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Heldin – Late Shift


As horas passam de forma diferente nos quartos e corredores de um hospital. Apenas quem já viveu uma rotina dura nesse ambiente sabe do que eu estou falando. Parte da angústia, do medo, da longa espera por alguma resposta, da corrida contra o tempo para salvar alguém ou prolongar um pouco mais a vida de uma pessoa vemos em Heldin. Um filme que acerta ao focar as atenções em uma personagem, mas com ela nos conduzindo por diversas histórias. A qualidade dessa produção é humanizar aquele ambiente, que tem a obrigação de ser limpo e asséptico, mas que está carregado de sentimentos, principalmente de muita doação dos profissionais que lá atuam.

A HISTÓRIA

Diversos uniformes pendurados percorrem uma estrutura mecanizada. Em um ônibus, vemos uma mulher com um casaco e um cachecol sentada. Ela observa a cidade, até que o coletivo chega ao ponto de um hospital. Essa mulher caminha até lá dentro e, no vestuário, cumprimenta uma colega de trabalho. Em seu armário, vemos várias fotos de uma menina. A colega pergunta se ela teve um dia de folga bom, e ela diz que foi no zoológico com Emma. Em seguida, ela pergunta para a colega como foi sua folga, e ela diz que não ocorreu nada demais. As duas colocam seus uniformes de enfermagem, e Floria Lind (Leonie Benesch) estreia um novo tênis, que ela diz que estava em promoção. Logo que elas chegam ao seu andar, Floria se oferece para ajudar um colega com uma nova paciente. O plantão delas será pesado.

VOLTANDO À CRÍTICA

(SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Heldin): Cheguei a esse filme porque sim, estou de olho nas listas dos melhores filmes de 2025 lançados até aqui ao mesmo tempo em que eu já estou de olho no Oscar do próximo ano. Heldin não aparece nas listas de melhores filmes do ano, mas já alguns especialistas do mercado que apontam esse filme como um possível candidato na categoria Melhor Filme Internacional no Oscar 2026.

Bem, eu gostei de ter sido apresentada a Heldin. Sem esse palpite de que o filme poderia chegar até o Oscar, eu dificilmente teria assistido a essa produção. E ela mexeu com muitas lembranças minhas… quem já viveu histórias em um hospital sabe bem do que eu estou falando. Impossível não relembrar e reviver histórias e sentimentos que passamos naquele ambiente quando um filme como Heldin se apresenta na nossa frente.

A grande qualidade dessa produção é que ela humaniza aquele ambiente hospitalar ao focar as câmeras e, por consequente, a nossa atenção, em uma personagem. Através do olhar e das ações de Floria Lind, nos locomovemos naquele ambiente hospitalar e nos aproximamos de outras pessoas, mas sem nunca perder o foco da protagonista. Assim, vivenciamos de perto a preocupação dela em fazer o melhor que pode a cada minuto de seu plantão, tentando dar atenção para todos os pacientes, mesmo sobrecarregada e com poucos colegas para ajudá-la nos desafios do atendimento hospitalar.

A forma como ela mantém a calma, mesmo sendo testada a cada segundo, e a forma como ela procura acalmar e dar atenção para cada paciente é comovente. E algo que, devo dizer, vivenciei em muitas visitas ao hospital acompanhando a minha mãe – e até o meu pai – em muitos tratamentos. A minha admiração por enfermeiros e, principalmente, enfermeiras só cresceu nos últimos anos, e a razão de boa parte dessa admiração e da dívida que todos nós temos com esses profissionais que se desdobram todos os dias para dar o melhor atendimento, o maior suporte e ajudar pacientes e familiares em alguns dos momentos mais difíceis das suas vidas está muito bem representada em Heldin.

De forma muito acertada, o foco dessa produção são os profissionais da enfermagem. Até pelas razões que são apresentadas após a história terminar – há cada vez menos pessoas escolhendo a enfermagem como profissão e já há uma defasagem importante por esses profissionais em diversos países.

Esses profissionais já são fundamentais agora e serão cada vez mais porque as populações mundo afora estão envelhecendo e todos nós, uma hora ou outra, vamos depender da atenção e da ajuda desses profissionais. O único jeito disso não acontecer é se morrermos jovens ou morrermos de forma repentina, porque se tivermos tempo de passarmos por algum tratamento, vamos depender do trabalho de profissionais da enfermagem.

Por isso mesmo, toda vez que eu estive acompanhando alguém internado no hospital – ou mesmo quando eu estive internada, na adolescência e no final do ano passado – eu procurei ser o mais cordial e agradecida possível aos profissionais que nos atenderam durante aqueles momentos de sofrimento e de apreensão. Porque ninguém passa por um hospital sem isso. Mas as enfermeiras e os enfermeiros que estão lá para ajudar cada paciente da melhor forma que eles puderem a cada momento fazem toda a diferença. O mínimo que podemos ser é gratos.

A direção e o roteiro de Petra Biondina Volpe tem como propósito acompanhar de perto cada passo da protagonista dessa história. E, através dela, conhecemos outros personagens, incluindo enfermeiros, estudantes da área, pacientes e seus familiares. Muitos pacientes estão sozinhos – o que é a realidade de muita gente – e tem na enfermagem o seu único apoio em momentos de dúvida, espera, angústia e/ou sofrimento. Heldin aborda muito bem todo esse cenário.

Algo interessante do filme é que ele mostra um leque de perfis de pacientes bem amplo, de jovens até idosos – muitos idosos, inclusive -, alguns naturais daquele país e muitos imigrantes. Poucos são os que tem planos de saúde e que recebem, por isso, um certo atendimento diferenciado – relativo esse atendimento porque, por mais que eles tenham quarto privativo, eles também entram no mesmo cenário de falta de profissionais e tem que esperar, como os demais, para serem atendidos.

Acompanhamos nessa história apenas a um plantão da protagonista e de seus colegas. Mas acontece quase de tudo nesse período. Um acerto da diretora e roteirista é ela colocar, logo no início do filme, um colega de Floria passando para ela um resumo do status de cada paciente. Assim, mesmo sem ainda termos sido “apresentados” a cada pessoa, temos um panorama do que a enfermeira terá pela frente. Mas imprevistos sempre acontecem, é claro. Isso é característico de um plantão de hospital.

Então, durante o plantão daquele dia, Floria terá que lidar com a chegada de novos pacientes, terá que cuidar de uma ala inteira praticamente sozinha – com o apoio esporádico de uma estudante de enfermagem – e lidar com o deslocamento de pacientes de seus quartos compartilhados até as salas de cirurgia e com diversas situações que vão ocorrer em sua área de atuação durante aquelas horas que passam de forma acelerada durante a produção.

Faz parte da rotina da enfermagem, e isso a cada mudança de plantão – bem sabe quem já esteve internado no hospital ou acompanhando alguém que esteve internado -, passar uma vez em cada paciente para medir temperatura, pressão, e para, se houver indicação, ministrar medicamentos. Nossa protagonista tenta fazer isso durante o seu plantão, mas algumas intercorrências – que ocorrem mesmo no dia a dia de um hospital – acabam impedindo ela de fazer tudo isso como gostaria.

(SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Entre os desafios que a protagonista enfrenta durante essa história está algumas intercorrências envolvendo uma nova paciente com demência, a busca por respostas de um paciente que está há dias esperando para saber o que ele têm e que acaba saindo do hospital antes de ter um retorno de sua médica, as chamadas por razões idiotas de um homem abonado e sem noção – mas que está, no fundo, apavorado por seu dinheiro não ser capaz de lhe comprar saúde -, e algumas idas e vindas levando e trazendo pacientes de cirurgias.

Toda vez que surge algum incêndio e que Floria deve apagar, sempre mantendo a calma – ou quase sempre, apenas uma vez ela perde a compostura -, o semblante tranquilo ou trazendo um sorriso no rosto, ela sai de sua rotina de visita e de cuidados com todos os pacientes. E isso vai cobrar um preço dela no final. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Mesmo Floria fazendo o melhor que ela pode, naquele plantão ela vai perder uma paciente. Uma pessoa que estava com uma situação de saúde delicada, é verdade, mas para quem Floria não tinha conseguido dar atenção naquele dia. Ela nem tinha conseguido verificar como a paciente estava quando um dos filhos da mulher avisa que a mãe estava passando mal.

Claro que o que acontece com ela não é responsabilidade de Floria. Mas sabemos que toda situação como aquela abala uma profissional da área da saúde, especialmente alguém que é tão dedicada a esse cuidado com as pessoas. O plantão inteiro de Floria não é simples, exige um grande autocontrole e dedicação da profissional, e a carga emocional exigida é muito pesada. Mas Floria resiste, vai para casa carregada, mas terá que se cuidar para estar pronta para o próximo plantão.

Termos a perspectiva de uma profissional que carrega o trabalho de um hospital nas costas – os médicos e médicas são importantes, mas quem está resolvendo o trabalho pesado no cuidado e na atenção dos pacientes são as enfermeiras e enfermeiros e os técnicos e técnicas de enfermagem – é algo realmente importante e o principal trunfo de Heldin. Claro que o filme resume o plantão da protagonista, porque não acompanhamos, de fato, a hora a hora do trabalho dela. E um problema para Heldin é que justamente neste ano tivemos o lançamento da série The Pitt.

Sim, gente, não vou mentir. Se não fosse The Pitt, talvez esse filme teria recebido uma avaliação melhor. Mas The Pitt tem a vantagem de explorar hora a hora o plantão de um médico e de sua equipe. Verdade que na série o foco central são os médicos e os estudantes de Medicina, com a equipe de enfermagem ficando em segundo plano, diferente do que acontecem em Heldin. Mas, ainda assim, claro que é muito mais rico e mais detalhista acompanharmos horas de um plantão e seus desafios, especialmente na área de emergência, do que uma ala de atendimento de um hospital com apenas 1h30 de filme.

Todo o plantão de Floria foi resumido pra gente nesse filme, e ainda que o trabalho da diretora e roteirista seja bem feito, assim como o elenco desta produção seja bem competente, nenhuma relação ou dinâmica da história realmente é aprofundada. Então nos envolvemos menos nessa narrativa do que na série The Pitt. Ainda assim, achei esse filme muito competente, bem realizado, com um foco narrativo bem claro e com uma ótima atriz nos conduzindo pela história. Ou seja, Heldin tem mais qualidades do que defeitos.

Minhas únicas questões envolvendo essa produção é que ela utiliza muitos recursos já bem conhecidos, desde o plano sequência empregado para dar ritmo e dinâmica para a história – algo que The Pitt e outras produções também utilizam – até esse recurso de simplificar as histórias e as dinâmicas dos personagens para que o filme mantenha-se ágil, sem “perder” muito tempo em nenhuma história.

Essa última escolha ajuda a nos manter presos na trama, claro, e deixa o filme mais dinâmico, ao mesmo tempo em que torna as histórias todas um pouco superficiais demais. Uma forma de resolver isso seria termos um pouco mais de tempo de filme, com espaço para um desenvolvimento um pouco maior dos personagens, ou a retirada de uma ou outra história da trama para que alguns casos pudessem ser melhor desenvolvidos.

Claro, alguém pode dizer que na vida real uma enfermeira como Floria não “perderia” muito tempo se aprofundando na história de ninguém, mas essas histórias, mesmo na correria de um hospital, poderiam ser desenvolvidas de forma independente através de conversas entre pacientes ou entre familiares e pacientes. Isso poderia exigir uma quebra da dinâmica de plano sequência, é verdade. Ou então poderíamos ter flashbacks de dinâmicas de Floria com alguns de seus pacientes – afinal, muitos deles eram acompanhados por ela por dias ou até meses.

Mas a escolha de Petra Biondina Volpe é por uma história mais simplificada e dinâmica. E Heldin funciona bem assim. Tenho certeza que a produção é capaz de chegar e de agradar a um público maior. Mas para quem assistiu a The Pitt esse ano, acaba ficando um gostinho de “quero mais”. Ainda assim, devo dizer, essa é uma bela produção. Bem realizada e, principalmente, com uma mensagem potente.

A forma emotiva com que a realizadora escolhe terminar essa produção, com uma grande música arrematando tudo e com informações importantes sobre a falta de profissionais de enfermagem, dá um alerta e um recado preciso e potente. Deveríamos cobrar uma maior valorização desses profissionais e incentivar as novas gerações a quererem cuidar de seus semelhantes, em um movimento contrário do que tem acontecido nas últimas décadas. E fazer isso antes que a situação piore ainda mais.

NOTA

8,7.

OBS DE PÉ DE PÁGINA

Como comentei anteriormente, cheguei até Heldin porque alguns sites e especialistas que já estão de olho no Oscar 2026 começam a opinar sobre filmes e países que podem chegar até a pré-lista de indicados e, talvez, até os cinco finalistas na categoria Melhor Filme Internacional. Claro que é muito cedo para opinar a respeito, até porque Heldin é o primeiro filme desta leva que eu assisto, mas me arrisco a dizer que o possível representante da Suíça no próximo Oscar tem poucas chances de chegar até a lista de indicados nessa categoria disputada.

É um filme bom, com ótimas intenções e várias qualidades, mas que eu não acho que tenha força suficiente para emplacar uma indicação. Ainda precisamos ver como esta safra de produções mundo afora está, em termos de qualidade, mas acho que Heldin pode, no máximo, chegar na lista de pré-indicados, mas que dificilmente ele ficará entre os cinco finalistas da categoria. E, claro, acho que ele não tem a potência para ganhar uma estatueta dourada.

Não sei se o sucesso de The Pitt vai favorecer ou prejudicar a campanha de Heldin no Oscar. Da minha parte, como comentei anteriormente, acho que ter assistido The Pitt antes de ver esse filme “prejudicou” a minha leitura sobre o filme, já que achei ele bem mais simples e, óbvio, com menos tempo para desenvolver a narrativa e os personagens do que a série que, igual o filme, também foca em um plantão de hospital. Mas há quem possa ver de outra forma, então só esperando para saber.

Alguns dos principais méritos de Heldin estão no trabalho da diretora e roteirista Petra Biondina Volpe. Essa diretora suíça com nove títulos no currículo antes de Heldin, tem muito claro o que deseja com essa produção e apresenta os seus propósitos de forma honesta, direta e transparente. Ela quer enaltecer o trabalho das enfermeiras – as mulheres geralmente são maioria nessa profissão -, que são o coração de qualquer hospital, e pessoas fundamentais no cuidado das pessoas que vivem, naquele espaço, alguns dos momentos mais incertos, delicados e/ou dolorosos de suas vidas. E ela consegue fazer isso muito bem.

Petra não quis nos apresentar uma história complexa, cheia de reviravoltas, surpreendente ou chocante. Não. Ela abre mão dos “fogos de artifício” ou dos recursos fáceis para nos apresentar uma história relativamente simples, mas que coloca as pessoas no centro da trama. Em outras palavras, ela humaniza uma escala de plantão e toma um lado muito claro nessa história: a da enfermeira que protagoniza o filme.

Algo interessante no roteiro de Petra é que ela coloca quase todas as situações possíveis de um plantão em Heldin. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Temos ali o atendimento de situações simples, como o deslocamento dos pacientes da ala da enfermagem até as salas de cirurgia, a medição dos sinais vitais e o atendimento de dúvidas de pacientes e parentes, até a resolução de situações complexas, como a troca de medicamentos de dois pacientes, com um erro da enfermeira que causa uma alergia importante em uma pessoa; a morte de uma paciente que não havia sido acompanhada ainda naquele plantão e a cobrança de seus filhos; e a “fuga” de um paciente.

Interessante essas escolhas da roteirista, que não alivia para a protagonista ao mesmo tempo que a protege mostrando como, apesar de alguma eventual falha que ela possa ter tido, nunca foi por negligência ou má vontade. Pelo contrário. A protagonista dessa história simboliza o que a diretora e roteirista quer reforçar: que todos os dias profissionais dedicadas e amáveis estão sendo sobrecarregadas e que acabam não oferecendo o melhor serviço possível porque as condições mínimas para isso não são oferecidas. Está claro o propósito da cabeça por trás dessa produção, e ela entrega tudo isso de forma muito clara, quase didática.

Acho importante termos filmes como Heldin, porque eles nos fazem pensar. E espero que essa reflexão nos leve para algum cenário de avanço, porque se nada mudar, teremos cada vez mais situações de caos e de erros acontecendo em hospitais de todas as latitudes.

A direção de Petra também tem propósitos bem claros. A câmera da diretora praticamente segue o tempo todo o conceito de plano sequência, com ela se colocando atrás, à frente ou próxima em outro ângulo da protagonista, como se a diretora quisesse nos colocar “na cola” da personagem, acompanhando cada passo dela. Isso, por óbvio, torna o filme mais “intimista” e particular, ajudando na narrativa humanizada, ao mesmo tempo que o conceito de plano sequência nos dá a ideia de “não estarmos perdendo nada” da trama e traz agilidade para a história. Escolhas que fazem sentido para o que Petra quer nos apresentar.

Antes de Heldin, Petra havia dirigido nove produções, sendo quatro curtas, três filmes para televisão e dois longas para os cinemas. A estreia dela nos longas foi com Traumland, em 2013. Depois veio Die Göttliche Ordnung (ou The Divine Order, comentado por aqui no blog). Ou seja, Heldin é o primeiro filme dirigido e lançado por ela desde 2017.

Além do roteiro e da direção competentes de Petra, o grande trunfo de Heldin é, claro, o ótimo trabalho da excelente atriz Leonie Benesch. Eu sou suspeita em falar dela. Essa atriz alemã de 34 anos me conquistou definitivamente por seu trabalho em Das Lehrerzimmer (com crítica neste link). Admito que me apaixonei por ela naquele filme e que ao vê-la novamente aqui em Heldin, já fiquei empolgada antes mesmo da história começar a ser desenvolvida.

Acho Leonie uma atriz muito expressiva e talentosa. Ela sabe medir a força de sua atuação como poucas de sua geração. A exemplo da nossa Fernanda Torres, simplesmente magistral em Ainda Estou Aqui (comentado nessa crítica), Leonie não precisa exagerar em sua interpretação ou ter um momento de “catarse” para nos conduzir com maestria em cada gesto e expressão, estando ela em silêncio ou em algum diálogo da trama. Claro, Fernanda Torres faz um trabalho algumas escalas acima e Ainda Estou Aqui é mais filme que Heldin, mas considero que ambas tem a mesma essência como intérpretes.

Antes de Das Lehrerzimmer, eu havia visto o trabalho de Leonie em Das Weisse Band (com crítica neste link). A cada filme que eu assisto dela, me convenço mais que ela é uma das minhas atrizes preferidas de sua geração. Novamente em Heldin ela não sente o peso de carregar o filme nas costas, praticamente.

Gostei muito do trabalho dela aqui, e acho que ela é o nome da produção – como não poderia deixar de ser já que o roteiro de Heldin realmente está concentrado muito em sua personagem. Mas ela faz uma entrega ajustada e coerente, sem exageros e no tom certo para cada momento da trama. Está de parabéns. Pena que dificilmente vai chegar a ser indicada a um prêmio importante – para isso, o filme teria que ter visibilidade também, o que eu acho difícil. Vendo a filmografia da atriz, percebi que ela já participou de várias séries de TV e de filmes regulares, então acho que está faltando ainda para ela uma grande oportunidade, um roteiro que lhe dê a oportunidade de aparecer mais.

Faz parte da escolha de Petra nos apresentar um filme mais curto – que não chega a ter 1h30 de duração – e dinâmico. Para conseguir isso e, com certeza, agradar mais ao público em geral – que não tem muita paciência para filmes longos -, a diretora e roteirista abriu mão do desenvolvimento dos personagens, claro. Não tem como fazer diferente. Ou ela teria apenas dois ou três personagens em cena a maior parte do tempo – o que é possível fazer em produções como Dane-ye Anjir-e Ma’abed (com crítica neste link), recentemente comentado aqui no blog -, ou ela teria que abrir mão de contextualizar melhor cada história.

Por ter escolhido o caminho da simplificação dos personagens secundários dessa trama, temos em Heldin vários coadjuvantes, mas poucos com algum destaque e que mereça ser comentado. O grande nome do filme, volto a dizer, é a atriz Leonie Benesch. Mas alguns atores coadjuvantes merecem ser mencionados por aqui porque, mesmo não tendo seus personagens muito desenvolvidos, eles fazem entregas interessantes – alguns mais marcantes do que outros.

Entre os coadjuvantes dessa produção, gostaria de destacar o trabalho de Margherita Schoch como a Senhora Kuhn, a nova paciente que Floria ajuda logo após chegar em seu novo plantão, uma senhora idosa que tem demência e que acaba aparecendo algumas vezes no decorrer da história; Urbain Guiguemde como um paciente que chega com dores e que deve passar por uma cirurgia durante o plantão de Floria e que acaba sofrendo um certo nível de preconceito de um casal que frequenta o mesmo quarto – só não fica claro se por ele ser imigrante, estrangeiro, ou por ser preto, ou se por todos esses motivos -, mas que, apesar da grosseria daquele casal, ele se mostra cordial, gentil e muito educado o tempo todo com Floria; e Urs Bihler ótimo como o Senhor Leu, um idoso que está há dias esperando por uma resposta para saber que problema ele tem e que tipo de tratamento ele poderá ter e que, apesar de ser muito amável com Floria e sentir “saudade” dela, não vê a hora de ir para casa e ficar com seu cão.

Para mim, esses são os três coadjuvantes com o maior destaque porque são eles que trazem mais o caráter humano e da importância dos cuidados da enfermagem para os pacientes. O Senhor Leu e Nwachukwu, em especial, ganham destaque pela forma respeitosa com que tratam Floria e as demais pessoas que estão ali para ajudá-los. Quem dera que todos os pacientes fossem assim! E a Senhora Kuhn simboliza bem uma tendência em alta na Suécia e no mundo: de pessoas com demência, muitas vezes desacompanhadas, sem familiares por perto e sem condições de terem cuidadores 24 horas, e acabam sendo um desafio para equipes de enfermagem porque eles são mais vulneráveis, muitas vezes exigem maior atenção e acompanhamento, mas isso fica cada vez mais difícil de ser feito em um cenário em que faltam profissionais para atuar nos hospitais e falta amparo financeiro e preparo das pessoas e famílias para lidar com essa situação.

Leu, por sua vez, nos apresenta um personagem que simboliza várias pessoas que acabam sem um atendimento adequado nos hospitais porque médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem estão sobrecarregados. O que vai acontecer com ele e com pessoas reais que passam por isso? Bem, talvez Leu retorne depois e tenha acesso a seu diagnóstico e talvez tenha um tratamento para seu caso, ou ele pode não voltar mais e morrer antes do que deveria justamente por não ter tido um diagnóstico e um tratamento nos tempos adequados.

E o caso de Nwachukwu simboliza como sistemas de saúde do mundo inteiro tem que ser abertos para estrangeiros e imigrantes, um outro desafio para os profissionais de saúde, mas uma riqueza inestimável de experiências e de olhares para qualquer sociedade.

Além dos coadjuvantes citados que, para mim, são o destaque entre os personagens secundários entre os pacientes acompanhados por Floria, vale citar ainda o trabalho de Ridvan Murati como o Senhor Osmani, o paciente que chega atrasado para uma cirurgia e que ainda reclama de ter que dividir o quarto com Nwachukwu – a “desculpa” é que ele pode não descansar porque o colega de quarto pode roncar, e no fim é ele quem chega da cirurgia dopado e acaba incomodando o vizinho com seu ronco; Jürg Plüss como o Senhor Severin, o endinheirado com plano de saúde e quarto privado que revela-se muito cheio de si, arrogante e até agressivo antes de deixar aparecer seu “lado frágil”, sendo ele um desafio para Floria pela falta de bom senso e único a tirar ela do sério; e Elisabeth Roll como a Senhora Lauber, a paciente que gosta de corrigir a enfermagem mas que, apesar de altamente crítica, demonstra uma boa dose de fragilidade e de insegurança – e talvez por isso ela queira ter tudo sob controle, para lidar com esses sentimentos.

Ainda entre os pacientes e familiares que aparecem em cena, apesar de terem papéis menores, vale citar o trabalho de Albana Agaj como a Senhora Osmani, a esposa do paciente que chega atrasado e que serve basicamente de apoio para ele no momento em que ele vai ser internado – e que também destila seu preconceito contra Nwachukwu; e Doris Schefer como Pascale Schneider, filha do Senhor Schneider, um idoso interpretado por Heinz Wyssling que está internado com cuidados paliativos – ela representa parte da angústia dos parentes de idosos que estão na fase final da vida e que acabam também sobrecarregados em uma situação dolorosa para todos.

Fechando a lista de coadjuvantes entre pacientes e familiares, vale citar a família da Senhora Bilgin, que é interpretada por Eva Fredholm. Estão visitando a mãe hospitalizada e em busca de respostas os filhos interprestados pelos atores Onur Kurtulmus, Ali Kandas e Mustafa Kuzucu, todos com participações pequenas na produção, mas que valem ser citados porque eles acabam marcando a protagonista. Ah, e vale citar ainda o trabalho de Andreas Beutler como o Senhor Hungerbühler, que chega animado após uma cirurgia, ainda dopado, e que acaba fazendo amizade com o colega de quarto, que ajuda após passar por um episódio de crise alérgica; e Jasmin Mattei como a paciente fumante Claudia Bach, que tem uma presença marcante sempre que aparece em cena.

Entre os coadjuvantes que fazem parte da equipe de trabalhadores do hospital e colegas de Floria, devo citar o trabalho competente de alguns atores, ainda que a aparição deles seja pequena durante o filme. Para começar, cito o bom trabalho de Sonja Riesen, que interpreta Bea Schmid, a colega que divide o plantão com Floria e que acaba aparecendo de forma pulverizada aqui e ali, com destaque para a reação que ela tem após o “ataque de fúria” da colega; Alireza Bayram como Jan Sharif, o colega de Floria que passa o plantão para ela, inclusive relembrando e atualizando que pacientes ela terá que observar nas próximas horas de trabalho; e Selma Jamal Aldin como Amelie Afshar, a estudante de enfermagem que mal consegue ser orientada pelas enfermeiras que estão liderando o plantão – ela, em especial, simboliza a dificuldade da profissão, já que os estudantes são pouco orientados e assessorados e acabam sendo expostos a mesma sobrecarga que os colegas experientes, mas com o adicional de ficarem com a parte menos interessante do trabalho.

Todos esses atores fazem um belo trabalho em cena, mesmo que eles apareçam pouco durante a produção. E cada um deles tem um simbolismo importante para a história e para o que a diretora e roteirista quer evidenciar com essa produção.

Entre os aspectos técnicos do filme, vale citar alguns nomes por trás das câmeras, ainda que nenhum desses aspectos seja tão excepcional que mereça algum prêmio, por exemplo. Todos fazem um bom trabalho, mas como o filme se passa basicamente nos corredores e em diferentes quartos e ambientes de um hospital, nenhum desses aspectos se revela inovador ou diferente do que o esperado. Mas vale citar os profissionais por trás desses aspectos técnicos.

Vamos lá: Emilie Levienaise-Farrouch assina a trilha sonora de Heldin; Judith Kaufmann é responsável pela direção de fotografia; Hansjörg Weißbrich cuida da edição do filme; Linda Harper assina os figurinos; Beatrice Schultz é responsável pelo design de produção; e Marc Hollenstein é o responsável pela maquiagem.

Heldin estreou em fevereiro de 2025 no Festival Internacional de Cinema de Berlim. Depois, o filme participaria, ainda, de outros cinco festivais em cidades como Sydney, Locarno e Melbourne. Até o momento, o filme ganhou apenas um prêmio, o de Melhor Direção de Fotografia para Judith Kaufmann no German Camera Award.

Essa produção foi totalmente rodada na Suíça, nas cidades de Zurique e Basel, com cenas rodadas também no distrito de Kilchberg.

Heldin é a indicação oficial da Suíça para o Oscar 2026 na categoria Melhor Filme Internacional.

Sempre gostei muito da música que aparece na reta final da produção – e que casa totalmente com a história, inclusive. Para quem, como eu, não lembrava o título da canção, fui atrás e achei. Trata-se de “Hope There’s Someone”, escrita e interpretada por Anohni.

Heldin é uma coprodução da Suíça com a Alemanha. Os idiomas falados no filme são o alemão, o turco e o francês.

Segundo o site IMDb, há estimativas de que Heldin teria custado 3,7 milhões de francos suíços, o equivalente a R$ 24,86 milhões. Um filme de orçamento baixo, portanto. De acordo com o site Box Office Mojo, a produção arrecadou US$ 2,6 milhões nas bilheterias onde o filme já estreou – sendo US$ 2,25 milhões nos cinemas da Alemanha.

Os usuários do site IMDb deram a nota 7,8 para Heldin, enquanto que os críticos que tem seus textos linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 20 críticas positivas e apenas uma negativa para o filme, o que garante para Heldin um nível de aprovação de 95%. O site Metacritic ainda não apresenta o número mínimo de críticas para poder trazer uma avaliação de Heldin. Isso demonstra como essa produção ainda não caiu no radar de muitos críticos e nem foi muito descoberto ainda pelo público.

Muitas vezes, vale irmos atrás do significado dos títulos originais das produções. Como Heldin ainda não tem um título definido para o mercado brasileiro, vale comentarmos sobre as duas versões do título – o original e o que foi escolhido para o mercado global. (SPOILER – não leia se você ainda não assistiu ao filme). A tradução de Heldin é “heroína” – uma clara referência para a protagonista, que é uma heroína por seguir na profissão após tanta pressão e por tantos elementos jogarem contra sua vontade de ajudar e cuidar das pessoas. O título internacional, Late Shift, pode ser traduzido para “turno tardio”, o que faz referência para o turno de trabalho que acompanhamos no filme.

Com Heldin, eu estreio a minha categoria do Oscar 2026. Sim, minha gente, estamos em setembro de 2025, mas eu já preciso começar a me apressar e olhar para produções que podem ter alguma chance no próximo Oscar ou ao menos serem indicadas para a maior premiação de Hollywood porque eu quero seguir com a tradição aqui do blog de comentar sobre esse prêmio. Bóra seguir nessa toada juntos? Bóra lá! O tempo é curto para o cinema, então temos que ser estratégicos. 😉

CONCLUSÃO

Um filme que coloca em primeiro plano o trabalho de uma enfermeira. Ela representa todos os profissionais dessa área, muito valorizados na época da pandemia de Covid-19 mas, depois disso, novamente “esquecidos” ou relegados à segundo plano. Pessoas com dedicação extrema ao próximo e que fazem um dos trabalhos mais bonitos dos quais um dia teremos notícia – ou com os quais iremos nos deparar. Um filme bem conduzido, com um ritmo e uma duração adequados, com uma excelente atriz no trabalho de protagonista e com um elenco secundário que faz uma bela entrega. Produção envolvente, com bom ritmo e que faz pensar sobre algumas questões fundamentais.

Todas as pessoas, quando estão doentes, perto de morrer ou de ganhar um pouco mais de tempo de vida após passarem por um hospital, são iguais. Literalmente. Não importa o dinheiro que a pessoa tenha, se ela está sozinha ou acompanhada ou o que ela fez antes de chegar ali. Todas são tratadas da mesma forma por profissionais dedicados, apesar de geralmente sobrecarregados. Heldin nos mostra como precisamos de enfermeiras e enfermeiros e como estaríamos perdidos sem eles, apesar deles serem menos valorizados do que deveriam. Um filme bem conduzido, que faz suas provocações na medida certa, mas que acaba tendo um impacto menor do que poderia porque ele vem após um ano com a série The Pitt abalando estruturas. É bom, mas acho que não chega a uma indicação ao Oscar.

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Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 25 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing, professora universitária (cursos de graduação e pós-graduação) e, atualmente, atuo como empreendedora após criar a minha própria empresa na área da comunicação.

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