A verdade existe. Para além das versões sobre ela. Mas será que existe Justiça? A resposta para essa pergunta já é bem mais complexa. Anatomy of a Fall é um filme exemplar sobre isso. Não temos respostas simples com essa produção. O objetivo dela não é esse, o de nos saciar com respostas. O filme dirigido por Justine Triet, com roteiro de Justine e de Arthur Harari, tem um propósito muito diferente. Ele deseja – e consegue – questionar nossas certezas e as leituras geralmente rasas sobre questões que sempre são complexas. Um dos melhores filmes desta temporada do Oscar 2024.
A HISTÓRIA
Durante os créditos iniciais, ainda sem imagens, ouvimos alguns barulhos. De pegadas, que parecem de um cachorro, e um pigarro. Duas mulheres conversam. Uma delas pergunta o que a outra quer saber. Quando a primeira imagem surge, vemos uma bolinha caindo pela escada e um cachorro, Snoop (interpretado por Messi), descendo atrás dela. Então Zoé Solidor (Camille Rutherford), que está entrevistando a escritora Sandra Voyter (Sandra Hüller) na sala da casa da autora, comenta que ela ainda não está gravando. Zoé resolve o problema e faz a primeira pergunta. O diálogo delas prossegue, enquanto o filho de Sandra, Daniel (Milo Machado-Graner), dá banho no cachorro. Os fatos desse dia marcarão a vida de mãe e filho pra sempre.
VOLTANDO À CRÍTICA
(SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes de Anatomy of a Fall, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu ao filme): Há tempos eu ansiava por um filme como esse! Eu sempre gostei de histórias de suspense, filmes policiais, de investigação e de tribunal. Anatomy of a Fall acaba juntando tudo isso de uma forma muito inteligente e interessante.
Mais do que isso, eu sempre me interessei por criminologia, Direito, diferentes noções sobre o que é Justiça, passei a me apaixonar por true crime e seus podcasts e, claro, pelos estilos de filme que citei anteriormente. Então que prazer encontrar pela frente um filme que trata sobre todas essas questões de uma forma bastante diferente do que estamos acostumados a ver.
(SPOILER – não leia se você ainda não assistiu ao filme). Para mim, a grande sacada de Anatomy of a Fall é como essa produção descontrói a falsa ilusão que nós temos de que existe Justiça nas nossas sociedades. A Justiça humana, provavelmente, quase sempre é falha. Porque existem julgamentos, são analisadas provas e apresentadas narrativas, mas dificilmente poderemos dizer com 100% de segurança se alguém de fato é culpado ou inocente. Como um destes resultados é esperado após um(a) acusado(a) sair de um tribunal, o que podemos esperar é que algumas vezes a Justiça seja feita e, outras vezes, não.
Acho Anatomy of a Fall um filme muito certeiro neste quesito. De desmontar a nossa falsa ilusão de que podemos, enquanto humanos falhos, realmente buscar a Justiça. Claro que essa busca não deve ser ignorada e que só existe sociedade estabelecida porque existem leis, o Direito e a busca pela Justiça. Mas, apesar disso, sabermos ao certo quando foi feita Justiça ou não é quase impossível. E essa é a grande sacada deste filme. Não lembro de outra produção que tenha deixado isso tão claro.
Agora sim, falemos um pouco do ótimo roteiro escrito pela diretora Justine Triet e por Arthur Harari. Cada minuto do filme que eles construíram é instigante e tem uma razão de ser. Desde aquele começo fantástico que revela de forma muito sutil um grande clima de tensão entre as pessoas que vivem na casa que será cenário de uma morte, até toda a narrativa que vem em seguida e que busca desvendar o que realmente aconteceu naquele dia fatídico para a família de Sandra e Samuel.
A forma como os roteiristas constroem a narrativa, optando por intercalar a narrativa linear com o resgate de memórias dos personagens centrais, pode ser vista como bastante óbvia e corriqueira, mas o momento em que eles fazem cada costura e o que eles trazem de elementos novos conforme a história evolui é o que diferencia o trabalho deles da maioria. O resultado é que o espectador fica envolvido com a história do início até o fim, sendo levado pela mão pelos roteiristas a cada capítulo dessa história e, claro, duvidando sobre a intenção e a veracidade de muitas das narrativas que vemos em cena.
Como ocorre em outras obras, é sempre complicado quando não podemos confiar no narrador. Em Anatomy of a Fall isso parece uma constante. Como a protagonista está se defendendo de um crime grave, é claro que ela pode estar falando a verdade, mas também não seria raro que ela estivesse mentindo. Afinal, é esperado que uma pessoa busque se defender, especialmente se tem um filho que precisa de cuidados especiais para cuidar e zelar. Além do famoso e velho instinto de autopreservação.
Mas se não podemos confiar na narradora e/ou protagonista, podemos confiar em quem? Mesmo uma pessoa acima de qualquer suspeita, como parece ser o garoto Daniel (Milo Machado-Graner), que teria o maior interesse do mundo de saber o que de fato aconteceu com o pai, não parece ter os recursos para nos dizer ao certo o que aconteceu. Novamente, o que temos é narrativas e ideias sobre a verdade. Mas a verdade em si, pura e certa, sem margem para a dúvida, não alcançamos.
E não acontece o mesmo na “vida real”? Buscamos provas, evidências, depoimentos, narrativas, testemunhas quando um crime – ou acidente – acontece, mas, no fim das contas, o que temos é uma coleção de tudo isso e nenhuma certeza de que o resultante de toda essa equação será, de fato, a verdade. Apesar disso, precisamos de alguma noção de Justiça. Então o que fazer? Buscar ao máximo possível uma boa equação e torcer para que o que encontrarmos no final, como deliberação, seja o mais justo possível.
Mas o que dizer sobre Sandra e o que acontece com ela? (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Ela, de fato, teve um final justo ao ser absolvida? Samuel teve justiça ao ter sua morte considerada um acidente? De forma certeira, Anatomy of a Fall não nos responde a esses perguntas. E que bom que o roteiro deste filme optou por esse caminho. Porque seria muito fácil, menos doloroso e marcante se esse filme nos desse todas as respostas. Mas ao deixar mais dúvidas no ar do que certezas, Anatomy of a Fall nos mostra que nossa Justiça e nossa vida é assim mesmo.
Sim, sempre estamos em busca de Justiça e de respostas. Mas temos que aceitar que também nem sempre essa busca chega em algum lugar. Ou até chega, mas não necessariamente no lugar mais certo, correto ou justo. Quanto antes aceitarmos isso ou, ao menos, soubermos lidar com essa constatação, será melhor pra nós. Anatomy of a Fall me parece um filme certeiro em toda essa reflexão, além de nos fazer pensar sobre o que, de fato, teria sido melhor após toda aquela tragédia.
(SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Temos nessa história, duas possibilidades: ou Sandra é inocente pela morte de Samuel ou ela é culpada. Se ela for inocente, que bacana, foi feita a Justiça. Se ela for culpada, uma assassina ficou livre. Mas será que se ela tivesse sido condenada, teria sido o melhor desfecho pra história? Acho que a reviravolta envolvendo Daniel, que volta atrás em sua percepção dos fatos, e o zelo que Sandra parece ter pelo filho, nos fazem refletir também sobre isso. Daniel ficaria pior ou melhor com a mãe condenada? Ele já tinha perdido o pai… então será que a Justiça alcançada, mesmo que não tenha sido Justiça de fato, foi ainda melhor do que um resultado diferente?
Quando levamos esses questionamentos para a resolução de diversos crimes e para julgamentos no Brasil e mundo afora, talvez nos encontremos com algumas “Escolhas de Sofia”. No fim, acho que a grande sacada desse filme é nos fazer refletir sobre tudo isso e ficarmos com aquele gostinho de que a noção de Justiça é muito complexa e variável. E que no final das contas, não importa se a Justiça foi ou não feita, porque todos acabaram perdendo muito com tudo que aconteceu.
Não existe beleza no final deste filme, apenas uma necessidade inevitável de continuar e de seguir em frente, apesar de toda a dor e do trauma gerados por situações tão complexas como as que vemos nesta produção e que antecederam e sucederam a tragédia em si. Um filme brilhante, muito bem escrito e conduzido, mas que peca por um pequeno e quase insignificante detalhe.
(SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Algo que me incomodou no final de Anatomy of a Fall é que apesar desta produção trazer diferentes narrativas no tribunal, algo que “esqueceram” de levar em conta na parte do julgamento foi uma questão importante: se Samuel não foi assassinado por Sandra e sim foi vítima de um acidente, o que explica o corpo dele ter sido encontrado em um local que era impossível caso ele tivesse caído sozinho do local em que ele estava? Por que também diante desta constatação, de que não fazia sentido o corpo dele estar no local que ele foi encontrado, não trabalharam mais com a hipótese de outra pessoa ter matado Samuel? Afinal, a casa não tinha segurança, era de fácil acesso, e se Sandra não matou o marido, quem poderia garantir que outra pessoa não tivesse vindo e feito o serviço?
Abordaram bastante, durante o julgamento, a questão das manchas de sangue, mas simplesmente deixaram de explorar e de justificar a questão da distância e posicionamento do corpo. Essa questão, que chegou a ser apontada no decorrer da história, depois se perdeu durante o julgamento.
Ok, é verdade que muitas vezes isso acontece. Promotor e advogado de defesa acabam se apegando em outros detalhes menos importantes e não exploraram uma questão tão relevante quanto essa da posição do corpo ao ser encontrado não fazer sentido. Sim, de fato isso poderia acontecer em um tribunal. Mas, cá entre nós, seria pouco provável. Acredito que esse seja um detalhe pequeno mas que acaba incomodando na narrativa, já que ela se revela quase perfeita. Mas nada que tire a inovação do roteiro e a força do filme.
NOTA
9,9.
OBS DE PÉ DE PÁGINA
Minha gente, mal posso acreditar! Mas sim, há seis meses eu não atualizo esse blog. Acho que foi o tempo que eu fiquei mais ausente desde que criei esse site. Mas é que esse foi o pior ano da minha vida, então… tive as minhas questões para que essa longa ausência acontecesse. Mas estou conseguindo voltar, mesmo já na reta final do ano. Mas ainda vai dar tempo de ver mais algum filme e tornar esse espaço um pouco menos desértico.
Importante fazer esse comentário porque sim, faz seis meses que eu assisti a Anatomy of a Fall. Conferi a produção logo após a entrega do Oscar 2024 e eu pretendia, claro, escrever essa crítica naquele momento. Mas o tempo foi passando, foi passando, e agora estou aqui, seis meses depois tentando lembrar o que de mais marcante esse filme deixou para mim. Com isso, devo ser honesta em dizer que não escrevi a melhor crítica que eu poderia para Anatomy of a Fall porque eu não vou assistir ao filme novamente… preferi rememorar o que eu achei dele, fazendo rápidas passagens na história aqui e ali, e é isso.
Lembro que a produção me fascinou e que eu fiquei positivamente impactada com ela. Achei o filme brilhante, exceto por aquele detalhe que comentei acima. Mas realmente achei a produção muito acima da média e possivelmente um dos melhores – se não o melhor – filme do Oscar deste ano. Essa impressão não mudou. O que mudou, de março para cá, é que agora eu pretendo me debruçar em outros filmes e, só se sobrar tempo, realmente, ver a todas as produções que eu não conferi do Oscar que já foi há tempos.
Bueno, feitos esses comentários, vamos ao que geralmente eu comento sobre cada produção. Para mim, por óbvio, de tudo que eu comentei anteriormente, o grande trunfo de Anatomy of a Fall é o seu roteiro. Um trabalho de tirar o chapéu feito pelo casal Justine Triet e Arthur Harari. Eles estavam inspirados quando pensaram nessa história e construíram esse roteiro. Porque essa mesma história poderia ter sido narrada de mil maneiras diferentes, mas considero que eles encontraram os elementos certos e a forma de costurar essa narrativa de forma muito peculiar, sugerindo muito e explorando a imaginação do personagem mais frágil da história, o garoto que estava presente mas que não via e sabia exatamente o que ocorria com seus pais. Enfim, vários detalhes que fizeram muita diferença para o filme e que são acertos dos roteiristas.
Além do roteiro, gostei bastante também da direção de Justine Triet. A cineasta francesa de 46 anos, completados em julho de 2024, tem uma percepção de narrativa muito interessante, sabendo esconder e revelar o que acontece na dose certa, criando suspense e dúvida, no melhor estilo do mestre Hitchcock. Além disso, ela sabe valorizar o trabalho dos atores em cena, além de ter uma boa visão para os detalhes e para os jogos de câmera que ajudam a dar ritmo para a narrativa. Para mim, um trabalho muito cuidadoso, planejado e eficiente. Está de parabéns!
Justine Triet e Arthur Harari tem dois filhos. Anatomy of a Fall é o segundo filme em que eles dividem o roteiro. Antes, eles fizeram isso com Sibyl, de 2019, que também foi dirigido por Justine. Como diretora, ela estreou em 2007 com o curta Sur Place. O primeiro longa veio em 2009: Solférino. No ano seguinte, ela dirigiu Des Ombres dans la Maison. Depois veio mais um curta, até que ela dirigiu o longa La Bataille de Solférino (2013). Em seguida ela dirigiu os longas Victoria (2016) e Sibyl antes de ganhar maior visibilidade mundial com Anatomy of a Fall. Honestamente, fiquei curiosa para ver outros trabalhos dela na direção e também como roteirista. Acho que é um nome a ser acompanhado de perto. Ela tem estilo.
Na coletiva de imprensa sobre Anatomy of a Fall no Festival de Cannes, Justine Triet deu a seguinte opinião sobre essa história (SPOILER – não leia se você ainda não assistiu ao filme): “O filme se move na direção do ponto em que uma criança se torna a peça central do julgamento. Sobre o que o filme fala? Ele fala sobre uma criança que carrega um peso muito grande. Ele é muito próximo da mãe, ele confia nela, e então rachaduras aparecem e ele efetivamente se encontra na posição do júri. Em outras palavras, ele tem que decidir se sua mãe é culpada ou não. Nunca saberemos. Nunca saberemos se o testemunho dele é verdadeiro ou não. Fiquei profundamente tocada ao pensar nesse tipo de situação, que é particularmente comovente para uma criança. Acho que este é o primeiro filme em que realmente dei a palavra a uma criança. Todo o filme se move em direção a esse ponto.”
Em outro momento da coletiva sobre o filme, Justine comenta que Anatomy of a Fall trata muito sobre a falta de elementos visuais e imagens. Muito da produção é baseada na ausência. Como a criança que é filha do casal não enxerga, o espectador também é colocado na mesma posição da criança e dos jurados, que acabam sendo confrontados com a falta de fatos e evidências. Achei uma visão perfeita sobre a história e por isso ela se revela tão interessante. Em um mundo em que proliferam e abundam imagens e registros de tudo, é interessante mergulharmos em uma história em que claramente faltam elementos.
Além de Anatomy of a Fall se destacar por ter um ótimo roteiro e direção, o filme só é o que é por causa de seu elenco. De forma cirúrgica, a produção não tem muitos personagens. E isso é muito bom para a história. Assim, ganham destaque e nos fascinam por seu trabalho a atriz Sandra Hüller, simplesmente sensacional como Sandra Voyter, apresentando uma personagem cheia de nuances, provocativa, libertária, dona de si e de suas vontades, o que nem sempre agrada a “grande audiência” (ou um júri); e o ator Milo Machado-Graner, que interpreta Daniel, o filho de Sandra e Samuel e testemunha fundamental no julgamento de Sandra. Para mim, eles dão um show e são o grande destaque desta produção.
Como atores secundários, mas também importantes para essa história, vale destacar Samuel Theis como Samuel Maleski, marido de Sandra e vítima em sua própria casa; e Swann Arlaud como o advogado de defesa de Sandra, Vincent Renzi. Eles fazem um ótimo trabalho em papéis com desenvolvimento e complexidade muito diferente. Peças importantes na história, são precisos em suas interpretações. Muito se falou também do cão Messi, que é o melhor amigo de Daniel. Realmente o cachorro faz um trabalho fascinante. Ele tem uma das cenas mais duras da produção. Seu papel no filme também foi muito bem planejado. Cirúrgico.
Em papéis menores, mas que tem relevância para a produção, estão Jehnny Beth como Marge Berger, a pessoa designada para acompanhar Daniel e garantir que ele não seja manipulado pela mãe; Camille Rutherford como Zoé Solidor, a pesquisadora que entrevista Sandra horas antes da tragédia familiar acontecer; Antoine Reinartz muito bem como o promotor que acusa Sandra pela morte de Samuel; e Anne Rotger como a juíza que está presidindo o julgamento.
Entre os aspectos técnicos do filme, gostei muito da direção de fotografia de Simon Beaufils e da edição de Laurent Sénéchal. Vale citar ainda o design de produção de Emmanuelle Duplay; a decoração de set de Cécile Deleu; os figurinos de Isabelle Pannetier; e o trabalho do Departamento de Maquiagem realizado por Olivier Afonso, Aurélie Cerveau e Aude Thomas.
Anatomy of a Fall estreou em maio de 2023 no Festival de Cinema de Cannes. Depois, o filme participaria, ainda, de outros 34 festivais e mostras de cinema em diversas partes do mundo – sendo o mais recente festival em que o filme participou o Festival Internacional de Cinema da Malásia em julho de 2024.
Em sua trajetória longa em festivais, mostras de cinema e premiações pelo mundo, Anatomy of a Fall recebeu espantosos 115 prêmios, incluindo na lista o Oscar de Melhor Roteiro Original, e foi indicado ainda a outros 178 prêmios. Um verdadeiro fenômeno! Além de ter saído vencedor na categoria Melhor Roteiro Original, o filme foi indicado nas categorias do Oscar de Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Atriz para Sandra Hüller e Melhor Edição.
Entre os prêmios que o filme recebeu, destaque para o Prêmio BAFTA de Melhor Roteiro Original; para a Palma de Ouro como Melhor Filme do Festival de Cinema de Cannes e para o curioso Palma Dog para Messi por seu desempenho como o cão da família; para os prêmios de Melhor Filme, Melhor Roteiro Original, Melhor Diretora, Melhor Atriz para Sandra Hüller, Melhor Ator Coadjuvante para Swann Arlaud e Melhor Edição no César Awards, o “Oscar” do cinema francês; e para os prêmios de Melhor Roteiro de Cinema e Melhor Filme em Língua Não-Inglesa no Globo de Ouro.
Agora, vale citar algumas curiosidades sobre esta produção. Anatomy of a Fall foi rodado entre os dias 3 de março e 26 de abril de 2022. Achei um período de tempo muito interessante, curto. A produção foi totalmente rodada na França, em cidades como Savoie, Isère e Charente-Maritime.
A atriz Sandra Hüller, que é fantástica, uma das grandes da sua geração, aprendeu francês especialmente para interpreta seu papel neste filme.
O editor Laurent Sénéchal disse que o filme não ficava tão interessante quando a personagem de Sandra ficava muito inocente, muito culpada ou muito manipuladora. O principal desafio deles na edição foi justamente equilibrar as diversas vertentes da personagem para que ela tivesse sempre o tom exato de ambiguidade. Conseguiram.
A bola quicando escada abaixo, no início do filme, foi difícil de rodar. A diretora precisava que a bola descesse, mas não muito rápido, e que ela saísse do enquadramento da cena. Para conseguir isso, eles mergulharam a bola em uma cola que poderia ser tocada por cães, garantindo que a bola descesse de forma um pouco mais lenta que o normal.
Quando Justine pensou na personagem de Sandra Voyter, ela pensou logo nela sendo interpretada por Sandra Hüller. Bastava apenas a grande atriz aceitar o papel. Já o personagem de Daniel foi muito mais difícil de achar seu intérprete. Segundo as notas de produção do filme, os produtores e Justine procuraram pelo ator certo para o papel por quatro meses. Não conseguiram sair convencidos de nenhum teste. Depois de mais três meses de procura, eles encontraram Milo Machado-Graner. O ator de 16 anos, completados no dia 31 de agosto de 2024, e que havia feito duas séries de TV e participado de três filmes, então teve que fazer aulas intensivas de piano para se preparar para as filmagens.
Vejam que interessante – e que notei só agora, lendo as notas da produção: como Anatomy of a Fall é um filme sobre a busca pela verdade, nenhum flashback “real” foi permitido pelos roteiristas. Ao invés de vermos um flashback realmente reproduzindo uma cena do passado, o que vemos no filme são cenas do passado (a briga entre o casal e a cena da ida de carro até o veterinário) recontadas a partir de áudios reproduzidos no tribunal ou de uma recordação de um dos personagens. Baita ideia!
Jehnny Beth, que interpreta Marge Berger no filme, é bastante conhecida por seu trabalho na banca Savages. De fato, quando a vi em cena, ela não me parecia estranha. 😉 Mas só agora me toquei.
Uma das inspirações para o filme foi o caso da americana Amanda Knox. Admito que tive que pesquisar um pouco para me lembrar desse caso – para quem, como eu, não lembra direito da história, sugiro esse texto de Rodrigo Casteleiro García para o El País.
Vale citar um detalhe sutil da direção de Justine. (SPOILER – não leia se você ainda não assistiu ao filme). Para a atriz Sandra Hüller a diretora não disse se sua personagem era inocente ou culpada. Ao invés de dar essa definição para a atriz, ela apenas a orientou a agir como se ela fosse inocente. Vejam a sutileza! Como um detalhe faz toda a diferença! No caso, realmente, ela age como inocente, assim como muitos culpados que vão a julgamento negam até o fim o crime. Ou inocentes, claro. 😉
Uma última curiosidade sobre essa produção – e que revela ainda mais as pequenas genialidades dos roteiristas. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Como acontece na vida real, todas as testemunhas masculinas no julgamento favorecem a acusação: o primeiro especialista em sangue, o psiquiatra e o policial. Por outro lado, todas as testemunhas femininas favorecem a defesa: a estudante que entrevistou Sandra e a segunda especialista em sangue. A exceção é Daniel, que, por ser cego, simboliza a Justiça.
Os usuários do site IMDb deram a nota 7,7 para esta produção. Os críticos que tem seus textos linkados no site Rotten Tomatoes dedicaram 57 críticas positivas e três negativas para o filme, o que garante para Anatomy of a Fall um nível de aprovação de 95% e a nota média de 8,6. O site Metacritic apresenta o “metascore” de 86 e o selo “Metacritic Must-see” para essa produção.
Produção 100% francesa, Anatomy of a Fall teria custado cerca de 6,2 milhões de Euros, ou cerca de US$ 6,87 milhões. Segundo o site Box Office Mojo, o filme teria faturado, apenas nos Estados Unidos, quase US$ 5,1 milhões. Na França, seu país de origem, o filme fez nas bilheterias US$ 14,6 milhões. Somando o resultado nas bilheterias em todo o mundo, a produção faturou US$ 36 milhões. Um sucesso de crítica e de público, portanto. Importante um filme criativo e interessante como esse ter virado também um sucesso comercial.
CONCLUSÃO
Um filme perfeito no roteiro, na proposta de seus realizadores e no trabalho dos atores. Anatomy of a Fall toca em questões fundamentais para quem aprecia histórias e filmes policiais e de suspense, incluindo aí os dramas de tribunais. Para quem aprecia a temática da Justiça, do Direito e das questões de julgamento, esse filme é uma grande pedida. Possivelmente, um dos melhores a tratar sobre estes temas.
Com uma narrativa muito bem construída e com um final mais do que adequado, deixando para o espectador chegar às suas certezas, Anatomy of a Fall nos mostra que apesar de estarmos sempre em busca de respostas e de precisarmos de algumas certezas, muitas vezes a vida simplesmente não nos entrega aquilo que gostaríamos. A verdade existe, mas a Justiça nem sempre consegue chegar até ela. Filme quase perfeito, se não fosse pelo detalhe que comentei na crítica acima. Assista, caso ainda não tenhas feito isso.
2 replies on “Anatomie d’une Chute – Anatomy of a Fall – Anatomia de Uma Queda”
[…] Melhor Roteiro Original: Anatomy of a Fall […]
CurtirCurtir
[…] Sandra Hüller (Anatomy of a Fall) […]
CurtirCurtir