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Mongol


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Gosto de filmes que contam histórias reais ou a saga de um povo em determinado momento da História. Dependendo do número de pessoas envolvida no projeto (geralmente se pensa no número de figurantes) ou do tempo histórico da narrativa, as pessoas costumam classificar filmes assim de “épicos”. Eu sempre acho um perigo chamar um filme de épico, porque ele parece meio “deslocado” no tempo ou até meio chato quando leva esse título. Ao menos para mim. Por isso não vou chamar Mongol de épico, mas de um grande filme histórico sobre a formação daquele povo como sociedade organizada e que dominou boa parte do mundo no final do século XII e início do século XIII. Mongol concorreu ao Oscar 2008 na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, mas perdeu a disputa para o austríaco Die Fälscher (que está na minha lista de filmes para assistir há tempos). Ainda assim, o representante do Cazaquistão dirigido pelo russo Sergei Bodrov representou com muitos méritos e honra os países que o produziram na disputa.

A HISTÓRIA: Mongol começa com um homem preso recebendo a notícia de que o monge que enviou para saber de sua mulher está morto. O ano é 1192. Então voltamos duas décadas na história para conhecer a história de Temudjin (interpretado quando criança por Odnyam Odsuren e, quando adulto, por Tadanobu Asano), o filho do khan (chefe de uma tribo) Esugei (Ba Sen). Aos nove anos de idade, ele viaja com o pai para escolher a sua mulher na tribo dos Merkit. Muitos anos antes, Esugei havia roubado a sua mulher desta tribo e, agora, com o casamento do filho com uma de suas meninas, ele pretende selar um acordo de paz. No caminho, contudo, eles param no acampamento de Dai-Sechen (He Qi), um amigo de Esugei. Ali Temudjin conhece a Börte (interpretada quando criança por Bayertsetseg Erdenebat e, adulta, por Khulan Chuluun) e decide casar-se com ela. Pouco depois, na volta para casa, Esugei é morto por uma tribo rival. Temudjin e família são rechazados pelos demais de sua tribo e o garoto sobrevivo a duras penas. Até que adulto ele volta para casar-se com Börte. Os dois juntos vão consolidando o poder de Temudjin até que ele consegue, em 1206, unir todas as tribos mongóis sob uma mesma lei, ordem e sob seu comando.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que parte do texto à seguir conta partes importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Mongol): No resumo acima eu não quis comentar algo que talvez muitos saibam, mas que eu só fiquei sabendo no final do filme – uma surpresa que eu acho bacana (NÃO LEIA se não assistiu a Mongol): que Temudjin é o nome de batismo do personagem mundialmente conhecido Genghis Khan. Juro que não sabia que esse era o nome dele… por isso gostei de só saber no final que aquela história toda de sofrimento, perspicácia e luta era, na verdade, a história de um dos grandes líderes que o mundo já teve – e que, para muitos, foi o grande conquistador da História. Bacana saber disso só no final.

O filme é muito bem feito em vários sentidos. O roteiro do diretor Sergei Bodrov com Arif Aliyev equilibra bem os aspectos humano e histórico do personagem principal. Gosto de filmes “épicos” que fazem isso, se centram nos dilemas e decisões que fizeram pessoas “comuns” tornarem-se excepcionais. Um exemplo clássico de um filme assim é Spartacus, do mestre Stanley Kubrick, que conta com maestria a história do escravo que virou gladiador, sem nunca perder todas as tintas humanas de sua história. Pois Mongol faz o mesmo com Genghis Khan. Claro que depois fui atrás de mais informações e há partes do filme que podem ser questionadas, historicamente, mas quem disse que um filme como este precisa ser 100% fiel à História? Até porque a história mesma está sempre em discussão, com vários pesquisadores discordando entre si e “puxando a sardinha” mais para um lado ou para outro.

Gostei, então, primeiramente do roteiro. Acho que ele valoriza o papel da mulher na história – algo que a maioria das biografias de Genghis Khan ou mesmo de textos sobre o povo mongol não trata -, o que é algo muito bacana. Também valoriza muito a “quebra de paradigmas” que Temudjin estabelece no seu povo. Se alguns dizem “mas isso sempre foi feito assim”, ele diz: “sim, mas podemos fazer diferente e melhor”. Claro que eu acho que a história suaviza bastante a parte “bárbara” do personagem. Afinal, ele foi um dos grandes assassinos da história. E pelo que eu fiquei sabendo através de alguns textos sobre ele e os mongóis (cito como exemplos este e este), na verdade Genghis Khan não perdôo nenhum inimigo – inclusive Jamuha (quando criança interpretado por Amarbold Tuvshinbayar e, quando adulto, pelo ótimo Honglei Sun). Se no filme Jamuha acaba sendo libertado por Temudjin, na vida real ele foi morto pelo outro líder khan antes dele se tornar Genghis. E descobri também que Jamuha era, na verdade, um grande amigo de Temudjin com quem ele havia feito um “pacto de sangue” quando criança, mas que na prática eles não eram filhos da mesma mãe, não tinham laços familiares realmente. Detalhes, claro. Nada que desmereça o filme. Ainda assim, Mongol suaviza muito a figura de Temudjin que, na verdade, pelo que contam os historiadores, era um homem sábio, justo e um grande estrategista, verdade, mas que também foi bem cruel e vingativo – esses últimos pontos o filme não mostra.

Gostei muito dos atores em geral. Todos estão muito bem. Com destaque, claro, para o casal protagonista, o japonês Tadanobu Asano – fiquei louca para ver os outros filmes dele – e a atriz Khulan Chuluun. Asano, por incrível que pareça, tem apenas 35 anos… sinal que a equipe de maquiagem de Mongol fez um excelente trabalho de caracterização do personagem, especialmente quando ele está preso. Gostei muito do garoto Odnyam Odsuren, que interpreta o Temudjin jovem. Na verdade, todos estão muito bem. Além dos atores já citados, destaco a interpretação de Aliya como Oelun, a mãe de Temudjin; de Amadu Mamadakov como Tarugai, o homem que persegue Temudjin quando ele é criança e que maltrata a sua família; e de Sun Ben Hon como o Monge que ajuda Temudjin.

Além do elenco em geral, o filme se destaca por uma fotografia deslumbrante. As paisagens na China e no Cazaquistão, na verdade, ajudam muito. heheheheehehehheehehe. Ainda assim, claro, não deixa de ser um belo trabalho dos diretores de fotografia Rogier Stoffers e Sergei Trofimov. Muito boa também a trilha sonora do finlandês Tuomas Kantelinen.

Ah, já ia me esquecendo: outro ponto “falho” do roteiro é que ele só mostra os adultérios de Börte para ajudar Temudjin e para que ela conseguisse sobreviver sem ele, mas não mostra os vários filhos que ele teve fora do casamento – algo que a História comprova. Resumindo: Mongol é um grande filme, mas falha um pouco ao mostrar só as qualidades de Genghis Khan, sem enfocar o personagem em toda a sua complexidade – incluindo os defeitos, é claro. Na verdade, parece mais um filme encomendado pelo governo da Mongólia do que um filme que busca resgatar a história de um grande líder histórico.

NOTA: 9.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: Como eu disse antes, o filme começa no ano de 1192, quando Temudjin está preso, e depois volta 20 anos… no final, a história segue até 1206, quando o personagem é eleito como Genghis Khan e une, pela primeira vez na história daquele povo, todas as tribos sob um mesmo governo e um mesmo sistema. Aliás, os mongóis só dejam de ser tribos nômades com poderes isolados depois que a figura de Temudjin aparece na história. Sob seu comando eles chegariam a dominar grande parte do mundo conhecido na época, ampliando muitíssimo o que era o território original do povo mongol.

O filme foi indicado, até agora, a um total de 10 prêmios. Destes, ganhou dois: melhor figurino para Karin Lohr e melhor som para Stephan Konken no Prêmio Golden Eagle, na Rússia. Mas para a grande mídia, ele realmente recebeu destaque após ser indicado ao Oscar como Melhor Filme Estrangeiro. Há poucos dias, mais precisamente em 17 de março, o filme ganhou no Asian Films Awards, em Hong Kong, o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante para o chinês Honglei Sun. Atualmente o filme concorre em seis categorias no Nika Awards, um dos mais importantes – se não o principal – prêmio de cinema na Rússia. Levando em conta que o diretor e roteirista é russo, eu diria que ele tem boas chances de ganhar alguns prêmios… hehehehehehehehehehehe

Falando no diretor, Sergei Bodrov é considerado na Rússia um dos grandes nomes do cinema moderno naquele país. O filme mais conhecido dele, antes de Mongol, foi Nomad, que também conta uma história do Cazaquistão.

Mongol registra a nota 7,5 no IMDb, além de acumular duas críticas positivas no Rotten Tomatoes – e só isso! Parece que os críticos não viram ao filme indicado ao Oscar… heheheheheheheheehehe.

O filme teria custado aproximadamente US$ 20 milhões – se fosse uma produção de Hollywood, por toda a “engenharia” que o filme pede, com certeza teria custado pelo menos cinco ou seis vezes mais.

Mongol é uma co-produção do Cazaquistão, Rússia, Mongólia e Alemanha.

CONCLUSÃO: Um filme competente sobre a história do povo mongol se transformando de tribos isoladas para uma sociedade organizada que seria responsável pela dominação de grande parte do mundo no início do século 13. Na verdade o filme conta a história de Temudjin, o homem que foi responsável por este feito. Bem dirigido, com um roteiro competente – ainda que deixe boa parte da História de lado -, uma equipe de atores afinada e uma fotografia impressionante, é um filme que tenta resgatar a história humana e social daquele povo mas que, também, tem várias cenas de violência e de batalhas sanguinolentas. Interessante.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 20 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing e, atualmente, atuo como professora do curso de Jornalismo da FURB (Universidade Regional de Blumenau).

9 respostas em “Mongol”

Oi Gilson!

Bem-vindo por aqui.

Olha, não sei onde podes conseguir o filme para baixar… vi ele no cinema. Mas acredito que se fizeres uma busca pelo Google deves achar algum site com legendas ou com informações de como conseguí-lo.

Um grande abraço e volte sempre!

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Ainda nao vi o filme mas a historia de Genghis Kahn e realmente incrivel. Ha um documentario muito bom que passou no The History Channel e outro na Cultura. O imperio que ele construiu e duas vezes maior que o Romano e quatro vezes maior que o de Alexandre, o Grande. Ele foi um dos lideres mais sanguinarios de todos. Ele tinha um pacto de sangue com este Jamuha que era seu melhor amigo. Mas ele traiu Temudjin e mesmo assim o Kahn o perdoou. Dois generais de Jamuha o entregaram a Genghis Kahn, eles pensavam que iam receber o perdao por isso. Mas foram mortos por serem traidores e nao da pra confiar em traidores. Temudjin perdoou o seu “amigo” porque o pacto era sagrado. Mas este nao aceitou e pediu ima morte sem derramamenro de sangue que era nobre e assim aconteceu. Dizem que a cada 200 pessoas uma desecende de Genghis Kahn. Ele nao sabia ler nem escrever mas um filho adotivo, o qual o sucedeu no camando do imperio, registrou toda historia a pedido do Kahn. Ele era implacavel com seus inimigos.

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Os mongois faziam negocios com os persas (acho que era isso) e eles mandaram a cabeca de um embaixador pra Genghis Kahn. Ele entao destacou um exercito de 200 mil soldados para rechacar os persas. Mataram quase um milhao de pessoas. Criancas, idosos, mulheres, isto nao importava. Depois ele ordenou que continuassem ate que fossem parados. Mas nunca foram derrotados. E ai, que o Imperio se torna enorme. E interessante com ele sitiou Pequim e conquistou a China. Ele dava recompensas excelentes para os soldados e os treinou para que atirassem com arco-e-flecha com os cavalos em movimento. Os arcos eram muito mais fortes que os conhecidos ate entao e por isso os europeus sucubiram facilmente.
Ha um episodio muito interessante em uma batalha contra o Jamuha. Sabendo que este mandaria espioes Temudjin mandou que cada soldado fizesse cinco fogueiras. O espiao viu isto de longe e proferiu a famosa frase: “O exercito de Genghis Kahn tem mais homens que estrelas no ceu”. Acho que o Nicolau Maquiavel deveria ter pensado em Genghis Kahn quando escreveu o seu livro O Principe mas nap ha nenhuma citacao mas ele fez tudo que e recomendado no livro mesmo sendo muito violento. Nao acho que ele era um barbaro sem coracao, ele fazia o que era preciso na epoca. Tambem, ate hoje nao se sabe onde ele foi enterrado. Todos que presenciaram o seu enterro foram assassinados. O que faz o mito por tras dele crescer mais ainda. E uma pena que nao se ensine essas coisas nas aulas de historia. Pelo menos no Brasil. Ha muito pouco sobre o Oriente que acho que tem historias muito mais ricas. Como, por exemplo, os Samurais no Japao. Abracos.

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Olá Alexandre!!

Bacana o teu interesse pelo Genghis Khan. Realmente é um grande personagem da história mundial.

Muito do que comentaste é possível assistir, dramatizado, no filme. Aliás, espero que voltes por aqui para comentar, depois, o que achaste de Mongol. Se ele é fiel aos documentários que havias assistido antes ou se ele acaba se dando ao direito de fazer mais “licensas poéticas” do que o necessário.

Agora, um comentário sobre o que escreveste: para a época em que Genghis Khan viveu, francamente, não importava muito ele saber ler e escrever, não é mesmo? O que fez uma grande diferença para ele – e resultado em seu tempo – foi a enorme capacidade que ele tinha para antecipar fatos e esboçar saídas alternativas (requisitos para um grande estrategista).

Bem interessante quando comentas sobre o uso das fogueiras pelos soldados do Khan. Fato que só comprova como ele sabia muito bem o que teria efeito em uma guerra – e que reafirma sua capacidade de estrategista.

Muito obrigada, Alexandre, por todas estas tuas contribuições. Achei muito legal. E concordo contigo que falta ensinar, nas escolas, histórias sobre o Oriente. Sem dúvida, aquela parte do mundo tem uma cultura e uma história riquíssimas e que mereceriam muito mais a nossa atenção.

Espero também que voltes por aqui para falar do filme, quando o tenhas assistido, e também para comentar sobre outras produções que possas ter assistido e que tenham rendido críticas aqui no blog.

Um grande abraço e obrigada por tua visita.

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O truque das fogueiras é uma variante de muitos descritos no livro (sobre estratégia militar) mais conhecido de todos os tempos: ” A arte da guerra ” de Sun Tzu. Os escritos já eram consultados há 300 anos A.C. na China.
Vi o filme, gostei muito, porém achei que deveria ser mais abrangente. Quanto ao Império Mongol, não foi o maior império (em extensão territorial ) como muitos dizem, pois o maior – em território contínuo – foi a Rússia , que possuía até mesmo o Alaska que foi vendido para os E.U.A. Em termos de território descontínuo, foi o Império Britânico, que chegou a possuir 20% do território mundial…

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Olá Fernadoronin!!

Sei que é uma vergonha, mas até hoje eu não terminei de ler ao livro A Arte da Guerra. Apenas comecei… de qualquer forma, acho bacana citares ele por aqui – para as pessoas interessadas no tema. Realmente é um grande, grande livro.

Obrigada também por fazer o paralelo entre a obra de Sun Tzu e o truque das fogueiras mostradas em Mongol.

Também gostei muito de Mongol ainda que, como bem comentaste, faltou ser um pouco mais abrangente. Ou, como eu disse na crítica acima, ser mais preciso nos detalhes e contexto históricos.

Agora, sobre a questão do maior império de todos os tempos, há muita polêmica. Sem parecer chata, mas qual é a tua fonte sobre a União Soviética (porque a Rússia foi apenas um dos países que sobrou do grande império soviético) ter sido o maior império em extensão territorial? Eu andei pesquisando bastante a respeito e encontrei alguns sites (como este do Aventuras na História – http://historia.abril.com.br/politica/qual-foi-maior-imperio-todos-tempos-434570.shtml) que confirmam que o maior, em extensão, foi mesmo o mongol. Por outro lado, outros, como este texto curto da Mundo Estranho (http://mundoestranho.abril.com.br/historia/pergunta_286230.shtml) afirmam que o maior, em extensão, foi o império britânico. A verdade é que, aparentemente, os historiadores discordam bastante entre si para definir esta questão. Ainda que, conforme este outro texto da Mundo Estranho (http://mundoestranho.abril.com.br/historia/pergunta_287493.shtml) e outros sites que eu pesquisei, parece que foi mesmo o império britânico e, depois, o mongol os que esbanjam os maiores números em ocupação de territórios.

De qualquer forma, teus questionamentos são bem pertinentes. Obrigada, aliás, por tua visita e por teu comentário.

Um abraço!

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Olá Nropb!!

Obrigada. Fico feliz que tenhas gostado do blog.

Sim, Mongol foge do estilo de cinema “made in USA”. O que é muito bacana, sem dúvida. Talvez o estilo um pouco arrastado que comentaste tem a ver com isso, com o estilo de cinema feito no Cazaquistão. Diferenças de estilo, quando funcionam, como neste caso, são bem-vindas.

Obrigada por tua visita e comentário. Espero que voltes por aqui mais vezes.

Abraços!

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