano passado, registrou um público de 102 milhões nas salas de exibição. Os espanhóis ganham dos brasileiros no interesse pelo cinema e pela leitura, para citar dois exemplos de consumo cultural.

Mas o significativo dos números não é tanto a diminuição de público nos dois países – até porque essa tendência é algo que pode-se entender como mundial – e sim o domínio do cinema vindo de Hollywood. Enquanto no Brasil o cinema nacional conseguiu abocanhar 11,1% da bilheteria de 2007, na Espanha o número não muda muito: aproximadamente 12% dos espanhóis preferiram ver um filme da “terrinha” no ano passado. O predomínio, nos dois países, continua sendo dos filmes “made in USA”.

A diferença é que na Espanha existe uma produção maior de cinema, ainda que o que falte é realmente público. Prova disso é que, em 2007, para comparar, foram exibidos 611 filmes dos Estados Unidos e 337 filmes espanhóis pelo país afora. Ou seja: um a cada três filmes em exibição eram espanhóis. Algo que não acontece no Brasil. Ainda que exista a lei Cota de Tela, que obriga cada cinema a exibir um filme brasileiro pelo mínimo durante 28 dias ao ano, não se percebe tanta oferta de filmes nacionais em exibição. Em 2007, por exemplo, apenas 82 filmes brasileiros estrearam nos cinemas – e o grande campeão de bilheterias foi mesmo Tropa de Elite. E, ainda assim, quase empatamos com a Espanha no interesse para assistir filmes vistos no país. O que isso pode significar? Que talvez sejamos menos “colonizados” do que sempre imaginamos e que falta investir em produções brasileiras – porque interesse, pelo que parece, o público tem para assistí-las.

Outro fator curioso sobre os dois países tem a ver com um processo político e cultural. Ainda que Espanha e Brasil tenham o mercado de seus cinemas dominado por produções dos Estados Unidos, cada cultura absorve esta influência de maneira muito distinta. Explico. Aquí na Espanha são poucas as salas de cinema que exibem filmes com som original. Isso mesmo. Os espanhóis assistem muito cinema importado mas, ainda assim, escutam seu próprio idioma o tempo inteiro.

A indústria da dublagem no país é algo tão enraizado que influi até na baixa vocação dos espanhóis em falar inglês. Pode parecer absurdo, mas existem inúmeros exemplos de uma pessoa comum falando totalmente errado o nome de algum artista ou filme em inglês ao “adaptá-lo” para o espanhol. O espanhol médio sofre muito mais com a pronúncia de palavras em inglês que o brasileiro. A fonte deste “gosto” por filmes dublados em espanhol remete à ditadura militar do General Franco que, em 1941, publica uma lei que exige a dublagem na língua nacional dos filmes extranjeiros – imitando a outro ditador, Mussolini. Em outras palavras: o ditador espanhol proibiu a exibição de qualquer filme no país que não fosse falado em espanhol. Era impossível ouvir inglês, francês ou qualquer outro idioma nos cinemas. A tal lei durou cinco anos, mas a censura e as “vantagens” que satisfazer uma lógica ditatorial traziam a distribuidores e exibidores fez com que o costume se prolongasse muito mais tempo. Apenas nos anos 70 recomeçaram a surgir, timidamente aquí e ali, filmes originais com legendas nos cinemas.

Pode parecer uma bobagem, mas estar acostumado ou não a ouvir inglês, ainda que basicamente através de filmes ou música, faz diferença na hora de aprender o idioma e de saber pronunciar palavras adequadamente. Não por acaso a Espanha corre atrás do prejuízo de sua gente saber falar – ainda – pouco o idioma mais utilizado mundo afora.

Mas voltando ao tema do quanto cada país valoriza ou não o seu cinema nacional. Na Espanha, em 2007, o cinema do país atraiu a pouco menos de 13 milhões de espectadores, o que significou 5,8 milhões de pessoas que deixaram de assistir filmes de seu próprio país em relação ao ano anterior. A queda foi grande: 44,61%!!! Pela primeira vez em 10 anos o cinema espanhol atraiu menos que 13 milhões de espectadores para os cinemas. E isso porque houve um grande sucesso local em 2007: o filme El Orfanato (atualmente disponível em DVD nas videolocadoras brasileiras como O Orfanato). O filme de Juan Antonio Bayona que representou o país na disputa para uma vaga no Oscar – e não conseguiu ser selecionado – conseguiu arrecadar 19 milhões de euros, o que corresponde a 27% do total que as produções espanholas conseguiram no país. Sem este filme os números seriam ainda piores.

No Brasil, por outro lado, os filmes nacionais atraíram 9,8 milhões de espectadores para os cinemas, arrecadando R$ 707,3 milhões – um aumento de 0,9% em relação ao ano anterior. Ok que o crescimento é muito baixo, quase imperceptível, mas pelo menos é uma curva ascendente – diferente do que o mercado espanhol apresenta.

Incrível realmente como os Estados Unidos domina, ainda que de forma diferente, o mercado do cinema mundial. Leis de proteção de mercado, como a que existe no Brasil, são interessantes – obrigando os cinemas a exibir filmes nacionais pelo menos por um breve período no ano –, mas o que parece faltar realmente é o fomento a que as produções saiam do papel e ganhem as salas de exibição. Mesmo tendo uma produção muito maior que a do cinema brasileiro, a Espanha demonstra que tem menos interesse de assistir aos filmes locais. Parece que o brasileiro está mais interessado em assistir o que é feito na terrinha, ainda que não tenha muitas propostas ao alcance dos olhos na tela grande. O que é certo é que os dois mercados, brasileiro e espanhol, tem espaço e potencial para absorver mais produções diversificadas e nacionais – o que talvez falte é a ousadia de experimentar o que é feito em cada casa e de quebrar um pouco o preconceito, pelo menos aquele percebido na Espanha, com a produção local.

Para saber mais:

Público no cinema brasileiro em 2007:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u362747.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u358888.shtml

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