Os melhores filmes da História do cinema parecem ser produções simples, sem grande pirotecnia, mas que mexem muito com quem assiste. It’s a Wonderful Life, um dos grandes clássicos do cinema americano, é um grande exemplo disso. Esqueça a versão dublada e as vezes em que você, como eu, pode ter vistos trechos deste filme em sessões especiais da TV perto do Natal. Assista à versão original com calma e com tempo e serás surpreendido(a) como eu. Que grande filme! Roteiro exemplar, atores fantásticos e algumas mensagens realmente incríveis. Imperdível.
A HISTÓRIA: Toca o sino. Música de Natal. Uma placa dá as boas-vindas para a cidade de Bedford Falls. Neva e há decoração natalina nas ruas do lugar. Em diferentes lugares pessoas fazem orações para George Bailey (James Stewart). No céu, Joseph fala com o seu Superior sobre os problemas de George Bailey e que alguém precisará ser enviado para ajudá-lo. O anjo de segunda classe da vez é Clarence (Henry Travers).
Mas antes de descer até a Terra, ele tem um resumo da vida de George, incluindo quando ele salvou o irmão Harry Bailey (Todd Karns), aos 12 anos de idade, e outras ações importantes da vida dele até que, já adulto, ele tem repetidamente os planos de sair da cidade e conhecer o mundo frustradas.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a It’s a Wonderful Life): Simplesmente incrível o roteiro deste filme. Com ótimas tiradas do início ao fim e a construção dos personagens feita com muita inteligência. O humor é uma marca registrada desta história. Mas na parte final do filme a emoção rouba a cena. Apenas grandes textos podem construir uma história desta forma.
Mérito dos roteiristas Frank Capra, Frances Goodrich e Albert Hackett, que tiveram ainda a contribuição não creditada de Michael Wilson e cenas adicionais escritas por Jo Swerling. O roteiro de It’s a Wonderful Life foi escrito baseado na história de Philip Van Doren Stern.
Este não é um filme realista, mas uma ficção propositalmente exagerada para contar uma história cheia de graça, humor e algumas críticas sociais bem contundentes. Como tantos outros filmes fariam depois e, inclusive, antes, It’s a Wonderful Life começa pelo final, em uma situação-limite para o protagonista, para depois voltar no tempo e mostrar as razões que fizeram ele chegar naquele momento. A desculpa para fazer esta volta no tempo é a preparação do anjo Clarence. Uma bela sacada, porque assim o retorno na história é natural e não forçado.
It’s a Wonderful Life volta da noite decisiva na vida do protagonista para quando ele tinha 12 anos de idade, em 1919. Ali começam os momentos decisivos da vida dele e uma boa explicação de seu caráter. George salva o irmão e, por causa disso, fica surdo de um ouvido. Depois de se recuperar, ele volta a trabalhar na venda e farmácia do Sr. Gower (H.B. Warner). Quando ele chega para trabalhar, está esperando ele Mary (Donna Reed), personagem fundamental nesta história. Em seguida chega ao local Violet (Gloria Grahame), a rival de Mary na busca por fisgar George.
Naquela sequência na farmácia vemos outra ação fundamental do jovem George: atento aos detalhes, ele percebe que o farmacêutico, em luto pela morte do filho, acidentalmente colocou veneno no remédio para uma criança. Ao invés de entregar o remédio como foi ordenado, George busca o pai (Todd Karns) para receber um conselho. Neste momento começamos a conhecer o vilão da história: o rico Sr. Potter (Lionel Barrymore), que tem como meta ser dono da cidade – para isso ele tem que vencer os irmãos Bailey e a sua financiadora e construtora.
Desde criança o sonho de George Bailey é sair da pequena cidade em que ele nasceu para conhecer o mundo. Ele quer ser um explorador. Mas as obrigações e as suas responsabilidades fazem ele ficar na cidade além do tempo que ele desejaria. Todos os seus amigos saíram para fazer a faculdade fora, mas ele acabou ficando para trás. Quando finalmente ele vai sair para estudar na universidade, o pai dele morre. Este é o momento ideal para Potter, acionista da financiadora e construtora, pedir para que o local, que não dá lucro, ser fechado. Afinal, quem segurava as pontas e enfrentava o ricaço era o pai de George.
O filho mais velho dele adia a viagem para a faculdade para colocar os papéis da empresa em ordem, mas ao participar da reunião em que Potter ameaça acabar com o negócio, ele enfrenta o vilão. Neste momento ele sela o próprio destino. Como na vida real, os acontecimentos vão se desenrolando sem George ter controle algum sobre eles. Ainda assim, ele poderia ter dado as costas para as responsabilidades que vão surgindo para, de forma obstinada, ir atrás de seus sonhos. Mas não é isso que ele faz.
Generoso, ele acaba sempre ajudando quem precisa. Não importa se isso frustra os seus próprios sonhos. Quando a firma familiar é a ameaçada, ele resolve aceitar o convite de assumir o negócio para que as pessoas simples da cidade tenham uma chance de conquistar os seus próprios sonhos e não tenham apenas a exploração de Potter como alternativa. Desta forma, diferente do que ele gostaria, ele fica na pequena Bedford Falls. Ele odeia a cidade e vê o irmão sair para estudar na faculdade como ele gostaria.
Verdade que ele é bom coração mas, como qualquer pessoa comum, ele também tem uma lado negativo dentro de si. Quando o irmão mais novo volta casado e com uma ótima oportunidade de trabalho fora, George claramente fica chateado. Ele está contrariado e perdido. Tanto que a mãe dele (Beulah Bondi) lhe dá a dica sobre o retorno de Mary e ele não fica empolgado com a informação. Ao invés de ir encontrar a garota que é louca por ele e um verdadeiro encanto, ele segue na direção contrária. George tem qualidades, muitas, mas ele também é um cabeça-dura.
Finalmente ele acaba visitando Mary, mas o encontro é um verdadeiro desastre. E só não termina com cada um sendo infeliz por seu lado porque o amigo de George e então pretendente de Mary, Sam Wainwright (Frank Albertson), liga para a casa dela e acaba, sem querer, finalmente aproximando os dois. Quando George fica colado em Mary para escutar a proposta de Sam para eles investirem em uma fábrica de plástico, ele finalmente se rende ao sentimento que ele tinha por ela há alguns anos.
Os dois se casam, mas quando eles estão indo para a lua de mel, George vê a empresa da família fechada e uma pequena multidão esperando para entrar. Não fica totalmente claro naquele momento do filme, mas estamos falando de 1929, quando houve a quebradeira da Bolsa de Nova York e todo o efeito que isto teve na economia.
Está ali em It’s a Wonderful Life uma parte daquela problemática: todos com receio de ficarem sem dinheiro começaram a cobrar as suas próprias dívidas. Foi assim que o banco do qual a financiadora e construtora dos Bailey tinha pego empréstimo acabou cobrando tudo de uma vez, descapitalizando a empresa, e foi assim que os clientes do local quiseram todos de uma vez sacar o seu dinheiro da empresa que era mantida com investimentos populares e empréstimos feitos a partir destes depósitos.
Neste momento, como em vários outros, Mary aparece em cena para salvar a pátria. Não por acaso ela amava George. Mesmo sem fazer discursos como ele, Mary compartilhava a mesma visão sonhadora e íntegra do marido. George explica para os investidores a importância de todos manterem o local funcionando para que as pessoas tenham uma alternativa a Potter. O ricaço aproveita a deixa para se aproveitar do desespero alheio. Ele oferece US$ 0,50 para cada US$ 1 que as pessoas tinham depositado em forma de ações no local. Exploração clássica que vemos até hoje acontecendo quando ocorre uma enchente ou alguma outra tragédia e os inescrupulosos sobem os preços para lucrar com a desgraça alheia.
O discurso de George, um dos melhores do filme, que apela para o sentido de coletividade, e a ação de Mary de usar os US$ 2 mil que o casal tinha reservado para a lua de mel acabam salvando a financiadora e construtora. E este gesto muda a vida de muita gente porque as pessoas passam a ter uma alternativa para financiador os seus sonhos, especialmente a casa própria, sem serem exploradas neste intento. Eis a primeira mensagem importante de It’s a Wonderful Life: é possível um caminho de justiça e de oportunidade para pessoas simples sem que elas sejam exploradas por quem tem mais dinheiro e sempre busca ter cada vez mais.
Na sequência, um outro momento marcante desta produção: quando Mary orquestra uma lua de mel inesquecível para o casal. James Stewart é o nome famoso e inevitável desta história. O personagem dele é o sonhador, o correto, o protagonista que sempre tem discursos importantes na história. Mas ele também é um bocado atrapalhado, um tanto turrão e, por causa da surdez em um ouvido, fala sempre mais alto que o normal. Mas Mary… ah, Mary! A atriz Donna Reed simplesmente rouba a cena toda vez que aparece. Ela é a parte encantadora da história, uma mulher com opinião, com caráter e que consegue mover a história com amor e carisma. Uma parceria simplesmente perfeita para James Stewart nesta produção.
Aos poucos George o seu tio Billy (Thomas Mitchell), fundador da financiadora e construtora junto com o pai de George e Harry, vão realizando sonhos de diversas pessoas da comunidade. Claro que Potter não se cansa de tentar dinamitar o único negócio que não lhe ajuda a ficar cada vez mais rico. Além de uma proposta indecorosa de Potter, George também é tentado pelo amigo Sam Wainwright que vai, por sua conta, ficando cada vez mais rico com o negócio de plástico que foi ideia do protagonista. Mas ele resiste e fica tocando o negócio da família porque sabe a importância dele para a comunidade.
Começa a Segunda Guerra Mundial – ou seja, estamos em 1939, quando o protagonista teria 32 anos de idade – e os acontecimentos trágicos daquela época são mostrados resumidamente. Tanto que logo chegamos ao fim do conflito no último dia da história com Harry Bailey sendo, mais uma vez, destacado – enquanto o irmão, George, aparentemente, não se sente nada valorizado. Claramente o diretor Frank Capra não quer dar muito destaque para a guerra. Afinal, a mensagem dele é para, justamente, ajudar a superar aquele momento complicado com uma mensagem positiva. Lembrando que este filme foi lançado em 1946, logo após o fim do conflito.
Mesmo fazendo o que é certo e ajudando a tantas pessoas, George se sente tentado e quase cede às tentações uma ou outra vez. E nestes momentos, quando ele vê outros tendo mais sucesso do que ele, fica perceptível como a frustração dele vai crescendo. Por isso, diferente de alguns críticos, eu não vejo como gratuita a reação dele na reta final da história. Extremamente correto e comprometido com o negócio familiar, ele explode quando o tio Billy perde US$ 8 mil, uma fortuna para a época e dinheiro impossível de ser recolocado pela empresa.
O desespero toma conta de George. Ele imagina o pior dos cenários, com a família dele ficando sem assistência alguma quando ele fosse preso – uma perspectiva cada vez mais próxima com aquele sumiço do dinheiro. Daí temos a justificativa para aquele início de It’s a Wonderful Life. George está mais que “desanimado”, ele está desesperado. E a frase de Potter de que ele vale mais “morto do que vivo” acaba martelando na cabeça dele. Cá entre nós, não é exagero seguir a linha de raciocínio dele – muitos homens na vida real acreditaram exatamente nisso, que eles “valiam” mais mortos do que vivos e optaram pelo suicídio como forma de “resolver” os seus problemas.
Mas aí está a grande e valiosa mensagem de It’s a Wonderful Life. Uma mensagem que não é apenas poderosa em si, mas que foi construída com grande precisão para ser muito forte no final. Como o título em português sugere, o realmente valioso na vida não pode ser conquistado com dinheiro. Não estamos falando apenas de felicidade individual mas, e especialmente, do efeito que a vida de um indivíduo pode ter para a felicidade de muitas e muitas pessoas.
Depois do desespero, George poderia ter pensado na desgraça que a sua morte poderia significar para os filhos, para Mary e ir expandindo esta análise para todas as outras pessoas que ele conhecia. Ele não chegou a fazer esta análise. Não esfriou a cabeça, mas acabou agravando a visão negativa ao beber além da conta no bar. Por isso foi necessária a interferência de Clarence. Na conversa entre George o seu anjo da guarda de segunda classe, o protagonista acaba falando algo pior do que aquilo de que seria melhor se ele morresse. Ele diz que preferia nunca ter nascido.
Daí temos a parte mais fantasiosa e muito potente de It’s a Wonderful Life. O nosso protagonista é mergulhado em uma realidade na qual ele não é reconhecido por ninguém porque ele simplesmente nunca existiu. Daí George percebe de maneira muito clara a importância da vida dele para muita gente. Claro que a narrativa segue uma lógica exagerada e na qual a ficha de George nunca parece cair. Mas esse recurso é proposital e tem um efeito decisivo especialmente pela ótima interpretação de James Stewart. Como Donna Reed sai de cena nesta sequência – ela aparece apenas nos minutos finais da “fantasia” -, é o momento em que o protagonista mostra todo o seu valor.
A sequência em que George corre para a ponte e reza para voltar a viver é simplesmente devastadora. Admito que chorei um bocado ali – já vinha me emocionando antes, mas aquele é o grande momento. A partir daí você provavelmente vai reconhecer algumas imagens que fazem parte do imaginário de quem gosta de cinema há bastante tempo. Lembro de algumas das sequências finais, mas admito que não lembrava do filme inteiro, de todos os seus ricos e importantes detalhes. Fiquei em dúvida se eu vi este filme quando era criança, em uma daquelas várias exibições que It’s a Wonderful Life teve na época de Natal, ou se eu realmente nunca tinha visto ele inteiro.
Assistindo agora, contudo, vi toda a grandeza desta produção. De forma muito contundente It’s a Wonderful Life faz uma crítica bem fundamentada contra a ambição e a busca de riqueza a qualquer preço, inclusive passando por cima de diversas pessoas e as explorando e, principalmente, esta produção faz uma defesa fundamental da vida. It’s a Wonderful Life deixa muito claro que toda a vida tem valor e que, quando nos doamos para os outros e fazemos o bem, nossa influência é ainda mais decisiva.
Honestamente, considero este um dos melhores filmes que vi até hoje. Sem dúvida alguma ele merece ser recomendado e assistido sempre que possível (mas na versão original). Acho fundamental ouvir todos os detalhes das interpretações dos atores principais e do ótimo elenco de apoio, assim como a trilha sonora escolhida a dedo. Inesquecível e uma aula de roteiro e de cinema. Assista.
NOTA: 10.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: Tudo funciona à perfeição em It’s a Wonderful Life. Do roteiro, já bastante elogiado, até a direção muito precisa e cuidadosa de Frank Capra, passando pelas ótimas interpretações de todos os atores e pelos elementos técnicos que não tem nenhum deslize. A trilha sonora, por exemplo, assinada por Dimitri Tiomkin, é irretocável. Ela aparece nos momentos adequados e ajuda muito a dar a profundidade narrativa de cada fase da história, além de ritmo e emoção para a produção. Um filme a ser estudado em seus detalhes.
Há dois pontos deste filme que eu gostaria de comentar aqui e que não fiz antes. (SPOILER – não leia este e o próximo parágrafo se você ainda não assistiu a esta produção). O primeiro é que It’s a Wonderful Life aposta em uma filosofia da qual eu sou grande partidária. O importante não é focarmos a nossa energia e a nossa atenção naquilo que não conquistamos – afinal, é impossível alguém conquistar tudo que poderia desejar em uma vida – e sim colocarmos a nossa energia e a nossa atenção em tudo que já fizemos.
Em outras palavras, sermos muito mais gratos com a vida e todos os presentes que ela nos deu do que acumularmos frustração ou descontentamento com o que não deu certo. George Bailey acaba se dando conta disto no final. Ele percebe tudo o que ele tem e que poderia perder caso realmente desaparecesse da face da Terra. Mas como não teremos um Clarence para nos mostrar isso, o ideal é fazermos este exercício de gratidão por nosso conta. Quanto mais fizermos, melhor pra gente.
O outro ponto que eu gostaria de comentar tem a ver com a parte derradeira da história. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Alguns podem pensar, ao ver aquele povo todo dando dinheiro para Bailey, que o problema estava apenas sendo adiado. Afinal, em algum momento o protagonista seria cobrado para devolver aqueles empréstimos. Mas, na verdade, acho que a maioria deu apenas o que tinha disponível, que “estava sobrando”, e a pequena quantidade dada por cada um, recursos que não fariam falta individualmente, já seria o suficiente para salvar a pele dos Bailey. Então acho que a maior parte das doações não será devolvida no futuro. E a que for preciso devolver, eles terão capacidade para isso. O gesto daquelas pessoas todas foi uma retribuição pelo que eles receberam anteriormente. E a mensagem de Capra é que “a união faz a força”.
O filme está cheio de ótimas tiradas. Mas uma das minhas preferidas é quando um vizinho assiste a aproximação desajeitada de George em uma noite de lua cheia e solta que “o problema é que os jovens desperdiçam a juventude”. 😉 Achei ótimo aquilo!
It’s a Wonderful Life estreou em Nova York no dia 20 de dezembro de 1946. Ou seja, como a própria história narra, pertinho da noite de Natal. No Brasil o filme estreou pela primeira vez em 14 de fevereiro de 1947. Em 1977, mais de 30 anos depois dele estrear nos cinemas, It’s a Wonderful Lifeparticipou do Festival Internacional de Cinema de Toronto. Em 1997, quando o filme completava 50 anos de estreia em diversos países, ele voltou aos cinemas do Reino Unido. Nos Estados Unidos ele voltou aos cinemas de Nova York em 2013 e em 2014.
Entre as tiradas deste filme, tem uma perto do final que chama a atenção. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). George Bailey está no bar e ensaia uma oração para Deus pedindo que Ele lhe mostre um caminho, uma luz, uma solução para o problemão que ele está enfrentando. Na sequência, quando ele vai se despedir dos amigos e eles lhe chamam pelo nome, ele leva um soco do Sr. Welch (Stanley Andrews). E daí ele comenta “Isso que dá rezar”. Achei cômico. Isso é o que acontece com muita gente, querendo jogar para Deus a responsabilidade sobre os efeitos de seus próprios atos. Claro que ele levou um soco por ter falado um monte de grosserias para a esposa do Sr. Welch e não porque ele tinha rezado. Devemos aprender a saber que nossos atos tem consequências e não achar que tudo é “vontade de Deus”. Bobagem.
É uma delícia assistir a um filme com James Stewart. Lembrava dele mais dos filmes de Hitchcock, por isso achei interessante vê-lo em um papel tão diferente, de cidadão comum um bocado atrapalhado mas com grandes qualidades. Grande ator. Mas como eu já o conhecia, para mim a grande surpresa de It’s a Wonderful Life foi mesmo a atriz Donna Reed. Achei ela divina, encantadora, maravilhosa. Ela brilha no filme do início ao fim. Um belo par para este filme. Os dois fazem um trabalho muito bom e que acaba sendo bem equilibrado.
Fiquei impressionada também com a qualidade dos coadjuvantes. Todos muito bons. Dos papéis menores até os que ganham mais relevância na história, não tem ninguém que não se saia bem. Algo raro nos dias de hoje. Mais um exemplo de como Hollywood já teve a sua idade de ouro. Entre os coadjuvantes, destaque para Lionel Barrymore, que interpreta o Sr. Potter – impossível não odiá-lo; Thomas Mitchell como o singelo e um tanto atrapalhado Tio Billy; Henry Travers ótimo e roubando a cena como o anjo Clarence; Beulah Bondi cativante como a Sra. Bailey, mãe de George e de Harry; Frank Faylen como Ernie, taxista e um dos melhores amigos do protagonista; Ward Bond ótimo como o policial Bert, amigo também de George.
A lista segue com Gloria Grahame como Violet, a outra pretendente do protagonista; H.B. Warner como Sr. Gower, primeiro patrão de George; Todd Karns como Harry Bailey, irmão mais novo de George; Samuel S. Hinds como o Sr. Bailey, pai dos meninos; Frank Albertson como Sam Wainwright, o amigo de infância do protagonista que faz a mesma brincadeira com ele a vida inteira; William Edmunds como Sr. Martini, dono do bar que acaba comprando a casa própria com a ajuda da empresa dos Bailey’s; e o elenco infantil, com destaque para Robert J. Anderson como o jovem George; Ronnie Ralph como o jovem Sam; Jean Gale como a jovem Mary; Jeanine Ann Roose como a jovem Violet; e Georgie Nokes como o jovem Harry Bailey. Também vale citar as crianças que interpretam os filhos de George e Mary: Carol Coombs interpreta Janie; Karolyn Grimes interpreta Zuzu; Larry Simms interpreta Pete e Jimmy Hawkins interpreta Tommy.
It’s a Wonderful Life teria custado US$ 3,18 milhões e faturado, apenas nos Estados Unidos, cerca de US$ 7,27 milhões. Se juntarmos com o que filme fez em outros países, certamente ele deu lucro.
Esta produção foi totalmente rodada na Califórnia. Entre as locações estiveram o RKO Encino Ranch, em Los Angeles, onde foi montada a cidade de Bedford Falls; a Beverly Hills High School, em Beverly Hills, que dá vida para a cena de dança em Charleston; um endereço em La Cañada-Flintridge foi usado como o exterior da casa do Martini; e mais cenas no RKO-Pathé Studios.
Bacana o filme indicar um clássico da literatura e leitura do anjo Clarence: As Aventuras de Tom Sawyer. A obra pode ter chegado a muita gente por causa do filme.
Agora, algumas curiosidades sobre It’s a Wonderful Life. Para a cena em que a atriz Donna Reed deveria jogar uma pedra e acertar um vidro da casa Granville, o diretor Frank Capra contratou um atirador que pudesse acertar o alvo. Mas na hora de rodar a cena todos se surpreenderam com a atriz acertando o alvo sozinha. Ela tira uma boa mira e força no braço porque no colégio ela tinha jogado baseball.
O piso do ginásio na cena de dança que se abre era real e estava localizado na Beverly Hills High School.
Na cena no bar em que George começa a rezar, James Stewart estava realmente abalado e começou a soluçar. Mais tarde, Frank Capra aproximou a imagem do rosto do ator além do que havia sido planejado na hora que a cena foi rodada para tornar ainda mais evidente a emoção de Stewart – por isso aquela imagem aparece mais granulada que o restante da produção.
Na cena em que o tio Billy vai para casa bêbado, o som que aparece em cena foi, na verdade, uma pessoa da equipe de filmagens que deixou cair uma bandeja cheia de adereços. Como o som apareceu na cena, James Stewart começou a rir e o ator Thomas Mitchell improvisou um “Estou bem, estou bem!”. O diretor Frank Capra gostou daquele resultado e resolveu deixar ele no corte final, dando um prêmio de US$ 10 para o assistente de direção trapalhão desde que ele melhorasse o som final da sequência.
Uma explicação para o orçamento alto do filme, para os padrões da época, foi o gasto que os produtores tiveram com o conjunto habitacional criado para dar vida para a cidade de Bedford Falls. Construído em dois meses, o set feito para a cidade foi um dos mais longos já utilizados em um filme americano. Ele tinha extensão de 16,2 mil metros quadrados e 75 lojas e edifícios, a rua principal, um distrito com fábrica e uma grande área residencial e uma área com cortiço.
James Stewart estava nervoso com a cena após a conversa por telefone porque era o primeiro beijo dele no cinema desde que ele tinha retornado para Hollywood após a guerra – sim, ele lutou na Segunda Guerra Mundial. A cena do beijo foi rodada em apenas um take por Capra. A sequência funcionou tão bem que parte do abraço entre os atores foi cortado porque ele era tão apaixonado que poderia não passar pelos censores da época. Hoje, certamente, não teria problema deixar a sequência inteira. 😉
Em diversas ocasiões o diretor Frank Capra disse que este era o filme favorito entre aqueles que ele dirigiu. Interessante. Achei ele, realmente, genial.
Uma fotografia de James Stewart de quando ele tinha apenas seis meses e que foi doada pelos pais do ator foi usada na casa dos Bailey’s.
O ator James Stewart também declarou que George Bailey foi o seu personagem favorito. O roteiro do filme foi originalmente escrito para outro estúdio tendo Cary Grant como o protagonista. Quando Frank Capra assumiu o projeto o texto foi adaptado para que fosse estrelado por Stewart.
O diretor Frank Capra estimou que It’s a Wonderful Life fosse rodado em 90 dias e este foi realmente o prazo de filmagens da produção.
A família Martini do filme foi inspirada na própria família do diretor Frank Capra. Eles emigraram da Sicília em 1903 e tinham uma cabra que os acompanhava – Capra, aliás, quer dizer cabra em italiano.
Apesar da história de It’s a Wonderful Life se passar em um Natal com neve artificial, o filme foi rodado em meio a uma onda de calor. Em um dos dias mais quentes foi rodada a sequência na ponte – em alguns takes é possível ver James Stewart suando.
Em 2004 a BBC fez uma votação com o público sobre o Melhor Filme que acabou não ganhando um Oscar. It’s a Wonderful Life ficou em segundo lugar, atrás de The Shawshank Redemption – outro dos meus filmes favoritos.
It’s a Wonderful Life marcou a estreia de Donna Reed como protagonista.
O trabalho de James Stewart como George Bailey foi classificada como a oitava melhor interpretação no ranking 100 Greatest Performances of All Time da revista Premiere.
Depois da Segunda Guerra Mundial o diretor Frank Capra criou a Liberty Films junto com George Stevens e William Wyler com o objetivo de fazer filmes mais séries e que despertassem um certo “exame de consciência” dos públicos.
Esta foi a primeira e a única vez em que o diretor Frank Capra colaborou com um de seus filmes no roteiro.
It’s a Wonderful Life foi escolhido como o filme mais inspirador de todos os tempos segundo a eleição 100 Years, 100 Cheers feita no dia 14 de junho de 2006. No ano seguinte o American Film Institute classificou o filme como o 20º grande filme de todos os tempos. Justo, muito justo.
Dalton Trumbo, Dorothy Parker, Marc Connelly e Clifford Odets teriam trabalhado no roteiro do filme apesar dos nomes deles não constarem nos créditos de It’s a Wonderful Life.
E há uma marca registrada de Frank Capra neste filme: o corvo Jimmy. Ele aparece em todos os filmes de Capra a partir de 1938.
It’s a Wonderful Life foi indicado a cinco Oscar’s e não ganhou nenhum. Incrível. No ano em que ele perdeu, 1947, o filme que venceu na categoria principal do Oscar foi The Best Years of Our Lives, do diretor William Wyler. Não assisti a esta produção, mas será mesmo que era melhor que It’s a Wonderful Life? James Stewart perdeu a estatueta para Fredric March, de The Best Years of Our Lives; Frank Capra perdeu para William Wyler pelo mesmo filme; It’s a Wonderful Life perdeu em Melhor Som para The Jolson Story; e o filme de Capra perdeu em Melhor Edição para The Best Years of Our Lives. Mas quem hoje fala deste filme? A História parece ter premiado It’s a Wonderful Life.
Mesmo tendo saído de mãos vazias do Oscar, It’s a Wonderful Life conseguiu cinco indicações na premiação máxima de Hollywood. Isso, certamente, já foi um tipo de premiação para os realizadores. O filme também ganhou seis prêmios e foi nomeado para um sétimo. Entre os prêmios que recebeu, destaque para o de Melhor Diretor para Frank Capra no Globo de Ouro de 1947 – isso comprova como, às vezes, o Globo de Ouro acerta mais que o Oscar.
Os usuários do site IMDb deram a nota 8,6 para It’s a Wonderful Life. Uma bela avaliação se levarmos em conta o padrão do site. Os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 64 críticas positivas e quatro negativas para a produção, o que lhe garante uma aprovação de 94% e uma nota média de 8,9. Especialmente a nota dos críticos é muito relevante – talvez uma das maiores que eu já vi no Rotten Tomatoes.
Este filme faz parte daquela série de críticas aqui do blog para filmes antigos. Como vocês sabem, estas críticas fazem parte da seção “Um Olhar para Trás”. Escolhi este filme entre os sugeridos pelo livro “1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer”. Em sua crítica no livro, Karen Krizanowich comenta: “Depois de celebrar o homem comum em clássicos da década de 1930 como Aconteceu Naquela Noite, A Mulher Faz o Homem e Do Mundo Nada Se Leva, o primeiro filme de Frank Capra realizado no pós-guerra enaltece, sem o menor pudor, a bondade das pessoas comuns e o valor dos sonhos humildes, mesmo que eles não se tornem realidades”.
Este filme é uma produção 100% dos Estados Unidos. Por isso essa crítica também atende a uma votação feita aqui há algum tempo e que pedia produções daquele país.
CONCLUSÃO: Há filmes que nos surpreendem por causa de suas reviravoltas. Outros, pela originalidade da história ou da forma com que ela é contada. E outros, como este It’s a Wonderful Life, nos surpreende pela potência das mensagens da história. Que grande filme, meus amigos e amigas! Ele merece ser visto com carinho, na versão original, para que aproveitemos cada detalhe da interpretação dos atores e do texto original. Destas produções que conseguem, e de forma muito singela, explicar algumas das razões da vida. Apenas grandes realizadores se arriscariam a fazer isso e, além de se arriscar, alcançariam êxito em tal tarefa. Uma grande homenagem à “vida ordinária” mas cheia de valor. Bem ao estilo de Frank Capra. Como eu disse antes, imperdível.