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To the Wonder – Amor Pleno


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Dois temas fundamentais para qualquer pessoa, o amor e a fé, estão no centro da história de To the Wonder. O diretor e roteirista Terrence Malick mais uma vez trata de questões essenciais e existenciais em seu novo filme. As cenas, para não variar, são belíssimas, e o visual dita a narrativa muito mais do que as falas dos personagens algumas vezes desconexas. Esta é a forma de Malick em fazer o seu cinema, um estilo que enche os olhos e busca fazer o espectador pensar sobre questões fundamentais.

A HISTÓRIA: Uma mulher, Marina (Olga Kurylenko) fala de seu renascimento, da descoberta do amor junto de Neil (Ben Affleck). Acompanhamos os dias de paixão e encantamento entre os dois na maravilhosa Paris, a cidade dos enamorados. O olhar, as imagens são dele, de um norte-americano fascinado por uma francesa que ama a liberdade. Acompanhamos as desventuras deste casal e, em paralelo, as inquietações do padre Quintana (Javier Bardem).

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso só recomendo que continue a ler quem já assistiu a To the Wonder): Sou franca em admitir que eu não era uma fã da filmografia de Terrence Mallick em sua “primeira fase”, forjada nos anos 1970. Sendo assim, não tenho uma carteirinha do diretor em casa. Mas como qualquer mortal que assistia a um monte de filmes nos anos 1980 em diante, acompanhei o alvoroço sobre a volta do diretor ao batente com o lançamento de The Thin Red Line em 1998.

Gostei daquele filme. Ele me parecia uma volta à melhor fase do cinema de guerra, como quando lançaram Apocalipse Now. Havia poesia em cena, e não apenas tiroteios, mortes e gente jovem passando o tempo ao flertar com a morte. Mas diferente de outros apreciadores do cinema, eu não vi o mesmo potencial nos outros filmes de Mallick lançados desde então. The Tree of Life, em especial, para mim foi uma experiência muito entediante – como vocês puderam ler nesta crítica.

Então cheguei para assistir a To the Wonder com certa curiosidade, mas sem grandes expectativas. Como eu gosto de antropologia, queria mais era conferir para que caminho o diretor estava trilhando agora. E ele segue a mesma linha do filme anterior, falando menos de morte, família e da evolução do planeta que a produção anterior, mas igualmente em uma busca pseudo-filosófica.

Sabendo melhor sobre o estilo de Mallick e após a decepção com The Tree of Life, admito que até gostou de To the Wonder. Primeiro que boa parte do filme gira naquele delicioso flerte amoroso. Cenas belíssimas de encantamento desfilam na frente do espectador, e isso nunca é demais de ser assistido. Mas ao mesmo tempo que eu via aquelas cenas maravilhosas, eu pensava quando tudo aquilo iria acabar. Porque sim, Mallick não sabe ser feliz.

Então uma hora a decepção generalizada começou a tomar força. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Seja na frustração de Marina com a falta de “comprometimento” de Neil, seja no automatismo do padre Quintana, que a todo momento nos diz que está desencantado com Deus ao não receber respostas para a sua própria falta de fé. E daí o filme gira nestas frustrações por um bom tempo, enquanto eu me perguntava: “Ok, entendi. Mas e agora, para onde vamos?”.

Como gostam os diretores de estilo “artista” como Mallick, o importante mesmo não é responder, mas lançar perguntas. O que eu acho bacana. Como tantas outras expressões de arte, quem deve ter respostas é o público. Cada um de nós. E apenas uma resposta não vale. O ideal são as múltiplas conclusões. Agora, isso funciona bem no cinema? Em algumas situações, sim. Em outras, como neste filme de Mallick, eu fico com a impressão de ter visto “mais do mesmo” em uma produção um tanto pretensiosa demais.

De fato, me agrada mais outros estilos de cinema. Muitas vezes, filme tão ou mais “poéticos” quanto este, mas que conseguem nos provocar em um nível muito diferente. Produções que nos tiram da zona de conforto. To the Wonder faz isso? Para mim, não fez. Talvez para você, caro leitor, ele tenha tido este efeito. Da minha parte, achei apenas um filme muito bem dirigido, no qual o diretor parece estar a todo instante buscando a cena mais bonita possível. E só.

Há questões que não ficam muito claras para mim. Por que, apesar de grande parte da história se passar nos Estados Unidos, os protagonistas – Marina e o padre Quintana – narram as suas histórias em línguas estrangeiras? A saber: francês e espanhol. É uma forma de ressaltar o estranhamento deles com o local em que eles estão? Uma forma de dizer que os amores, as dúvidas e as dores são universais? Pode ser. Mas para mim essa intenção não fica clara. E no cinema, toda escolha do diretor ou do roteirista que não comunica, que não deixa claro o que se propõe, não ajuda.

Depois, por mais que esta produção esteja bem focada no amor, ela me pareceu cheia de desesperança. Demais para o meu gosto. Marina conhece Neil, se apaixona por ele, decide segui-lo com a filha Tatiana (Tatiana Chiline) até os Estados Unidos e, depois, vê a expectativa de se casar com ele frustrada. Final do Primeiro Ato. Por sua parte, o padre Quintana faz um importante trabalho de formiguinha ajudando pessoas que precisam enquanto, internamente, sofre com a falta de Deus, de fé, de respostas. Mais desesperança.

No Segundo Ato, Marina finalmente consegue o que quer. Mas no fim das contas, o que ela queria não era suficiente. A busca pelo amor dela parece sem fim, e incapaz de estar satisfeito em um casamento. Enquanto isso, o padre Quintana segue orando, cansado, e prega que o “amor é um dever”. Mas afinal, o que é o amor? É livre e vale por si mesmo, como sugere Marina, ou é um dever, como afirma Quintana?

O filme não responde, é claro. Mas nos mostra estes painéis tão diferentes da realidade para refletirmos a respeito. Acho louvável Mallick abraçar o debate, ainda que eu tenha achado bem desconexa a junção das histórias de Marina e do padre. Ok, em certo momento eles se encontram. Mas o pobre Javier Bardem fica em segundo plano na história, quase eclipsado pelas andanças de Olga Kurylenko.

A impressão que eu tenho é que Mallick ficou tão fascinado com o desempenho da atriz ucraniana, com sua leveza e beleza, que não houve outra escolha possível que não deixar o filme para ela. Bacana. Tenho certeza que os homens vão adorar. Até porque ela ajuda a tornar o filme tão bonito. Mas eu lamentei pelos demais atores, especialmente Bardem, que pouco aparece.

Resumo da ópera: para mim, o melhor do filme está na beleza das imagens e no encantamento do amor. A desesperança, especialmente das expectativas humanas frustradas, me cansou. Isso porque eu acho que as expectativas devem ser conhecidas, e todos deveriam lidar com as suas frustrações. Elas fazem parte da vida. Há dias mais difíceis que outros, e dias mais fáceis. Ter essa consciência, buscar a calma e esperar pela melhora do cenário, é fundamental. Do contrário, a solução seria acreditar que devemos viver e amar apenas por obrigação, que é uma das versões deste filme? Prefiro não acreditar nisto. Mas cada um, como sempre, chegará a suas próprias conclusões.

NOTA: 8,2.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: A nota acima tem menos a ver com o efeito do filme sobre o espectador e está mais relacionada pelo excelente trabalho do diretor Terrence Mallick. To the Wonder é um filme belíssimo e menos chato que The Tree of Life. Também achei ele um pouco menos ambicioso. Apenas por estas razões, acho justo este novo filme de Mallick ganhar uma avaliação melhor.

O problema central de To the Wonder, para o meu gosto, é o roteiro pouco costurado de Malick. Certo que ele tenta fazer poesia com os filmes. Acho bacana, ousado. E nesta produção, em especial, gostei da forma com que os pensamentos dos personagens principais direcionam a narrativa. Ainda assim, nem sempre a técnica dá certo. Em muitos momentos, por exemplo, achei a técnica cansativa e repetitiva. Sem contar que o espectador perde muito ao não acompanhar o que os personagens dizem uns para os outros, em muitos momentos. Afinal, as palavras tem muito peso, quando proferidas – e não apenas quando ressoam na nossa consciência.

A narrativa desta produção, como eu comentei antes, ficam por conta dos personagens de Olga Kurylenko e de Javier Bardem. Além deles, ganha destaque nesta produção, ainda que muito mais pela presença física do que pela narrativa, o ator Ben Affleck. Em segundo plano aparecem a já citada Tatiana Chiline e Rachel McAdams. Esta última, como Jane, aparece como um raio de sol na tela. Pena que por pouco tempo.

Além da direção de Mallick, impossível não tirar o chapéu para a excepcional direção de fotografia de Emmanuel Lubezki, mexicano que trabalhou nos dois filmes anteriores de Mallick e que se destacou, entre outros, pelos trabalhos em Y Tu Mamá También, Ali, Lemony Snicket’s A Series of Unfortunate Events (com crítica aqui) e Children of Men. Lubezki foi indicado a cinco Oscar, mas não ganhou nenhuma estatueta até o momento. Além dele, tem um peso fundamental nesta produção a trilha sonora de Hanan Townshend.

Falando em prêmios, To the Wonder recebeu um até agora: o Signis Award no Festival de Veneza em 2012. Este prêmio é entregue pela Associação Mundial Católica para a Comunicação. Na ocasião da escolha do filme para o Signis Award, a associação destacou a “narrativa tecnicamente rica e poética” desta produção independente que “celebra os mistérios da beleza, da verdade e do amor”. Eles também destacaram que a “rica composição do filme, a direção texturizada e o uso da luz reúnem elementos de divindade e de humanidade que, finalmente, criam uma experiência sacramental que revela o dom do amor incondicional de Deus”. No mesmo ano, o filme foi indicado ao Leão de Ouro, mas perdeu a disputa para Pieta, dirigido por Ki-duk Kim.

Os usuários do site IMDb deram a nota 6,2 para To the Wonder. Nada mal, para os padrões da página. Para comparar, The Tree of Life tem a nota 6,8. Os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes, para a minha surpresa, foram menos efusivos. Eles dedicaram 61 críticas positivas e 83 negativas, o que rendeu uma aprovação de 42% para o filme e uma nota média de 5,6.

Falando ainda da direção de Mallick, para mim o ponto forte desta produção, eu gostei da escolha do diretor, junto com Emmanuel Lubezki, dos recursos para a captação das imagens. Por exemplo, na parte inicial do filme, assistimos a cenas de “menor qualidade” porque elas nos apresentam Marina sob a ótica de Neil. Em certo momento, ele aparece com uma filmadora na mão. Depois, as cenas em alta definição dominam a produção, nos entregando sequências maravilhosas.

Sobre os atores, de fato Olga Kurylenko é uma ótima intérprete. Ela se entrega ao papel, à personagem, e sabe encantar a câmera. Mas a loucura da personagem dela, tão insatisfeita e inconstante, me cansou um pouco. Ben Affleck… ah, Ben Affleck. Está um deleite só. 🙂 Este deve ter sido o filme em que ele se preocupou menos com decorar as falas, afinal, ele é quase mudo. hehehehehe. Seu papel é embelezar a telona, ao lado de Olga. Nossos olhos agradecem.

Agora, para fechar, umas poucas linhas para vocês, meus fiéis leitores: sei que deixei vocês “na mão” por algum tempo. Um exemplo disto é que o texto anterior a este foi publicado há quase dois meses. Minha produção por aqui caiu muito – especialmente na quantidade de textos publicados. Peço desculpas por isso. Sinceras desculpas. É que algumas escolhas que eu fiz, especialmente em 2012, me tiraram grande tempo de vida. Não tive quase oportunidade alguma de atualizar o blog. Mas agora esta situação mudou. Tomei uma atitude para fazer com que eu tenha mais tempo livre e isso, entre outras coisas, trará mais textos para este blog. Podem me cobrar a respeito. 🙂 E muito, muito obrigada para quem seguiu me acompanhando até aqui. Este blog só tem razão de ser por causa de vocês. Abraços!

CONCLUSÃO: Para algumas pessoas, ficar horas observando uma obra de arte ou uma paisagem é mais significativo e provocante do que horas de conversa com amigos em uma mesa de bar. Diferentes pessoas chegam ao prazer extremo de formas distintas. Para alguns, falar e ouvir é fundamental. Para outros, a contemplação e o silêncio são muito mais significativos. To the Wonder é um deleite para aqueles que tem na linguagem visual e na contemplação a sua melhor característica.

O filme, como é típico do diretor e roteirista Terrence Mallick, tenta abordar temas existencialistas fundamentais. Amor e fé, a relação humana com seus semelhantes e com o “amor” supremo. Ambicioso, mais uma vez. E o resultado? Como eu normalmente concluo após assistir aos filmes de Mallick, pelo menos desde o retorno dele aos cinemas com The Thin Red Line, é muito mais de provocação visual do que filosófica. Ou, em outras palavras, vejo To the Wonder como um deleite para os olhos, cheio de riqueza na forma, mas fraco no conteúdo. O bom de conhecer um realizador como ele, contudo, é que esse conteúdo pseudo-filosófico que se resume mais na forma não decepciona. Era previsível. Então sim, é um belo filme. E nada mais. Não emociona, não incomoda, não faz você se mexer na poltrona do cinema ou no sofá de casa. Apenas mais um Mallick para agradar a crítica, tornar quase duas horas do nosso tempo um deleite visual e nada mais.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 20 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing e, atualmente, atuo como professora do curso de Jornalismo da FURB (Universidade Regional de Blumenau).

2 respostas em “To the Wonder – Amor Pleno”

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