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Materialists – Amores Materialistas


Por que as pessoas casam hoje em dia? E por que ainda há tanta gente buscando por um amor? Essas questões, acredito, são universais e atemporais. Não importa se você está lendo esse texto hoje, no dia em que eu coloquei ele no ar, ou daqui 100 anos… imagino que essas perguntas seguirão válidas. Materialists é um filme que aborda essas questões. Faz isso de uma forma óbvia ou inovadora? Bem, eu diria que o filme tem alguns bons momentos mas, no geral, ele parece um bocado do mesmo e acaba jogando boas ideias na lata do lixo. Uma pena.

A HISTÓRIA

Começa em uma paisagem cheia de montanhas e com um rio passando em meio a um vale. Vemos a paisagem do alto. Corta. Em um plano baixo, próximo do solo, vemos algumas flores brancas silvestres. Um homem passa perto das flores e corta algumas delas. Em seguida, vemos ele caminhando perto da água, andando devagar entre algumas pedras. Ele leva nas costas as flores, que vai dar de presente para uma jovem que fica feliz ao ver que ele está se aproximando. Ela sai da caverna onde estava e vai até o lado de fora, onde recebe o rapaz.

Eles sorriem um para o outro. Ele dá as flores para ela e, em seguida, mostra diversos instrumentos que ele mesmo produziu. Em seguida, ele coloca um anel feito de um ramo de flor no dedo dela. Corta. O cenário agora é de uma grande cidade, com seus prédios e ruas cheias de carros. Vendo o reflexo em mais de um espelho, Lucy (Dakota Johnson) termina de se maquiar. Em seguida, ela sai para mais um dia de trabalho, buscando que mais anéis no dedo se convertam em matrimônios.

VOLTANDO À CRÍTICA

(SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Materialists): Então, com eu cheguei até esse filme? Como comentei recentemente por aqui, eu ando de olho em dois tipos de listas ultimamente: naquelas que apontam alguns dos filmes que já estão sendo cotados para o próximo Oscar e naquelas que apontam alguns dos melhores filmes de 2025 até aqui. Pois bem, por incrível que pareça, cheguei até Materialists porque uma das listas que eu consultei sobre o Oscar 2026 colocava esse filme como um possível candidato a maior premiação do cinema de Hollywood.

Bem, devo dizer que a partir de agora eu vou ignorar totalmente essa lista. Porque não, realmente eu não acho que Materialists tenha qualquer chance de chegar até o próximo Oscar. Isso só poderia acontecer caso o filme tivesse um lobby gigantesco por trás e/ou caso tivéssemos uma safra muito ruim de filmes pela frente. Porque, realmente, essa produção está algumas léguas atrás de uma lista que eu poderia pensar de filmes indicados ao Oscar. Não tem qualidade para isso.

Feitos esses comentários, vamos falar sobre o filme em si. Acho, honestamente, que fora aquela introdução do “tempo das cavernas” inicial, Materialists tem um bom começo. Especialmente pela ótica super realista que a protagonista parece ter no início da produção e por uma ou outra pitada de ironia que o roteiro da diretora Celine Song destila aqui e ali naquela parte inaugural do filme.

Acho interessante a temática de Materialists. As pessoas seguem interessadas em conhecer “ótimos partidos” e, mais que isso, eu diria que pessoas interessantes. É bom amar. Quem não gosta de amar e de ser amado? Mas isso é muito mais fácil de imaginar e de idealizar do que de realizar, todos nós sabemos. Quem já amou algumas vezes e já rompeu diversas relações até hoje sabe do que eu estou falando.

Então hoje em dia, em um mundo tão cheio de desafios – inclusive de pessoas perigosas e sem limites, aparentemente, circulando por aí -, como as pessoas bacanas podem encontrar outras pessoas bacanas? Se você não casou jovem, com algum colega do colégio ou da universidade, suas chances de conseguir um “ótimo partido” caem consideravelmente. Encontrar alguém de forma aleatória, na “night”, é algo muito difícil – e, algumas vezes, podemos dizer até que perigoso? Vide os casos de feminicídio no Brasil e em outros países…

Mas para além dessa questão, se não for por “sorte”, onde uma mulher ou um homem podem encontrar sua “alma gêmea” hoje em dia? Talvez no ambiente do trabalho? Talvez em um curso de pós-graduação, em uma segunda graduação, em um trabalho voluntário? De fato, existem algumas possibilidades pulverizadas aqui e ali, mas não é simples essa busca. E com a tecnologia nos servindo para tudo – ou quase tudo – hoje em dia, não à toa são oferecidos tantos “serviços” e aplicativos que buscam aproximar pessoas que querem amar e se relacionar.

Materialists aborda essa questão, mas o filme vai além. Ele toca em algo muito importante nos dias de hoje – e nesse ponto eu acho que o filme se mostra interessante: como as pessoas tem uma lista de “exigências” para considerarem algum candidato ou candidata como “viável” ou digno(a) de um segundo ou terceiro encontro. Essa eu acho que é a melhor sacada desse filme, quando Celine Song questiona as motivações das pessoas em encontrar alguém e o tipo de exigência que elas fazem para considerarem que tiveram êxito na procura.

Claro que essas questões são muito profundas e impossíveis de serem abordadas em sua totalidade e de forma exitosa em um filme com pouco menos de duas horas de duração. E certamente nem era esse o propósito da diretora e roteirista quando ela pensou em Materialists. Claro que ela não queria esgotar o tema “afinal, por que as pessoas se casam?” ou, “afinal, qual é a fórmula para um casamento dar certo?” nessa produção.

Como tantas obras feitas para o cinema, Materialists lança o tema na tela, desenvolve um pouco das respostas possíveis e deixa o restante para cada espectador responder. Como não existe uma resposta única ou certa para nenhuma das perguntas que fiz nesse conteúdo até aqui, claro que cada um que assistir a Materialists vai ter seus argumentos e vai ter algumas respostas prontas para apresentar – ou até algumas respostas que vão ser formuladas sob nova perspectiva após o filme terminar.

Acho que Materialists seria um filme muito mais interessante justamente se ele não tentasse nos dar uma resposta no final. Em outras palavras, o problema principal dessa produção é ela cair no lugar-comum e na fórmula conhecida para agradar “ao grande público”, optando por nos dar uma resposta simples para questões complexas como se isso fosse um pré-requisito para uma produção cair no gosto popular. Ainda que muitas vezes isso seja verdade – quantas pessoas realmente gostam de filmes “complexos” ou “cabeça” hoje em dia, que não entreguem tudo mastigadinho e o mais simples possível? -, não quer dizer que essa escolha seja a melhor.

Então, para resumir, achei o filme interessante em alguns momentos, especialmente quando ele joga luz para a “busca moderna” das pessoas pelo amor – ou, ao menos, pela “materialização” disso, que é o casamento. No cenário atual, não importa se via aplicativos variados ou através da contratação de “especialistas” como a protagonista desse filme, homens e mulheres seguem procurando o “par perfeito”, a “tampa de suas panelas”, aquela pessoa que vai “completá-los” e tornar a vida muito mais “cheia de cores e de alegria”.

Sim, esse monte de aspas é para falar dos vários lugares-comuns que circulam o tema. Conceitos idealizados, quem tem um pouco mais de crítica e de autocrítica bem sabe. E o problema principal de Materialists é quando o filme abre mão de olhar para todo esse cenário estranho com um pouco de cinismo e crítica e passa a escolher a resposta fácil para questões complexas.

(SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). No fim, a protagonista de Materialists “nos ensina” que o que vale mesmo é o amor. Que desde o tempo das cavernas e até hoje, é o amor que justifica os casamentos e as uniões entre homens e mulheres. Bueno, eis uma resposta simples e idealizada, não é mesmo? Quem já amou uma ou mais vezes na vida sabe que apenas o amor não basta. Não é tudo. Não é o suficiente. Muitos outros elementos jogam um papel importante na equação que vai determinar ou não se uma relação vai para a frente ou se termina antes ou durante um casamento.

Acho que Materialists nos serviria muito mais se abordasse a questão do amor próprio em primeiro lugar. E esse conceito não deve ser confundido com egocentrismo – algo muito presente nas relações desiguais e nos casamentos, diga-se. Vemos o ego jogando um papel importante em boa parte desse filme, é verdade. Sempre que uma pessoa acha viável fazer o “check” em cada item de sua lista sobre o “par perfeito”, sobre a “pessoa ideal” com a qual ela quer se relacionar.

Isso não existe, é óbvio. E acho fantástico – essa é a parte boa do filme – toda a vez que Materialists nos apresenta uma dessas pessoas (não importa se homens ou mulheres) que tem uma lista de “exigências” antes de marcar o primeiro encontro com alguém. Lembrei muito de uma frase que um ex-chefe me disse uma vez. Que as “pessoas se acham melhores do que elas são”. Geralmente isso é verdade.

Então dei boas risadas com pessoas que estão muito longe de serem “a última bolacha do pacote” se achando exatamente isso. É o que eu sempre digo: parece que falta espelho na casa das pessoas, não é possível. Quem nunca se encontrou com um homem ou mulher que tinham – ou demonstravam, ao menos, porque demonstrar é mais fácil do que ter, de fato – uma autoestima nas nuvens e sem razão para isso?

Vou ser honesta que isso é o que eu mais vejo. Pessoas acreditando, de fato, que são a última bolacha do pacote e que são muito mais incríveis do que realmente são. As pessoas realmente incríveis geralmente não batem no peito e não gritam sobre isso em megafones, como tantas outras pessoas que não são nada incríveis gostam de fazer. Quando Materialists demonstra essas questões, o filme acerta. Da minha parte, dei algumas boas risadas com o roteiro de Celine Song quando ela aborda essa questão, a autoimagem equivocada que muitos tem e a busca irrealista que eles fazem.

Claro que todas as pessoas tem as suas qualidades – ou quase todas as pessoas, ao menos. Mas querer fazer uma lista de qualidades que precisam ser cumpridas pelo outro para que exista alguma chance de aproximação ou de novos encontros… convenhamos que não faz sentido. Todos nós temos as nossas preferências, claro. E quando seguíamos o “velho método” de conhecer as pessoas de forma natural em diferentes ambientes que permitiam encontros pessoais, claro que utilizamos algumas preferências para “filtrar” quem deixamos entrar no nosso campo mais próximo e, quem sabe, desenrolar algo a partir daí.

Mas na sociedade baseada no consumo em que vivemos atualmente, realmente muita gente acha que conhecer alguém e começar um relacionamento passam pela mesma lógica de outros tipos de “consumo”. E se as pessoas não atingem os “padrões” e os “pré-requisitos” que quem está procurando por alguém tem, simplesmente não há espaço para o desconhecido e para descobertas que são típicas dos relacionamentos humanos. E as pessoas nem se questionam sobre isso porque estão no “piloto automático” do consumismo.

Claro que pensar e ter autocrítica exige gasto de energia. Sei que muita gente gosta de gastar sua energia em outros alvos, mas ouso dizer que uma energia muito bem gasta é justamente essa de pensar sobre si mesmo(a), procurar se conhecer cada vez melhor e tentar refletir sobre o comportamento dos outros. É um exercício sem fim, que tem gastos físicos e emocionais, mas que traz muito resultado. Inclusive evita – ou diminui o risco – da pessoa ter uma autoimagem muito distorcida e, consequentemente, uma leitura da realidade equivocada.

Acho que o começo de tudo, inclusive da busca por uma relação, seja ela passageira ou que resulte em algo muito mais duradouro, como um casamento, passa por aí. Conhecer-se o melhor possível, ter um contato o mais realista possível com o que acontece ao redor, é a base para conseguir ter uma relação honesta com alguém – e isso, a meu ver, é a base de qualquer construção de amor saudável e realista que possamos um dia almejar. Mas isso é difícil, todos nós sabemos.

Materialists também acerta ao trazer algumas das diversas razões que fazem uma pessoa decidir se casar com outra. Gostei dessa parte também. Sim, muitos acham que estão casando por amor. Mas existe realmente amor quando duas pessoas não se conhecem de verdade? Ou o que as pessoas interpretam como amor tem outras bases? O filme nos mostra que muitos casam por exigência da família ou da “sociedade” (leia-se cobrança de pessoas próximas, para além dos familiares), para repetir um velho modelo já conhecido e que a pessoa simplesmente nunca parou para pensar que não precisa repetir, ou para atender a diferentes exigências do ego.

(SPOILER – não leia se você ainda não assistiu ao filme). Achei especialmente interessante quando a protagonista dessa história vai “socorrer” uma de suas clientes, que está em uma “pequena crise” pouco antes de dizer o definitivo “sim” para o noivo. Quando Lucy pergunta para ela o porquê dela estar se casando, Charlotte (Louisa Jacobson) diz com todas as letras que é porque ela se sente “vitoriosa” frente à irmã. Depois, claro, Celine Song “doura a pílula” e Lucy “traduz” o que Charlotte falou dizendo que o noivo dela faz com que ela se sinta valorizada.

Gente, vamos combinar que o que Charlotte falou é muito mais duro do que isso? (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). No fundo, Charlotte está apenas em uma competição com a irmã e acha que o futuro marido, teoricamente “superior” ao marido da irmã, faz com que ela tenha “ganho” uma disputa que só existe na cabeça dela. Insegurança, travestida de competição familiar, resume parte da questão. Por que ela tem que ser superior à irmã? Por que ela tem que ganhar qualquer disputa com a irmã? E que tipo de disputa é essa? Em resumo, tudo a ver com alimentação para o ego da moça.

E quantos casamentos são motivadas exatamente por isso? Por egos precisando ser saciados? Para mim, isso não é uma boa justificativa para relação alguma, muito menos para um casamento. As pessoas deveriam entender sobre os próprios egos e resolverem essa competição que tem com o mundo ou quase todas as pessoas de outra forma. Talvez com uma boa terapia? Acho que já seria um começo. #ficaadica

Mas sim, muitas pessoas casam por isso, para dizerem que tem o melhor marido ou a melhor esposa do mundo. Para se sentirem “poderosos(as)” por causa disso, como se isso tornasse elas melhores do que outras pessoas… que ledo engano! Não é um casamento que vai tornar você melhor, mas a sua busca constante por ser uma pessoa melhor, começando por não se achar melhor que os outros. Que tal?

A parte interessante de Materialists, a meu ver, é quando o filme nos mostra como a busca por parceria não tem fim, vindo de tempos imemoriais e chegando até o século 21 – e provavelmente além. As pessoas querem ser amadas, sim, e muitas se casam justamente por isso, por buscarem o amor, terem a necessidade de resolverem as suas carências e receberem o afeto que talvez receberam (ou não) na infância e na juventude. Muito sobre a fonte da carência vem daí. E muitos tentam resolver isso procurando um “par perfeito” para a vida.

Acho interessante, e essa é a parte boa da produção, como o roteiro e a direção de Celine Song explora a busca pelo amor nos dias atuais, com muita gente com dificuldade mesmo em achar o “par perfeito” – até porque, convenhamos, ele não existe. Quando o filme mostra o tipo de exigências feitos por homens e mulheres, os pré-requisitos “mais valorizados” e mais comuns, e explora um pouco das diferentes motivações das pessoas por buscarem por um casamento hoje em dia, acho que ele ganha pontos e se mostra interessante.

Agora, quando Materialists mostra as “desventuras” de Lucy em busca do amor, aí eu acho que o filme se perde um pouco porque ele se revela simplista e óbvio. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme ainda). Achei um bocado “forçada” aquela breve relação de Lucy com Harry (Pedro Pascal), porque não parece que ela realmente embarca de forma convicta ou mesmo acidental naquele enredo. Sim, ela resolve “experimentar” uma aproximação com um “unicórnio” (que expressão horrível!) do mercado casamenteiro, mas o desenrolar da história deles parece bem descolado, até mesmo sem química. Achei nada convincente.

E daí, para piorar aquele enredo, temos em cena John (Chris Evans). (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Conforme a produção se desenrola, sabemos que Lucy namorou com John por alguns anos e que eles terminaram porque ela estava cansada de discutir com ele por causa de grana. Certo. Mas justamente quando ela está tocando a vida na boa e quando começa a se “relacionar” com Harry é que John parece “reaparecer” na vida dela. Forçadinho, não? E previsível também.

Eles sempre viveram na mesma cidade, então parece bastante improvável que a festa de um casamento que a protagonista ajudou a arrumar seja o momento perfeito para ela ser apresentada para dois cenários bem diferentes – um “revival”, com uma “aparição” que poderia ter ocorrido em qualquer momento antes, e uma nova possibilidade – essa última, que nem Lucy está muito disposta a explorar.

Então toda aquela dinâmica de “mulher disputada” que Materialists começa a encarar com esse “triângulo” entre Lucy, Harry e John me pareceu muito óbvia, forçada e sem graça. Não achei que os atores desenvolvem toda aquela química que eles precisavam ter e nem a história focada neles convence muito. Honestamente, achei essa parte, que acaba sendo o centro da narrativa lá pelas tantas, decepcionante.

Assim sendo, um filme que apresenta algumas reflexões interessantes e que acerta quando lança um olhar crítico para algumas questões muito atuais acaba se revelando menor do que poderia ser. Uma pena. Mas, sem dúvida, se eu for dar um palpite, eu não jogaria nenhuma ficha em Materialists para o próximo Oscar. Acho que ele será olimpicamente esquecido. E com razão. Poderia ser melhor do que é, mas se perde em uma busca de sua realizadora, me parece, para agradar “ao grande público”, muito afeito a produções com desfechos e “finais felizes”.

Com isso, não quero dizer que eu não acredite no amor. Só acho que o tal “amor” entre Lucy e John não é tão bem desenvolvido quanto deveria. Ao menos não me convenceu. Acho que falta mais de contexto e de background dos personagens para que acreditemos neles, de fato. E, para além disso, quem já viveu alguns amores nessa vida, sabe que o amor não é tudo. Amar não é sinônimo exatamente de casamento feliz ou duradouro.

Casamentos duram muito tempo por várias razões. A meu ver, a maioria deles duram por questões religiosas – as pessoas acreditam nos votos que fizeram e fazem de tudo para que esses votos não sejam quebrados. Não importa o que aconteça. Não importa se a relação é ruim e se o casamento é disfuncional. Não importa se as pessoas realmente não são felizes naquela união. Mas como as pessoas fizeram aqueles votos, elas “devem” ficar juntas, custe o que custar. Acho que essa é a razão principal.

Depois, muitos ficam casados, mesmo infelizes, “por causa dos filhos”, para que eles “não sofram com pais divorciados”. A desculpa é boa, mas quem já conheceu uma família disfuncional sabe que às vezes os pais ficarem juntos não é exatamente a melhor solução para os filhos… Outros seguem casados porque não imaginam suas vidas sem o(a) companheiro(a), seja por serem dependentes financeiros do outro, seja por serem dependentes emocionais ou de outra espécie. Bem, novamente, para essas questões, talvez uma boa terapia ajude ou mostre outras soluções possíveis.

Mas dizer que a “fórmula” para um casamento é existir “amor” entre as pessoas… me desculpe, Celine Song, mas você está sendo muito simplista nessa resposta. Novamente, a meu ver, uma apresentação idealizada sobre as relações e sobre o casamento. E, para essa visão, já temos dezenas de filmes na história do cinema. Não precisamos de mais um. Me desculpem, mas amor não é tudo.

Concordo com Lucy, protagonista dessa história, que o “amor é fácil”. De fato, ou se ama alguém, ou não se ama. Não dá para forçar isso. E a base do amor é diversa, mas certamente começa com a confiança, passa pela cumplicidade, pela química, pelo respeito, pela valorização de si mesmo e do outro.

Algumas vezes, podemos encontrar pessoas com quem tudo isso funcione e ter relações com base no amor. Mas daí entra em jogo, na convivência, diversos outros fatores, e nem sempre o amor vale mais do que outros elementos que tornam a convivência impossível. Então, me desculpe a roteirista e diretora Celine Song, mas sua grande resposta para questões centrais de Materialists, que é de que tudo se resume ao amor, não considero que se vislumbre na prática. E, novamente, eu dispenso mais um filme que nos faça acreditar em ideias equivocadas.

Assim, mais uma vez eu digo, a parte boa de Materialists é quando a produção nos lança perguntas e nos faz pensar, e a parte ruim do filme é quando ele opta em nos dar uma resposta simples e irreal para questões muito mais complexas do que o final dessa produção quer demonstrar.

NOTA

7.

OBS DE PÉ DE PÁGINA

Como sempre, eu não tinha lido nada sobre Materialists antes de começar a assistir ao filme. Por causa disso, eu não tinha me tocado sobre alguns nomes relacionados com a produção. Entre os atrativos principais do filme, tenho certeza que três nomes do elenco são os que mais atraíram as pessoas para verem essa produção. Claro que estou falando do elenco central, composto por Dakota Johnson, Chris Evans e Pedro Pascal. Os três têm muitos fãs e certamente atraíram muitas pessoas até Materialists. Mas o nome que realmente me chamou a atenção ao ver os créditos do filme foi o de Celine Song.

A cabeça por trás de Materialists, a maior responsável pelos pontos fortes e fracos da produção, me impressionou antes por outro trabalho. Claro que estou falando da roteirista e diretora Celine Song e sobre o seu filme anterior, Past Lives (comentado por aqui). Aquela produção sim, achei bem acima da média. Mas esse novo trabalho dela, acho que ficou no meio do caminho. Poderia ter sido melhor.

Como eu disse lá atrás, quando assisti a Past Lives, continuo achando que Celine Song merece a nossa atenção. Mas, como outros nomes promissores de sua geração e de outras gerações, precisamos acompanhar seus próximos trabalhos para ver se o talento dela vai se revelar mais sólido e vai perdurar no tempo ou se Past Lives foi apenas um ponto fora da curva. Saberemos conforme Celine nos apresentar suas próximas ideias. Mas é bacana ver essa realizadora da Coreia do Sul de 37 anos, completados agora no dia 19 de setembro, com uma assinatura tão autoral. Que ela siga falando de amor e do que mais ela achar interessante sobre as relações humanas.

Uma escolha acertada de Celine Song em Materialists foi nos apresentar uma história com alguns personagens centrais bem delimitados e com poucos coadjuvantes com destaque. Desta forma, a diretora e roteirista consegue nos apresentar um bom desenvolvimento de personagens, especialmente da protagonista, ainda que, apesar disso, eu tenha sentido um pouco mais de profundidade sobre o relacionamento dela com John. Acho que faltou um pouco de contexto na história dos dois, para além daquela discussão passada no carro, para acreditarmos realmente que a relação dos dois teria grandes chances de futuro, com as “divergências” que eles tiveram antes podendo ser superadas agora.

Sim, é verdade que passado algum tempo daqueles fatos passados, tanto Lucy quanto John parece terem evoluído e revisado alguns de seus conceitos. Isso acontece na vida real – quem já voltou com algum ex sabe bem do que eu estou falando. Alguns motivos de discussão ou de divergência que existiam antes podem ter sido superados porque as pessoas repensaram as suas “certezas” e, se formos bem crentes e quisermos realmente embarcar na “solução mágica” apresentada por Celine Song para a protagonista desta história, podemos acreditar que sua “aposta no amor” faz sentido.

Mas, volto a dizer, acho que faltou a diretora e roteirista nos apresentar mais elementos que nos fizesse acreditar nessa história com um pouco mais de facilidade. Quando isso não acontece, a sensação que temos é que o filme força um pouco a barra… e isso é sempre ruim e frustrante, especialmente para uma produção que vinha apresentando alguns questionamentos válidos.

Além de Celine Song, que considero como um nome interessante para ser acompanhado, Materialists nos apresenta alguns atores “badalados” em cena. Para mim, o destaque na produção, por nos entregar a melhor interpretação, mais coerente com o personagem e que rouba a cena praticamente a cada aparição, é de Dakota Johnson. Acho que ela sustenta muito bem a responsabilidade de nos conduzir por essa história. Junto com alguns bons momentos do roteiro – porque eles existem -, considero que o trabalho de Dakota Johnson é o ponto alto do filme.

Dois atores que são importantes na história e que “rivalizam” pela atenção da protagonista, assim como pela nossa, estão em alta nos últimos anos. Acho que os dois estão ok na produção, mas sem nenhum deles realmente entregar um trabalho acima da média. Novamente, estão ok, apenas. Fazem o trabalho deles, entregam suas linhas do roteiro, mas não achei que eles realmente empolgam com suas interpretações. Entre os dois, ainda acho que Chris Evans tem um personagem um pouco melhor desenvolvido e com nuances do que Pedro Pascal. Então acho que Chris Evans se sai um pouco melhor que seu “concorrente” na trama.

Entre os atores coadjuvantes do filme, o destaque vai para Zoe Winters como Sophie, a cliente que Lucy tem mais dificuldade de ajudar. Zoe costuma mergulhar bem em seus papéis e em Materialists ela não faz diferente. Claro que ajuda a atriz também o fato da personagem de Sophie ser a melhor desenvolvida entre as coadjuvantes do filme. Mas a atriz faz uma boa entrega, nos convencendo a cada momento em que aparece em cena e com uma interpretação coerente e sem exageros.

Os outros coadjuvantes tem papéis minúsculos e com pouca relevância. Apesar disso, vale citar mais alguns nomes porque esses atores e atrizes fazem uma boa entrega no pouco espaço que eles têm na trama: Marin Ireland interpreta a Violet, a chefe de Lucy, que tenta “consolar” uma de suas melhores funcionárias quando ela percebe que a busca por um amor pode ser perigosa – incrível ela perceber isso só naquele momento, mas ok; Dasha Nekrasova interpreta Daisy, colega de Lucy e uma das pessoas que fica admirada com ela ter aceito “dar uma chance” para o “unicórnio” (que expressão horrível, mas ok… não consigo pensar nela sem lembrar das startups… sociedade capitalista ao extremo, pois) Harry; Louisa Jacobson em uma super ponta como Charlotte, a noiva que quase desiste do casamento, mas que acaba se casando após revelar a motivação torta que ela tem para dizer o tão esperado “sim”; e Eddie Cahill em um papel pequeno como Robert, um dos homens que está buscando uma parceira pelos motivos errados, mas que simboliza vários outros atores que aparecem em cenas rápidas simbolizando a vasta gama de pessoas que buscam por “pares ideais” ultimamente.

Ah, antes que alguém me entenda mal, acho o amor lindo. Acho que esse é um dos sentimentos que nos movem e que fazem tudo valer a pena. Só que eu acredito nas versões do amor que não passam exatamente pelo amor romântico ou pelo amor entre um casal… sim, em raras vezes esse tipo de amor funciona e perdura no tempo. Mas a base para isso acontecer não tem nada a ver com diversas características e com predicados que vemos em Materialists. Amor romântico que realmente funcione e perdure passa por uma base sólida e pelas pessoas seguirem se aceitando com o passar do tempo, independente do quanto elas mudem no percurso. É muito mais uma escolha do que outra coisa, a meu ver, e depende de muitos fatores.

Voltando ao filme. A diretora Celine Song conhece muito bem seu ofício e, por isso, constrói um filme que valoriza o trabalho dos atores, dando destaque para suas interpretações – a câmera dela está tão próxima deles que algumas vezes sentimos falta de um “convencimento” um pouco maior, de alguns pequenos detalhes que parecem não se encaixar, o que acaba fazendo diferença no final -, ao mesmo tempo que ela sabe valorizar muito bem os cenários que ela apresenta para a gente durante a narrativa. O destaque de sua direção, no entanto, fica pela forma como ela captura a interpretação dos atores de seu roteiro com alguns acertos e algumas falhas.

Entre os aspectos técnicos da produção, vale comentar o bom trabalho de Shabier Kirchner na direção de fotografia; de Daniel Pemberton na trilha sonora – que ajuda a pontuar bem a história e acaba sendo importante para nos conduzir nas emoções do filme; de Keith Fraase na edição; de Katina Danabassis nos figurinos – um dos pontos de destaque da produção; de Anthony Gasparro no design de produção; de Molly Mikula na direção de arte; de Amy Beth Silver na cenografia e dos 20 profissionais envolvidos no departamento de maquiagem.

Materialists estreou no dia 12 de junho de 2025 nos cinemas de cinco países, incluindo Austrália e Portugal. Depois, pouco a pouco, ele foi estreando nos cinemas do restante do mundo. Até o momento, o filme foi indicado a seis prêmios. Mas ainda não levou nenhum para casa.

Essa produção foi totalmente rodada no estado de Nova York. E em prazo bem curto, entre os dias 29 de abril e 6 de junho de 2024.

Agora, vale citar algumas curiosidades sobre essa produção. A ideia de Materialists surgiu 10 anos antes de Celine Song fazer o filme. Na época, ela trabalhou por seis meses em um serviço profissional como o que vemos a protagonista do filme atuar. Ou seja, ela tinha um certo conhecimento próximo dessa área para poder se inspirar e escrever a história de Lucy. Bebeu da fonte, digamos assim.

O nome de Celine Song aparece no cartaz da peça que John está estreando, quando ele se encontra com Lucy e Harry do lado de fora do pequeno teatro onde ele vai fazer sua temporada. A peça em questão é real, foi escrita por Celine e estreou em 2016. Mais uma autorreferência no filme, portanto. Outra referência pessoal dela é que Celine compartilhou fotos de um lugar onde o marido dela, Justin Kuritzkes, morou por algum tempo para servir como inspiração para o apartamento detonado e bastante largado que John compartilha com outros rapazes.

Estou chegando no final desse conteúdo. Antes, claro, tenho que comentar que Materialists demonstra, por A+B, algo que aprendemos com a vida – quanto mais ela avança: não existe fórmula mágica para uma relação dar certo. Ela não vai depender se a pessoa tem 1,85 metro de altura ou mais, se ganha um bom dinheiro por mês e por ano, se tem um corpo atlético ou se é jovem… nada disso importa muito, no fim das contas. Ter química com a pessoa e apaixonar-se por ela funciona por um tempo, mas será que garante uma vida a dois “para sempre”? Não existe fórmula, existe apenas uma grande aposta. Algumas vezes se acerta na loteria, mas muitas vezes não. Talvez essa seja uma das mensagens possíveis de Materialists, ainda que não seja tão óbvia porque o filme doura um pouco a pílula no final.

Segundo o site IMDb, Materialists teria custado cerca de US$ 20 milhões e faturado, apenas nos Estados Unidos e Canadá, US$ 36,5 milhões. A bilheteria mundial do filme chegou a US$ 96,8 milhões. Muito disso, certamente, por causa dos três nomes principais do elenco -especialmente Pedro Pascal, que virou o novo “queridinho” após a série The Last of Us, adaptação de um dos melhores games das últimas décadas. Depois dos Estados Unidos, o país onde o filme se saiu melhor foi a Alemanha, onde ele fez US$ 5,5 milhões nas bilheterias.

Os usuários do site IMDb deram a nota 6,3 para Materialists, enquanto que os críticos que tem seus textos linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 228 críticas positivas e 60 negativas para o filme, o que garante para essa produção o nível de aprovação de 79%. O site Metacritic, por sua vez, apresenta o “metascore” 70 para Materialists, fruto de 40 críticas positivas, oito críticas mescladas e duas críticas negativas.

Materialists é uma coprodução dos Estados Unidos com a Finlândia e o Reino Unido.

CONCLUSÃO

Fazia tempo que eu não terminava um filme e ficava me perguntando por alguns dias se eu tinha gostado ou não do que eu vi. Sim, Materialists teve esse efeito em mim. Gostei de algumas ideias e provocações que o filme traz para o público, mas, no geral, achei o desenvolvimento e principalmente o desfecho da produção muito fracos. E óbvios, devo dizer. Tudo que Materialists parecia trazer de frescor e de reflexão para a grande questão de porque “uma mulher procura por um homem” e vice-versa, acaba em mais do mesmo.

No fim, o “amor” – seja lá o que isso for, porque nem esse conceito fica claro nesse filme – justifica tudo, aparentemente. Quantos filmes já venderam essa ideia? E o quanto essa ideia sabemos que não é verdadeira? Enfim, bons atores que fazem um bom trabalho em um roteiro que tem alguns lampejos criativos e interessantes aqui e ali mas que, no geral, é mais do mesmo. Com certeza temos filmes melhores no mercado e lançados em 2025 para gastarmos o nosso precioso tempo. Assista apenas se não tiver realmente nada de melhor para fazer ou assistir nesse momento.

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Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 25 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing, professora universitária (cursos de graduação e pós-graduação) e, atualmente, atuo como empreendedora após criar a minha própria empresa na área da comunicação.

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