O diretor David Lynch é um destes sujeitos que eu adoro acompanhar. Quando ele lança um novo filme, estou atrás. Então, quando vi que sua filha, Jennifer Chambers Lynch, havia se lançado no mesmo ofício, fiquei curiosa. Certo que Surveillance não foi seu único filme – o anterior, o superatacado Boxing Helena, ignorei solenemente. Mas foi o primeiro em 15 anos… e, para mim, o primeiro dela que eu assisti. E gostei, gostei muito. Talvez ele marque o começo de um caminho de redenção para a moça – hoje com 41 anos. Tomara que ela siga os passos de outra diretora filha de celebridade, como é o caso de Sofia Coppola, filha de Francis Ford Coppola. Desejo sorte, para ambas – e que as críticas negativas não lhes tirem a vontade de filmar.
A HISTÓRIA: Dois criminosos invadem o quarto de um casal e matam, brutalmente, o homem que estava dormindo segundos antes. A mulher consegue fugir, mas é perseguida pela rua. A sequência dura até que terminam os créditos iniciais. Corta. Aparece na tela os agentes do FBI Elizabeth Anderson (Julia Ormond) e Sam Hallaway (Bill Pullman), que se dirigem para uma delegacia local para interrogar os três sobreviventes de um massacre. Confrontando as versões do que havia acontecido na manhã do dia anterior, eles devem equilibrar os ânimos dos policiais locais, resistentes a uma “interferência” do FBI na investigação dos serial killers, e conseguir, ao mesmo tempo, descobrir a verdade através da ótica dos sobreviventes de um dos crimes.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Surveillance): Como um legítimo thriller, Surveillance é recheado de momentos de tensão, de crimes, terror e, claro, alguma reviravolta. Mas, devo admitir, que fazia um bom tempinho que eu não era tão surpreendida por uma história quanto esta. (SPOILER – por isso volto a insistir, não leiam a partir daqui para não estragarem o filme inteiro). Em momento algum eu desconfiei que os mocinhos eram, na verdade, os bandidos. Impressionante o chapéu que os roteiristas Ken Harper e Jennifer Chambers Lynch nos dão. E também merece aplausos as interpretações dos protagonistas, é claro. Porque eles não escondem, em momento algum, um certo “descontrole” – sem, contudo, nos revelar a verdadeira fonte de seu “tesão”. Depois que acontece a reviravolta na história, tudo parece fazer ainda mais sentido.
Não sei os demais críticos, mas para mim o filme funciona em todos os seus elementos. Para começar, achei acertada – e pontual, sem ser exagerada – a diferenciação do “tempo narrativo” de Surveillance. Isso ficou por conta da direção de fotografia de Peter Wunstorf, que supervalorizou a luz nos “flashback’s” imprimindo uma idéia de “passado violento carregado de cores irreais”. Um recurso interessante, já que o usual, em filmes do gênero, seria tornar os mesmos flashback’s mais sombrios e/ou carregados. Na visão de Wunstorf a versão de cada sobrevivente dos crimes deve ter uma luz superexposta – que até poderia queimar as suas mentiras? Para contrastar com esta luz exagerada, o presente se mostra natural e, algumas vezes, até um pouco sombrio (um prenúncio do que vai acontecer?).
O elenco também funciona. Especialmente os protagonistas, Julia Ormond e Bill Pullman, que se saem muito bem em papéis que não são nem um pouco frequentes em suas respectivas carreiras. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Os dois seguram muito bem o suspense na medida em que eles não deixam transparecer, em momento algum, a verdadeira motivação por trás de seu “trabalho” como agentes do FBI. Quando descobrimos, para nosso deleite, eles não viram assassinos enlouquecidos, mas a encarnação pura e simples de um casal de serial killers que alimenta o seu tesão um pelo outro através do crime. E, depois de assistir a Surveillance, sou da opinião que este tipo de filme cai como uma luva para Ormond e Pullman – podia ter uma sequência desta história, hein, hein? 😉
Além deles, merece destaque o trabalho da menina Ryan Simpkins como Stephanie. Como algumas outras crianças em Hollywood anteriormente, ela demonstra segurança e maturidade em sua interpretação. Também estão bem seus papéis Pell James como a permanentemente chapada Bobbi Prescott; Ken Harper como o enlouquecido policial Jack Bennet; e, em menor medida – porque fazem papéis menos importantes, French Stewart como o parceiro de Jack, Jim Conrad; o veterano Michael Ironside como o Capitão Billings; Gill Gayle como o policial “de pá virada” Degrasso e, por fim, Charlie Newmark como o policial Wright.
Mas para não dizer que tudo são flores, Surveillance tem um pequeno grande problema na hora de nos convencer de toda a sua história. (SPOILER – não leia para… você já sabe, estragar o filme). Ok que thriller’s não precisam ser totalmente lógicos. Mas se o roteiro estava se esmeirando tanto até então… Achei genial, por exemplo, a saída de Lynch e Harper (que, só agora, me toquei ser o policial atirador) para a morte de tantas pessoas em sequência. Afinal, até o momento em que os crimes ocorreram, eu fiquei pensando: “Como duas pessoas podem ter matado cinco de uma só vez? Ou não eram apenas dois criminosos?”. Então a saída para este problema foi bastante original. Mas o problema está em dois momentos perto do final… ou alguém vai me convencer que o policial vivido por Harper, tão bom na pontaria, erraria duas vezes na hora de matar Elizabeth Anderson? Ah não, né? Em duas ocasiões ele tinha a criminosa no alvo e simplesmente… errou? Esse deslize do roteiro fez o filme cair no meu conceito original.
Mas descontado este “defeito” do roteiro, é preciso admitir que o texto tem algumas tiradas ótimas. Como quando Bobbi ironiza sobre o “apetite sexual” de Elizabeth, comentando que ele não parecia o de uma policial. hehehehehehehe. Ou o terror psicológico praticado pela dupla Jack e Jim contra os motoristas e os acompanhantes dos dois carros envolvidos na carnificina. Também acertada a brincadeira com a tão famosa “queda-de-braços” entre os policiais e os agentes do FBI e similares. Normalmente funciona a ironia com os lugares-comum.
(SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Agora, certamente alguém vai comparar Surveillance com Natural Born Killers, uma obra-prima (para o meu gosto) de Oliver Stone. Certo, certo… as duas histórias contam as desventuras de um casal de serial killers… mas as semelhanças terminam por aí. Pessoalmente, acho difícil comparar os dois filmes, porque no de Stone os protagonistas são declaradamente insanos, enquanto no filme de Lynch eles são, mais que nada, frios e calculistas. A intenção dos filmes, sua dinâmica e características narrativas também são muito diferentes. Ou seja, repito, não dá para comparar.
NOTA: 9.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: Não é todos os dias que um ator se revela um grande roteirista e, de quebra, um competente produtor. Por isso mesmo, merece entrar na lista de nomes a serem observados o de Kent Harper. Depois de atuar em nove filmes e de produzir seis longa-metragens, ele se lançou no ofício de roteirista ao lado de Jennifer Chambers Lynch, nos presenteando com este interessante trabalho chamado Surveillance. Este ano, em 2009, ele estréia em outra frente: a de diretor. Harper dirige e estrela dois novos roteiros de sua autoria: Man Against Man e Lost in Utopia. Para este ano está previsto ainda que outro roteiro seu ganhe forma, o de The Script, que será dirigido por Raj Pathak. O problema de todos estes projetos, ao dar uma olhada neles no IMDb, é que nenhum parece estar andando pra frente. Ainda assim, vale a pena ficar de olho em Harper.
Para os que gostaram da trilha sonora do filme, vale citar o seu autor, Todd Bryanton. Outro que faz um bom trabalho na produção é o editor Daryl K. Davis.
Surveillance é um bom exemplo de como uma produção de baixo custo pode render um filme bacana. Ele custou, aproximadamente, US$ 3,5 milhões. Para se ter uma idéia, isso representa menos de um quarto do que consumiu o suspense Transsiberian, recentemente comentado aqui no blog – e, cá entre nós, inferior a Surveillance. Difícil ainda medir o sucesso do filme entre o público, já que ele estreou, até agora, basicamente em festivais – e em alguns mercados de forma limitada.
Em sua trajetória por diferentes festivais, Surveillance abocanhou três prêmios: de Melhor Filme no Sitges – Catalonian International Film Festival do ano passado e os de Melhor Atriz (para Ryan Simpkins) e de Melhor Direção no New York City Horror Film Festival. Merecidos, eu diria.
Por tudo que eu comentei, achei muito baixa a nota que o filme recebeu na avaliação dos usuários do site IMDb: 6,5. Os críticos que tem seus textos reunidos no site Rotten Tomatoes foram um pouco (pouco mesmo) mais generosos: dedicaram 18 textos positivos e sete negativos para a produção, o que lhe rendeu uma aprovação de 77%.
E uma curiosidade desta produção: ela é financiada com dinheiro dos Estados Unidos e da Alemanha. Tenho notado que os alemães têm investido bastante no cinema ultimamente, seja em produções 100% germânicas ou em variadas e cada vez mais comuns co-produções com outros países.
Sei que é quase redundante fazer este alerta, mas sim, Surveillance tem um bocado de violência e sangue na tela – os sensíveis devem pensar duas vezes em assistí-lo, ainda que não exista nada verdadeiramente forte para assustar.
Antes comentei sobre a diretora, Jennifer Chambers Lynch, estar envolvida em um novo projeto. Pois está em fase de pré-produção o filme dirigido e roteirizado por Lynch chamado Hisss, um thriller/terror baseado em um mito antigo do Oriente sobre uma mulher-cobra que se transformava em figura humana quando fosse necessário. Filmado na Índia, Hisss é estrelado por Mallika Sherawat, uma das mulheres asiáticas mais sexy segundo a UK Magazine.
CONCLUSÃO: Segundo filme no currículo da filha do diretor David Lynch que, depois do bombardeio de sua estréia nos cinemas, ficou 15 anos sem filmar. De volta à ativa, Jennifer Chambers Lynch mostra que tem talento e competência para seguir na linha do thriller e de filmes de terror/suspense. Contando com um elenco bastante competente, que contrabalanceia na medida certa a experiência de Julia Ormond e Bill Pullman com o talento emergente da revelação Ryan Simpkins, Lynch nos conta a tradicional história de crimes narrados em flashback para, depois, nos surpreender. Bem dirigido e com uma fotografia que separa muito bem o presente do passado imediato, é uma produção barata que deve agradar aos fãs do gênero.
SUGESTÕES DE LEITORES (ATUALIZAÇÃO – 6/7/2009): Ai, ai, ai… que falha imperdoável!! Revisando a minha lista de filmes sugeridos por leitores deste blog é que eu me dei conta desta minha falha gigantesca! Surveillance tinha sido sugerido pelo querido leitor deste blog Enzo há muito tempo. Ai, Enzo, espero que você possa me perdoar por ter escrito este texto e não ter me dado conta que tu já tinhas comentado sobre este filme muito antes. Puf! Que erro o meu! Bem, mas é isso… antes tarde do que nunca para fazer uma correção como esta. Pois que fique registrado que o Enzo tinha sugerido Surveillance, ok? Obrigada, Enzo. Um filme bem bacana, realmente.
4 respostas em “Surveillance – Sob Controle”
Olá Alessandra. Filme da filha de David Lynch? Veja só q interessante?! E o pior é q ver o Bill Pullman no pôster numa autoestrada me lembrou na hora do filme Estrada Perdida. Bela dica! Verei com certeza. abs.
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Olá Ale, tudo bem?
Nossa que bom que você gostou do filme, foi o primeiro filme dela que vi, gostei logo de cara dela. Legal você ter sitado a Sofia Capolla, adoro os filmes dela principalmente “Lost In Translation” .
Agora estou com problemas na internet e fica dificil acompanhar aqui. mas farei um esforço.
Abraços,
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Oi Charles!!
Ah vai… não me diga que não é curioso e/ou interessante acompanhar o trabalho de uma herdeira de um cineasta talentoso? O mesmo com Sofia Coppola e outros. Eu, pessoalmente, tenho muita curiosidade em saber como os herdeiros de um “legado” e/ou estilo se viram com o fato de serem encarados sempre pelo sobrenome antes do que por outra característica de estilo ou talento.
Além do mais, tive um especial interesse pelo caso da família Lynch porque, afinal, Mr. David não é das figuras mais convencionais. Então queria saber se a filha seguiu o mesmo caminho ou se “virou a casaca”. Sou uma curiosa sobre os fatores que nos formam, que fazem com que nós sejamos quem somos – e a família é um fator importante nisso.
Agora, tens toda a razão sobre Bill Pullman e a Estrada Perdida. Grande lembrança!!
Um abraço, Charles, e espero que voltes logo por aqui – inclusive para falar o que achaste de Surveillance.
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Olá Enzo!
Sentia a sua falta por aqui… 😉
Gostei mesmo deste trabalho da Srta. Jennifer Lynch. Também gosto muito do que faz a Sra. Sofia Coppola. São dois exemplos de filhas de diretores que tem um legado bastante “asfixiante” e que vêem apresentando um trabalho curioso – admito que a Sofia Coppola mais que a Jennifer Lynch, mas paciência. Cada uma no seu estilo.
Espero que teu problema com a internet se resolva o mais rápido possível. Andei ausente do blog também, mas por motivos de trabalho e pessoais. Mas agora está tudo caminhando bem, tudo resolvido.
Um grande abraço e até breve!
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