Se tem uma época da vida que os americanos amam retratar no cinema é o ensino médio. Para eles, essa fase é muito mais estressante do que para a média dos brasileiros – isso se explica pela forma do ensino de cada país. Booksmart se soma a outras produções que retratam esta época da vida dos americanos. Um filme “bobinho”, até um certo ponto, mas que traz um panorama interessante e rejuvenescido sobre essa galera jovem que está pensando em começar uma faculdade. O filme se passa, basicamente, em dois dias – e com uma longa noite no meio. Tem alguns momentos engraçados e uma boa dose de mergulho “antropológico” no meio. 😉
A HISTÓRIA: Começa com um áudio motivacional que diz “Bom dia, vencedor. Você está pronto para dominar o dia”. Sentada no chão, Molly (Beanie Feldstein) escuta as palavras motivadoras que seguem dizendo: “Você se esforçou mais que todos, por isso você é um campeão”. Grandeza requer sacrifício, a voz diz. No quarto, um troféu divide a estante junto com fotos de mulheres poderosas, inclusive Michelle Obama. Em um cabide, o uniforme que ela usará na sua formatura, que se aproxima. No final, o áudio diz “Foda-se esses perdedores”. Do lado de fora da casa, Amy (Kaitlyn Dever) aguarda a amiga para lhe dar uma carona. Elas estão na reta final do ensino médio.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Booksmart): Assisti a esse filme há mais de um mês. Achei ele divertidinho e, principalmente, feito sob medida para interessar a galera jovem que consome muitos, muitos vídeos editados e no estilo dos “antigos” videoclipes.
Além de ter uma construção de imagens muito interessante, Booksmart renova um gênero de maneira eficaz. Claro que tem muita “baboseira” no meio, mas isso faz parte do estilo da produção também. Mas além de repetir os modelos de “galera desmiolada” versus “nerds que vivem sendo zoados” que já vimos várias vezes, Booksmart traz alguns elementos da nossa sociedade para a frente das câmeras.
Para começar, o roteiro cheio de sacadas de Emily Halpern, Sarah Haskins, Susanna Fogel e Katie Silberman tira um sarro dos áudios motivacionais e divisão entre estudantes comprometidos e os que “não estão nem aí”. Depois de ouvir uma conversa cheia de baboseira no banheiro, Molly descobre que os colegas que ela desprezava até então também vão para lugares de destaque – apesar de não terem estudado o tanto quanto ela.
Molly, uma garota inteligente e que acredita no empoderamento feminino, divide o protagonismo da história com a melhor amiga que é lésbica. As duas garotas nunca “pegaram ninguém” e, quando Molly descobre que colegas “menos inteligentes” também vão para Yale, Stanford e trabalhar no Google, ela intima Amy para que elas tenham uma última noite de diversão antes da formatura no dia seguinte.
Vamos combinar que esta narrativa é um “clássico” do cinema norte-americano que foca no ensino médio. Nerds que descobrem que não viveram tudo que poderiam e que resolvem ter uma última noite de diversão antes de concluir esse período. O que esperar desta noite? Evidente, meu Caro Watson, que a tal noite terá muitas confusões e sairá muito diferente do que as protagonistas inicialmente imaginaram.
Essa é a essência de Booksmart. Um filme que diverte por tirar de cena os garotos como protagonistas para dar espaço para duas garotas que estão buscando diversão sem terem muita “habilidade” para isso. Uma das lições desta produção é que todos podem conseguir o que desejam, mesmo que não seja exatamente como eles tinham pensado inicialmente. E, afinal, esse é um dos pontos fundamentais da vida, não é mesmo?
Que podemos chegar longe, nos divertirmos no caminho mas, para isso, precisamos aprender a lidar com as surpresas que aparecem no caminho. Isso que as protagonistas Amy e Molly acabam fazendo. No final, elas conseguem chegar na própria formatura depois de terem aprendido um pouco mais sobre elas mesmas e sobre os outros.
Entre os ensinamentos deste filme, está o de que as pessoas normalmente são mais do que uma leitura superficial pode nos dizer. Booksmart tenta nos convencer que é possível conseguir os nossos objetivos com sacrifício sim, com dedicação, mas não abrindo mão de toda a diversão no processo. Claro que isso é mais bonito no papel e em um filme de Hollywood do que na vida real.
Os atletas de ponta estão aí para nos mostrar, assim como as pessoas excepcionais em qualquer área, que para ser bem acima da média é preciso sim sacrificar a diversão, o contato com a família, com os amigos e tudo o mais. Agora, se você não quer ser excepcional e nem referência em uma área, deseja apenas ter ótimas oportunidades na vida, é possível sim equilibrar dedicação, esforço com um pouco de diversão.
Outra boa lição desta produção é a importância da amizade. Para o nosso desenvolvimento e para a nossa saúde mental, é fundamental contarmos com bons e poucos amigos. Eles nos ajudam a encarar tudo. O ensino médio – e o ensino fundamental, antes – é um tempo promissor para esta fase de “tribo” e de boas amizades. Seguir com elas pela vida pode nos ajudar bastante – mas não é algo simples quando a vida nos leva, cada um, para um lado.
Mas uma mensagem bacana de Booksmart é que a amizade perdura apesar disso. Mesmo que for apenas no coração das pessoas – e não mais tanto na convivência diária. Amy e Molly tem uma amizade gigante, verdadeira e que vai perdurar. Mas isso não impede Amy de querer vivenciar outras experiências sozinha, por sua conta. Isso, invariavelmente, vai acontecer com todos nós.
Molly deve lidar com essa separação da melhor forma possível – assim como os pais devem lidar com a síndrome do “ninho vazio” em algum momento. Tudo isso faz parte da vida, do aprendizado individual e das experiências que cada um deve vivenciar por sua conta. Booksmart trata de tudo isso com muitos diálogos, algumas sacadas inteligentes e com um grupo de atores muito bom – especialmente as protagonistas. Vale como passatempo e como um filme para ser visto de forma despretensiosa.
NOTA: 8.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: Antes de finalizar esse texto, devo pedir desculpas para quem acompanha este blog há algum tempo. Estive, neste ano e, especialmente, nos últimos dois meses, bastante enrolada com a vida fora do blog. Assim, me desculpem, mas estou atualizando pouco este espaço, eu sei. Bem menos do que eu gostaria, tenham certeza. Mas quero, aos poucos, voltar a ativar esse espaço e, principalmente, começar a ver novamente a filmes diferentes e diferenciados. Obrigada pela paciência de vocês e até breve!
Sinto falta de ver filmes incríveis. Talvez esse tenha sido um fator para eu ter dado uma “desmotivada” em atualizar o blog. Outra razão é que andei mudando o design do blog e, nesse processo, estou tendo bastante trabalho em atualizar os textos antigos. Com isso, o blog caiu o nível de acesso bastante e, como um fator leva a outro, também fiquei um pouco “desmotivada”. Mas vamos virar isso e retomar esse espaço como antes. Prometo. 😉
Bem, falemos um pouco mais sobre Booksmart. Essa produção tem uma forte carga de protagonismo feminino. Não apenas pela história ser centrada em duas adolescentes mas, também, pelas pessoas envolvidas nos “bastidores” do filme. Para começar, vale destacar a direção da atriz Olivia Wilde que, com esta produção, faz a sua estreia em longas – antes ela dirigiu a três curtas, estreando com Free Hugs em 2011 e, depois, lançando Edward Sharpe and the Magnetic Zeros: No Love Like Yours e Red Hot Chili Peppers: Dark Necessities em 2016.
Parte do ritmo de videoclipes, com os quais Olivia Wilde têm experiência, inclusive, é o que ela imprime nesta produção focada em duas meninas e nas suas relações com os seus colegas e “matchs”. Olivia faz uma direção segura, com algumas sequências típicas de videoclipe e feitas para agradar o público jovem, mas que também sabe explorar muito bem o trabalho dos atores envolvidos no projeto.
O roteiro também é escrito apenas por mulheres. Citei elas antes, mas vale comentar novamente o trabalho competente – e verborrágico – de Emily Halpern, Sarah Haskins, Susanna Fogel e Katie Silberman no roteiro. Elas fazem um trabalho interessante valorizando o diálogo e a inteligência dos jovens que eles trazem à cena.
Ainda que a premissa central do filme seja um tanto previsível e já vista, colocar em cena duas garotas como protagonistas e todo o background inteligente, irônico e que privilegia os diálogos desse filme o tornam acima da média do besteirol. Por isso, acho que a nota acima se justifica. 😉
Do elenco, sem dúvida alguma o destaque vai para as protagonistas, vividas pelas carismáticas atrizes Beanie Feldstein e Kaitlyn Dever. Cada uma delas interpreta muito bem as suas personagens, com características bem diferenciadas entre si – mas que, ainda assim, fazem uma bela dupla. Alem delas, vale comentar o trabalho de alguns veteranos em papéis secundários, como Jason Sudeikis como o Diretor Brown; Will Forte como Doug e Lisa Kudrow como Charmaine, pais de Amy. Entre os atores mais velhos, vale citar também Jessica Williams como Miss Fine.
Entre os jovens que aparecem em cena, destaque para Skyler Gisondo como Jared, o garoto que gosta de Molly e que usa o dinheiro para tentar conquistar as pessoas, mas que praticamente não tem amigos; Billie Lourd como Gigi, uma figura que parece “muitcho lôca” a maior parte do tempo, mas que é o mais próxima de uma amiga de Jared; Victoria Ruesga como Ryan, a garota que desperta o interesse de Amy; Mason Gooding como Nick, que desperta o interesse de Molly; Diana Silvers como Hope, uma garota que não faz questão de agradar ninguém e que acaba surpreendendo Amy e sendo surpreendida por ela; Molly Gordon como Triple A, uma garota inteligente mas que também sabe viver a vida; Nico Hiraga como Tanner e Eduardo Franco como Theo, dois amigos bem próximos e que fazem um “trio” com Nick.
Entre os aspectos técnicos do filme, vale citar a trilha sonora de Dan Nakamura; a direção de fotografia de Jason McCormick; a edição de Jamie Gross; o design de produção de Katie Byron; a direção de arte de Erika Toth; a decoração de set de Rachael Ferrara; e os figurinos de April Napier.
Booksmart estrou em abril no Festival Internacional de Cinema de San Francisco. Depois, no dia 24 de maio, o filme estreou em circuito comercial nos Estados Unidos, no Canadá, na França e na Romênia. No Brasil o filme estreou no dia 13 de junho. Em sua trajetória, até o momento, o filme ganhou dois prêmios e foi indicado a um terceiro. Os prêmios que recebeu foram o de Diretora para Ficar de Olho para Olivia Wilde no Festival Internacional de Cinema de Palm Springs e o Melhor Filme pela escolha do público no Festival Internacional de Cinema de San Francisco.
Agora, vale citar algumas curiosidades sobre este filme. Inicialmente, a atriz Beanie Feldstein leu o roteiro para um outro papel na produção. Mas quando Olivia Wilde assumiu a direção do filme, a diretora sugeriu que Beanie assumisse o papel de Molly. Foi uma bela decisão, sem dúvidas.
A roteirista Katie Silberman disse que a atriz Billie Lourd, que interpreta Gigi, fez uma performance tão impressionante que algumas cenas extras foram escritas especialmente para ela. De fato, ela se destaca entre as coadjuvantes.
A primeira versão deste roteiro foi escrita em 2009. Certamente ele foi atualizado depois, até pelas referências femininas que são “citadas” na produção.
Os usuários do site IMDb deram a nota 7,4 para Booksmart, enquanto que os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 285 críticas positivas e 10 negativas para esta produção, o que lhe garante uma aprovação de 97% e uma nota média de 8,26. O site Metacritic registara um “metascore” 84 para esta produção, fruto de 48 críticas positivas e de três medianas – além de apresentar o selo “Metacritic Must-see”. Ou seja, o filme se saiu muito bem segundo a avaliação do público e da crítica.
Segundo o site Box Office Mojo, Booksmart arrecadou US$ 22,2 milhões nos cinemas dos Estados Unidos. Um resultado interessante para um filme sem um(a) grande diretor(a) ou um grande nome do elenco.
Booksmart é um filme 100% dos Estados Unidos. Assim, esta produção atende a uma votação feita há tempos aqui no blog. 😉
CONCLUSÃO: A franqueza do roteiro e da direção de Booksmart, assim como o perfil das protagonistas e a amizade desenvolvida por elas é o ponto forte desta produção. Não há filtros em cena. Temos uma fauna juvenil interessante pela frente, com duas “nerds” procurando curtir na última noite antes de deixarem o ensino médio. Assim, o filme agrada tanto aos nerds, que se sentem representados, quanto aos demais “populares” e afins desta época da vida. Com roteiro ágil e verborrágico e duas protagonistas carismáticas, esse filme é um belo passatempo – com um leve mergulho “antropológico” no meio. Bom para quem está fora do ensino médio há algum tempo se “atualizar” – levando em conta, claro, que estamos tratando de outro universo, o americano.