Ben Affleck ganhou um Oscar muito jovem, aos 26 anos. E o detalhe: não foi por seu trabalho principal, como ator, mas como roteirista. O Oscar em questão ele ganhou ao lado de Matt Damon pelo roteiro de Good Will Hunting, em 1998. De lá para cá, nove anos depois, Ben Affleck se tornou conhecido por atuar em filmes como Dogma, Pearl Harbor, Daredevil, entre outros. Mas com Gone Baby Gone ele volta a trabalhar como roteirista, o que lhe havia rendido o maior prêmio de sua carreira, e mais: agora ele também estréia na direção. Devo dizer que demorei um pouco para saber se tinha gostado ou não desse filme, assim como demorei para saber a nota que daria para ele. Para ser franca, gostei dele. Mas acho que sinto, mais que tudo, que algo faltou ou se perdeu no caminho.
A HISTÓRIA: Os detetives particulares Patrick Kenzie (Casey Affleck) e Angie Gennaro (Michelle Monaghan) assistem em casa as notícias do desaparecimento da pequena Amanda McCready (Madeline O´Brien), uma garota de quatro anos e que vive próxima a eles em Boston. Patrick sempre se orgulhou de conhecer muito bem a sua vizinhança e, talvez por isso, tenha como primeira reação a repulsa a esse crime de sequestro, acusando a mãe da garota, Helene McCready (Amy Ryan) de relapsa. Por seu lado, Angie Gennaro acompanha as notícias preocupada – afinal, ela sabe o que acontece na maioria dos casos de desaparecimento de crianças como esse. Mas os dois detetives logo passam da posição de simples espectadores para participantes do caso quando os tios da menina, Lionel (Titus Welliver) e Beatrice McCready (Amy Madigan) lhes contratam para ajudar nas buscas da menina. A dupla de investigadores, contudo, sobre resistência da polícia, chefiada neste caso por Jack Doyle (Morgan Freeman) e do FBI, representado pelo detetive Remy Bressant (Ed Harris) três dias depois do desaparecimento de Amanda. Mas como os dois conhecem bem a vizinhança, especialmente Patrick, eles logo começam a chegar mais longe do que as autoridades diretamente envolvidas.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que parte do texto a seguir conta trechos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Gone Baby Gone): Ben Affleck tenta fazer um trabalho cuidadoso desde o princípio, se pode perceber. E consegue, até certa parte. Achei que as “reviravoltas” no roteiro foram um pouco forçadas ou mal explicadas. Ok que ele quis nos surpreender a todos, mas alguém realmente acredita naquela história? Eu vejo pelo menos um milhão de alternativas antes do que realmente aconteceu. Alguém pode dizer: “sim, mas as pessoas fazem coisas burras”. Pode até ser. Admito que a responsabilidade também não é toda dele, já que o roteiro que assina junto a Aaron Stockard é baseado no livro de Dennis Lehane – autor do ótimo Mystic River, que deu origem ao filme de Clint Eastwood – mas, ainda assim, achei que a maneira com que foi “conduzida” a história transformou ela em algo “burro demais”.
Sei que o filme rendeu uma certa “polêmica” porque tem muita gente que vê semelhanças gigantescas entre a história de Gone Baby Gone e o desaparecimento real da menina inglesa Madeleine McCann. Tudo bem que os pais da menina viraram suspeitos, que ninguém entende como ela pode ter desaparecido daquela maneira e tudo o mais, mas daí a achar que Gone Baby Gone “antecipa” algo é exagerar muito, vamos! Tem gente que vê semelhanças físicas entre a menina do filme e Madeleine, sem contar que os ávidos por “conspirações” até vêem como um “sinal” o fato da atriz que interpretada a Amanda no filme ter um nome bem parecido com a menina da vida real – Madeline – ou de que as duas compartilham da mesma idade (4 anos). Ah, sem contar os sobrenomes… no filme, McCready, e na vida real, McCann. Mas vamos, fora as coincidências, é absurdo pensar que as histórias tem algo a ver. Afinal, enquanto no filme a garota “some” porque tem pessoas que acreditam que ela poderá ter uma vida melhor longe da mãe drogada, na vida real a hipótese mais forte é que os pais tenham matado a menina acidentalmente. Pelo menos é uma das hipóteses.
No fim das contas, para evitar problemas ainda maiores, os produtores do filme adiaram a sua estréia “por tempo indeterminado” no Reino Unido. Afinal, o caso real de Madeleine McCann rendeu tanta “comoção” e, principalmente, tanta exposição na mídia que o melhor mesmo é evitar um ataque público contra o filme.
Mas deixando as polêmicas exteriores à produção de lado, Gone Baby Gone toca em assuntos delicados, como o sequestro de crianças, o maltrato ou a exposição a situações de risco deles por familiares, corrupção policial, entre outros temas. Gostei em especial da noção de “familiaridade” da dupla de detetives com o seu bairro… afinal, ninguém melhor que eles para conhecer como chegar à informação e quem buscar para conseguí-la. Fora isso, gostei também da noção de que alguns tem que pagar um preço alto para seguir a sua consciência, seguir o que acreditam ser o certo. E, ainda assim, ninguém nunca tem a certeza absoluta do caminho correto a seguir. Mas tentamos, pelo menos, acertar. O que, para mim, é o mais importante. O resultado em si não importa tanto, mas o importante é o caminho até ali, é a busca. Gone Baby Gone fala um pouco disso e, justamente aí, acerta. O restante, na minha opinião, fica mal explorado.
NOTA: 8.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: Achei as interpretações do elenco, todas, sem exceção, medianas. É incrível dizer isso, mas até Morgan Freeman está “meia boca”. Não sei, mas acho que grande parte da culpa foi dos roteiristas. É difícil um ator interpretar bem um papel e dizer umas falas em que não acredita totalmente. O irmão mais novo do diretor, Casey Affleck, é o que está um pouquinho melhor mas, ainda assim, faltou algo em sua interpretação. A única exceção à regra, na minha opinião, é o ator Ed Harris.
Interessante, para mim, todas as cenas do “circo da mídia”. Realmente é de impressionar a modificação pela qual passa a personagem de Helene McCready, a mãe da menina – interpretada com eficácia por Amy Ryan -, quando está ou não exposta as câmeras de TV. Esse circo todo me lembra muito a maioria dos “grandes” casos de desaparecimentos ou de crimes muito expostos pela mídia – e, aqui sim, me lembrou muito o caso real dos pais de Madeleine McCann.
Os usuários do site IMDb deram uma nota muito boa para o filme – levando em conta a média relativamente baixa do site: 8,2. Por outro lado, os críticos do site Rotten Tomatoes realmente se renderam ao filme: publicaram 124 críticas positivas e apenas 10 negativas. Acho que se depender dos críticos o filme pode ser indicado para mais de um prêmio do Oscar. E também acho que os críticos viram mais qualidades no filme do que eu consegui ver.
De bilheteria o filme teve um desempenho regular até agora. Conseguiu pouco mais de US$ 14,7 milhões em duas semanas. Nada mal para o “tamanho” da produção – Gone Baby Gone teria custado US$ 19 milhões. Logo logo ele se pagará e começar a lucrar. Tudo o que Ben Affleck e os produtores do filme queriam.
E sobre o cartaz do filme – eu que sou uma viciada em artes de cartazes: eu gostei. Um ponto positivo para Gone Baby Gone.
PALPITE PARA O OSCAR: Como eu comentava antes, achei as interpretações do filme mornas, com exceção do Casey Affleck, que está um pouco “melhorzinho”, e do Ed Harris – esse sim, muito bem. Aliás, se o filme tiver uma boa campanha de marketing, talvez Ed Harris possa até conseguir uma indicação ao Oscar como ator coadjuvante. Claro que só se o filme realmente tiver uma força grande de lobby. O que se viu até agora é que o Casey Affleck conseguiu essa indicação no Globo de Ouro. Mas, cá entre nós, ele não tem como concorrer com o Javier Bardem e seu desempenho em No Country for Old Men. (OBS: Post atualizado no dia 19 de dezembro, depois das indicações ao Globo de Ouro)
CONCLUSÃO: Um filme mediano sobre a vontade das pessoas em fazer a coisa certa e sobre o delicado que é tratar de uma situação de desaparecimento de crianças. Direção competente, interpretações regulares a fracas, roteiro um pouco “simplista” com alguns diálogos sofríveis demais, mas que precisa ser visto por ser a estréia de Ben Affleck na direção.