Eis mais uma obra de um cineasta multicultural e que gosta de utilizar diferentes referências em sua obra. E o melhor: com dois ótimos desempenhos de atores brasileiros. Elysium é mais uma demonstração do talento do diretor e roteirista Neill Blomkamp que reforça nesta nova produção o estilo de cinema moderno e com preocupação social que tínhamos visto antes em District 9. Novamente o espectador tem aqui uma história futurística, mas que trata de desigualdades sociais, segregação e a busca pela sobrevivência. Mas com alguns toques diferentes.
A HISTÓRIA: Lixões e favelas por todos os lados. No final do século 21, a Terra sofre com o excesso de poluição e de habitantes. Cenas gerais de Los Angeles mostram prédios em decadência acentuada, como frutas em decomposição. Fora da Terra, vista do alto com aquela bela imagem tradicional, os ricos mantêm o padrão de vida em um complexo de alta tecnologia chamado Elysium. Lá não existe poluição e nem superpopulação.
Na Terra, o garoto Max (Maxwell Perry Cotton quando criança, Matt Damon na vida adulta) olha para Elysium e sonha com o dia em que poderá levar Frey (Valentina Giron quando criança, Alice Braga na vida adulta) para lá. No futuro, na Los Angeles de 2154, Max tenta levar uma vida regrada, enquanto cumpre liberdade condicional, mas após um acidente no trabalho, ele empreende uma cruzada para tentar furar o bloqueio de Elysium e buscar a cura por lá.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso só recomendo que continue a ler quem já assistiu a Elysium): Quem assistiu a District 9 (comentado aqui no blog) vai encontrar muitos elementos em comum em Elysium. Para começar, o ambiente futurista. Depois, a crítica nas entrelinhas para a desigualdade social que vivemos atualmente, só que potencializada com o passar do tempo. Novamente o diretor Neill Blomkamp não coloca as suas fichas em um futuro cheio de esperança para a Humanidade.
Pelo contrário. Ele acredita na filosofia popularizada por Thomas Hobbes de que o homem é o lobo do homem. Novamente a pobreza e a degradação viraram paisagem costumeira nas grandes cidades. Só que diferente de District 9, os guetos futuristas dividem as pessoas em diferentes órbitas. Enquanto os ricos vivem no paraíso com vistas para o azul da Terra e para o infinito do restante da nossa galáxia, os demais humanos se lascam por aqui mesmo, sofrendo com doenças cada vez mais frequentes causadas pela escassez de recursos e pela poluição.
E aí surge o primeiro questionamento sobre Elysium: por que cargas d’água os ricos resolveram fazer o seu oasis particular tão perto da Terra, tornando-se alvos relativamente fáceis a ataques dos terráqueos “pobretões”? A resposta passa pelo estilo de vida que os ricos parecem ter assumido em Elysium. Lá, todos vivem “na gaita” o tempo todo. Pelo menos é o que o roteiro de Blomkamp sugere.
Há alguns homens de negócios, mas as empresas deles, como a Armadyne, de John Carlyle (William Fichtner), funcionam na Terra, explorando uma mão de obra barata. Alguém precisa fabricar os robôs que fazem o trabalho pesado em Elysium e na Terra, e estas pessoas só podem ser os pobretões que não tem dinheiro para pagar pela tecnologia que promete resolver todos os problemas de saúde na estação futurista que orbita próxima da Terra.
Impossível não lembrar de The Terminator, um clássico do gênero, e pensar que mais eficaz que fazer missões para invadir Elysium, sendo que a maioria acabava em naves destruídas, seria promover uma rebelião contra as máquinas e os humanos que estavam por trás delas na Terra, não? Elysium funciona bem enquanto está acontecendo, porque o filme não para. A ação planejada por Blomkamp impede que o espectador pense nos detalhes sobre o que está vendo.
Claro que durante o filme eu já achei estranha aquela escolha de local para Elysium, assim como a lógica do revolucionário Spider (Wagner Moura), que queria que todas as pessoas na Terra tivessem os mesmos direitos que os ricaços de Elysium. A proposta é idealista e inviável, evidentemente. E isso você consegue pensar durante o filme. Mas quando ele termina, muitos outros questionamentos surgem. Mas afinal, por que a ideologia de Spider, apesar de bonita, é inviável e absurda?
Porque de acordo com o roteiro de Blomkamp, os ricaços de Elysium tem a seu dispor tecnologia que cura todas as doenças e, assim, dá “vida eterna” para quem pode pagar por isso. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Certo. E o que acontece quando esse tratamento é dado para todas as pessoas? Bem, segundo a introdução do filme, a Terra já está superpovoada. Agora, imagine as pessoas parando de morrer? O mundo seria totalmente inviável. Não teria cópias de Elysium suficientes para abrigar esta lógica um bocado pueril.
Claro que há um razão de ser para o diretor e roteirista tocar neste ponto das possíveis desigualdades sociais. Ele foca na segregação das pessoas que tem diferentes formas de conseguir assistência à saúde quando elas precisam porque este é um filme feito em Hollywood. Nada melhor que ambientar a produção em Los Angeles, uma das principais cidades do país onde a saúde é um caso sério, difícil de ser resolvido, e que virou tema de batalha quase campal nos últimos três anos. Barack Obama foi eleito prometendo mudanças sérias no sistema de saúde dos Estados Unidos.
O chamado Obamacare dividiu o país em profundos debates. Elysium roça neste assunto que é importante para qualquer país, independente do sistema de saúde adotado. Vide o Brasil, que funciona com outra lógica, e onde a assistência médica é complicada da sua própria maneira. Igualmente criticada e alvo de polêmica, como o recente programa Mais Médicos.
Bueno, explicado o contexto da ficção, o importante é que a vontade do diretor e roteirista em deixar a fantasia com uma corrente amarrada na realidade segue forte. Para o meu gosto, vejo como importante um cineasta definir um estilo de fazer filmes e manter-se coerente com ele. Neste sentido, Elysium tem boas intenções.
Apesar desta assistência médica perfeita inviável que é o alvo principal dos personagens centrais do filme, a produção tem um bom ritmo, efeitos especiais de primeira, uma boa condução da história e, o que de fato nos interessa, ótimas atuações. Os brasileiros – e não quero ser preconceituosa com o comentário, mas o passado alguma vezes nos condena – desta vez fazem um belo trabalho. Wagner Moura e Alice Braga tem papéis de destaque na produção.
Diferente de outros filmes em que tivemos a paixão verde-e-amarela de pontas erroneamente inflada, neste caso realmente há protagonismo de conterrâneos em um filmão de Hollywood. Eles, assim como o amigo de Max, Julio, vivido pelo sempre ótimo Diego Luna, fazem interpretações convincentes.
Mesmo Wagner Moura afirmando em uma entrevista para a Folha de S. Paulo recente de que prefere exagerar nos personagens, apostando no estilo “axé acting”, do que fazendo interpretações abaixo do tom, achei o trabalho do brasileiro exatamente no nível adequado. Convenhamos que o personagem dele é naturalmente exagerado, porque vive sempre pisando na linha tênue entre o vilão e o herói. Aquele que busca uma saída honrosa para todo mundo e que, ao mesmo tempo, explora muita gente.
Natural que a atitude dele em cena tenha que ser exagerada em alguns momentos – mas totalmente dentro do esperado para o personagem. Alice Braga também está muito bem. Apesar de ser a “mocinha” da produção, contudo, ele é uma das personagens que menos aparece. E, assim como quase todos os outros, tem pouco de sua história aprofundada. Em um filme em que a ação, as perseguições e o velho jogo-do-gato-correndo-atrás-do-rato acabam sendo o miolo da história, sobra pouco espaço para aprofundar a história dos personagens. Senti um pouco de falta disso.
Ainda assim, Alice Braga está bem sempre que aparece. Linda, quando sorri é impossível pensar que Max vai ficar focado em si mesmo por muito tempo. 🙂 Além do pano de fundo da assistência de saúde ruim, Elysium faz uma crítica a outro tema polêmico e bastante atual: a postura que os departamentos de segurança de alguns países que são líderes mundiais assumem frente à diferentes “ameaças”. Essa crítica pode ser vista na definição de dois personagens.
Primeiro, a secretária de Defesa Delacourt, interpretada por Jodie Foster, que não pensa nem meio segundo em autorizar a explosão de duas naves com 46 pessoas inocentes e nada armadas dentro. Depois, aparece na figura do vilão desta história, Kruger, interpretado por Sharlto Copley, um agente não autorizado e “secreto” que é acionado sempre que necessário para fazer o serviço sujo.
Não apenas Guantánamo, mas tantas outras histórias recentes e reais demonstram que há abusos do “sistema”, seja nas ordens, seja na dinâmica da ação, em nome da “segurança” de uma nação poderosa. Finalmente, há um outro ponto que Elysium roça e que pode incomodar a algumas pessoas: o povo que ficou na Terra, pelo menos o que vive em Los Angeles, vive falando espanhol e inglês. Este detalhe faz uma clara alusão aos imigrantes que enchem cada vez mais as ruas de qualquer metrópole do planeta. No futuro longínquo, afinal, não seria nada absurdo pensar nos “pobres” dos Estados Unidos falando inglês e espanhol misturado.
Mesmo sendo compreensível, não deixa de ser estranho ver isso na telona. Comento estes pontos porque Elysium, sem dúvida, é um filme clássico de ficção científica com várias “mensagens subliminares” estrategicamente pensadas pelo seu realizador. Esse é o estilo de Neill Blomkamp, pelo menos até agora. Logo mais veremos até quando ele vai estender a mistura entre futurismo com críticas contemporâneas, quase um realismo fantástico, se ele comportasse o que ainda não existe. 🙂
No fim das contas, o que importa é que a narrativa de Elysium funciona, porque envolve o espectador e deixa algumas boas críticas no ar. Mesmo sendo pouco viável em termos lógicos, muitas vezes, ele tem um belo acabamento técnico, envolvimento dos atores, estilo de diretor/roteirista e toda aquela parafernália de quem curte os filmes de ficção científica. Divirta-se!
NOTA: 9.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: Neill Blomkamp dirigiu cinco curtas antes de District 9. Não assisti a nenhum deles para saber se ele tinha um estilo definido desde sempre. Mas o longa que impressionou a tanta gente em 2009 e este novo Elysium sugerem que ele gosta de trabalhar aqueles conceitos comentados logo acima. Agora, ele trabalha na pré-produção de Chappie.
O que este próximo tem em comum com os anteriores? O que sabemos, desde já, é que ele é uma ficção científica. Esta característica segue os anteriores, verdade. Mas, ao mesmo tempo, Chappie será uma comédia. Será que também com uma certa crítica social? Em 2015, quando o filme for lançado, saberemos. É esperar para ver.
Como eu disse antes, Elysium é muito bem acabado tecnicamente. Como um filme deste porte e com estas características exige. Mas da parte técnica tenho que destacar, em especial, a excelente edição da dupla Julian Clarke e Lee Smith. Sem o trabalho deles, este filme certamente não teria o ritmo que Blomkamp queria que ele tivesse. Belo e difícil trabalho.
Muito boa a direção do realizador sul-africano que, como em District 9, toma a câmera no braço e faz muitas sequências no melhor estilo de “filme de guerra realista”. Mas, distinto da produção anterior, em Elysium há sequências mais lentas, panorâmicas, que dão tempo para mostrar o espaço conquistado e valorizar os “dramas humanos”, especialmente nas capturas de gente ou nos raros momentos em que os personagens tem tempo para se emocionarem.
Dos atores principais deste filme, só fiquei com pena da Jodie Foster. O papel dela é tão raso que ela não pode fazer muito com aquele perfil de “megera má”, com tudo que a redundância pode reforçar do conceito. Ela está bem, claro. Até porque eu não consigo vê-la mal em qualquer filme. Mas seu papel é muito raso, como outros deste filme – vide os da Alice Braga e do Diego Luna.
Dos coadjuvantes deste filme, vale comentar a atuação de Josh Blacker como Crowe, um dos homens de confiança do vilão Kruger e que, normalmente, fica vigiando a Frey e sua filha Matilda, interpretada por Emma Tremblay; Brandon Auret como Drake, outra figura importante nos confrontos da turma de Kruger; Jose Pablo Cantillo como o tatuadão Dr. Frankenstein amigo de Spider e que transforma o moribundo Max em uma semi-máquina de exterminar; e Faran Tahir como o presidente Patel, que tenta frear Delacourt.
Da parte técnica do filme, achei um pouco exagerada, acima do tom a trilha sonora de Ryan Amon. A direção de fotografia de Trent Opaloch, por outro lado, é precisa. E vale destacar o fantástico o design de produção de Philip Ivey; os efeitos especiais da equipe de 31 profissionais comandada por Kuba Roth; a maquiagem da equipe de Fay von Schroeder e Leeann Charette; e os efeitos visuais que mobilizaram a impressionante equipe de mais de 200 profissionais – não terminei de contar porque me cansei 🙂
Não sei se Elysium terá fôlego para chegar com força para ser indicado a algum Globo de Ouro ou Oscar, mas acho que especialmente os quesitos técnicos mereciam entrar na disputa por uma vaga. Só acho que ele ficou distante de qualquer indicação… veremos, parte 2.
E agora, uma curiosidade sobre Elysium. Originalmente, o papel de Delacourt havia sido escrito para um homem. Agora, cá entre nós, bem melhor a Jodie Foster, né? Com tantas mulheres em posição de comando, nada melhor que colocar uma em posição tão de comando no filme. Aprovada a mudança.
Vindo da África do Sul, Blomkamp é legitimamente preocupado com a segregação, incluindo a história do apartheid. Pois bem, depois de falar disto indiretamente em District 9 – e aqui em Elysium também -, Blomkamp dá um pequeno lembrete do tema em um detalhe que aparece neste lançamento. Quando Kruger pega o lança-foguetes de um veículo, é possível ver o nome da “agência” para a qual ele trabalha: Civil Cooperation Bureau. Durante o apartheid na África do Sul existia um esquadrão de ataque patrocinado pelo governo que se chamava The South African Civil Cooperation Bureau.
Prova de que as pessoas deste filme são imortais é que John Carlyle teria nascido em 2010, segundo o dado biográfico dele que aparece no display do computador. Ou seja, para o tempo de Elysium, ele teria 144 anos. E bem conservado. 🙂
E uma última curiosidade: a parte central de Elysium se passa em 2154, exatamente o mesmo ano em que a história de Avatar é ambientada.
Elysium estreou em Taiwan no dia 7 de agosto e, no dia seguinte, em Israel e na Ucrânia. Na sequência, foi entrando em cartaz nos demais países mundo afora. Esta megaprodução teria custado cerca de US$ 155 milhões. Apenas nos Estados Unidos o filme fez pouco mais de US$ 89,1 milhões até esta quinta-feira, dia 19 de setembro. No restante do mundo, ele teria acumulado pouco mais de US$ 233,25 milhões. Ou seja, está pago e terá algum lucro – descontados os outros gastos que não estão apenas na feitura do filme.
Esta produção foi filmada em British Columbia, no Canadá, na Cidade do México e em Nayarit, no México. Ainda assim, é uma produção 100% dos Estados Unidos.
Os usuários do site IMDb gostaram do filme, a ponto de dar para ele a nota 7. Uma bela avaliação para os padrões do site. Os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes foram um pouco menos generosos. Eles dedicaram 151 críticas positivas e 71 negativas para a produção, o que lhe garante uma aprovação de 68% e uma nota média de 6,5.
E com este filme, engordo a lista de produções dos Estados Unidos que estou comentando por aqui após vocês, caros leitores, terem votado no país em uma enquete aqui do blog.
Ah, e antes de partir para a conclusão, vale deixar alguns textos sobre o Obamacare e afins. Aqui, um resumão sobre o governo do presidente dos Estados Unidos; neste texto, uma boa explicação sobre a reforma no sistema de saúde que Obama conseguiu aprovar em 2010; e aqui um outro explicando a campanha de defesa do presidente de suas propostas.
CONCLUSÃO: Neill Blomkamp virou uma referência em filmes de ação que se passam no futuro. E mesmo com essa ambientação futurística, as produções do diretor tem uma forte carga de reflexão contemporânea. Elysium marca o avanço no cinema de Blomkamp, que dá mais um show no domínio técnico dos recursos que ele tem disponível e também no domínio narrativo. Menos inovador que o anterior District 9, Elysium revela o que o diretor é capaz de fazer com um orçamento maior.
O visual desta produção, assim como os efeitos especiais e a escolha de ótimos atores mostra que ele sabe utilizar bem os recursos que tem disponíveis conforme vai ganhando pontos na indústria. Belo entretenimento, e com algumas pitadas de questionamento social. É o bom cinema de Blomkamp reforçando as suas credenciais. Vejamos se em uma próxima vez ele dá um passo à frente, até para não ficar muito repetitivo – dois filmes futuristas com estas características estão de bom tamanho, certo? Mesmo lembrando bastante District 9, Elysium é uma ótima experiência de cinema com argumentos, ainda que eles sejam um bocado absurdos. Vale ser visto, especialmente se você quiser abraçar a diversão e deixar para lá a lógica. Afinal, este é o típico filme em que os atores e os efeitos especiais fazem a gente esquecer as imperfeições.
Uma resposta em “Elysium”
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