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Ilo Ilo – Quando Meus Pais Não Estão em Casa


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Muitas vezes você acha que a sua vida está ok, tudo certo, apesar de um problema aqui e ali. Até que uma pessoa que você não conhecia entra nessa tua vida e você percebe que precisava dela, sem saber. Ilo Ilo é um destes filmes modestos, aparentemente simples, sem “nenhuma grande sacada” de roteiro, mas que, em sua simplicidade e narrativa, nos faz pensar bastante não apenas sobre as nossas próprias vidas, mas também sobre a educação dos filhos dada atualmente, sobre a estrutura familiar e as sociedades modernas em que é vergonhoso não ter um bom emprego ou nas quais alguém sempre explora outra pessoa.

A HISTÓRIA: Jialer (Jialer Koh) está sozinho em uma sala, até que chega o Sr. Tan (Peter Wee) e o garoto faz uma cena, simulando que foi agredido. Na sequência, a escola liga para a mãe do menino, Leng (Yann Yann Yeo). Ela comenta que já pediu para não ligarem para o trabalho dela, pede desculpas pelo filho e desliga. Outras mulheres do escritório trocam olhares de censura entre si. Leng pede para uma colega avisar ao chefe que ela precisou sair para resolver um problema. Ela busca o filho e, ao chegar em casa, é possível perceber que o garoto não obedece a mãe. Indisciplinado, ele reage mal à chegada de Teresa, chamada também de Terry (Angeli Bayani), contratada pela família para ajudar nas tarefas de casa e com o menino.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Ilo Ilo): A primeira ideia que veio à minha mente assistindo esse filme: “Que menino infernal!”. Parecia que o jovem protagonista não teria jeito, e que infernizaria a todos até o final. Mas aí vem a primeira mensagem bonita e poderosa deste filme: qualquer pessoa problemática só precisa de alguém que lhe respeite, lhe olhe de verdade e lhe estenda a mão.

Não são poucos os garotos “problemáticos” como Jialer pelo mundo. Não importa se andamos pelo Brasil, por Singapura, país de origem deste filme, ou nos Estados Unidos. Qualquer país tem as suas crianças difíceis. Durante algum tempo do filme, fiquei pensando se aquele garoto não seria autista, ou teria algum outro problema ainda não diagnosticado. Aparentemente não. Ele apenas teve a infelicidade de nascer em uma casa aonde pai e mãe parecem não se sentirem pai e mãe. Os adultos estão um bocado perdidos e muito focados em seus próprios problemas e desejos e o garoto, enquanto isso, vai crescendo sem controle.

Tudo muda quando aparece em cena Terry, uma mulher que também tem os seus próprios dramas – e que não parecem ser pequenos, se analisarmos cada ligação dela para a família nas Filipinas. Mas a diferença que vemos no comportamento de Jialer tem muito a ver com a postura que a nova empregada da família tem com o garoto. Primeiro ela é rejeitada por ele. Depois, é diretamente prejudicada no episódio da papelaria. Mas ela não fraqueja. Age com firmeza quando é necessário, mas com carinho e suavidade sempre que possível.

O efeito no garoto não é imediato, mas vai ocorrendo pouco a pouco. Especialmente a fragilidade que ele assume depois de quebrar o braço, em mais uma rebeldia contra Terry, acaba favorecendo o contato entre os dois. Essa relação entre o menino e a empregada começa a despertar o que o garoto tem de melhor. Até então, parecia, ele não “teria jeito”. Mas Ilo Ilo nos ensina que todos tem jeito, sabendo chegar nas pessoas de uma forma que elas entendam e de uma maneira que faça sentido.

Esta é possivelmente uma das grandes mensagens do filme. Que todos tem jeito. E que aquela pessoa que parece ser indomável e terrível, apenas precisa de amor, carinho e cuidado. Perceber que alguém verdadeiramente se importa com ela. Isso faz toda diferença, e é exatamente isso que Terry faz em relação a Jialer. Além desta contribuição, o filme mostra o outro lado da moeda, o casal Leng e Teck, que tem Jialer e logo vão ser pais de outra criança e, aparentemente, não tem muita vocação para esse negócio de ter uma família.

A mulher simboliza tantas outras mães que estão no mercado do trabalho, ganhando inclusive mais que o marido, e que estão sempre de alerta. Parece que permanentemente em busca de defesa contra qualquer “inimigo” externo – seja ele no ambiente de trabalho ou dentro de casa. Leng não parece ter desenvolvido muito o afeto – ela quer que o marido aja certo, reclama do trabalho que o sogro deu para eles e dos problemas envolvendo o filho, mas não parece capaz de falar com afeto ou mesmo elogiar qualquer um deles.

A postura de Leng em relação a Terry é de desconfiança e de superioridade desde o princípio. E aí entra outro ponto importante do filme: mesmo países que não estão bem desenvolvidos, como Cingapura, conseguem estar à frente e inclusive explorar países ainda menos desenvolvidos, como a Filipinas. Leng trabalha em um escritório, e o marido dela, como vendedor – e depois, em empregos ainda mais simples. Eles parecem ser uma família de classe média e, ainda assim, conseguem oferecer viagem de ida e volta e um salário que compense para Terry sair de seu país e ficar longe de sua família.

Como acontece com tantos outros imigrantes, Terry busca ganhar o máximo de dinheiro no tempo que ela está lá. Acaba desempenhando duas funções, o que não é permitido, mas tudo porque ela tem menos escolhas do que os empregadores de Cingapura. Mesmo em situação menos “privilegiada” financeiramente, Terry está à frente dos empregadores na cultura, na inteligência emocional e no trato social. Leng é competitiva, focada em resultados e no que ela quer. Terry também é focada, mas ela não esquece de olhar para os outros enquanto busca o que é importante para ela e para os seus.

O marido de Leng, Teck, também vive a paranoia dos tempos modernos do trabalho. Ele deve ganhar dinheiro para ser o “homem da casa”, aquele que coloca dinheiro, paga as contas e, por isso, vive a falsa noção de ter poder doméstico. Quando perde o emprego, ele é incapaz de falar para a mulher – porque conhece a peça, sabe o quanto ela é competitiva, e também porque ele sente que tem mais responsabilidades agora. Aí vemos a reprodução daquela história infelizmente já clássica: apesar de demitido, ele segue com a mesma rotina, indo para o trabalho, não apenas para a esposa não perceber nada, mas também para ele continuar se sentindo útil.

Neste contexto, quando o quadro se deteriora um pouco, o que acontece? (SPOILER – não leia se você ainda não assistiu ao filme). Como sempre, a parte mais frágil é que sofre. Leng e o marido fazem o que parece natural para pessoas com o perfil deles: descartam a nova empregada. Pagam o que lhe é de direito, claro, mas não tem dúvida alguma de enviá-la de volta para casa e todas as dificuldades que ela tem lá.

Não importa o que Terry representa para o filho deles. Ela é despesa e deve voltar. Um retrato perfeito dos tempos atuais em que as pessoas viraram números, cifras, são vistas como despesas ou menos que isso e de fácil descarte. Pessoas tratadas como objetos são “facilmente” descartadas. Esta é outra reflexão importante do filme.

Bem escrito e magistralmente dirigido por Anthony Chen, Ilo Ilo é uma aula de como fazer cinema reflexivo e inteligente sem pirotecnia e com muita simplicidade. Aparentemente, este filme não fala sobre nada. Apenas mostra uma família com os seus problemas. Mas basta ter um olhar um pouco mais cuidadoso para a história, para as relações entre os personagens e, principalmente, para o perfil de cada um deles, que encontramos muita inteligência no trabalho de Chen.

Sem contar que a produção tem um final emocionante, não apenas pelo gesto do garoto, que segue sem saber se expressar direito, ainda meio durão, mas com sentimentos à flor da pele, mas também pelo legado que Terry deixou para ele, simbolizado naquele simples walkman, mas que ia muito além da música que tocava através do aparelho. Muito bacana. Recomendo.

NOTA: 9.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: A câmera do diretor Anthony Chen está sempre perto dos atores e dos personagens que eles estão interpretando. Não importa se a cena está sendo rodada dentro de uma residência, empresa, veículo ou na rua. O que interessa para Chen é a reação dos atores e suas expressões. Com esta técnica, o diretor e roteirista aproxima o espectador dos personagens e torna Ilo Ilo ainda mais atrativo porque facilita a empatia – seja ao observar parte daquela realidade na vida do espectador, seja na vida de alguém próximo.

Vale destacar, além do trabalho do diretor e roteirista, o trabalho do diretor de fotografia Benoit Soler. Ele consegue, na maior parte do tempo, bastante luminosidade em cena, o que ressalta ainda mais o realismo da história e também uma mensagem de “esperança” que o filme proporciona – apesar dos pesares.

Outro aspecto técnico que me chamou a atenção, pela qualidade, foi a edição da dupla Hoping Chen e Joanne Cheong. A direção de arte de Michael Wee também é bem acertada, porque nos situa bem naquela realidade dos personagens.

Os atores fazem um bom trabalho, sem exagerar nas interpretações, evitando aquele estilo “mexicano” de incorporar personagens. Combina com o filme. Apesar de todos estarem bem, sem dúvida as duas mulheres que mais aparecem na história são as que se destacam na produção. Angeli Bayani, atriz com 56 trabalhos no currículo e dois prêmios, é o grande nome do filme. Mas rivaliza com ela bem a atriz malaia Yann Yann Yeo, que tem 23 trabalhos no currículo e seis prêmios. As duas são gigantes em cena, ótimas em encarnar papéis muito diferentes entre si.

Ilo Ilo estreou em maio de 2013 no Festival de Cinema de Cannes, na França. De lá para cá, o filme participou de nada menos que 31 festivais de cinema mundo afora. Uma quantidade impressionante! O último festival do qual ele participou foi em agosto de 2014, o Cínemalayà: Festival de Cinema Independente Filipino. Apenas no dia 30 de abril esta produção estreou nos cinemas do Brasil – e de forma limitada, em poucas salas, como sempre acontece com filmes que não são de Hollywood e não tem nenhum grande estúdio por trás.

Não há informações sobre o custo da produção de Ilo Ilo. Mas segundo o site Box Office Mojo, o filme conseguiu pouco mais de US$ 56,7 mil nos Estados Unidos e cerca de US$ 1,1 milhão nos outros mercados em que estreou pelo mundo. Pouco, pois.

Para quem gosta de saber aonde os filmes foram rodados, esta é uma produção 100% rodada e produzida em/por Cingapura.

Ilo Ilo foi o filme indicado pela Singapura para concorrer na categoria Melhor Filme em Língua Estrangeira no Oscar 2015. Apesar de ter sido indicado pelo país asiático ao Oscar, o filme não chegou a avançar na disputa – não apenas ficou de fora da lista dos cinco indicados finais à estatueta dourada, mas ficou fora da lista prévia com nove filmes também.

Falado em mandarim, tagalog, inglês e hokkien, Ilo Ilo é uma produção 100% da Singapura. De acordo com este artigo da Wikipédia, Singapura é uma cidade-Estado localizada na ponta sul da Península Malaia. País insular, tem 63 ilhas e, em 2014, o melhor IDH entre os países asiáticos e o nono melhor IDH do mundo. República parlamentarista, o país se separou da Malásia em 1965 e tem uma população de cerca de 5,4 milhões de pessoas.

Mesmo não tendo levado o Oscar, Ilo Ilo é um filme de sucesso. Até o momento ele conquistou 23 prêmios e foi indicado a outros 14. Entre os prêmios que recebeu estão o Golden Camera para Anthony Chen no Festival de Cannes e o prêmio Diretores para Ficar de Olho no Festival Internacional de Cinema de Palm Springs, entre outros.

Os usuários do site IMDb deram a nota 7,3 para a produção, uma avaliação muito boa, levando em conta o padrão do site. Os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes foram ainda mais generosos. Eles dedicaram 34 críticas positivas para a produção – e nenhum texto negativo, ou seja, uma rara aprovação de 100%. A nota média entre essas 34 críticas é de 8,1 – ainda melhor que no IMDb. Baita.

Com tantos prêmios para Anthony Chen, fiquei curiosa para saber mais sobre o diretor e roteirista. Ele é novo. Nasceu em Singapura em abril de 1984 – ou seja, acaba de completar 31 anos. Até agora, ele tem sete filmes no currículo como roteirista e diretor, sendo seis deles curtas – Ilo Ilo é a estreia de Chen nos longas. Bela estreia. Realmente ele merece ser acompanhado.

CONCLUSÃO: Este é um daqueles filmes que envolve o espectador, não importa a origem dele. Com uma história simples, mas ao mesmo tempo complexa porque tem diversas nuances que precisam ser percebidas, Ilo Ilo nos faz refletir sobre os tempos atuais. Quando mães não sabem ser mães, pais de família também estão perdidos e, apesar disso, eles tem que preparar uma criança para a vida. Também observamos uma sociedade em crise, em que alguém sempre está “acima” de outra pessoa, podendo explorá-la ou estender uma mão para ela. Prepare-se, porque Ilo Ilo vai fazendo efeito conforme o tempo passa, e as diversas nuances da história vão sendo trabalhadas no momento pós-filme. Bonito, simples e com diversos momentos inspirados, mas sem muita ação ou reviravoltas, é destes filmes “contemplativos” e que provocam a reflexão muito mais que a capacidade de despertar paixões.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 20 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing e, atualmente, atuo como professora do curso de Jornalismo da FURB (Universidade Regional de Blumenau).

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