Interessante a proposta deste filme. Por boa parte do tempo, somos levados a acreditar que estamos assistindo apenas a uma história ordinária. As “desventuras” de um jovem que deixa a casa dos pais e ingressa na universidade. Mas no final Indignation nos surpreende e nos faz pensar em cada detalhe do que assistimos. Não é um filme excepcional, mas é uma produção surpreendente. Nem tanto pela história em si, mas pela “pegadinha” que o roteiro nos apresenta. No fim, o filme começa tratando da morte e se desenrola pela vida apenas para nos mostrar como pensamos muito pouco sobre a nossa finitude.
A HISTÓRIA: Uma enfermeira coloca os remédios nos copinhos com os nomes dos pacientes identificados. Ela caminha com o carrinho até que cumprimenta a Olivia Anderson (Sue Dahlman). Com uma idade um tanto avançada, Olivia olha fixo para a parede com vasos de rosas. Corta. Em uma cena de guerra, o narrador reflete sobre a morte, que chega para todos, e sobre as pequenas escolhas que, encadeadas entre si, nos fizeram chegar àquele momento. Corta. Em uma igreja, celebram a memória de Jonah Greenberg. No velório para ele na casa de seus pais, os Greenberg (Joanne Baron e Richard Topol), Marcus (Logan Lerman) dá os seus pêsames e comenta que vai para a faculdade. Acompanhamos estas mudanças na vida do jovem que é um estudante brilhante.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Indignation): Admito que por grande parte do tempo eu achei este filme apenas mediano. Ok, ele começa bem, questionando sobre as decisões que, mesmo de forma involuntária, contribuem para que cheguemos ao nosso derradeiro final. Mas depois o filme cai no que comentei antes como a “história ordinária” de um jovem que tinha grande potencial mas que parecia um pouco perdido sobre o que ele próprio queria da vida.
Enquanto assistia Indignation, tentei “complicar” um pouco a leitura do filme, tentando encará-lo como um exercício de entendimento da própria construção do “american way of life”. Afinal, o protagonista é um sujeito que demonstra como a “seleção natural” é decisiva na sociedade americana. Diferente de outros colegas e amigos, ele escapa da Guerra da Coreia no início dos anos 1950 porque ele tem notas excepcionais e, com elas, conseguiu entrar na universidade. Assim, o filme mostraria como os Estados Unidos premiam os mais capacitados, elevando o nível da nação ao estimular que as novas gerações consigam fazer o que os seus pais não conseguiram.
Mas pouco a pouco vamos vendo que mais que inteligente, Marcus é um sujeito ousado. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Em mais de um momento ele se revela com uma certa tendência a não seguir ordens e a contrariar quem tem a autoridade – seja ao discordar do pai dele, seja ao questionar o reitor da universidade Dean Caudwell (o sempre competente Tracy Letts).
Mesmo sendo filho de pais judeus, Marcus não segue a religião e, na verdade, se diz ateu. Ao ir para a universidade em Ohio, ele acaba enfrentando uma realidade em que a religião joga um papel importante – tanto que os alunos são obrigados a assistir a um número mínimo de missas durante o tempo em que estão estudando. Ao definir-se como atue, Marcus mostra como prefere pensar por sua própria conta.
Em uma sociedade ainda bastante machista – vamos lembrar que estamos falando dos anos 1950 -, ele também contraria alguns conceitos da época ao se interessar pela independente e ousada Olivia Hutton – no início do filme, quando ela está com idade avançada, a enfermeira a chama de Olivia Anderson. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Ali que eu me dei conta, pela primeira vez, que Olivia e Marcus não ficaram juntos. Porque o sobrenome da família dele aparece na sequência, Messner, e se Olivia passou a ter o sobrenome Anderson, é porque ela se casou com outra pessoa. Aliás, quem interpreta a Olivia jovem é a carismática atriz Sarah Gadon.
Para mim, o título do filme tem a ver justamente com esta “rebeldia” de Marcus. Ele não aceita o que considera uma interferência e imposição religiosa na faculdade, assim como não aceita muito bem, em determinado momento, ter que esquecer Olivia. Mas essa indignação que ele tem não o leva muito a lugar algum. E aí entra uma certa crítica ou “moral da história” do filme, quando a razão que faz ele ter o final que ele tem, no fim das contas, nada mais é do que reflexo do “jeitinho” e da “malandragem” que acaba mal. Outros também fizeram o que ele fez para burlar a norma das missas, mas contribuiu para o fracasso de Marcus, certamente, ele ter confrontado em duas ocasiões e de forma muito enérgica o diretor Dean Caudwell.
Toda essa história de Marcus me pareceu apenas mediana, morna. Uma tentativa de ousadia em uma época em que os Estados Unidos e boa parte do mundo ainda não estava preparada para tanto. Se 90% do filme é morno e mediano, o final realmente nos surpreende. O início do filme nos faz acreditar em uma certa morte, mas o final nos mostra que não era bem assim. Por aquela sequência final e a reflexão que ela desperta Indignation ganhou alguns pontinhos. Se não fosse por isso, certamente ele ficaria na casa da nota 7.
Sobre o “espírito” do filme, acho que ele trata de diversos temas, especialmente sobre como a sociedade “aprisiona” as pessoas e cobra delas determinados comportamentos. A pressão sobre isso pode acabar em pulsos cortados, como foi o caso de Olivia. Ela que acaba sendo julgada por todos por causa disso – inclusive pela mãe de Marcus. As pessoas que tentam quebrar estas regras, muitas vezes, pagam o preço por isso. Como é o caso do protagonista. Mas no fim das contas, e ele está certo sobre isso, o que importa é que amamos e fomos amados no caminho. Mesmo que não dure para sempre, ou que esse amor seja interrompido por algo ou alguém. O restante acaba sendo secundário.
NOTA: 8.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: Como Indignation é ambientado nos Estados Unidos nos anos 1950, uma das qualidades da produção é a ambientação de época. Fazem um bom trabalho, neste sentido, Inbal Weinberg no design de produção; Derek Wang na direção de arte; Philippa Culpepper na decoração de set; os nove profissionais do departamento de arte; e, principalmente, Amy Roth nos figurinos.
Achei a direção de James Schamus bastante convencional. Bem feita, mas sem nenhum grande destaque ou novidade. Ele sabe valorizar bem o trabalho dos atores, variando em planos, buscando sempre imagens representativas, mas sem dar grande dinâmica para as cenas ou inovar na técnica de filmagem. O próprio diretor escreveu o roteiro do filme, baseado na obra de Philip Roth. Desconfio que o livro seja melhor que o filme – como na maioria das vezes, aliás.
Da parte técnica do filme, vale sim destacar a ótima direção de fotografia de Christopher Blauvelt, a interessante trilha sonora de Jay Wadley, bastante pontual, e a boa edição de Andrew Marcus.
As estrelas deste filme são os jovens atores Sarah Gadon e Logan Lerman. Eles já mostraram talento em produções anteriores e, aqui, novamente, revelam grande potencial. Os dois tem a tendência de ganharem cada vez mais evidência, especialmente se embarcarem em bons papéis.
Entre os coadjuvantes, vale citar o bom trabalho dos atores Linda Emond e Danny Burstein, que interpretam os pais de Marcus; Tracy Letts como o irritante reitor da universidade; e Ben Rosenfield e Philip Ettinger como os colegas de quarto judeus e um tanto irritantes de Marcus. Os demais atores fazem papéis realmente sem muita relevância.
Indignation estreou em janeiro deste ano no Festival de Cinema de Sundance. Depois, o filme participaria, ainda, de outros 12 festivais pelo mundo – o último será o Festival Internacional de Cinema de Estocolmo, a partir do dia 10 de novembro. Nesta trajetória o filme foi indicado apenas a um prêmio e, até o momento, não ganhou nenhum.
Para quem gosta de saber onde as produções foram filmadas, Indignation foi rodado no The College of New Rochelle, na cidade de New Rochelle, em Nova York, e no L’Escargot Restaurant, em Whitestone, também em Nova York.
Esta é a estreia do produtor e roteirista James Schamus na direção. Como produtor, ele tem nada menos que 50 filmes no currículo, tendo sido indicado, nesta função, para três Oscars. Ele foi indicado como produtor de Brokeback Mountain e como roteirista e um dos compositores da trilha sonora de Wo Hu Cang Long.
Nas bilheterias dos Estados Unidos este filme fez pouco mais de US$ 3,4 milhões. Não é muito, mas também não é de se jogar fora – ainda que eu desconfie que este filme deu prejuízo. Apenas desconfio porque não há informações sobre o quanto Indignation teria custado.
Indignation é um filme 100% dos Estados Unidos. Por isso ele entra na lista de produções que atendem a uma votação feita aqui no blog há algum tempo.
Os usuários do site IMDb deram a nota 7,2 para esta produção, enquanto os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 73 críticas positivas e 17 negativas para Indignation. Essa quantidade de críticas positivas fez com que o filme fosse aprovado por 81% dos críticos – a nota média deles ficou em 7,3. Francamente? Achei a avaliação do IMDb e do Rotten Tomatoes bastante generosas. Acho que há filmes melhores e que não ganharam notas tão boas. Mas quem sou eu para discordar da maioria, não é mesmo?
CONCLUSÃO: Por boa parte deste filme eu fiquei me perguntando: “Afinal, sobre o que trata este Indignation?”. Por um período, achei que era mais uma história de amor tendo a guerra como pano de fundo. Depois, vi ali até uma certa leitura crítica e um pouco cínica sobre o “modo de vida americano”. Até que, no final, realmente entendi. Indignation é uma grande reflexão sobre as escolhas que fazemos na vida, sobre os valores e sentimentos para os quais damos importância e, claro, sobre o confronto de tudo isso quando chegamos no derradeiro momento em que devemos nos despedir de tudo isso. Por 90% do tempo este é um filme mediano. Mas no restante do tempo ele se revela brilhante. No fim das contas, vale assisti-lo, ainda que ele não seja realmente inesquecível.
2 respostas em “Indignation – Indignação”
[…] Fonte: Indignation – Indignação | Crítica (non)sense da 7Arte […]
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Até agora tento entender a moral da história do filme. Muita coisa fica subentendida. E o final, ele foi expulso da faculdade e, fracassado, acaba como os outros, na guerra, mesmo sendo um menino tão brilhante. Ainda estou confusa e um pouco decepcionada pois acho que o filme tinha muito mais para apresentar. O que você acha?
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