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The Men Who Stare at Goats – Os Homens que Encaravam Cabras


Hollywood tem, basicamente, duas formas de encarar o Exército dos Estados Unidos: de maneira muito séria, quase como uma homenagem, ou através da paródia e da crítica satírica. The Men Who Stare at Goats explora o segundo segmento ainda que, por mais absurda que seja a história que está sendo contada, fica clara uma certa “preocupação” em respeitar os seus personagens. Por mais exagerados e caricatos que algumas vezes eles podem ser vistos, cada personagem da história tem suas motivações bem explicadas pelo roteiro. O elenco estelar é, sem dúvida, o principal chamariz do filme. E o produto final se mostra interessante, engraçado e questionador ao mesmo tempo, em uma das raras ocasiões em que um presidente, uma instituição e algumas guerras são satirizadas de forma tão evidente.

A HISTÓRIA: O general Dean Hopgood (Stephen Lang) olha para a frente de forma obstinada. Ele não pisca, e sua concentração lhe faz suar. O ano é 1983 e o local, o Forte Bragg, na Carolina do Norte. Hopgood avisa para outro militar que vai para a sala ao lado. Ele se levanta e sai correndo em direção à parede. Não conseguiu atravessá-la, como os homens liderados por Bill Django (Jeff Bridges) acreditavam ser capazes de fazer. Quem nos conta esta história, sobre os bastidores de algumas das ações mais inusitadas do Exército dos Estados Unidos, é o jornalista Bob Wilton (Ewan McGregor). Em 2002 ele entrevistou a Gus Lacey (Stephen Root) na cidade de Ann Arbor, no Michigan. O homem, um ex-militar, lhe contou histórias sobre visão remota e experimentos militares. Tempos depois, ao se encontrar com Lyn Cassady (George Clooney), Wilton investigaria sem querer as histórias contadas por Lacey e ficaria estarrecido com os “jedis” do Exército.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a The Men Who Stare at Goats): O primeiro chamariz deste filme, sem dúvida, é o seu elenco. A reunião de George Clooney, Jeff Bridges, Ewan McGregor, Kevin Spacey, entre outros, não é para qualquer um. No caso deste projeto, este grupo de astros foi atraído, mais que por outros elementos, pelo livro de Jon Ronson. O escritor e documentarista lançou o bestseller The Men Who Stare at Goats em 2004, revelando uma história perturbadora para o público dos Estados Unidos.

Em seu livro, Ronson investiga o uso de “técnicas sobrenaturais” por parte dos militares na chamada Guerra ao Terror, impulsionada por George W. Bush, e faz um levantamento sobre os investimentos nesta área na história do Exército. O livro deixa claro que conta “uma história real”, mas o filme não chega ao ponto de fazer esta afirmação. Apenas há uma frase no início dizendo que “há mais verdade nisso (na história) do que você poderia acreditar”. Fiquei curiosa para saber o quanto daquilo seria verdade – ainda que, pela forma com que o roteiro de Peter Straughan se desenvolve, parece que muito daquele absurdo pode ter realmente acontecido.

Procurei mais informações a respeito e achei este artigo de Sharon Weinberger, do Aol News, sobre a “realidade” por trás do filme (e do livro). Segundo o coronel aposentado do Exército John Alexander, que teria sido um personagem-chave do livro, boa parte da história contada por Jon Ronson é verdade. O que ele não concorda é com a idéia de que um militar tenha sido capaz de matar uma cabra apenas por encará-la, com a “força do pensamento”. Segundo Alexander, um militar realmente matou uma cabra, mas utilizando a técnica do “dim mak” (ou “toque mortal”, uma técnica de artes marciais).

O filme de Grant Heslov resume as histórias apresentadas por Ronson ao centrar-se na relação que acaba se desenvolvendo entre o jornalista Bob Wilton e o militar Lyn Cassady. Gostei muito do trabalho dos dois atores, mas gostei especialmente do desempenho de George Clooney. Seus olhares fixos e seus trejeitos convencem o espectador e imprimem um humor ajustado, impedindo que o filme caia diretamente na caricatura. Jeff Bridges também está muito à vontade em seu papel, mas Kevin Spacey acaba sendo eclipsado pelos demais.

The Men Who Stare at Goats é uma legítima comédia do absurdo. Impossível não dar risadas com a paranóia que cerca os militares retratados pelo filme. Sobram piadas para todos os lados, inclusive para o jornalista curioso e frustrado que comenta que só lhe restava uma alternativa: seguir os passos de tantos “homens na história” que tiveram os seus corações partidos por uma mulher e se mandar para a guerra. O filme deve ser encarado como uma comédia com algumas pitadas de crítica irônica, mas não como uma produção desrespeitosa com a “instituição” do Exército. Isso porque boa parte do que é mostrado no filme realmente aconteceu.

Segundo John Alexander, o Pentágono realmente criou um programa de investigação para “espiões psíquicos” que trabalhavam com o conceito de Visão Remota (mas aparentemente este programa nunca foi operacionalizado); idéias defendidas pelo Batalhão da Nova Era mostrado no filme realmente influenciaram pessoas importantes de vários círculos do Exército (ainda que um “batalhão” operacional como aquele nunca tenha realmente sido formado); e os militares e a própria CIA fizeram, de verdade, experimentos com LSD.

O ritmo do filme é condizente com o volume de informações da história. O roteiro de Peter Straughan se equilibra entre duas linhas narrativas: aquela que explora a trajetória do jornalista e sua relação com Lyn Cassady, e a outra que conta a história do projeto de Bill Django e os “frutos” de seu trabalho em desenvolver militares-Jedi habilitados com “superpoderes”. Alguns podem ficar incomodados com o “excesso de informações”, mas a verdade é que o filme exige aquela quantidade de diálogos e dados para contextualizar a história.

Com bom ritmo, um texto bem escrito e interpretações convincentes, é destas comédias sobre o Exército que valem pela curiosidade e reflexão que pode provocar. The Men Who Stare at Goats, contudo, não reinventa o gênero e nem se destaca entre as produções recentes envolvendo as incursões dos Estados Unidos no Oriente Médio – o país teria enviado “assassinos psíquicos” para aquela região com a missão de “caçar suspeitos do Al Qaeda”.

NOTA: 8.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: The Men Who Stare at Goats pode servir como mais um bom exemplo de como a conturbada Guerra Fria resultou em programas tresloucados dos Exércitos dos Estados Unidos e da União Soviética. Segundo o personagem de Dean Hopgood, os russos haviam começado a desenvolver pesquisas sobre a aplicação da paranormalidade pelos militares porque eles acreditaram em uma “cortina de fumaça” lançada por franceses que sugeria que os estadunidenses haviam começado uma investigação similar.

Na época, a espionagem e a contra-espionagem muitas vezes assumia uma postura realmente paranóica, com uma “mania de perseguição” que fazia parte do jogo. E muitas vezes programas duvidosos e que nunca tiverem resultados realmente promissores ganhavam recursos e investimentos apenas pela preocupação de um dos países/sistemas não ficarem “defasados” na corrida armamentista e de técnicas militares. Hilário no caso dos “militares-Jedi”.

Antes que algum defensor da paranormalidade venha até aqui irado pelos comentários, quero deixar claro que não questiono a capacidade do ser humano em conseguir feitos incríveis através do pensamento ou de outras técnicas envolvendo energia e concentração. O que eu achei hilário no filme e o que ele “discute” é que uma instituição como o Exército possa investir pesado nisto sem ter qualquer exemplo prático de sua aplicabilidade para fins estratégicos. E que em uma era de “desespero” como foi a conclamada Guerra ao Terror impulsionada por George W. Bush programas antigos e sem grand eficácia acabaram sendo ressuscitados como um passe de mágica.

Existem controvérsias sobre os fatos retratados por Jon Ronson e refletidos no roteiro de Peter Straughan. Se militares como John Alexander afirmam que nenhuma cabra foi morta pela “força do pensamento” e sim por técnicas de artes marciais, outros afirmam que o experimento narrado no livro realmente aconteceu. Encontrei neste artigo informações curiosas do sargento Glenn Wheaton, no qual o personagem de Clooney teria sido inspirado. Para quem tem tempo, vale uma leitura – até como exemplo das “elocubrações” que parte do Exército chegou a fazer sobre o tema da paranormalidade.

Algumas idéias do 1º Batalhão da Terra, criado em 1979 pelo Exército dos Estados Unidos, acabou resultando em ações práticas posteriormente. Segundo o comentário da Publishers Weekly sobre o livro de Jon Ronson que pode ser consultada de forma resumida aqui, idéias daquele batalhão inspiraram técnicas de tortura como aquela que submetia prisioneiros da Guerra contra o Terror a 24 horas escutando a música I Love You do Dinossauro Barney. Outro produto originário daquele experimento militar foi o aparato chamado de Predator, capaz de infligir dores fortíssimas de diferentes maneiras – o “brinquedo de tortura” teria sido desenhado por Pete Brusso, mestre de artes marciais militares.

Antes de dirigir The Men Who Stare at Goats, Grant Heslov tinha uma experiência relativamente pequena como diretor. Seu currículo pesa muito mais como ator. Um curta dirigido e escrito por ele em 1998 lhe rendeu três prêmios e uma relação importante com o ator George Clooney. Depois de Waiting for Woody, Heslov dirigiu o longa Par 6 e o curta Tony. Sua trajetória atrás das câmeras acaba resultando em um trabalho correto, mas pouco inventivo, declaradamente voltado para destacar o trabalho dos atores.

The Men Who Stare at Goats estreou no Festival de Veneza em setembro de 2009. Depois, passou por outros 11 festivais em diferentes países – incluíndo os de Toronto e de Londres. A produção em si não venceu nenhum prêmio, mas indiretamente foi lembrada com a eleição de George Clooney como o “ator do ano” no Prêmio COFCA conferido pela Associação de Críticos de Cinema de Ohio Central.

Apenas nos Estados Unidos o filme conseguiu faturar US$ 32,4 milhões. Nada mal, especialmente se levarmos em conta o tema espinhoso e “pouco atrativo” da história – filmes sobre guerra andam em baixa no mercado norte-americano. Mas a bilheteria é justificada pelos astros em seu elenco.

Achei especialmente interessantes os momentos em que Ewan McGregor questiona a “capacidade Jedi” dos militares como Lyn Cassady. Quem lembra do ator nos novos filmes de George Lucas da saga Star Wars sentirá toda a carga cômica e irônica que alguns diálogos ditos por ele em The Men Who Stare at Goats podem despertar.

The Men Who Stare at Goats teve um desempenho mediano na opinião de público e crítica. Os usuários do site IMDb deram a nota 6,5 para a produção, enquanto que os críticos que tem textos linkados pelo Rotten Tomatoes dedicaram 97 críticas positivas e 86 negativas para o filme – o que lhe garante uma aprovação de 53% e uma nota média de 5,7.

A maior parte dos críticos aclamados pelos leitores reprovou o filme. Kyle Smith, do New York Post, por exemplo, lembrou neste texto que o filme de Grant Heslov e seus atores foi inspirado em produções recentes, como The Informant! e Hot Rod. Smith também destaca as frases de McGregor sobre o poder da “Força” no âmbito dos miliares Jedi como um dos pontos fortes da produção. Ainda assim, o crítico bate duro no filme ao afirmar que o roteiro de Straughan jamais teria saído de uma gaveta se o texto não tivesse interessado a George Clooney e a seu amigo Grant Heslov. O principal pecado do filme, para Smith, é a sua falta de “significado” e, principalmente, a falta de concisão do texto de Straughan.

Neste texto, Ann Hornaday, do Washington Post, comenta que poucos prazeres “são tão cinematograficamente sublimes” como o de assistir George Clooney “em modo” Clark Gable como no filme The Men Who Stare at Goats. Depois de comentar a forma com que o ator se assemelha a um dos ícones do cinema estadunidense, Hornaday acaba criticando o filme ao classificá-lo como “frustrante” e raso. Mesmo elogiando inicialmente Clooney (para depois criticá-lo), Hornaday comenta que Jeff Bridges entrega, de longe, a interpretação mais envolvente e sincera da produção.

A crítica do Washington Post comenta ainda que Heslov mantêm o filme em um ritmo afável e amável, afirmando que a produção é “inteligente, picaresco, divertido”, com uma energia do gonzo de Hunter S. Thompson e Stanley Kubrick, mas sem a ferocidade e o “fogo” (intensidade) destes. Ela finaliza dizendo que The Men Who Stare at Goats tinha o conteúdo para ser brilhante, quando deveria ser afiado e sagaz ou, em suas palavras, tem o potencial para “rugir como um leão, mas acaba se mostrando prostrado como um cordeiro sob nossos pés”.

Para finalizar, cito este texto de Linda Barnard do The Star. Ela começa opinando que tanto o movimento da Nova Era quanto os militares dos Estados Unidos são igualmente cutucados com The Men Who Stare at Goats. Barnard também destaca a interpretação de Jeff Bridges entre os astros do filme. Concordo com ela quando Barnard afirma que a produção começa a perder força quando Lyn Cassady chega ao acampamento comandado por Larry Hooper. Realmente, ele perde um bocado de força e dá algumas deslizadas exageradas a partir deste momento.

A crítica também comenta que o diretor se sai melhor quando mantêm o seu forte elenco sob controle, o que ela afirma nem sempre acontecer neste filme. Ainda assim, Barnard afirma que o personagem de Hooper acaba salvando o final da produção em um momento em que ela está cambaleante.

Assistindo a Jeff Bridges e George Clooney neste filme entendi um pouco melhor o clima de “velhos amigos” que parece ter circundado os astros no último Oscar, quando os dois eram apontados como fortes concorrentes na categoria melhor ator – vencida, como a maioria deve saber, pelo primeiro.

CONCLUSÃO: Uma comédia que apresenta uma visão pouco ortodoxa sobre os investimentos do Exército dos Estados Unidos em um batalhão “paranormal” criado para ter efeitos decisivos e à distância. Com um elenco estelar, The Men Who Stare at Goats deve ser visto com bom humor e boa vontade. Carregado de ironia e informações, é um filme crítico e satírico ao mesmo tempo. Serve como passatempo, mas deve ser evitado pelas pessoas que esperam de um filme do gênero, essencialmente, “muita ação e pouco verbo”. O trabalho do diretor pouco experiente desperdiça um pouco a capacidade do material original, mas nem por isso o filme deixa de ser interessante. Ainda assim, lhe falta cuidado para se tornar uma produção acima da média. De qualquer forma, rende boas risadas e vale pela curiosidade de assistir a George Clooney e Jeff Bridges em um dueto inspirado.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 20 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing e, atualmente, atuo como professora do curso de Jornalismo da FURB (Universidade Regional de Blumenau).

4 respostas em “The Men Who Stare at Goats – Os Homens que Encaravam Cabras”

Oi Gabs!!

Antes de qualquer outra coisa, seja bem-vinda por aqui!

Fico feliz que tenhas gostado do espaço. Como pudeste ver, é um blog com críticas super longas… tem gente que não curte, mas sei que há quem goste, como você, então beleza. Sigo assim… 😉

Espero que voltes por aqui mais vezes! Abraços e sucesso com o teu blog também!

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Oi filipe!

Pois é… a verdade é que este é um filme um tanto “chatinho”. Pesadinho. E diferente de outros filmes do gênero, faz refletir/questionar menos do que deveria.

Não cheguei a quase dormir na metade mas, sem dúvida, se eu estivesse em um dia menos “inspirada”, teria achado ele ainda mais chato. Mas estava em um dia bom, então isso deve ter influenciado na maneira que eu acabei enxergando-o – e nas risadas que ele me despertou.

Obrigada por tua visita e teu comentário. E volte por aqui mais vezes!

Abraços.

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