Todas as pessoas que já amaram alguém na vida pensaram no viver juntos até ficarem velhinhos. Mesmo que para alguns essa idéia seja apavorante – a idéia de planos para o “resto da vida” -, sem dúvida, quando estavam amando, pensaram nessa possibilidade. Alguma vez, pelo menos. Pessoalmente, de vários anos para cá eu tenho achado muito mais bonitos os casais de velhinhos enamorados do que os jovens enamorados. A cada ano eu acho mais isso. E eu não estou perto dos 60, ainda não sai da casa dos 20 – ainda que me falte pouco. Mas a questão não é essa, a idade. Quanto mais uma pessoa vive e admira a vida, percebe as nuances e aprende consigo e com os outros, mais suscetível está as delicadezas da vida, mais percebe o difícil que é amar uma pessoa por tanto tempo. E por tudo isso, talvez, que eu ache os velhinhos enamorados os mais belos casais do mundo.
Ao mesmo tempo, a vida me ensinou a pensar na velhice de outra maneira. Por experiência própria, de visitar velhinhos em asilos e com a informação cada vez maior do Mal de Alzheimer, há alguns anos reflito sobre o complicado que deve ser viver muito e viver mal. A maioria das pessoas que eu conheço querem viver muito, mas poucos se perguntam o que prefeririam: viver muito e com a possibilidade de estar doente, talvez muito doente no final; ou de viver menos, mas com saúde. Quase todos pensam apenas em viver muito. Pois eu penso também em conseguir viver dignamente, em viver com o mínimo de saúde e lucidez – existe um filme muito bom que também reflete sobre isso: Mar Adentro. Gostaria muito disso, para mim e para as pessoas que eu amo. E já me imaginei sofrendo de uma doença como o Alzheimer. Ainda que, na minha opinião, ela seja mais cruel para quem está a nossa volta do que para nós mesmo, em caso de sofrermos com ela. Mas enfim, toda essa introdução para falar de Away From Her, um filme maravilhoso sobre o amor e sobre viver (e deixar viver) dignamente.
A HISTÓRIA: O casal Grant (Gordon Pinsent) e Fiona (Julie Christie) estão casados há 44 anos. Eles continuam fazendo tudo juntos e desfrutando bons e alegres momentos. Mas, ao mesmo tempo, Fiona percebe gradativamente, dia após dia, que o Mal de Alzeheimer está se tornando mais forte do que ela mesma. Grant percebe e sofre por assistir a sua esposa “desaparecer” na frente dos seus olhos, mas ele reluta em aceitar a realidade e prefere acreditar que a doença pode estagnar ou que ela tem apenas “altos e baixos”. Mas percebendo o que está acontecendo, Fiona encoraja Grant a lhe internar em uma clínica especializada. Ali, enquanto permanece “isolada” um mês de Grant – sob determinação da direção do local -, Fiona conhece a Aubrey (Michael Murphy), um outro paciente com quem acaba desenvolvendo o que parece, inicialmente, ser uma forte amizade.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Away from Her): Logo que vi o nome da diretora, pensei: “Eu conheço essa mulher”. Mas acertei na trave. Pensei que fosse a diretora de Minha Vida Sem Mim e A Vida Secreta das Palavras… mas acertei na trave porque ela não foi a diretora destes filmes (a diretora é a maravilhosa Isabel Coixet), mas sim a atriz principal. Oh yeah, a maravilhosa atriz Sarah Polley além de interpretar a personagem principal nos dois filmes mencionados – os quais adoro, especialmente o primeiro – também dirigiu agora esse Away From Her. Ganhou um bilhão de pontos!
Mas voltando ao filme. A história realmente é linda e narrada de uma maneira perfeita. Aliás, o roteiro também é assinado por Polley, inspirada na história curta The Bear Came Over the Mountain, de Alice Munro. Mas como eu ia dizendo, um tema tão forte quanto esse, do “desaparecimento” de uma pessoa em sua própria mente, o que alguns classificam como “morte em vida”, e tudo o que isso pode significar para quem essa pessoa “deixa”, é tratado de maneira natural e poética pela diretora e roteirista. E os atores, ah os atores! Nem preciso dizer que Julie Christie e Gordon Pinsent estão maravilhosos. Para mim, dignos de Oscar e do prêmio que quiserem inventar.
Além deles, temos a sorte de ver na tela Olympia Dukakis como Marian, a mulher de Aubrey; Alberta Watson como a diretora do hospital, Dra. Fischer; e Kristen Thomson como a chefe de enfermagem Kristy – responsável por algumas das melhores frases do filme. Michael Murphy também emociona em uma interpretação muito difícil na pele de Aubrey. Realmente é um elenco afinadíssimo e que “conspira” em favor do roteiro.
Mas deixando a parte “técnica” do filme um pouco de lado, queria comentar sobre a história mesmo. Sei que muitas pessoas podem discordar de mim, mas além do tema difícil do Mal de Alzeheimer, o filme trata, ao meu ver, de como o amor é desigual e de como é difícil encarar a perda de alguém que se ama. De um lado, temos a coragem de Fiona, que decide o que é melhor para ela e para o seu marido, acreditando que sua decisão irá “facilitar” a despedida dos dois e que evitará que ele sofra tanto com o que ela sabe que vai acontecer. Ela encara o seu destino com perseverança, com uma segurança e uma coragem que só as pessoas que estão frente a morte creio que são capazes. Ou as grandes pessoas frente a outros desafios da mesma magnitude – ou quase.
Pois Fiona olha para o futuro, sabe que vai “perder a si mesma” e a tudo que conhece mas, ainda assim, segue em frente, obstinada. Grant, por outro lado, reage de maneira egoísta. É o amor que eu acho que a maioria dos homens vive: um amor de “pertencer”, um amor de “estar junto a qualquer custo” – ainda que na mentira, um amor mais egoísta. Por que digo isso? Porque ele age de uma maneira totalmente egoísta, na minha opinião, todas as vezes que tenta fazer Fiona lembrar de uma vida que ela já perdeu, todas as vezes que ele tenta afastar ela de Aubrey para que continue com ele em uma realidade que não existe mais. Ok, eu sei que é extremamente duro ver e sentir o que ele vê e sente, mas ele demora muitíssimo para aceitar o que está acontecendo com a sua mulher. E o pior: faz ela sofrer no meio do caminho. Egoísta. Mas mais que compreensível. Afinal, são as pessoas que amam os doentes de Alzheimer que lhes vê “morrendo lentamente”.
Cito um momento para comprovar o que eu digo: quando ele diz para Fiona que é o seu marido e que ela está vestindo uma blusa que não é dela. Aquilo me partiu ao meio. Acabou com Fiona. Ou, como ela disse em outro momento, ela gostava de Aubrey porque ele não a deixava confusa. Deus! É de matar. Ao mesmo tempo, é claro, ele foi corajoso em ficar com ela até o final, ainda que muitos fatos lhe fizessem querer fugir. Independente se reagindo de maneira egoísta por grande parte do tempo ou não, Grant vivia seu grande amor, o amor de sua vida. E é difícil, reamente, ver algo assim desaparecer. Ainda que não desapareça, na minha opinião, mas se modifica. Nada mais.
NOTA: 9,7.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: Esse filme é uma produção canadense e não estadunidense. Isso porque Sarah Polley, Gordon Pinsent, Alberta Watson, Kristen Thomson e boa parte das demais pessoas envolvidas no projeto são canadenses. Sem contar que o filme foi rodado todo em Ontario, no Canadá. Uma maravilha! Mas eu não viveria rodeada de tanta neve, nem me pagando! hehehehehehe
Como muitos e muitos filmes bons da nova safra, Away From Her faturou pouquíssimo nos Estados Unidos: pouco mais de US$ 4,5 milhões. Mas o espantoso é o quanto ele teria custado: US$ 3,4 milhões! E depois tem muita gente que acha que precisa gastar os tubos para fazer um filme bom… Fora dos Estados Unidos ele teria faturado mais quase US$ 1,4 milhões. Só espero que as pessoas vão descobrindo ele na locadora ou com a propaganda boca-a-boca.
Até buscar mais sobre a atriz Julie Christie, magnífica com seus 66 anos, eu não sabia que ela tinha nascido na Índia. Mas, claro, como filha de pais com dinheiro na década de 50, ela foi mandada para a Inglaterra e depois para a França para estudar. Ela começou a atuar na televisão e no cinema no início dos anos 60. Magnífica!
O filme ganhou nota 8 dos usuários do site IMDb. Eu, novamente, dou uma nota maior. Mas acho que é porque eu estou meio “generosa” com os filmes ultimamente. Vai ver que é porque eu tenho uma vaga idéia, por ter visto a produção de curtas, do quanto difícil é fazer algo do gênero. Acho que por isso que sou tão generosa com os filmes e só dou abaixo de 7 para os ruins, os ruins mesmo!
15 respostas em “Away from Her – Longe Dela”
Esse filme para mim é 10 também! A história é bacana e muito pertinente, daquelas que deixam a gente pensando depois. Nada impede que possa acontecer conosco, vai na veia. E as interpretações, na minha opinião, impecáveis!
Besitos
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Oi garota!
Eu sei que o filme merece 10… aliás, eu tinha dado 10 para ele. Mas todos os filmes que tinham recebido 10 antes de que eu assistisse a American Gangster tiveram alguns décimos descontados depois que eu vi esse filme. hehehehe
Sei que é maldade, mas fui obrigada.
Realmente Away From Her é um filme muito bonito e com atuações maravilhosas. Mas a vida é assim… tem filmes que nos afetam mais que outros e por razões diferentes. Esse me afetou e faz pensar, o que já é uma grande qualidade.
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eu acredito q é triste pq guguzim falo q é!
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Olá Polipo!
Bem-vindo a este blog.
Só não entendi muito bem o seu comentário… imagino que era alguma brincadeira que eu não tive a capacidade de entender. Se quiser voltar e explicar melhor…
Agora, se estás comentando que o filme é triste… bem, é verdade. Mas também é extremamente belo. Inspirador. Uma história emocionante e que faz pensar. Resumindo: vale a pena vê-lo.
Um abraço e volte aqui sempre. Até mais
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Absurdamente lindo! Vou escrever sobre ele no meu blog.
Adorei seu post.
Beijo!
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Oi Gustavo!
Primeiro de tudo, obrigadíssimo por tua visita a este blog… e especialmente por teu comentário.
Realmente, Away from Her é um filme lindo. Emocionante. Muito mais interessante que estas novas histórias “românticas” como P.S. I Love You ou Enchanted – sim, tive o desprazer de ver ambos – que acabam virando “onda da vez”. Se as mesmas pessoas que viram estes filmes vissem a Away from Her, duvido que achariam interessantes os outros… mas enfim. Viva a propaganda dos estúdios e das distribuidoras, não é mesmo? Afinal, sem elas, como filmes bons como este continuariam desconhecidos?
Que bom que vais divulgar este filme no teu blog também… logo depois que publicaste teu comentário aqui, te visitei lá, mas ainda não tinhas publicado nada. Mas vale a pena divulgá-lo sim!
Obrigada por tua visita, mais uma vez, e espero que voltes mais vezes! Um grande abraço e um beijo!
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Brilhante, é o mínimo que posso dizer! Os atores estão magníficos, assim como o roteiro.
Morei no Canadá, Ontário, o que me faz gostar ainda mais do cenário e dos atores. Sou uma amante incondicional e eterna de tudo que se relacione ao magnífico país e também me identifiquei muito com a história, por ter vivência com alguém com o mesmo mal e sei quão triste é sua progressão.
Poderíamos e deveríamos ter mais filmes assim, tão verdadeiros, reais e tocantes.
Parabéns as críticas…
Um abraço!
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Oi Leticia!
Primeiramente, seja muito bem-vinda por aqui.
O filme é realmente divino, não é mesmo? Os atores estão, como bem dizes, magníficos. E entendo perfeitamente o que dizes sobre te identificares ainda mais pelo cenário e pela história pelo fato de teres morado em Ontario… desde que eu vivi em Madrid, todos os filmes que mostram aquela cidade ganham nova dimensão para mim. 😉
Com certeza deveríamos ter mais filmes assim. Faz muita falta no mercado. Produções com um olhar humanista e sobre lições de vida fazem muita, muita falta, realmente.
Obrigada por tua visita e pelo teu comentário. E espero que voltes por aqui muitas vezes ainda.
Um abraço!
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Oi …
o seu blog é ótimo meus parabéns, sempre o lia mas nunca deixava um recadinho tanto que é que estou começando a lelo todinho e anotando dicas de filmes interessantes desde o inicío, mas como já tinha assistido a este filme e gostado queria ver o que tu tinha escrito.
Eu fiquei com impressões muito parecidas com a tua.
Olha só não sei se tu já assistiu ao filme “O pequeno traidor”.
Adoraria ver a sua opinião sobre o filmecuriosidade rs
e obrigado pela lista de filmes, já vi uns 9 mas anotei os demais rs.
Vou ver o mês de novembro agora
sucesso sempre
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Oi Rafael!
Puxa, muito obrigada!
Fico muito feliz quando leio um comentário como o teu, de alguém que gosta dos textos que vou publicando por aqui e que acaba, através deles, encontrando bons filmes para assistir.
Ainda não assisti ao filme que comentaste… mas anotei a tua dica. Muito obrigada.
Espero que você apareça por aqui mais vezes, especialmente deixando no blog as tuas impressões sobre os filmes – e outras dicas, como esta que deixaste acima.
Um grande abraço e obrigada pelo teu incentivo e palavras. Inté!
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adorei seu ponto de vista, e concordo no que disse. e esse é um dos melhores filmes que ja assisti.
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Oi Beatriz!
Antes de mais nada, seja bem-vinda por aqui!
Filme incrível, não é mesmo? Maravilhoso.
Também está na minha lista dos melhores. Pena que ele não é mais conhecido… como muitos outros filmes acima da média, aliás.
Obrigada pela tua visita e pelo teu comenário. Espero que voltes por aqui mais vezes.
Abraços e inté!
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[…] currículo, ela realizou apenas oito filmes como diretora. Mas o anterior, Away From Her, comentado aqui no blog, é maravilhoso. Uma […]
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[…] atuando como diretora e roteirista, desde o lindo e sensível Away From Her, de 2006, comentado aqui no blog. Admiro Sarah pelas escolhas que ela fez – e sabemos que as escolhas de alguém falam […]
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[…] para televisão, ela estrou na direção de longas com Away from Her, filme de 2006 que eu comentei por aqui. Passaram-se cinco anos até que ela voltou na direção de um longa com Take This Waltz (com […]
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