Uma bicicleta pode ser vista apenas como a junção de duas rodas com seus respectivos pneus, um quadro, mais guidão, selim, câmbio, correia e dois pedais, além de outras peças menores. Mas ela pode significar também uma revolução. Ou a liberdade extrema. Sou uma adepta fervorosa da bike. Mas não foi por isso (ou só por isso) que me rendi a Wadjda. O representante da Arábia Saudita na disputa pela estatueta de Melhor Filme em Língua Estrangeira no Oscar 2014 ganha o espectador com uma história simples, mas carregada de significados e que emociona.
A HISTÓRIA: Pés de meninas se movem lentamente e de forma ritmada enquanto um canto sobre a fé ecoa pelo ambiente. A professora desliga a música e pede para as alunas voltarem para as suas posições. Ela também diz para as meninas recomeçarem a cantar. Duas alunas passam perto, e Wadjda (Waad Mohammed) acena para elas. A professora pede que ela se aproxime – e vemos o par de tênis da menina, o único da turma – e para que cante os primeiros versos da música. Como Wadjda não consegue, ela acaba saindo. Este é o apenas o primeiro sinal de que Wadjda não se encaixa no perfil de estudante modelo da sociedade saudita.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso só recomendo que continue a ler quem já assistiu a Wadjda): Gosto de personagens que pensam por sua própria conta, que tem ousadia e autonomia. E não demora muito para a protagonista de Wadjda mostrar todas estas qualidades.
Não foi a primeira sequência que me fez abrir um sorriso. Mas quando saímos do ambiente da escola da menina e entramos na intimidade do quarto dela. Vários elementos ali são muito significativos e me despertaram ótimas lembranças.
Para começar, achei interessante a “gambiarra” feita com cabides para sintonizar uma rádio de pop rock no quarto da pré-adolescente. Depois, o ânimo de Wadjda por fazer cópias daquele tipo de música em fitas-cassete e ao embalar pulseiras feitas com fios. Minha identificação foi imediata. Eu sou do tempo em que a gente tinha que aguardar o fim dos comerciais das rádios com o dedo no “pause” para fazer fitas com seleções musicais bacanas e, depois, quando embarcávamos durante horas na tarefa de fazer estas pulseiras “estilo hippie”.
Identificação estabelecida nesta cena, não fica difícil simpatizar com Wadjda e a busca da garota por ter independência. Ela vive em uma sociedade em que as regras para as mulheres estão muito bem postas. É na Arábia Saudita onde elas devem casar cedo, andar nas ruas quase completamente cobertas e são proibidas de dirigir. De forma muito natural, o roteiro escrito pela diretora Haifaa Al-Mansour mostra estas e outras particularidades daquele ambiente ao acompanhar os passos de Wadjda e das pessoas que lhe cercam.
Interessante a escolha do diretor em focar uma garota com aquela idade. Afinal, Wadjda está perto de chegar na fase de ser prometida em casamento, como ocorre com Salma (Dana Abdullilah), colega de escola da protagonista. Enquanto a maioria das colegas dela parecem conformadas em seguir as regras, Wadjda está fascinada pela liberdade que o amigo Abdullah (Abdullrahman Al Gohani, um fofo) tem. E não apenas eles, mas todos os outros rapazes e homens que ela conhece.
Como é típico das crianças e dos jovens, Wadjda não entende muito bem as razões para o tratamento entre ela e Abdullah ser tão diferente. Afinal, porque ele e os outros rapazes podem andar de bicicleta e se vestir de maneira muito mais confortável e ela e as outras meninas não? São questionamentos simples, que podem ser entendidos por qualquer pessoa, e feitos por uma cineasta que nasceu e cresceu naquela realidade – ninguém melhor que ela para entender aquelas restrições e ousar apresentando questionamentos interessantes.
Uma qualidade de Wadjda é que o filme realmente se preocupa em mostrar a realidade da protagonista. Assim, o espectador pode conhecer tanto a intimidade do lar de Wadjda quanto o “ambiente social” onde ela circula. Caminhamos, assim, pelas ruas da cidade de Riyadh, no trajeto entre a casa da menina e a escola em que ela estuda. Percebemos a enorme admiração que ela tem pela mãe (Reem Abdullah) e a forma diferente com que ela encara os estudos e as colegas.
Mas além de um roteiro divertido e sem grandes discursos, apesar de cheio de mensagens espalhadas aqui e ali, este filme tem o grande mérito de ter a jovem Waad Mohammed como protagonista. A menina tem carisma e demonstra muita atitude. Seja para defender a mãe, quando ela é criticada pelo motorista Iqbal (Mohammed Zahir), seja nos pequenos detalhes como no tênis que usa, na forma com que ganha dinheiro (vendendo fitas-cassete e pulseiras proibidas), na recusa em tampar o rosto com um véu ao caminhar pelas ruas ou pela insistência em conseguir uma bicicleta.
Agora, sem dúvida, uma das grandes “tiradas” do filme é o questionamento sobre a fé e os costumes. Afinal, as colegas de Wadjda e ela própria cantam aqueles versos sobre seguir os “preceitos” de Deus, estudam o Alcorão e seguem as recomendações da diretora Ms. Hussa (Ahd) porque elas acreditam que é o certo a fazer ou porque temem serem punidas pelos adultos ou pela sociedade? O filme deixa bem claro, especialmente através do exemplo de Wadjda, que podemos seguir tudo o que nos dizem que é o certo, como os ensinamentos do Alcorão, os 10 mandamentos da Bíblia cristã ou o indicado em outros “livros sagrados” sem, de verdade, acreditarmos naquilo.
Como já ouvi tantos freis franciscanos falarem, há muitas pessoas que “batem cartão” na Igreja todos os domingos mas, saindo pela porta, elas parecem esquecer tudo o que ouviram ou o que rezaram. São uma espécie de “cordeiros robóticos”, ou seja, pessoas que cumprem um “papel social”, talvez para se sentirem bem aceitos no grupo social, mas que de fato não acreditam e/ou refletem no que estão fazendo. Assim, agem como animais quando comandam um carro em alta velocidade ou percebem que a fila está enorme no supermercado.
Achei brilhante a forma com que a diretora Al-Mansour aborda este tema em Wadjda. Ela não faz grandes discursos, não existe nenhum momento de “confronto com extrema reflexão” no filme. Mas estas questões todas estão nas entrelinhas e fazem o espectador pensar durante a após a projeção. O importante para a diretora, e isso fica bem evidente, é retratar aquela realidade que ela conhece bem, mesmo que de uma forma ficcional.
Neste filme, Al-Mansour também consegue plasmar bem um movimento que está cada vez mais evidente na Arábia Saudita e em outros países muçulmanos: a pressão que a cultura ocidental faz em sociedades que querem preservar seus velhos costumes. Nós do Brasil, país colonizado há mais de 500 anos, e que seguiu sendo colonizado desde então, sabemos bem sobre a potência das influências de “países dominantes” ocidentais. Usamos palavras derivadas do francês, do inglês e de outros idiomas, compramos produtos de diversas partes e consumimos com gosto produtos culturais norte-americanos, europeus e de outras latitudes.
O resultado destas influências é que nossa sociedade, assim como tantas outras, luta para preservar alguns elementos culturais “originais” (eles ainda existem?) enquanto mergulhamos nas influências de outras partes e recriamos tudo em um imenso caldeirão cultural. Agora, imaginem se o Brasil fosse um país preocupado em preservar uma série de regras e costumes que não tivessem paralelo nestas outras sociedades que nos influenciam? Este é um dos temas de Wadjda. Que mostra uma protagonista “reformista”, com vontade de quebrar regras, mas que se vê podada por quase todos os lados.
As cenas de Wadjda são lindas, e há um final muito bonito em cena. Mas após aquela pedalada, o que o futuro vai reservar para a menina? O provável é que ela seja obrigada a casar com alguém logo, diminuindo os riscos de “se perder no caminho”. E o marido vai exigir que ela tenha filhos, preferencialmente homens, e que siga todas as regras. Mas, talvez, e apenas talvez, ela siga o exemplo da diretora Al-Mansour e se torne a primeira mulher a dirigir um filme na Arábia Saudita. Nunca saberemos – o que é bom, porque o futuro da personagem fica à critério do público.
Independente do que aconteça com ela, Wadjda nos dá ótimos exemplos de como é possível “ser humana” mesmo em ambientes agrestes. Afinal, em mais de uma ocasião ela é provocada pela diretora Ms. Hussa a dedurar colegas que teriam seguido o “mau caminho”. Mas sem entender porque as garotas eram perseguidas e/ou temendo pelo que poderia acontecer com elas, Wadjda não seguiu as regras e ficou calada.
Eis outra mensagem interessante. Porque ela nos lembra que sempre temos uma escolha. Podemos fazer o que esperam da gente, mesmo que seja algo que não acreditamos, apenas para ficar bem, para sermos “salvos” ou para termos uma ampla aceitação social, ou podemos fazer aquilo que a nossa consciência acha melhor. Seguir a própria ética, especialmente se ela surge de uma profunda observação e reflexão, é algo difícil, mas libertador. Wadjda nos mostra isso de forma muito bacana, singela e envolvente.
O filme tem ritmo, uma protagonista carismática, um ambiente que pode ser compreendido por qualquer pessoa e uma mensagem libertadora também universal. Todos passaram pelo colégio, presenciaram algum conflito familiar – seja na própria casa ou em outra parte – e podem, assim, compreender o que acontece na trama, mesmo sem saber quase nada sobre a realidade na Arábia Saudita. E como a história flui bem, tenho certeza que Wadjda vai incentivar muita gente a procurar saber mais sobre aquele país, seus costumes e conflitos.
Agora, serei franca. Não gostei tanto deste filme apenas pelas qualidade todas citadas. Ele me afetou, especialmente, por causa do “sonho de consumo” da protagonista. E não apenas porque, um dia, ainda criança, eu também sonhei em ter uma bicicleta. Mas porque hoje, adulta, depois de passar por tantas experiências na vida, vejo na minha bike o meu principal instrumento de libertação três vezes por semana. Pedalando pela cidade para “manter a forma”, acompanhada de boa música, vejo belas paisagens, pessoas, sinto aromas, suo a camisa e vivencio a liberdade que Wadjda percebe ao seguir veloz com seu próprio esforço – e contrariando as regras e expectativas. A bike, neste caso, faz toda a diferença.
NOTA: 10.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: Talvez muitos de vocês se lembrem da história daquela saudita que foi presa depois de ter postado um vídeo na internet em que ela dirigia um carro… lembro que na época fiquei bem impressionada. Não apenas pelo fato do YouTube e tantos outros serviços na internet ajudarem as pessoas a manifestarem o que pensam e sentem, mas também por achar incrível que uma mulher precisasse se esconder para dirigir.
Pois bem, este e outros pontos da realidade da mulher saudita são mostrados em Wadjda. No filme, por exemplo, a mãe da protagonista fica impedida de sair para trabalhar porque perde o motorista – e ela não tinha outra maneira de sair de casa de automóvel que não fosse pagando um homem para levá-la. Incrível!
Muita gente, como eu, deve se perguntar quanto deste filme aborda a vida comum real de uma família na Arábia Saudita. Pois bem, lendo este texto bem interessante, publicado em junho do ano passado por uma mulher saudita que diz ter passado a maior parte da infância no Kansas, mas que voltou para o país de origem depois, é possível perceber que existe muito realismo em Wadjda. E que há, também, muito preconceito e desconfiança nos dois lados da questão: tanto por parte de sauditas, em relação aos ocidentais, quanto vice-versa.
De fato, e como já comentei aqui quando opinei sobre outros filmes, o que precisamos é abrir o leque de entendimento. Tanto buscar compreender o passado e o presente de culturas diferentes que as nossas, como tentar se aproximar das pessoas que vivem estes cenários distintos para saber o que elas pensam e sentem. Dentro das nossas possibilidades, é claro. E quando a outra realidade é muito distante, o cinema é sempre um bom aliado neste sentido – além da literatura e da imprensa, é claro.
Para a diretora da escola de Wadjda, ela poderia ser um mau exemplo a ser combatido. E, por isso mesmo, objeto de vigilância constante. Mas a menina não tinha maldade e nem malícia. Prova disso é que ela falava sempre o que pensava e o que queria, “chocando” muita gente daquela ambiente que queria apenas seguir as regras. Inocência que fica clara quando ela revela o que faria com o prêmio do concurso sobre o Alcorão.
A reação da diretora é cruel, ainda que compreensível dentro daquele contexto. Ms. Hussa é paga para fazer aquelas meninas andarem nas “regras” e se esforça ao máximo para tentar “salvar” Wadjda. Como ela confessa em certo momento, Ms. Hussa se identifica com aquela menina rebelde – e tem certeza que, no futuro, a garota será “domesticada” como ela.
Achei fascinante o trabalho da diretora Haifaa Al-Mansour antes mesmo de saber mais sobre a história dela. Primeiro, porque gostei muito do roteiro de Wadjda e da condução da história. Al-Mansour está atenta aos detalhes de cada cena, valoriza a atuação dos atores e também ressalva bastante os cenários em que eles se movem. Conhecemos, desta forma, a forma de vida de pessoas aparentemente comuns na Arábia Saudita.
Depois, ao buscar mais informações sobre Al-Mansour, fiquei ainda mais fascinada com a diretora. Descobri, lendo a minibiografia dela no site IMDb, que Al-Mansour é a primeira mulher a fazer cinema na Arábia Saudita e, atualmente, é vista como uma das referências do cinema naquele país.
Ela fez Letras na Universidade Americana do Cairo e cursou mestrado em Direção e Estudos de Cinema na Universidade de Sydney. O sucesso da diretora em três curtas e o reconhecimento internacional com o documentário Women Without Shadows teria influenciado uma nova geração de cineastas sauditas. Mas ela divide opiniões na Arábia Saudita, tendo o próprio trabalho elogiado e difamado por incentivar a discussão sobre temas que são tabus naquela sociedade.
Al-Mansour está casada há seis anos com Brad Niemann e é mãe de dois filhos. Ela cresceu em uma pequena cidade saudita e é a oitava filha de um casal que teve 12 crianças. Achei a diretora muito bonita e, após assistir a Wadjda, muito talentosa. Vale acompanhá-la.
Agora, uma curiosidade sobre Wadjda: a diretor Al-Mansour teve que dirigir as cenas externas da produção de dentro de uma van, de onde observava os atores através de monitores. Ela se comunicava com a equipe através de walkie-talkies e sem sair do veículo. Teve que fazer isso porque no país segregado as mulheres não devem trabalhar em público com homens.
Além de um ótimo roteiro e de uma direção bastante cuidadosa e atenta, Wadjda conta com a edição competente de Andreas Wodraschke, com a direção de fotografia “calorosa” (em tons claros, especialmente pastéis) de Lutz Reitemeier e com a interessante e animada trilha sonora de Max Richter. Eles são importantes para que o filme funcione bem. Junto com os atores – especialmente a protagonista, o garoto Al Gohani e a atriz que faz a mãe de Wadjda.
Além dos atores já citados, vale comentar o trabalho de alguns coadjuvantes que tem certa relevância na produção: Sultan Al Assaf interpreta ao pai de Wadjda; Sara Aljaber a Leila, amiga da mãe da menina e uma mulher que resolve trabalhar em um hospital com outros homens – rompendo com certos preceitos daquela sociedade; e Rehab Ahmed faz Noura, uma das finalistas do concurso do Alcorão e colega de Wadjda.
Por mais que eu ache importante entender realidades diferentes da nossa, há algumas cenas em Wadjda que me deixaram um pouco perplexa. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Uma delas foi a forma com que trabalhadores de uma obra mexeram com Wadjda. Cheguei a temer pela menina naquele momento. E aquela foi apenas a primeira cena que mostrou o machismo daquela sociedade – onde os homens, aparentemente, podem tudo enquanto as mulheres devem baixar a cabeça e serem subjugadas. Outra sequência é a forma com que o pai de Wadjda enfrenta a mulher, que logo será deixada para trás e substituída por outra porque não pode dar para ele um filho. Nem preciso dizer que acho estas situações absurdas, não é mesmo?
Achei um pouco surpreendente Wadjda ser o filme indicado pela Arábia Saudita para o próximo Oscar. Afinal, a diretora Haifaa Al-Mansour é uma figura controversa no país e este filme é beeeeeem ousado, no sentido de questionar valores da sociedade saudita, mostrar certa “invasão” de elementos ocidentais naquele país e, principalmente, elogiar a rebeldia de uma garota que busca liberdade. Ao mesmo tempo que é surpreendente, esta indicação oficial merece aplausos. Neste sentido, o Brasil, que vive um momento de discussão sobre aceitar apenas biografias autorizadas, poderia aprender algo com a Arábia Saudita.
Wadjda estreou no Festival de Veneza em agosto do ano passado. De lá para cá, ele participou de pelo menos outros oito festivais de cinema relevantes. Nesta trajetória, ele ganhou 16 prêmios e foi indicado a outros cinco. Entre os que recebeu, destaque para os de Melhor Atriz para Waad Mohammed e Melhor Filme no Festival de Cinema Internacional de Dubai; prêmio do público como Melhor Produção Internacional no Festival de Cinema de Los Angeles; Prêmio “Diretores para Assistir” para Haifaa Al-Mansour no Festival de Cinema Internacional de Palm Springs; e três prêmios secundários (CinemAvvenire Award, C.I.C.A.E. Award e Interfilm Award) para Haifaa Al-Mansour no Festival de Veneza.
Não encontrei informações sobre o quanto custou fazer Wadjda. Mas o site IMDb traz a bilheteria que o filme conseguiu obter nos Estados Unidos: pouco mais de US$ 1,06 milhão. Claro que é pouco, mas não é um resultado ruim para um filme estrangeiro com o perfil de Wadjda e sem um grande apoio de estúdio para “acontecer”. Nos EUA, Wadjda foi distribuído pela Sony Pictures Classics, que é uma marca consagrada, mas que não deve ter se preocupado em espalhá-lo com muitas cópias pelo país.
Os usuários do site IMDb deram a nota 7,8 para o filme. Uma avaliação muito boa. Os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 73 textos positivos e apenas um negativo para a produção, o que lhe garante uma impressionante aprovação de 99% e uma nota média de 8,1. Resultado fantástico! E bastante justo.
Algo que eu achei incrível ao buscar mais informações sobre os principais nomes deste filme: tanto a diretora quanto a atriz que faz Wadjda estão vivendo, aqui, os seus primeiros trabalhos em longas de ficção. A diretora havia dirigido antes apenas a curtas e a um documentário. E Waad Mohammed não havia feito filmes. Incrível!
Falarei mais sobre as chances de Wadjda no próximo Oscar logo mais, abaixo, mas queria comentar que este filme também é o franco favorito no Globo de Ouro 2014. Ele e Jagten, junto com Le Passé, devem fazer uma quebra-de-braços interessante nas duas disputas.
CONCLUSÃO: Wadjda é um filme que vai crescendo conforme a narrativa evolui. Ele permite que o espectador mergulhe naquela cultura, diferente de grande parte do mundo ocidental, com calma, e que vá torcendo pela protagonista. No final, não tem como o público não estar envolvido com Wadjda e o sonho de quase toda criança. Quem nunca desejou profundamente, inclusive rezou para um dia ter uma bicicleta? Mas em alguns lugares este sonho é impossível para uma menina. Sabermos disso, e tentarmos entender aquela lógica diferente, é um desafio. Mas que vale ser vencido.
Wadjda segue a tradição de vários filmes que tem o olhar infantil como condutor, e consegue entregar o que promete com perfeição. No final, fica a mensagem de que vale ter um sonho e persegui-lo. E que sim, o mundo inteiro está contaminado com valores diferentes. Quanto antes aprendermos a respeitá-los e conviver com eles, melhor. Bela narrativa, construída de maneira precisa, que emociona e faz pensar sobre os conflitos de um país que não consegue ficar ilhado no mundo e vive o conflito entre as tradições e a “modernidade”.
PALPITE PARA O OSCAR 2014: Este filme tem alguns elementos que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood adora. Para começar, esta é uma história contada sob a ótica de uma criança – ou pré-adolescente, se você preferir. Depois, é um filme que sabe crescer com o passar do tempo, e surpreende pela ousadia de quebrar tabus e elevar alguns dos valores que os Estados Unidos adora “vender”. Apesar disso, ou além disso, Wadjda é um filme realmente bem feito e que funciona.
Analisando os filmes que eu vi até agora e que estão na lista das 76 produções que buscam lugar entre cinco finalistas ao Oscar, vejo que Wadjda está no extremo oposto de outro filme impecável: Jagten (comentado aqui no blog). Até agora, a produção dirigida por Thomas Vinterberg tinha o “meu” voto. Era a minha preferida. Mas fica difícil escolher entre ela e Wadjda porque estes são filmes tão diferentes entre si… que é uma questão quase de tirar cara-e-coroa para saber qual deveria ser o vencedor.
Sem dúvida Jagten é mais ousado na narrativa e na crítica, e tem algumas surpresas no roteiro que Wadjda não possui. Por outro lado, o filme dirigido por Haifaa Al-Mansour tem a ousadia de questionar parte da realidade social da qual ele é originário – somando-se a várias outras manifestações que questionam alguns costumes tradicionais da Arábia Saudita. É preciso coragem para fazer isso. E por isso mesmo, fico dividida entre as ousadias diferentes de Jagten e Wadjda.
De qualquer forma, não tenho dúvida de que Le Passé (comentado aqui) e O Som ao Meu Redor (aqui) estariam em segundo plano na disputa. Se bem que a Academia sempre pode surpreender… De qualquer forma, até aqui, me parece que Wadjda tem o perfil do Oscar, não apenas por trazer a sempre premiada ótica infantil como protagonista, como também por evidenciar a busca pelo próprio sonho de um indivíduo e a rebeldia ocidental em um país árabe que os EUA adorariam conquistar culturalmente. Faria sentido dar uma estatueta para um filme com esta “pegada” – e que, além disso, é bem feito.
ATUALIZAÇÃO (21/12/2013): A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood divulgou ontem, dia 20 de dezembro, a lista de filmes que avançaram na disputa da categoria de Melhor Filme em Língua Estrangeira. Wadjda ficou de fora da lista. Seguem na disputa os seguintes filmes: The Broken Circle Breakdown (Bélgica), An Episode in the Life of an Iron Picker (Bósnia e Herzegovina), The Missing Picture (Camboja), Jagten ou The Hunt (Dinamarca), Two Lives (Alemanha), The Grandmaster (Hong Kong), The Notebook (Hungria), La Grande Bellezza ou The Great Beauty (Itália) e Omar (Palestina). Além de Wadjda, outros filme que apareciam na lista dos especialistas como alguns dos favoritos, Le Passé e Gloria, também ficaram de fora. Interessante.
2 respostas em “Wadjda – O Sonho de Wadjda”
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