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Pozitia Copilului – Child’s Pose – Instinto Materno


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Por trás de um grande idiota normalmente existe uma sequência de erros. E muitas vezes boa parte destes equívocos tem origem na criação do sujeito. Pozitia Copilului trata de um caso assim. Que poderia ser a história de diversos destes boçais que provocam horrores no trânsito ou em crimes contra as ex-namoradas e que fazem de tudo para sair ilesos. Com um baita roteiro, destes em que não é preciso tirar e nem acrescentar nada, este filme tem nas relações familiares e, especialmente, no domínio de uma mãe o seu argumento principal.

A HISTÓRIA: Sentada em um sofá e com um cigarro na mão direita, Cornelia Keneres (Luminita Gheorghiu) diz que tem vergonha de repetir o que lhe disseram. Mesmo assim, em seguida, ela diz que “estúpida” e “idiota” já viraram xingamentos habituais. Mas o grau desta vez superou em muito este padrão. Olga (Natasa Raab) escuta tudo com atenção e aconselha a irmã a deixar o filho em paz, pede para ela parar de sufocá-lo e esperar que ele a procure. Mas Cornelia não escuta. Ela diz que viu o filho, Barbu (Bogdan Dumitrache) depois de dois meses e meio e que a culpada de tudo é a nova mulher dele, Carmen (Ilinca Goia). Não vai demorar muito para que Barbu sofra um acidente grave que vai acabar testando ainda mais as relações familiares.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Pozitia Copilului): Como é bom assistir a um filme que valoriza o roteiro e o trabalho dos atores! Pozitia Copilului tem como protagonista uma mãe que faz absolutamente tudo para o filho, mesmo que ele esteja constantemente maltratando a mulher. Ser rejeitada pouco importa. Pouco a pouco vamos descobrindo mais sobre a personalidade de Barbu, assim como da protagonista, ao mesmo tempo que vai ficando claro o que aconteceu no acidente provocado pelo rapaz.

O roteiro de Razvan Radulescu com o diretor Calin Peter Netzer é uma pequena preciosidade. Antes de mais nada, porque ele vai entregando o ouro aos poucos. Nas primeiras frases do filme ficamos em dúvida sobre a origem das queixas de Cornelia. A primeira impressão é que ela está falando do marido, mas conforme o diálogo da personagem com a irmã vai se desenvolvendo, percebemos que ela está falando do filho.

O sujeito alvo de tantas críticas vamos conhecer um bocado de tempo depois, e não damos muita bola pra ele. Porque o personagem de Barbu é bem daquele jeito: um sujeito insignificante, sem nenhum grande predicado até que ele começa a abrir a boca e a maltratar a própria mãe. Na delegacia, quando ele está prestando depoimento, mais uma vez é Cornelia que se faz ouvir. O acerto no roteiro deste filme é justamente este de ir revelando sobre os personagens centrais pouco a pouco.

Outra vantagem desta história é que ela tem poucos personagens. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). O protagonismo é da mãe, Cornelia, ainda que a história toda gire em torno do filho dela. As revelações sobre estes dois personagens e a dinâmica entre eles é que vai rechear o filme. Me impressionou o realismo de Pozitia Copilului. Digo isso porque não são poucas as mães como Cornelia.

Ela não apenas faz tudo pelo filho e o coloca em primeiro lugar, como faz questão de ter controle sobre tudo – desde o filho até o marido. Cornelia tem o perfil da mulher que sufoca, que não dá espaço para os outros serem – apenas para eles obedecerem e andarem conforme a música que ela compõe. E há ao menos um momento em que ela diz o que pensa com todas as letras: quando afirma que se realiza através de Barbu.

Oras, meus caros amigos e amigas, que desvio de função para um filho é este? De fato um filho ou filha deve ser a extensão dos anseios e desejos dos pais? Que tipo de cobrança e de controle é esse? E o mais assustador é que não é apenas a personagem de Cornelia que pensa assim, mas há muitas mães e pais por aí que tem esta lógica guiando as suas vidas.

Para mim, que ainda não sou mãe e, por isso mesmo, sigo sendo apenas uma filha, uma mãe ou pai nunca podem projetar os seus sonhos e frustrações em seus filhos. Primeiro porque este tipo de cobrança é injusta. Depois, porque um filho deve ser visto como um ser único, particular, para o qual devemos dedicar o nosso melhor, ensinar valores e a fazer o certo, mas que deve ter toda a liberdade para ser o que desejar ser e desenvolver as suas próprias vocações.

Quando uma pessoa assume a postura da personagem da Cornelia, ela passa a ser a carrasca da vida do filho, dizendo o que ele deve ou não fazer, o que deve ou não pensar, sem dar qualquer espaço para a individualidade do sujeito. A excelente atriz que faz Cornelia consegue vivenciar à risca esta personagem controladora, ao mesmo tempo em que transparece todo o amor de uma mulher por seu filho. Este amor materno é imenso e belíssimo, mas deve cuidar para não ser algoz do filho e de quem mais a rodeia por consequência.

Além de ter personagens muito bem desenvolvidos, Pozitia Copilului tem uma história simples e muito bem desenvolvida. Um personagem como Barbu, um sujeito adulto que viveu sendo mimado pelos pais – especialmente pela mãe – e que, desta forma, parece não ter limites para a própria verve de crueldade, normalmente é a criatura por trás de acidentes de trânsito que vitimam o lado mais fraco. No caso do filme – e de tantos casos da vida real -, um jovem adolescente de uma família simples e sem muitos recursos.

Dentro da lógica acertada dos roteiristas Radulescu e Netzer de ir soltando as bombas aos poucos, ficamos sabendo só bem mais tarde os detalhes sobre o acidente provocado por Barbu. Quando Cornelia avança na tarefa de encobrir o crime do filho e procura o outro motorista envolvido no acidente, Dino Laurentiu (Vlad Ivanov), para fazê-lo mudar o depoimento que tinha dado até então para livrar o filho de excesso de velocidade e de imprudência na morte do jovem rapaz vizinho do local do atropelamento, ficamos sabendo que Barbu estava não apenas dirigindo acima da velocidade permitida, mas que também dirigia de forma violenta. Para ser mais precisa, praticamente disputou um racha com Laurentiu – que afirmou que o outro vinha tentando ultrapassá-lo de forma babaca há tempos.

Já vi muitas situações como aquela descrita por Laurentiu no filme. Um sujeito qualquer, um babaca destes que existe aos montes no trânsito, surge de forma virulenta atrás de um outro carro e procura retirá-lo da pista a qualquer custo para ultrapassar em uma velocidade bem acima do permitido. Este comportamento violento, para mim, sempre foi indício de sujeitos desequilibrados. E muitos deles são exatamente como Barbu, adultos que não tiveram e nem tem limites porque sempre foram superprotegidos por mães que mandam e controlam suas famílias ricas e com muitas posses para achar que podem comprar a tudo e a todos.

Quantos equívocos, meu Deus! Não apenas de mães, pais e filhos, mas também de pessoas como Laurentiu que acabam cedendo na convicção de fazer o que é certo e frear esta soberba sem limites para apenas dar razão para os idiotas em um tipo de “corporativismo” dos abastados que acaba apenas dinamitando as nossas sociedades.

Agora, ainda que Cornelia e o marido Domnul Fagarasanu (Florin Zamfirescu), conhecido mais como Relu, sejam culpados pela falta de limites do filho, não dá para ausentar Barbu de sua própria culpa. Ele é um verdadeiro cretino, destes sujeitos desprezíveis e covardes que se fazem de vítimas quando é algo do próprio interesse mas que, por trás da fumaça de ilusões, dão a impressão que são incapazes de alimentar qualquer sentimento benéfico. Eu não sei se figuras como Barbu conseguem sentir – ou que tipo de sentimentos são capazes de alimentar.

E será que este poderia ser o único futuro de um filho criado por uma mãe controladora como Cornelia? Em certo momento ela recorda da época em que Barbu era amoroso, sensível e tudo o mais. Mas os pais se equivocam achando que o filho que eles tem na infância será o mesmo sempre caso ele não aprenda os valores certos.

Me parece evidente que a criança seja “obediente” e/ou “amorosa”, afinal, ela depende dos pais e só conhece aquela realidade – até uma certa idade. Mas depois, quando passa a pensar por sua própria conta, aquele mesmo indivíduo começa a ver as falhas dos pais, começa a discordar de parte da realidade em que vive. Se esta pessoa foi criada com os valores certos, o choque pode ser mais suave. Mas se foi formada com a noção de que pode fazer tudo e que não tem barreiras para nada, certamente o efeito será pior.

Mesmo afirmando isso, evidente que eu não acredito que uma figura como Barbu não poderia ter escolhido outra realidade para si mesma. Por mais trágica ou cruel que seja a nossa formação, temos toda a liberdade para nos curarmos daquele cenário no futuro. Dá trabalho? Com certeza, mas nada é impossível para o ser humano se ele quiser buscar o caminho do bem e superar os seus próprios males.

Agora, em uma realidade como a mostrada em Pozitia Copilului, no fim das contas, qual é o saldo possível daquele cenário e que poderia ser o retrato de qualquer acidente provocado por um sujeito sem limites nas nossas rodovias e estradas reais e mortíferas? Apenas o de perdas, de vítimas provocadas por relações entre pais e filhos nada saudáveis. Não apenas os pais do garoto morto (interpretados por Adrian Titieni e Tania Popa) viraram vítimas de Barbu junto com o filho, mas também Carmen sofreu na pele os destemperos daquele homem com sérios problemas de comportamento.

Mais que um ótimo desenvolvimento no decorrer do filme, com o aprofundamento da história e dos personagens, Pozitia Copilului tem um ótimo final. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Quem estava simpatizando com Cornelia até aquele momento, dando razão para a mãe que estava fazendo de tudo para proteger o filho e afastá-lo da prisão – mesmo que isso significasse mentiras, suborno e que fosse errado -, passa a ter esta visão otimista balançada pela reta final da produção. Afinal, como não abominar aquela mulher que vai visitar os pais da vítima e que, mesmo ali, enaltece o filho ao invés de realmente se colocar no lugar dos outros? O egoísmo dela é de mexer com os brios.

E desta forma, com um roteiro inteligente e poucos atores, este filme comprova como tantos outros já fizeram que o cinema não precisa de rios de dinheiro. Basta uma grande ideia na cabeça e uma câmera na mão, praticamente. Com estes recursos é possível fazer pensar e mexer com os sentimentos e as certezas das pessoas, como este Pozitia Copilului faz muito bem.

Agora, para não dizer que o filme é perfeito, em alguns momentos há pequenas falhas na direção de Calin Peter Netzer, com um certo descontrole da câmera – especialmente quando Cornelia e Carmen chegam na casa dos pais do adolescente morto. E alguns devem ficar incomodados com a sequência final, quando Barbu vai falar com o pai do jovem e não sabemos qual é o desabafo do crápula.

Da minha parte, tenho um palpite: acho que ele foi lá pedir desculpas e dizer para o pai do garoto que ele estava disposto a pagar pelo próprio erro, a despeito da mãe superprotetora. Mas como o roteiro não deixa isso comprovado, qualquer outra versão da fala dele também é válida. Daí fica ao gosto do espectador. Muitos não gostam desta fórmula, mas eu acho os finais “abertos” sempre interessantes. Independente do gosto sobre este final, algo é certo: Pozitia Copilului cumpre muito bem o seu papel.

NOTA: 9,5.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: O ponto alto de Pozitia Copilului é, como eu disse antes, o ótimo roteiro da dupla Razvan Radulescu e Calin Peter Netzer. Mas além daquelas linhas bem escritas, com diálogos marcantes e onde não há palavra que sobre, devo destacar também o trabalho de Netzer na direção. Ele assume a postura quase de um documentarista, com uma câmera ligeira e que busca sempre estar próxima dos atores. Esqueça planos abertos e a valorização de paisagens e/ou cenários. O que interessa nesta produção é a interpretação – os gestos e o que é dito.

Este filme, para mim, é mais um exemplo como o Oscar pode ser benéfico para o cinema mundial. Eu estava de olho em Pozitia Copilului não porque o filme tinha recebido este ou aquele prêmio, mas porque era considerado um forte candidato para o Oscar – antes da lista de indicados ser divulgada. No fim das contas ele ficou de fora da reta final da disputa, mas ainda assim ele ganhou uma certa evidência. Os indicados de cada país na categoria de Melhor Filme em Língua Estrangeira, normalmente, merecem uma conferida. O difícil é arranjar tempo para ver a todos. 🙂

Fiquei impressionada com o trabalho da atriz Luminita Gheorghiu. Ela está perfeita no papel de Cornelia, em um papel que tem várias camadas de interpretação. Para mim, a qualidade desta atriz é similar ao do trabalho de Paulina García em Gloria (comentado aqui). Mas o curioso é que García foi muito mais badalada que Gheorghiu. Para ver como nem sempre os burburinhos do cinema fazem justiça com todos.

Falando nos atores de Pozitia Copilului, além de Gheorghiu, chamou muito a minha atenção o trabalho de Ilinca Goia como Carmen – ela rouba a cena toda vez que aparece e tem um momento incrível na produção quando faz aquela confissão constrangedora para a mãe de Barbu sobre a intimidade deles. Gostei também da firmeza de Vlad Ivanov no papel do arrogante Dinu Laurentiu – ele aparece pouco, mas tem uma presença marcante.

Da parte técnica do filme, o único destaque além da direção de Netzer é a edição de Dana Bunescu. O restante funciona, mas sem nenhum outro destaque.

Pozitia Copilului estreou em fevereiro de 2013 no Festival Internacional de Cinema de Berlim. Depois, o filme participaria ainda de outros 14 festivais, incluindo os de Karlovy Vary, Toronto, San Sebastián, Londres, São Paulo e Estocolmo. Nesta trajetória ele conseguiu três prêmios e foi indicado a um quarto prêmio. Entre os que recebeu, destaque para o Urso de Ouro de Melhor Filme no Festival de Berlim e para o Prêmio FIPRESCI entregue no mesmo evento.

Esta produção teria custado aproximadamente 850 mil euros e faturado, apenas nos Estados Unidos, pouco mais de US$ 33,7 mil. Pouco, quase nada, porque estreou em um circuito limitadíssimo. Infelizmente não consegui encontrar informações sobre a bilheteria do filme em outros mercados. Mas eu espero que ele consiga se pagar.

Fiquei curiosa para saber o significado do título original do filme já que, para o meu gosto, “Instinto Materno” me parecia um pouco estranho. A tradução literal de “Pozitia Copilului” é “posição do bebê”. Hummmmm… ainda mais misterioso este título. 🙂 Mas dá para usar a criatividade e fazer uma interpretação dele em relação a história do filme. O título em inglês acompanha o original, apenas a tradução para o mercado brasileiro que leva o título para outra linha.

Os usuários do site IMDb deram a nota 7,7 para este filme. Os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes escreveram 46 textos positivos e três negativos, o que lhe garante uma aprovação de 94% e uma nota média 7,5. Boas avaliações segundo os padrões dos dois sites.

Este é apenas o terceiro longa do diretor Calin Peter Netzer. Ele estreou no cinema com o curta-metragem Zapada Mieilor, de 1998. O primeiro longa veio cinco anos depois: Maria. Entre aquela produção e Pozitia Copilului, houve ainda Medalia de Onoare. Segundo o site IMDb, a melhor avaliação entre estas produções é a de Zapada Mieilor com a nota 7,9.

Pozitia Copilului é uma produção 100% da Romênia. E ela foi indicada por aquele país para representá-lo no Oscar.

CONCLUSÃO: Um filme direto, com um ótimo roteiro e interpretações muito convincentes. Pozitia Copilului é destas produções que não vão te deixar sem reação. Como um legítimo tapa no rosto, este filme pelo menos desperta reflexão, quando não alguma indignação. 🙂 E o mais interessante é que da forma com que ele é construído, bem que ele poderia ser um documentário de imersão na realidade de muitas famílias com boas condições de vida e pouca noção do que é ter relações saudáveis. Como diria o Cazuza, “só as mães são felizes”. Mesmo na infelicidade, assim parece sugerir Pozitia Copilului. Esse amor é impressionante mas, algumas vezes, também bastante destrutivo. Vale assistir, se entregar para a história e refletir sobre o que encontramos por aí.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 25 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing, professora universitária (cursos de graduação e pós-graduação) e, atualmente, atuo como empreendedora após criar a minha própria empresa na área da comunicação.

2 respostas em “Pozitia Copilului – Child’s Pose – Instinto Materno”

Primeiro queria elogiar a ideia do blog, sempre que posso acompanho. A escolha dos filmes é outra coisa muito legal, flui bem entre os diversos gostos.

Bom dito isso, queria só apontar que achei a crítica um pouco parcial na interpretação das cenas. Uma característica que me marcou no filme foi justamente essa ambiguidade que o diretor coloca ao mostrar seus personagens (bem como você marcou com uma pegada documental). Não há julgamentos por parte do roteiro ou da câmera, é preciso indicar isso na sua crítica, pois você faz vários “julgamentos” (não me leve a mal pela palavra) sem identificá-los sendo seus exclusivamente. Claro que há coisas chocantes que talvez possamos apontar claramente sendo ruins ou boas, mas é importante (claro que na minha opinião) que haja uma distinção que esse tipo de julgamento vem muito em função de nós espectadores.

No mais gosto do que você escreve e respeito muito sua sinceridade e transparência na sua escrita. Sinto sua paixão pelo cinema em cada linha.

Bom não vou me estender mais, talvez numa outra oportunidade. 🙂

Abraços,

Gabriel Müller Leal

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