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GasLand


O que você faria se uma grande empresa do setor energético chegasse no lugar em que você mora e oferecesse uma boa grana por suas terras? Considerando, claro, que você morasse em uma casa com um terreno considerável, cercado(a) de natureza e que, sob o solo, existisse uma bela quantidade de gás natural a ser explorada. Talvez você pensasse na proposta e até vendesse as suas terras. Mas Josh Fox aproveitou a oportunidade para dirigir, escrever o roteiro e produzir o documentário GasLand, que concorreu ao Oscar deste ano. O filme é importante, pela denúncia que faz e pelo tipo de crítica que pode provocar em quem não está familiarizado com o tema – a maioria das pessoas – mas, cá entre nós, peca um pouco pela falta de malícia (o que é o mesmo que dizer que ele é um pouco “inocente” demais).

A HISTÓRIA: Um homem com máscara empunhando um banjo aparece em frente à câmera, com uma usina aos fundos, comentando que sempre acreditou que a humanidade seria capaz de fazer as escolhas certas. Corta. Daí passamos a acompanhar uma sessão da comissão que trata do setor de energia e minerais no Congresso dos Estados Unidos. Corta. Cenas mostram neve, estradas, árvores. E um dos participantes da sessão comenta que há muitos lugares no país que contem bilhões de metros cúbicos de gás natural. Enquanto os engravatados defendem a exploração do gás natural, o diretor mostra detalhes da reunião, como o fato deles estarem bebendo água mineral. Os executivos citam estudos que “comprovam” que a perfuração hidráulica para a retirada de gás natural não prejudica a água potável. Em seguida, o diretor Josh Fox se apresenta. Conta a sua história e parte para descobrir o que, de fato, se esconde por trás dos discursos dos engravatados. Ele percorre boa parte dos Estados Unidos contando a história de pessoas que tiveram as suas águas contaminadas pela exploração do gás natural. E através deste seu trabalho independente, procura alertar quem ainda não caiu no argumento das grandes empresas para os problemas que este tipo de exploração traz para a natureza e para a saúde das pessoas que vivem perto dos locais perfurados.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso só recomendo que continue a ler quem já assistiu a GasLand): No melhor estilo conclamado por Glauber Rocha de “uma ideia na cabeça, uma câmera na mão”, o diretor Josh Fox estreou no universo dos documentários com GasLand. Partindo de sua história pessoal, resgatando a forma de vida e os ensinamentos dos pais, que eram hippies, e que escolheram uma casa para morar junto a um rio, Fox parte para desbravar os interesses, o dinheiro e o poder que envolvem aqueles que exploram a lucrativa indústria de extração de gás natural nos Estados Unidos.

O discurso do diretor fica claro desde o início, quando ele menciona Pete Seeger, o homem que empunhou um banjo em 1972, ano em que Fox nasceu, para denunciar a poluição no Rio Hudson. No mesmo ano, Richard Nixon assinou a lei de proteção da água. Estas informações no princípio esboçam o “espírito” da produção que, claramente, surge para criticar a exploração energética nos moldes em que ela é feita atualmente. Fox resgata a herança hippie de seus pais para fazer o público refletir de como as práticas de exploração sem critério da natureza, como tem sido feito há várias décadas, não pode continuar.

Após comentar sobre a sua própria vida, origem e o local em que ele mora – um “pano de fundo” para o discurso que virá a seguir -, Fox comenta sobre o e-mail que recebeu de uma empresa de gás que informava o diretor que ele tinha a sua propriedade sobre um manancial de gás chamado Marcellus, que passa por quatro estados do país. No mesmo documento, a empresa afirmava que ele não precisava vender a sua terra, mas alugá-la. Os 39 hectares renderam quase US$ 100 mil. A chance de ganhar dinheiro assim “fácil” não convenceu o diretor. Sem acreditar nos anúncios que dizem que o gás natural é um combustível limpo, Fox resolveu descobrir o que aconteceu com pessoas que, como ele, estavam em dúvida sobre abrir o próprio quintal para a exploração das grandes empresas, aqueles que resolveram assinar o contrato e alugar as próprias terras.

A crítica política está lá, quando o diretor mostra como George W. Bush e Dick Cheney mudaram as leis do país para beneficiar as grandes empresas que exploram o segmento de gás natural, tirando delas a responsabilidade por uma série de problemas que esta exploração pode causar para o meio ambiente. (Crítica e reflexão similar já havia sido feita envolvendo os dois nomes e a indústria armamentista e petrolífera). Bacana a forma com que Fox explica a exploração pelo método de “fratura”, dá os nomes aos bois (ou seja, às empresas que exploram esse tipo de combustível) e revela como o problema está espalhado por 34 estados do país. O diretor apresenta as  informações de forma bem didática e sem ser cansativo.

Interessante como Fox consegue levantar a lista gigantesca de produtos químicos que são utilizados no processo e revela, através de especialistas e na prática, com torneiras expelindo uma água contaminada e inflamável, o efeito desta exploração nos Estados Unidos. Um drama não apenas ambiental, mas social. Na verdade, impossível saber o que é pior: o efeito para a saúde e o futuro de tanta gente, ou o estrago sem remédio para a natureza. Impressionante a quantidade de água, que cada vez mais é chamada de “bem finito”, que é utilizada para estes processos de exploração do gás natural. E depois eles nos cobram do desperdício das torneiras… ok, nós também precisamos fazer a nossa parte. Mas estas grandes empresas? Estes sujeitos que ganham fortunas nestes processos de exploração e montam corporações que modificam as leis de um país, pagando um pouco de “propina” para alguns políticos, que tipo de responsabilidade eles tem? Nenhuma, denuncia GasLand.

A parte da denúncia é importante, nesta produção. E o filme ganha o inevitável e fundamental caráter humano quando as histórias das pessoas vão sendo reveladas. Muitos doentes. Outros sem esperança. Finalmente, depois de ouvir alguns especialistas – mas receber apenas “negativas” das empresas, Fox consegue “ouvir” (entre aspas mesmo, porque ele não consegue entrevistar ninguém, na prática) a alguns de seus representantes na sessão do Congresso. O filme fecha com aqueles discursos vazios, retomando o início da produção, mas com a diferença do “miolo” narrativo cheio de denúncias ter transcorrido entre o ponto inicial e o final.

As intenções de Fox são muito boas, sem dúvida. E o filme merece palmas por ter sido feito, de forma independente. Quem dera que mais denúncias como esta, que coloca o dedo na ferida de grandes empresas sem nenhuma (ou pouca) preocupação ambiental e social, sejam feitas. Mas apesar destas qualidades, não devo me esquivar de analisar a produção como uma obra de cinema.

Neste sentido, e perto do que figuras como Michael Moore já fizeram em produções como Roger & Me e Bowling for Columbine, GasLand peca pela inocência. Fox não vai fundo na crítica, na reflexão e muito menos insiste o suficiente para conseguir outros tipos de resposta. Fica evidente o discurso panfletário do diretor – e nisso ele se aproxima de Moore. Ok, esse tipo de cinema também é válido. Mas sem dúvida as produções que tem uma reflexão maior e apresentam um volume mais amplo de informações ajudam muito mais o espectador e tornam os documentários mais relevantes.

Observando GasLand apenas como peça de cinema, devo dizer que o filme também perde bastante a sua força lá pelo meio. Ainda que todas as histórias mostradas sejam relevantes, elas acabam revelando-se um bocado repetitivas, lá pelas tantas. Assim como as sequências pelas “lindas paisagens preservadas dos Estados Unidos”, também repetitivas e, francamente, um bocado “pueris”. Afinal, sejamos francos: o gás natural é sim uma ótima alternativa ambiental.

Que a forma com que ele esteja sendo tratado em parte dos Estados Unidos seja incorreta, tudo bem. Mas se a exploração deste produto for feita de forma correta e segura, sem prejudicar mais danos ao meio ambiente, o gás natural é uma alternativa viável, ecológica – mais que os produtos provenientes do petróleo – e mais barata para o consumidor. Acho que faltou, por exemplo, uma reflexão sobre outros tipos de exploração do gás. Tenho certeza que existem outras formas de perfurar o solo e de extrair o gás da terra. Fiquei curiosa, por exemplo, em saber como isto é feito no Brasil, na Bolívia, na Europa e em outras partes. Essa explicação e reflexão é algo que GasLand nem tenta fazer. Um pena.

NOTA: 8,8.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: GasLand concorreu como Melhor Documentário no último Oscar, mas perdeu. Francamente, assisti ao filme antes da premiação, e já tinha o palpite que esta produção não teria chances. Primeiro que, frente aos concorrentes, ela era mais “fraquinha”, digamos assim. Mas, claro, válida. Acredito que a indicação do filme já foi uma forma de premiá-lo.

Até o momento, GasLand foi premiado uma vez: com o prêmio especial do júri como documentário no Festival de Sundance do ano passado. No mesmo ano, ele concorreu ao prêmio de Melhor Documentário, mas perdeu a disputa para Restrepo, com quem ele concorria também no Oscar deste ano. Ambos perderam, como muitos de vocês devem saber, para Inside Job.

GasLand não é o primeiro documentário dirigido por Fox. Antes dele, o diretor havia filmado Memorial Day, um drama de 2008 estrelado por Sarah Nedwek, Neil Knox, Pedro Rafael Rodriguez, entre outros. A produção tem uma nota bastante baixa no IMDb: 4,4. Sem dúvida, comparado com esta produção de 2008 (que eu não assisti, devo ressaltar), GasLand foi a melhor maneira de tirar Fox do anonimato. O diretor e roteirista tem uma filmografia curta, até o momento. Além dos dois filmes citados, ele contribuiu com o roteiro da série Bay State, exibida em 2001 e 2002. Nada demais.

O documentário de Fox merece aplausos porque foi feito de forma bastante independente. O diretor faz quase tudo. Ele é responsável por operar a câmera, pelo roteiro e tudo o mais. Da pequena equipe que contribuiu com a produção, vale citar o trabalho do editor Matthew Sanchez, os efeitos especiais e animações (basicamente os esquemas explicativos) coordenados por Juan Cardarelli e Alex Tyson, respectivamente.

Não deixa de impressionar, na “ficha técnica” do filme, a pequena lista de pessoas que fizeram parte do projeto contrastando com a imensa lista de agradecimentos do diretor. O cara foi valente, sem dúvida.

GasLand estreou no Festival de Sundance, em janeiro de 2010, e depois passou por outros três festivais, dois nos Estados Unidos e um em Helsinki. No circuito comercial, ele estrou em poucos países. Na França, por exemplo, ele está estreando nos cinemas apenas agora, no dia 6 de abril.

A bilheteria do filme nos Estados Unidos foi ínfima. Até outubro, quando o filme saiu do circuito comercial, ele havia arrecadado pouco mais de US$ 30,8 mil, o que é quase nada, mesmo para um documentário – que, exceto os de Michael Moore, tem pouca audiência nos Estados Unidos e praticamente em todas as partes.

Os usuários do site IMDb deram a nota 7,8 para GasLand. Achei uma nota muito justa. Eu teria dado o mesmo, mas fui mais “generosa” porque sempre me comovem estes filmes feitos na “cara e na coragem”. Quem me acompanha por aqui há mais tempo deve ter percebido que, nem sempre, o meu critério de notas segue apenas a razão. Sou passional, admito. E não conseguiria ser diferente por aqui também. 🙂

Os críticos que tem seus textos linkados no Rotten Tomatoes foram mais generosos com a produção. GasLand rendeu 34 críticas até o momento e, todas elas, foram positivas para a produção, o que lhe garante um raro, muito raro 100% de aprovação. A nota média destas críticas no Rotten Tomatoes é 7.

CONCLUSÃO: Um filme importante sobre um tema pouco tratado: a forma com que o gás natural é extraído do solo dos Estados Unidos. O diretor Josh Fox parte de sua história e dilema pessoais para adentrar na vida e nas queixas de muitas pessoas que se sentiram prejudicadas com este tipo de economia. Uma produção interessante, ainda que incompleta, porque deixa muitas perguntas sem resposta. Fox não insiste e nem procura compreender “o outro lado da questão” de forma adequada. Se limita a alguns telefonemas – em uma evidente tentativa de mostrar como uma pessoa comum tem dificuldades de conseguir respostas. Neste sentido, a “limitação” do diretor é válida. Mas como obra de cinema, como documentário que tenta lançar algumas “luzes” sobre o tema, GasLand contribui apenas em parte para o debate. De qualquer forma, é importante como denúncia e alerta. Sem dúvida muitas vidas, propriedades e estados no país de Fox estão condenados por causa de algumas empresas que lucram muito com o gás natural. Mas acho importante também ponderar que esta alternativa energética é interessante, se bem trabalhada, evidentemente. Agora, fiquei curiosa para saber como esta mesma exploração é feita em outras partes, especialmente nos nossos quintas – Brasil e Bolívia.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 20 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing e, atualmente, atuo como professora do curso de Jornalismo da FURB (Universidade Regional de Blumenau).

7 respostas em “GasLand”

Sua análise do filme está muito bem colocada. A moeda tem dois lados e saber criticar com lucidez, refiro-me as necessidade básicas da humanidade, é muito admirável de se constatar. Gostei. Antes da quarta parte da leitura já quase tinha desistido, mas ao perceber que o foco seu é múltiplo, decidi repassar a indicação. Obrigada. Dinah

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Quando se tem em risco o meio ambiente, conforme muito bem colocado por Josh Fox em seu documentário, não tem outro da história. O documentário é sobre a exploração do gás de xisto, muito bem colocado, e não sobre o gás liquefeito do petróleo (GLP). Apresentaram ao mundo esta nova metodologia de exploração como uma dádiva, sendo agora com este documentário colocado e xeque este sistema capitalista.

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Oi Joaquim!

Pois então, eu discordo um pouco de ti. Sempre existe “o outro” de qualquer história. Mesmo que você discorde dele, mesmo que o despreze, mas ele existe. E quando se ignora este “outro” ou “outros”, a leitura de uma realidade sempre fica mais frágil, limitada.

Agora, concordo contigo que este é o primeiro documentário que questiona um tipo de exploração considerada, até há pouco, a grande “solução” para parte dos nossos problemas. É bom quando aparece uma visão crítica divergente.

Obrigada, mais uma vez, pela tua visita e comentário. Espero encontrar-te por aqui outras vezes.

Abraços e inté!

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Oi Nanah O!

Muito obrigada. Fico feliz que você tenha gostado do texto.

Justamente. Eu acho que a gente sempre deve se preocupar em ver o “quadro inteiro”, o máximo de partes possíveis de uma mesma “verdade”.
GasLand é um belo filme, crítico – o que sempre faz falta -, mas é preciso também pensar que alguns avanços e exceções devem existir para que consigamos avançar como civilizações. Claro que o desafio é buscar o equilíbrio. Sempre.

O texto é meio grande, não é mesmo? Eu tento me conter, para não exagerar, mas algumas vezes as pessoas comentam sobre isso.

Quero te agradecer por esta visita e por este comentário. Espero que ambos se repitam muitas vezes ainda.

Um grande abraço e inté!

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Josh Fox foi perfeito em suas colocações. Conseguiu chamar atenção para o assunto, alertando todos nós para esta nova metodologia de exploração de gás em camada rochosa profunda. Colocou em xeque as reais potencialidades do gás de xisto em mudar o mundo. Não deixou dúvidas sobre os riscos de suprimento de água potável.

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Oi Joaquim!

Sim, sem dúvida Josh Fox conseguiu fazer um belo trabalho. Chamou a atenção do mundo para os perigos e para os interesses por trás deste tipo de exploração de gás.

Ele foi fundo em um tema importante para ele e que se mostrou relevante para muito mais gente – e para a Natureza.

Só que achei que, como documentário, ele poderia ser melhor. Faltaram algumas entrevistas, um pouco mais de profundidade… mas nada que tire o mérito do diretor e roteirista.

Obrigada pela tua visita e pelo teu comentário. Espero que voltes por aqui mais vezes, inclusive para falar de outros filmes.

Abraços e inté!

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apesar das criticas, acho que nehum de criticos aqui no Brasil, conseguiria fazer algo melhor, só sabemos é blá blá blá, critica daqui, critica dali, e nada…Parabéns ao rapaz lá que ao estilo Glauber Rocha ao invés de escrever o que os outros fazem, foi lá e fez. Que contribuição social, alguém dá ao criticar o trabalho do outro? kkkkk nenhuma, tem que ir lá e fazer diferente, mostrar que fez diferente. Pensa na riqueza tematica que nosso país proporciona para se explorar documentários desse cunho !!!! Nossa meu sonho era ver todo mundo, falando , denunciando, se mexendo, e o mais importante, não aceitando, esse ato de não aceitar é o que iria mudar esse país!!! Esse é meu sonho!!!! O cara não tem obrigação de ser um acadêmico, não tem obrigação de ser engenheiro de petroleo!!! não tem obrigação de envolver as milhoes de variaveis que envolvem o tema e como em tudo na vida. Ele só queria denunciar a patifaria que esta sendo feita pelas autoriadades não só ao meio ambiente, mas principalmente á aqueles moradores daquelas localidades que sem voz nehuma tem que engolir tudo guela abaixo!!!. Só isso!!!! Já foi muito!!!! Acho que ele conseguiu mais do que queria!!!!!!

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