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The Messenger – O Mensageiro


Há temas que afetam muito mais a determinados países e/ou coletivos do que outros. Os efeitos da Guerra do Iraque, por exemplo, tem um apelo direto no público dos Estados Unidos porque eles vivem na pele a ausência e a perda de amigos e familiares. O mesmo, claro está, ocorre com os iraquianos (de forma muito mais profunda, eu diria) e demais nacionalidades envolvidas no conflito. Um país que não enfrenta periodicamente os problemas provenientes das guerras não entende todas as dimensões que ela afeta ou as feridas que acarreta. Por isso mesmo, The Messenger não terá o apelo com o público brasileiro como ele consegue ter com o estadunidense. Com dois atores perfeitos e um roteiro com muitos altos e baixos, este filme se debruça sobre os efeitos da guerra na casa e no quintal dos estadunidenses. Ao trazer para a frente das câmeras um olhar mais particular sobre a guerra, The Messenger procura dar nome e rosto para os familiares em luto, tornando cada perda da guerra em algo particular. O resultado é impactante no início, mas depois a produção vai perdendo força e trilhando caminhos previsíveis demais.

A HISTÓRIA: O sargento Will Montgomery (Ben Foster) passa por mais uma consulta médica antes de se encontrar com Kelly (Jena Malone), uma antiga namorada que atualmente está noiva de Alan (Michael Chernus). Atualmente, Montgomery tem que se acostumar com as visitas rotineiras ao médico. Faltando três meses para terminar o seu período de alistamento, ele acaba sendo designado para trabalhar ao lado do capitão Tony Stone (Woody Harrelson) em um tipo de trabalho que ele jamais imaginou desempenhar: o de comunicar os familiares sobre a morte de seus entes queridos na Guerra do Iraque. Depois de vencer a morte e salvar amigos do Exército na guerra, Montgomery acreditava que tinha sido preparado para tudo, mas se surpreende com os desafios que a vida “comum” podem lhe apresentar.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a The Messenger): A primeira parte do roteiro de Alessandro Camon e do diretor Oren Moverman é bastante promissora. The Messenger começa de uma forma diferente do usual, focando o protagonista, considerado um herói, de maneira fria e em atitudes pouco honradas. Afinal, não sabemos em detalhes quem é Kelly, mas logo fica claro que Montgomery está colocando os chifres em alguém. Esta desmistificação do “herói de guerra” parece ser um dos objetivos principais do filme. Os protagonistas de The Messenger parecem tudo, menos modelos a serem seguidos – isso se alguém ainda acredita que existam “modelos” a serem seguidos. 😉

Depois de apresentar um comportamento um bocado antissocial, Montgomery é apresentado a uma missão que considera quase uma “piada”. Ou, talvez, uma espécie de castigo. Até que entra na primeira casa junto a Stone para informar os familiares do primeiro soldado morto, Montgomery considera o trabalho no Grupo de Notificação de Vítimas e seus protocolos um desperdício de tempo para um militar. O espectador, colocado na posição de Montgomery, também não entende muito bem que tipo de missões são aquelas, até que o trabalho começa a ser feito. E daí entra a parte mais interessante de The Messenger: cada comunicado nos transporta para a intimidade das famílias dos soldados mortos, acabando de uma vez com a política dos “números de guerra” e passando a humanizar a barbárie.

Isso funciona por um tempo ou, melhor dizendo, até a segunda visita da dupla Montgomery/Stone aos familiares dos soldados aniquilados. A partir do momento em que o protagonista se encontra com a personagem de Olivia Pitterson (Samantha Morton), o roteiro de The Messenger dá uma guinada fundamental para o desenrolar da história. Pena que ela essa guinada foi feita para o lado errado. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Para começar, quantos filmes já foram feitos sobre o “difícil que é a vida para um ex-combatente”? Inúmeros, hein? Poderia fazer uma lista deles. Por isso mesmo que a partir do momento em que The Messenger resolve mostrar os “fantasmas” e feridas nunca cicatrizadas da dupla de protagonistas ele se torna praticamente “mais um” na lista. Alcoolismo, falta de tato social, violência exagerada, uma constante falta de paciência e dificuldade de dormir, todos estes sinais que “acompanham” soldados que voltaram de uma guerra já são velhos conhecidos de quem acompanha os filmes do gênero produzidos por Hollywood.

Além disso, o roteiro de The Messenger simplifica demais os seus personagens. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Todos estão sofrendo, de uma forma ou de outra. Os protagonistas não se adaptam a uma vida normal, enquanto que o luto dos familiares por eles notificados aparece e desaparece de forma muito pontual – com exceção para a personagem de Olivia que acaba virando obsessão para Montgomery. Todos aquelas pessoas parecem um tanto “rasas” demais. Não há sutileza em parte alguma, apenas um permanente tom acima do normal. Nenhum dos personagens parece capaz de sentir algum prazer verdadeiro – o sentimento de perda eterna permeia todas as relações. Até mesmo a aproximação de Olivia e Montgomery está carregada de culpa, remorso e dor.

Não quero dizer, com tudo isso, que estes sentimentos não sejam condizentes com muito da “realidade” explorada pela história. Mas será mesmo que todos os minutos daquelas pessoas todas se resumem a isso ou houve uma exagerada no roteiro para que estes sentimentos de luto e perda estivessem a todo momento na tela? (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Achei um tanto forçada a tentativa do protagonista em se aproximar de Olivia. Inicialmente, ele parecia ter apenas a curiosidade em “desmascarar” aquela mulher que, em sua opinião, não reagiu como deveria com a notícia da morte do marido. Mas depois, ele realmente parece enxergar nela uma alternativa de “felicidade”. Certo que Montgomery e Stone parecem estar permanentemente em busca de alguma sensação de prazer, de compreensão, mas honestamente isto não aparece de forma tão convincente como deveria.

A culpa desta falta de convencimento não está na dedicação dos atores para seus papéis e sim nas linhas de roteiro algumas vezes pouco críveis. Ben Foster e Woody Harrelson tem desempenhos muito bons, bem acima da média – deles próprios e de outros atores em papéis similares. Ainda assim, o trabalho de ambos não é suficiente para evitar que The Messenger caia em lugares comum e desvie seu foco de uma direção inicial que parecia muito promissora. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Dar nome e apresentar um contexto para as vítimas das guerras em que os Estados Unidos se envolve colocando o espectador dentro do quintal de quem sofre com o luto sem fazer disso um melodrama foi um acerto da produção. Questionar também a finalidade destas mortes e a noção de “herói de guerra” sem fazer grandes discursos a respeito também é algo sempre interessante de ser feito no cinema. Agora bater na velha tecla das “marcas indeléveis” que uma guerra provoca em quem volta para “casa” sem apresentar a força vista em The Hurt Locker, para citar um exemplo recente, foi um verdadeiro desperdício.

NOTA: 8,5.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: As ironias proferidas pelo personagem de Woody Harrelson são alguns dos pontos altos do roteiro do diretor Oren Moverman e de Alessandro Camon. Pena que a “fina ironia” do personagem se perca depois nas lamentações e algumas frustrações do superior que se sente “abaixo” – ainda que não admita – do subordinado. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Fiquei especialmente irritada com uma cena: quando Tony Stone chora no sofá de Montgomery depois que ele narra a experiência que teve salvando companheiros de pelotão na guerra. Honestamente? Não era para tanto. Aquele mesmo choro, apresentado de outra forma, teria me convencido, mas não como a cena foi filmada por Moverman. Talvez a cena emocione a muitas pessoas, mas a mim ela apenas me deixou decepcionada.

The Messenger é um filme declaradamente de dois atores: Ben Foster e Woody Harrelson, nesta ordem. Ainda assim, há personagens secundários que roubam a cena quando aparecem. Destaco, em especial, aos atores Steve Buscemi, que interpreta ao enlutado Dale Martin; Eamonn Walker como o coronel Stuart Dorsett, responsável por aproximar Montgomery e Stone; e a Yaya DaCosta como Monica Washington, namorada do soldado Leroy, e Portia, que interpreta a mãe do militar, a primeira dupla a nos emocionar.

Gostei do estilo de direção de Oren Moverman. Ele assume a postura de um documentarista e, geralmente, acompanha os passos de seus atores como um observador “da realidade” que está sendo mostrada. Claro que tudo isso é mais que intencional. The Messenger, com esta idéia de “câmera na mão” e uma narrativa seguindo a ótica dos personagens – especialmente a de Montgomery – busca aprofundar o “mergulho” no cotidiano que a história busca desvelar. Uma escolha acertada, ainda que nada inventiva.

The Messenger caiu nas graças da opinião do público e da crítica. Até mais dos segundos do que dos primeiros. Os usuários do site IMDb, por exemplo, deram a nota 7,6 para a produção. Os críticos que tem seus textos linkados no Rotten Tomatoes, por sua vez, dedicaram 88 textos positivos e apenas 10 negativos para a produção – o que lhe garante uma aprovação de 90%. Nada mal!

O filme dirigido por Oren Moverman completou mais de um ano de “estrada”. Ele começou sua caminhada no Festival de Sundance em janeiro de 2009 e, de lá para cá, participou de outros 17 festivais pelo mundo. Pouco a pouco The Messenger foi conquistando sete prêmios e acumulando outras 16 indicações. Entre os mais importantes que conquistou estão dois prêmios no Festival de Berlim – o de melhor roteiro e o “Peace Film Award” para Oren Moverman – e dois prêmios como melhor filme (pela crítica e o prêmio principal) no Festival de Cinema de Deauville. O respeitado National Board of Review também entrou os prêmios de melhor ator coadjuvante para Woody Harrelson e o “Spotlight Award” para Moverman. Samantha Morton recebeu, merecidamente, o prêmio de melhor atriz coadjuvante na premiação anual da Sociedade de Críticos de Cinema de San Diego. No Globo de Ouro, The Messenger apareceu apenas em uma categoria: a de melhor ator coadjuvante tendo Woody Harrelson como concorrente. Mas como todos que leram este texto sabem, Harrelson não ganhou o prêmio.

O filme não tem se saído bem nas bilheterias. Pelo menos nos Estados Unidos. Até o dia 7 de fevereiro The Messenger tinha arrecadado pouco mais de US$ 804 mil nas bilheterias. Um valor muito baixo, especialmente porque este tema e, principalmente, o enfoque da produção deveria agradar, especialmente, o público estadunidense.

Para os interessados na parte técnica do filme, vale citar o trabalho do diretor de fotografia Bobby Bukowski; a edição de Alexander Hall e a trilha sonora de Nathan Larson.

Entre os críticos que gostaram de The Messenger destaco Rex Reed, do The New York Observer. Ele comenta, neste texto, que muitos filmes que trataram dos conflitos no Oriente Médio se deram mal nas bilheterias e que, agora, surge para o público o “sensível e inteligente” The Messenger. Reed destaca que a produção marca a estréia na direção do roteirista conhecido por I’m Not There. Para o crítico, The Messenger é superior ao filme sobre Bob Dylan, especialmente porque o filme conta com as interpretações espetaculares de Ben Foster, Woody Harrelson e Samantha Morton. Achei especialmente interessante quando o crítico comenta sobre a aproximação de Montgomery e Olivia, afirmando que cada um dos personagens demonstra “os efeitos da fadiga da batalha”, seja ela tendo sido travada “nas trincheiras ou na frente em casa”. Mesmo com todos os elogios, Reed admite que The Messenger sofre com uma série de clichês de produções do gênero.

Outro crítico que aprovou The Messenger foi Michael Phillips, do Chicago Tribune. Ele escreveu, neste texto, que o trabalho desempenhado pelos protagonistas do filme está entre os mais “exaustivos” que um ser humano pode ser chamado a desempenhar. Ainda assim, escreve Phillips, The Messenger não é um filme esgotante, pelo contrário. A produção oferece “uma gama completa de emoções delicada que humaniza os personagens e deixa as polêmicas para um segundo plano”. Comparando esta produção com The Hurt Locker, Phillips afirma que o único ponto em comum dos dois filmes é que ambos são apolíticos e “honram o guerreiro sem colocar a guerra em um trono”. O conflito de The Messenger reside na relação do protagonista com uma viúva de guerra, na visão do crítico. Phillips destaca a interpretação de Foster e Harrelson afirmando que ambos tem um desempenho “sólido como uma rocha e muito comovente”, e que Samantha Morton empresta veracidade e “calor” suficientes para sua personagem. Para o crítico The Messenger não trata de uma guerra específica, mas se apresenta “tranquilamente universal”.

Finalizando a sequência de críticos que aprovaram The Messenger, cito Claudia Puig, do USA Today, que afirma, neste texto, que todos sabem que não devem atirar no mensageiro e, ainda assim, as reações violentas vistas em The Messenger ao que os protagonistas comunicam tem um “sentido trágico”. Ela considera que a história de “cortar o coração” ganha um fascínio especial pelas “performances soberbas” de seus atores, especialmente Ben Foster e Woody Harrelson. Puig também destaca o trabalho de Samantha Morton, classificando seu desempenho de “sutil” e “excelente”. Para a crítica, The Messenger apresenta um “olhar completamente diferente sobre a Guerra do Iraque e os seus efeitos sobre soldados e civis”. A crítica do USA Today classifica a produção como um “retrato de tristeza, amizade e consolo”, e destaca o senso de autenticidade “corajoso” impresso pelos roteiristas Oren Moverman e Alessandro Camon. Para Puig, The Messenger é um companheiro perfeito para The Hurt Locker, o filme mais “poderoso” sobre a Guerra do Iraque e um “dos melhores do ano”.

CONCLUSÃO: Um filme que trata dos efeitos da guerra sem, para isso, mostrar um único combate ou explosão. The Messenger lança um olhar “doméstico” sobre a Guerra do Iraque ao narrar a história de dois militares que tem como missão informar aos familiares de soldados mortos em combate sobre as suas perdas. Filmado com uma levada de documentário, este filme acerta a mão em seu trecho inicial mas, depois, cai em uma série de clichês desnecessários. Além de dar nomes e uma dimensão familiar para os números de uma guerra, The Messenger se lança em uma reflexão natural sobre o sentido do luto reinante. Com atuações convincentes e algumas sequências realmente emocionantes, The Messenger se diferencia de muitas produções do gênero, até um certo ponto, mas depois perde força ao ceder espaço para vários lugares-comum. Infelizmente a “inventividade” do roteiro não se sustenta por muito tempo. Ainda assim, The Messenger não deixa de ser um complemento interessante para o infinitamente superior The Hurt Locker.

PALPITE PARA O OSCAR 2010: The Messenger foi indicado em duas categorias no Oscar deste ano: melhor ator coadjuvante para Woody Harrelson e Melhor Roteiro Original. Francamente, não vejo que o filme tenha chances nestas categorias. Por mais que Harrelson esteja muito bem no filme, ele não consegue superar o trabalho realmente impecável e inspirador de Christoph Waltz em Inglourious Basterds. Como roteiro The Messenger também perde para seus concorrentes. The Hurt Locker e Inglourious Basterds são superiores ao resultado final do trabalho de Alessandro Camon e Oren Moverman. Também gosto mais do roteiro dos irmãos Coen para A Serious Man. The Messenger, como eu disse antes, apresenta um roteiro muito irregular. Provavelmente o filme sairá de mãos vazias da premiação – seria uma zebra se ele ganhasse alguma das estatuetas.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 20 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing e, atualmente, atuo como professora do curso de Jornalismo da FURB (Universidade Regional de Blumenau).

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