Primeiro filme de 2008. Admito que poderia ter assistido algo mais leve para começar o ano. Mas foi até bom um soco no estômago para me despertar. hehehehehehehehe. Há algum tempo eu queria assistir a esse filme romeno que ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2007 e que, para muitos, é um dos favoritos ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro deste ano. A verdade é que o segundo longa na carreira do diretor Christian Mungiu surpreende por sua franqueza e “naturalidade” ao contar um episódio na vida de duas garotas universitárias que lhes marcará para o resto de suas vidas. Para alguns o filme pode até parecer cruel, mas a verdade é que histórias similares acontecem todos os dias em diversas partes do mundo. Fiquei impressionada com o tom “naturalista” que o diretor imprime com sua história, assim como com as atuações principais – com especial destaque para Anamaria Marinca como Otilia. Ainda assim, penso que é um filme com um nível de compreensão mais específico para as mulheres – realmente acho que para os homens ele não terá o efeito desejado.
A HISTÓRIA: Gabriela “Gabita” Dragut (Laura Vasiliu) prepara-se para um momento decisivo em sua vida. Enquanto arruma sua bolsa no quarto que divide com Otilia (Anamaria Marinca), ela repassa mentalmente a conversa que teve dias antes com Viarel (Vlad Ivanov). Enquanto a amiga se prepara, Otilia sai em busca de cigarro, visita o namorado Adi Radu (Alexandru Potocean) e tenta confirmar a reserva de um quarto para aquela noite em um hotel conhecido da cidade. Depois ela sai ao encontro de Viarel, o homem que mudará a sua vida e de sua amiga.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que conto partes importantes do filme à seguir, por isso recomendo que só continue a leitura quem já assistiu a 4 Luni, 3 Saptamani si 2 Zile): Quem assistiu ao filme pode ter achado estranho o meu resumo acima. Na verdade, é difícil resumir a história sem quebrar parte do encanto do filme. Digo isso porque, para ser franca, assisti a 4 Luni, 3 Saptamani si 2 Zile sabendo que se tratava de uma história sobre aborto. Mas fora isso, não sabia de mais nada. E o filme é, realmente, basicamente uma crônica sobre um aborto secreto, feito às escondidas por uma jovem que ficou grávida sem desejar isso. Mas, segundo o diretor, o filme é muito mais que isso, trata principalmente da liberdade e da solidão das pessoas.
O filme, como comentei antes, deve afetar muito mais às mulheres do que aos homens. Eu, pessoalmente, fiquei muito mal com ele. Digo isso porque acho que qualquer mulher já pensou alguma vez na vida em o que faria se descobrisse que estava grávida antes do tempo. Não adianta alguém me dizer que “Ah, mas só fica grávida quem quer, porque hoje em dia existem tantos meios de prevenir uma gravidez que é um absurdo alguém ficar grávida sem querer”. Sim e não. Porque por mais que alguém tome precauções e se previna, merdas acontecem. Ou seja: sim, mesmo usando camisinha, DIU, tomando pílulas ou o que for, pode ocorrer algo errado e a garota ficar grávida. Sem contar todas as vezes que garotas “vacinadas” e que sabem se cuidar acabam “deslizando” com os tais cuidados e se arriscam mesmo. Isso acontece a toda hora, todos os dias, com garotas de todas as partes do mundo.
Bom, dito isso, uma garota descobre que está grávida. Não importa apenas a idade, mas também o que ela está fazendo da vida. Se é estudante, quer terminar os estudos primeiro. Se trabalha, está vivendo um momento da carreira em que “não pode” ficar grávida. Enfim, há pessoas também que simplesmente nunca querem ter um filho. Tenho algumas amigas que pensam assim. E aí, nestas situações, quando você realmente não quer ter um filho ou acredita que não pode tê-lo (porque não está preparada ou porque não é o momento), o que você faz? Pois é justamente essa a situação de Gabita. Ela vê que não pode ter o filho que leva na barriga e decide fazer um aborto. Acho que só uma mulher pode entender o difícil que uma decisão destas e uma situação como esta é na vida real. Muitas já fizeram abortos e tantas outras já pensaram em fazer um. Mas o quanto difícil isso é? Há pessoas que nunca superam algo assim na vida. E não é por pouco. Realmente é uma decisão muito difícil.
O filme me tocou por isso, por narrar de maneira tão “natural” uma situação tão complicada, e também pelo papel de Otilia. Afinal, me senti em sua pele também, ao pensar em como eu agiria se a minha melhor amiga passasse por algo assim. Desta forma, 4 Luni, 3 Saptamani si 2 Zile não trata apenas de aborto, mas principalmente de amizade e do que é importante para uma pessoa nesta vida. Há laços tão fortes e situações tão marcantes na vida – isso descobre a personagem de Otilia – que todo o demais parece superficial ou pequeno – impressionante e angustiante a cena do aniversário da mãe do namorado dela, por exemplo.
Gostei muito da direção de Cristian Mungiu. Sua câmera quase sempre parada em um mesmo plano, sem “travelings” ou movimentos rápidos tão comuns no cinema atual, me pareceu perfeita. É como se ele quisesse todo o momento não estar ali, como se quisesse que nada interompesse a ação. Essa maneira de contar a história é o que nos dá o tom “naturalista” a que me referi tanto. Achei muito interessante essa intenção do diretor e o resultado que ele conseguiu – Mungiu também escreveu o roteiro do filme.
Os atores também estão muito bem, com especial destaque para Anamaria Marinca como Otilia. Ela realmente está excepcional. O único “porém” do filme é que eu achei que Mungiu carregou demais na tinta de Gabita ao disfarçá-la tanto em uma pessoa “insensível”. Não que ela não sinta o que acontece, mas a maneira com que sua personagem é retratada contrasta demais com a humanidade de Otilia, a ponto de Gabita parecer ou uma “descerebrada” ou uma garota “sem sentimentos”. Especialmente pela cena final. Ok, que as reações dela podem ser vistas como de uma pessoa em “estado de choque”, mas ainda assim parecem um pouco superficiais demais para a ocasião. Realmente acho difícil acreditar que alguém, por mais “cândida” ou singela que seja, reaja desta maneira frente a um aborto perigoso como este.
Sobre o personagem de Viarel: infelizmente, na vida real, existem muitos crápulas como ele. Pessoas que realmente se aproveitam da fragilidade de outras. No caso de Gabita, entendo também o fato dela querer fazer tudo “escondida”. Afinal, infelizmente são poucas as sociedades modernas que aceitam o aborto de maneira legal. O que, para mim, só abre as portas para ocorrerem abusos como os que se vêem no filme e que, na verdade, ocorrem cotidianamente mundo afora.
NOTA: 9.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: O diretor romeno Cristian Mungiu tem 39 anos e dirigiu apenas um longa-metragem antes de 4 Luni, 3 Saptamani si 2 Zile: Occident, de 2002 (votado com nota 8,3 no site IMDb). Com este filme anterior ele já tinha conseguido ganhar seis prêmios, quase todos em festivais no Leste europeu.
4 Luni, 3 Saptamani si 2 Zile está indicado para o Globo de Ouro 2008 e é considerado um dos favoritos. Até agora o filme ganhou 12 prêmios, incluindo a Palma de Ouro em Cannes, os prêmios de melhor filme estrangeiro pelas associações de Críticos de Cinema de Chicago e Los Angeles, os prêmios de melhor filme e diretor no Festival de Cinema Europeu, entre outros. A atriz Anamaria Marinca foi escolhida ainda melhor atriz no Festival de Cinema de Estocolmo. Realmente é um filme vencedor – e com méritos.
Através do site IMDb o filme recebeu a nota 8,4 pelos usuários, enquanto que pelo site Rotten Tomatoes ele recebeu 29 críticas positivas e apenas duas negativas de críticos de todo o mundo.
Para quem gosta de saber sobre as locações do filme, como eu, comento que esta produção foi toda filmada nas cidades de Bucareste e Ploiesti, na Romênia.
O filme de baixíssimo orçamento passou por um roteiro de festivais de cinema em 2007 – inclusive passando pelo Festival do Rio.
Interessante observar que o filme se passa em 1987, durante a ditadura de Nicolai Ceaucescu. O diretor considera o filme parte de uma “trilogia sobre os anos dourados” da Romênia, ironizando desta maneira como o regime comunista denominava a sua gestão (de “anos dourados”). Segundo Mungiu, o seu país não vive mais o ambiente opressivo mostrado pelo filme inspirado em uma história real. Lendo uma entrevista dele, descobri que Mungiu se inspirou na história de duas amigas universitárias que realmente passaram por essa experiência durante a ditadura no país e que, depois do aborto, se separaram para viver cada uma sua vida. Segundo o diretor, em um país com 10 milhões de habitantes, mais de 1 milhão de jovens fizeram abortos clandestinos durante o regime comunista – atualmente o aborto é legalizado no país.
PALPITE PARA O OSCAR: Realmente é um filme que poderia ganhar o Oscar, o que resta saber é se a Academia terá coragem de premiá-lo. Na verdade, para mim, ele tem tantas qualidades quanto o filme argentino XXY. Se fosse olhar pelo tipo de filme que a Academia gosta, diria que nenhum dos dois apreciaria aos jurados, algo que a produção brasileira O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias conseguiria com maior facilidade – ainda que eu ache que nem chegaremos a figurar entre os selecionados finais. No fundo, acho que deve ganhar a estatueta um filme “menos forte”, como quem sabe o francês Persepolis (ao qual eu ainda não vi). Realmente acho que 4 Luni, 3 Saptamani si 2 Zile é um filme com cara de Cannes, mas não de Oscar. Agora, se a Academia vencer os seus “medos” e barreiras em premiar filmes com temáticas mais fortes e que incomodam, esta produção romena pode levar a estatueta. De fato o filme merece muitos prêmios.
CONCLUSÃO: Um filme forte, bem filmado e com belas interpretações, com tom naturalista e, algumas vezes, asfixiante. Vale a pena ser assistido, especialmente pelos que não tem problemas com temas pesados ou com histórias do gênero. Perfeito em sua reflexão sobre o perigo que todos nós corremos, de diferentes maneiras, todos os dias, e de como nas grandes decisões da nossa vida estamos sempre sozinhos – ainda que tenhamos alguém ao lado.
2 respostas em “4 Luni, 3 Saptamani si 2 Zile – 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias”
Alessandra, quero parabenizar o seu trabalho aqui no blog.
Fico encantado com as críticas detalhadas que aqui são postadas e com as ótimas indicações, já assisti a vários filmes que estão por aqui.
Bom, “4 luni…” é realmente bem pesado, e pra mim retrata muito bem o quão banal se tornou o aborto.
O filme é realmente asfixiante e real. Nota 10 para a sequência do jantar na casa do namorado.
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Oi Caio!!
Puxa, muito obrigada por teu elogio e comentário. Como disse antes ao responder a outros internautas como você, é por essas e por outras que eu continuo escrevendo. Bem, escrevo porque eu gosto, em primeiro lugar. De cinema – um montão – e de escrever. 😉
Mas é na troca de idéias e no retorno de leitores como você que eu fico animada para continuar.
Fico muito feliz, em especial, que este blog têm servido de guia para ti e que, através dele, encontraste filmes bacanas para assistir. Que bom!
E sim, 4 Luni é bem pesadinho… destes que deixa você incomodado (ou seja, destes que eu gosto, normalmente). Até não sei se o aborto se tornou banal, mas acho sim que medidas extremas como esta passaram a ser quase indolores – pura ilusão, é claro, porque o filme mesmo mostra que a maior dor é aquela que não se comunica.
Bem-vindo por aqui, viu? E espero que este teu comentário seja apenas o primeiro de muitos. Obrigada por tuas visitas e apareça mais vezes! Um abraço.
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