Eu sou meio obcecada por alguns filmes. Ouço falar algo a respeito positivo e fico com o nome “martelando” na minha cabeça. Ou vejo algo a respeito da última produção de algum diretor, roteirista ou ator de quem gosto muito e pronto. Já estou obcecada para assistir ao lançamento. E faz muito, mas muito tempo mesmo que eu quero assistir a esse filme espanhol AzulOscuroCasiNegro. Tinha só ouvido falar que era bom, muito bom, mas não sabia mais nada a respeito. Absolutamente nada. E, talvez por isso, me enganei com um filme que consegui… bem que tinha achado estranho o filme ser em inglês… afinal, AzulOscuroCasiNegro é uma produção espanhola. Mas pensei: vai saber… talvez fizeram o filme em inglês para ter mais entrada no mercado dos Estados Unidos.
Só hoje, quando consegui o original de AzulOscuroCasiNegro é que percebi que o filme para o qual eu queria encontrar legenda faz tempo na verdade estava “se passando” pelo filme espanhol que eu tanto queria ver. E o filme esse, na verdade, se chama MirrorMask. Parece bem interessante, ainda mais que é baseado em um trabalho de Neil Gaiman (de quem sou fã), mas ele ficará para depois. A vez era toda de AzulOscuroCasiNegro.
A HISTÓRIA: Jorge (Quim Gutiérrez) é um “chaval” (garoto, em espanhol) que sonha com tudo na vida, menos em seguir os passos de seu pai, porteiro do prédio em que eles vivem. O problema é que, como muitas vezes acontece, quanto mais se quer fugir de uma realidade, mais parece que ela nos enreda. E assim é como Jorge acaba assumindo o lugar do pai, Andrés (Héctor Colomé), depois que este sofre um ataque cardíaco. Passam sete anos e Jorge continua como porteiro, cuidando sozinho do pai – que não se dá conta muito bem do que ocorre ao seu redor. A diferença é que agora consegue se formar em administração através do ensino a distância e começa a buscar emprego na área. Mas sem experiência profissional, ele sofre para conseguir uma oportunidade. Além de Jorge, Andrés tem um outro filho, Antonio (Antonio de la Torre), que está preso e prestes a ser libertado. Mas antes de sair da prisão, Antonio conhece em uma oficina de teatro a Paula (Marta Etura), uma jovem com uma história de vida complicada e quer ficar grávida. Jorge logo se vê envolvido no romance de Paula com o irmão Antonio ao mesmo tempo em que tem que lidar com o retorno de sua paixão de “toda la vida”, Natalia (Eva Pallarés) e com as descobertas familiares de seu melhor amigo, Israel (Raúl Arévalo).
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que parte do texto a seguir traz informações importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a AzulOscuroCasiNegro): Acabei contando muito da história no resumo que fiz ali em cima, eu sei. Mas é que AzulOscuroCasiNegro tem tantos nuances e histórias paralelas e importantes que fica difícil contar menos.
O fato é que o filme realmente acerta ao abarcar de maneira tão natural vários temas… muitos podem ver a história como uma fábula sobre o destino ou sobre as surpresas que a vida nos dá. Mas mais que isso e, melhor, além disso, acho que é um filme que fala muitíssimo de família e de independência, de maturidade e de se descobrir a verdade sobre nós mesmos, ainda que para alguns pareça que tudo esteja tão claro.
Vejamos: a parte da família é muito bem desenvolvida pelos dois núcleos principais da história. Por um lado, a família de Jorge tem que lidar com as dificuldades de uma situação não-desejada – a doença de Andrés e a prisão de Antonio -, além de um histórico de “pobreza” e de marginação social. Afinal, Jorge cresceu vendo sua família sendo despreciada pelo entorno social por serem de classe mais baixa e, depois, o irmão passando pelo desprezo social – se bem que isso não é abertamente explorado no filme, mas se imagina – provocado por sua situação de ex-preso. Por outro lado, o núcleo familiar de Israel também passa por várias descobertas e testes, especialmente depois que ele flagra o pai, Fernando (Manuel Morón), em uma das suas “escapadas”.
Além dos temas familiares, os dois personagens principais de cada núcleo familiar também passam por fases de descobertas importantes. Jorge tem que confrontar a sua realidade com os seus sonhos para, depois, ser surpreendido com o que encontra buscando mais a fundo. O mesmo, mas de maneira diferente, ocorre com Israel, que descobre gostos e atrações até então reprimidas – ainda que, inicialmente, ele rejeite tão profundamente o que vê em seu pai.
Aliás, os espelhos dos filhos com os pais aqui são muito interessantes. Tanto Jorge quanto Israel rejeitam o que vêem em seus pais, negam parte do que lhes define como progenitores. Parece quase uma negação natural da fase adolescente de qualquer um mas, na realidade, essa negação vai mais além, até eles amadurecerem. AzulOscuroCasiNegro, aliás, nos conta um pouco isso, de como sempre somos um pouco “crianças” e, assim, muitas vezes negamos o óbvio, o que sabemos no fundo que é nosso também. No fim das contas, Jorge assume repetir os mesmos passos do pai, mas com independência. E Israel, por seu lado, assume também as suas semelhanças com o pai que sempre desprezou.
Fora estes grandes temas, o filme trata de outros paralelos e talvez menos evidentes. Por exemplo a relação de Jorge com Natalia e a descoberta que ele tem com Paula. Quando para de negar a sua realidade, percebe que o que sentia por Natalia era algo que fazia parte de outro “hemisfério”, quase algo idealizado de uma vida que ele gostaria de ter e que não conseguiu almejar. Ele poderia ter sido feliz com Natalia? Quem sabe? Mas quando ele se perguntou de verdade o que queria, com quem se sentia mais ele mesmo, obteve uma resposta surpreendente. O que eu reflito a respeito é que muitas pessoas às vezes apostam todas as suas fichas em uma relação que não representa de verdade o que elas querem, o que elas são. Ainda que seja amor – o amor tem muitas formas e intensidades -, mas não é, no fundo, o que é verdade. Mas as pessoas gostam de se enganar, essa é uma das grandes verdades que aprendi. Muita gente segue uma relação por hábito, por costume, por comodidade, por “conveniência social”, por pena – do outro e, quem sabe, de si mesma. Mas, no fundo, sente que deveria estar em outro lugar, talvez com outra pessoa – ou sozinha. Nessa história Jorge teve a coragem de assumir o que era ele mesmo. E, nem por isso, amava menos a Natalia. Só que havia outra verdade maior.
Acho que depois de falar tudo isso eu não preciso nem dizer que gostei muito do filme, não é mesmo? Claro que ele não me comoveu como outros filmes espanhóis (por exemplo, Mar Adentro) ou mesmo me apresentou um roteiro com narrativa inovadora ou que me tirasse do sério (como Lucía y el Sexo). Mas com sua simplicidade, com um roteiro sem grandes complicações e uma direção firme, ainda que sem inovações, me convenceu. E acho que é desses filmes para pensar mais, depois. Palmas realmente para o diretor e roteirista Daniel Sánchez Arévalo. Ele faz um grande trabalho, ainda que prime pela simplicidade. O que, cá entre nós, é uma qualidade.
NOTA: 9.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: AzulOscuroCasiNegro também se chama DarkBlueAlmostBlack – título para o mercado dos Estados Unidos e para a maior parte do mundo.
Fiquei arrepiada, devo admitir, ao reconhecer tantos elementos de Madrid no filme. A cidade está lá, do início ao fim, seja nas vistas gerais da cidade sobre os prédios ou no caminhão do lixo que abre a produção. Realmente é muito diferente ver um filme como esse morando aqui. Parece ainda mais “próximo” de mim.
AzulOscuroCasiNegro ganhou 16 prêmios e foi indicado a outros 10. Entre os prêmios que levou, destaque para os de ator revelação para Quim Gutiérrez, de “novo diretor” para Daniel Sánchez Arévalo e de ator coadjuvante para Antonio de la Torre no Prêmio Goya 2007 – o principal prêmio da cinematografia espanhola. Em outro festival espanhol, o de Málaga, Daniel Sánchez Arévalo levou dois prêmios: melhor roteiro e um prêmio especial do júri. No Festival de Estocolmo, Arévalo levou também o prêmio de “melhor debut de diretor”.
O interessante é que Arévalo, um madrilenho de 37 anos, produziu antes de AzulOscuroCasiNegro somente curtas-metragens. Sua estréia nos cinemas ocorreu em 2002 com ¡Gol! e, depois deste curta, ele dirigiu outros três antes de AzulOscuroCasiNegro. E depois de ser consagrado por seu primeiro longa, dirigiu outro curta: Traumalogía, de 2007.
Os atores de AzulOscuroCasiNegro fazem um trabalho muito bom, sem muitos cacoetes ou exageros. Destaco especialmente o trabalho de Quim Gutiérrez (que além de interpretar bem seu papel é muito fofo! e tem apenas 26 aninhos… hehehehehe), Antonio de la Torre, Héctor Colomé (está perfeito em um papel muito difícil de interpretar) e Manuel Morón (gosto deste ator). As atrizes estão bem, ainda que nenhuma das duas me pareçam excepcionais – talvez esteja um pouco melhor Marta Etura.
Os usuários do site IMDb deram a nota 7,4 para o filme.
11 respostas em “AzulOscuroCasiNegro – Azul Escuro Quase Preto”
O Filme realmente acerta em cheio com a simplicidade da história e da narrativa. É tão simples que fica, complexamente bom..
Mas uma coisa me chama a atenção, a reação de Jorge quando o pai ataca o irmão. Eu esperava algo…bem, não sei ao certo o que eu esperava. Mas com ctza não eh o que o filme(não)apresentou.
No mais. MUito boa película.
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Muito bom! Demais, um dos poucos filmes que dou NOTA 10!
O que mais me chamou atenção ao final, é que o Jorge encontrava-se tão preso quanta a Paula, só que mudou de endereço no final, porém com a mesma condição de zelador.
Achei forte a cena da Natália desprezando ele na hora do lixo.
Sei lá, gostei bastante, constata a triste realidade de muitas pessoas na mesma situação de Jorge.
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Oi Victor!
Realmente, o filme é muito bom. Não chego a dar uma nota tão grande quanto você, mas tá valendo. 🙂
Sobre o Jorge… não acho que no final ele estivesse tão preso quanto a Paula. Até porque a noção de “liberdade” e de “prisão” não é tão preto no branco assim… acho até que o filme fala bastante disso. Afinal, uma das coisas que Jorge acaba percebendo é que existem coisas das quais uma pessoa não pode fugir, mas que existem outras que é pura escolha. E a partir do momento que ele parou de querer fugir de tudo que ele tinha de parecido com o pai, ele pôde escolher viver a vida de zelador.
Realmente, o filme trata de algumas vidas “desprezadas”, “cinzas”, que são importantes e tem muita história, mas que poucos prestam atenção. É um belo filme.
Espero que você volte por aqui várias vezes. Obrigada por tua visita e pelo teu comentário. Um abraço!
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Estou procurando a trilha sonora de “Azul Oscuro casi negro” e encontrei essa excelente crítica sobre o filme. De maneira simples e de um cotidiano rebuscado, o diretor espanhol vai adentrando por nossos sentimentos e estudando a alma humana, diria que vai uma grande pitada de psicologia. Nota 10,0, por que não? Temos mania de buscar defeitos! O filme é muito bom e ainda divertido, coisa de nós latinos.
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Oi Evania!
Primeiramente, seja bem-vinda por aqui!
Fico feliz que tenhas gostado da crítica.
Concordo contigo que eis um belo filme. Muito interessante, bem filmado, com grandes atores e um roteiro bem escrito.
Acho bacana também que você tenha gostado ao ponto de dar nota 10 para a produção. Para mim, contudo, ela não teve um efeito tão excepcional. Me reservo no direito de dar um 9, tudo bem? 🙂
Obrigada pela tua visita e pelo teu comentário. Espero que voltes por aqui muitas vezes ainda.
Abraços e inté!
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Tentei arrumar esse “porque” mas não teve jeito, foi errado. Obrigada a vocês do site, devem ser muito atenciosos, fiz a crítica, depois a correção do porque, mas ……
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Oi Evania!
Imagina, sem problemas.
Consegui arrumar ele porque o WordPress nos dá essa ferramenta.
Obrigada pela tua nova visita. Espero que voltes outras vezes ainda, inclusive para falar de outros filmes.
Abraços e inté!
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muito boa sua critica!
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Olá “asdasad”!
Muito obrigada pela visita e comentário. Fico feliz que tenhas gostado também da crítica.
Espero que apareças por aqui mais vezes. Abraços e até mais!
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Obrigada pela atenção, só hoje vi nosso diálogo !!!! Abraço !!!!
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Olá Evania!
Obrigada a você pela tua visita e pelos teus comentários. Espero que apareças por aqui mais vezes.
Abraços e até mais!
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