Passaram-se quatro décadas desde o assassinato do ícone Ernesto “Che” Guevara e, talvez, vivamos atualmente a época mais distante de seus ideais e práticas revolucionárias. Quem, atualmente, acredita no efeito de guerrilhas para mudar países e realidades dos mais pobres? Nenhuma revolução, nos moldes do que foi feito em Cuba, frutificou em outras partes do mundo. Mas os ideais de Che Guevara, estes sim, parecem perdurar em muitos corações e mentes. O diretor Steven Soderbergh se envolveu em um projeto ousado e caro, na cinebiografia do ícone revolucionário. A segunda parte deste projeto, Che: Part Two chegou esta semana aos cinemas brasileiros. Diferente do filme anterior, que mostra como Che e seus companheiros tiveram êxito em Cuba, este novo filme mostra a aventura guerrilheira frustrada do revolucionário na Bolívia. O resultado é um filme com narrativa tradicional, praticamente um diário de guerra, no qual falta ação, em alguns momento, e ideologia em outros. Para ser franca, é preciso vontade para enfrentar um roteiro e uma direção sonolentos.
A HISTÓRIA: Depois do sucesso da Revolução Cubana, Che Guevara (Benicio Del Toro) anuncia, em março de 1965, que iria para Camagüey acompanhar a produção de cana-de-açúcar naquela região. Depois de alguns dias, ele desaparece e, depois de muitas especulações, em outubro daquele ano Fidel Castro (o mexicano Demián Bichir) lê uma carta de seu companheiro de luta. Nela, basicamente, Che fala de seu desejo em espalhar a revolução e a justiça social por outros países latinos. Assim, acompanhamos o disfarce escolhido por ele para entrar anônimo na Bolívia no ano seguinte. A partir daí, a narrativa mostra como foi formada a guerrilha naquele país e como, com a ajuda do governo dos Estados Unidos e dos camponeses bolivianos, o presidente René Barrientos (o português Joaquim de Almeida) conseguiu impedir os sonhos revolucionários de Che e seus homens.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Che: Part Two): Não há dúvidas de que não deixa de ser muito admirável um diretor de Hollywood como Steven Soderbergh se dedicar a filmar um projeto do porte de Che, dividido em duas partes, totalmente em espanhol. Poucas vezes o cinemão norte-americano se prestou a este “esforço” de buscar a legitimidade em histórias de outros países. Até certo ponto, esta segunda parte do projeto lembra um pouco o naturalismo do cineasta Werner Herzog em trabalhos como Aguirre, der Zorn Gottes (comentado anteriormente aqui no blog). O problema é que Soderbergh não é Herzog e sua cinebiografia de Che, mesmo nesta segunda parte, não tem a profundidade de Aguirre.
Como na crítica anterior, no caso desta eu também falei essencialmente o que eu gostaria sobre este filme neste texto publicado no portal Cinema.com.br. Mas há aspectos do filme que ficaram fora deste texto original, por isso falarei deles por aqui. Para começar, não entendo muito bem porque Soderbergh, um destes diretores autorais que costuma apresentar uma característica bem definida de direção, abriu mão desta sua vocação para optar por uma direção básica e clássica em Che: Part Two. É como se, para parecer mais “sério” ele precisasse ser menos criativo. Para mim, justamente por deixar de lado o seu apreço pelos ângulos de câmera diferenciados, por seu estilo contemplativo e com edição aprimorada é que ele saiu perdendo neste filme.
Seguindo os passos de Che Guevara – que adota os nomes de Ramon e Fernando durante sua passagem pelo território boliviano -, os roteiristas Peter Buchman e Benjamin A. van der Veen optam por uma narrativa linear, reproduzindo os principais acontecimentos registrados no diário do protagonista no período de 341 dias. Contando com uma grande interpretação de Benicio del Toro, ainda que o ator apareça menos do que gostaríamos, o filme não sofre pela ausência de um grande ator, como outras cinebiografias. O problema de Che: Part Two reside em seu roteiro, onde falta ação, ideais e emoção, e na direção um tanto preguiçosa de Soderbergh, que opta por um estilo documentarista.
Se a intenção dos roteiristas e do diretor era a de desmistificar a figura de Che Guevara e seus companheiros, mostrando eles como pessoas comuns, que passaram por intermináveis provações e dificuldades, por um ideal, eles tiveram êxito com Che: Part Two. Em muitos momentos compartilhamos com a falta de perspectivas de várias pessoas daquele grupo, que se perguntavam de que forma eles poderiam vencer sem ter conseguido a devida adesão popular ou mesmo chegar perto do poder estabelecido que eles gostariam de derrubar.
Talvez o mais importante deste filme seja mostrar que a revolução não ocorre ou se executa como em uma guerra, com infinitas batalhas e uma grande vitória. Che Guevara e as demais pessoas que fizeram parte de sua guerrilha tinham efeitos práticos e decisivos na vida cotidiana e de privações das pessoas comuns que eles iam encontrando pelo caminho. Isto Che: Part Two revela. Mas, ainda assim, achei pouco para o tamanho do personagem focado. Faltou, para o roteiro, deixar mais claro quais eram as intenções e os ideais daquele grupo. Talvez a parte mais impressionante do filme ocorra perto do final, quando Che Guevara conversa com um soldado boliviano e percebemos, claramente, como todos sonhavam com os mesmos valores mas que, ainda assim, matavam uns aos outros. Algo que, seja em guerras, revoluções ou o que for, sempre é difícil de entender.
NOTA: 6,5.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: O roteiro de Che: Part Two começa em outubro de 1965 e segue até outubro de 1967. Neste período, essencialmente, o espectador acompanha um Che Guevara idealista, caridoso e estrategista que vai perdendo, pouco a pouco, seus homens e a saúde no interior da Bolívia. Diferente da primeira parte desta cinebiografia, que trazia Che em seu auge, esta segunda parte mostra a sua derrocada.
O elenco de Che: Part Two é formado, basicamente, por atores de pouca projeção internacional. Ainda assim, o filme conta com algumas presenças de famosos em pequenos papéis. Um exemplo é o de Matt Damon, que se esforça para falar um espanhol razoável ao encarnar o frei alemão Schwartz. O astro hollywoodiano pronuncia um par de frases em espanhol, e se sai melhor com o idioma de Penélope Cruz do que ela com o dele. Schwartz aparece na história para tentar convencer os guerrilheiros a abandonar a luta armada. O brasileiro Rodrigo Santoro aparece novamente como Raúl Castro mas, como Che 2 se debruça sobre a experiência boliviana do personagem-título, Santoro figura apenas no trecho inicial da produção.
Alguns atores conhecidos aparecem em papéis secudários, maior do que as pontas citadas. Lou Diamond Phillips, por exemplo, faz um bom trabalho como o político Mario Monje, que se nega a apoiar o movimento revolucionário boliviano depois de ter sinalizado na direção contrário – o que acaba sendo um golpe duro nos planos de Che. Franka Potente é a atriz com maior destaque no filme. Ela interpreta Tania, a argentina que se comprometeu com a revolução cubana e depois seguiu Che nos ideais revolucionários para a Bolívia. Inicialmente, seu papel era o de se aproximar da elite boliviana, frequentando as rodas do presidente. Mas depois, ela acaba tendo que se refugiar na selva, junto com os guerrilheiros.
Ainda que pouco inventiva, a edição de Pablo Zumárraga segue a qualidade técnica (mas não criativa) característica dos filmes de Soderbergh. Praticamente ausente na produção, a trilha sonora do espanhol Alberto Iglesias aparece apenas para marcar os momentos mais densos da história – o que parece reforçar a idéia do diretor em fazer de Che: Part Two quase um documentário.
Difícil de realizar, Che 2 teria custado aproximadamente US$ 40 milhões dos cofres de suas produtoras. Um investimento respeitável para um filme com pouco potencial de êxito comercial. Depois de participar de distintos festivais em 2008, Che 2 estreou em solo norte-americano em janeiro deste ano. Longe de ser um blockbuster, esta produção marcou uma pausa na sequência de êxitos comerciais de Soderbergh.
Depois destes dois filmes sobre o ícone revolucionário, Soderbergh acertou os ponteiros com sua identidade como cineasta em The Girlfriend Experience. Dentro de pouco, poderemos conferir seu trabalho no até agora elogiado The Informant!, estrelado por Matt Damon.
Mesmo tendo passado por 10 festivais mundo afora, Che: Part Two recebeu apenas o prêmio de melhor ator para Benicio del Toro no Festival de Cannes do ano passado.
Os usuários do site IMDb conferiram a nota 7 para Che: Part Two. Por sua vez, os críticos que tem textos linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 28 textos positivos e apenas nove negativos para a produção, o que lhe garante uma aprovação de 76%.
Che: Part Two foi co-produzido por Espanha, França e Estados Unidos.
CONCLUSÃO: A segunda parte da cinebiografia de Che Guevara mostra o ícone revolucionário em decadência. Narrada como um diário de guerra/viagem, esta produção carece de ritmo e de reflexões do personagem retratado. Ainda assim, ela se mostra interessante – especialmente para os que não se importam com um ritmo lento de narrativa – na medida em que desmistifica o cotidiano de uma guerrilha e a idéia prática de uma revolução. Benicio del Toro faz um grande trabalho, mas sentimos sua falta em muitos trechos da história. A verdade é que falta um pouco de ação, de sentimento e de razão neste filme. Che Guevara, seja pela ótica de seus seguidores ou detratores, merecia um filme melhor, que não provocasse tanto sono e/ou tédio.