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Colossal


Uma homenagem curiosa para o cinema e as séries de TV que utilizaram monstros e robôs gigantes para aterrorizar/encantar crianças e jovens mundo afora a partir dos anos 1950. Colossal utiliza uma boa dose de criatividade e de “licença poética” para revirar esse tipo de história e homenagear, junto com ela, a criatividade dos escritores. Este filme é uma grande viagem, na verdade. Tem um punhado de bons atores em papéis inusitados e uma trama que nos remete para a nossa própria infância.

A HISTÓRIA: Música dramática. Uma garota procura a boneca que ela perdeu. A mãe diz para ela desistir, mas a menina insiste, até que encontra a boneca. Ela está feliz, mas logo essa felicidade desaparece quando ela vê um monstro gigante caminhando por trás de um par de prédios. A menina grita enquanto o monstro se aproxima. Corta. 25 anos depois, as cidades estão repletas de prédios altos. Em uma desta metrópoles, Gloria (Anne Hathaway) chega em casa devagarinho. Ela logo vai pedindo desculpas para o namorado, Tim (Dan Stevens).

Enquanto ele termina o café da manhã, Gloria conta uma história sem pé nem cabeça. Tim fica irritado com mais uma cena destas e diz para Gloria que ela deve ir embora. Há mais de um ano desemprega e expulsa do apartamento do namorado, ela acaba voltando para a cidade natal, onde reencontra um amigo de infância, Oscar (Jason Sudeikis). Em pouco tempo um monstro começa a atacar Seul e, estranhamente, Gloria tem tudo a ver com isso.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Colossal): Gosto de produções com uma boa pegada “alternativa” e underground. Embarquei em Colossal por causa dos nomes envolvidos na produção e, como geralmente faço, por observar que o filme recebeu mais críticas positivas que negativas. Como é meu costume também, procurei não saber nada do filme antes de assisti-lo. Por isso mesmo foi uma grande surpresa a premissa central da produção.

De uma forma bastante despretensiosa e inteligente o diretor e roteirista Nacho Vigalondo explora a memória afetiva dos fãs das séries de TV e dos filmes protagonizados por robôs e monstros gigantes e ainda nos conta uma história de pessoas que realmente “não cresceram”. A protagonista desta produção é uma garota que teve sucesso em sair da pequena cidade em que nasceu mas que, ao não conseguir o sucesso desejado, acaba lidando mal com a própria frustração.

A história começa mostrando claramente como Gloria tem problemas com a bebida. O ponto de quebra na vida dela e que dá início ao roteiro deste filme é justamente o momento em que o namorado da protagonista se enche dos efeitos do alcoolismo na rotina da namorada e a expulsa de casa. A única saída que Gloria encontra de manter uma certa independência – ou seja, evitar a alternativa de voltar a morar com os pais – é retornar para a casa vazia da família em sua cidade natal.

Logo de cara ela “esbarra” com um amigo de infância que parece “animadíssimo” com o retorno dela para a cidade. Oscar é super prestativo, atencioso, e até um pouco exagerado em suas demonstrações de “afeto” – ele oferece para Gloria uma televisão das grandes, um emprego e, após pisar na bola, mais vários outros móveis e itens de decoração. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). A sugestão óbvia inicial é de que ele é apaixonado por Gloria desde os tempos do colégio. Ledo engano.

Uma das qualidades desta produção é que ela mostra justamente como nem tudo que parece ser bacana e legítimo é, realmente, verdadeiro. Se olharmos a essência desta história, ela trata bastante de como as aparências enganam. Afinal, o monstro gigante, feio e assustador que ataca Seul acaba se revelando “do bem”, inofensivo e bacana, enquanto o robô igualmente gigante e reluzente é “do mau”, mesquinho e vingativo. Desta forma, Vigalondo subverte alguns dos princípios das séries e filmes clássicos do gênero.

Muitas das atitudes de Gloria e de Oscar – especialmente dele – são típicas de pessoas que parece não terem crescido. Nem digo tanto sobre as brincadeiras que Gloria faz para “comprovar” que ela é o monstro que “ataca” Seul e, depois, as feitas por Oscar para testar o mesmo “poder” como robô gigante. Me refiro principalmente as ações dele de “disputa” com Gloria, em uma quebra de braço que parece não ter fim, e as dela no “enfrentamento” do amigo e no ajuste de contas com o ex-namorado.

No fim das contas, Colossal também se revela um daqueles filmes que conta uma interessante história de amadurecimento. Gloria começa perdida e sem nada e termina sabendo exatamente quem ela é. Ela é uma pessoa com valores bem definidos, preocupada com os demais e capaz de enfrentar acontecimentos malucos com um bocado de serenidade. Mesmo tendo bastante “poder” na figura do monstro que aparece em Seul, ela não se deixa deslumbrar com as possibilidades que este poder pode lhe trazer. Bem diferente do que acontece com Oscar.

Depois de passar por aquela experiência surreal e de solucionar o problema daquela forma, certamente a protagonista desta história estará muito mais preparada para enfrentar as dificuldades da vida. Este processo de amadurecimento é algo interessante em Colossal – e algo que você vai perceber apenas depois da produção terminar. Enquanto estamos assistindo ao filme, o que ressalta aos olhos é como o roteiro de Vigalongo mexe com a imaginação dos fãs das produções de monstros e robôs gigantes. Afinal, o que eles fariam se pudessem “se passar” por estes personagens?

Esta é a brincadeira central do trabalho de Vigalongo em Colossal. Mexer com a imaginação e com a paixão dos fãs do gênero. Ainda que eu conheça algumas das produções japonesas que fizeram história com personagens deste tipo, não me considero uma fã deste tipo de série de TV/filme. Por isso mesmo eu consegui assistir a Colossal de forma despretensiosa e sem tanta “paixão”.

Achei o filme divertido e com algumas tiradas bacanas – como o roteiro que Gloria cria para dar um “fim” para a seu “alter-ego” antes de Oscar radicalizar em busca dos holofotes. Ao mesmo tempo, acho que Vigalongo teve um pouco de dificuldade de “arrematar” a história. Ou seja, ele teve uma premissa interessante e algumas ideias bacanas mas demonstrou uma certa insegurança em como dar continuidade para a história. Acho que o filme perde um pouco de força com o desenrolar do roteiro e exagera um pouco a dose na disputa juvenil entre Gloria e Oscar.

No fim das contas, mais na reta final do filme, os dois parecem duas crianças brigando por causa de um mal entendido ou de um brinquedo roubado no parquinho do bairro. Dá para entender a intenção de Vigalongo em explorar este perfil de “adultos que não cresceram”, tendo questões da infância ainda mal resolvidas (no caso de Oscar), mas me pareceu um pouco forçada a forma de agir de Oscar. Talvez a escolha de Jason Sudeikis para o papel não tenha sido a melhor – ele parece sempre ter a cara de bom moço… talvez um ator que pudesse fazer mais o tipo “insensível” ou cafajeste funcionasse mais.

Colossal interessa especialmente para quem é fã de filmes/séries de TV japonesas que iniciaram a leva de produções sobre monstros e robôs gigantes. Afinal, esta produção tem um estilo “saudosista” interessante. Com um pouco de imaginação conseguimos também ver uma boa crítica de Vigalongo para a era do espetáculo, onde há muitas pessoas mais interessadas em aparecer e ficar famosas do que em construir algo que realmente perdure no tempo.

Apesar de ter estas qualidades, contudo, o filme exagera no “espírito juvenil” em diversos momentos, além de perder muito tempo na dinâmica de personagens que acabam não tendo muito interesse ou profundidade – vide os amigos de Oscar, Joel (Austin Stowell) e Garth (Tim Blake Nelson). Stowell parece estar no filme mais para acrescentar um rosto bonito na produção e uma certa “tensão de triângulo amoroso” com Oscar e Gloria do que para apresentar um personagem realmente relevante na história. Para resumir, o roteiro de Colossal poderia ser melhor.

NOTA: 8.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: Colossal tem algumas sacadas visuais bem interessantes. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Elas se resumem às sequências em que aparecem o monstro e o robô gigante. Destas cenas, destaco especialmente as que mostram os amigos de Gloria assistindo ao “ataque ao vivo” do monstro em Seul com os seus celulares antes de olharem ao redor e perceberem que os gestos da amiga eram os mesmos do personagem assustador. A sequência é interessante especialmente porque fala muito dos nossos dias – quando algumas pessoas “enfiam” a cara no celular – seja nas refeições, seja assistindo a um show – ao invés de perceberem o que está acontecendo ao seu próprio redor. Reveladora.

Apesar do filme ter uma certa “barrigada” lá pelas tantas – o roteiro perde um pouco de interesse quando fica centrado na queda de braço entre Oscar e Gloria -, o final redime um pouco a história de Nacho Vigalondo. Gloria “desperta” para a mais inteligente e definitiva saída para o seu problema. Além disso, a última sequência ainda abre uma frente para outras teorias sobre o que aconteceu – como a de que Gloria teria imaginado tudo em um de seus grandes porres. O roteirista acerta no final – e isso é um alívio, porque o filme corria o risco de terminar de forma bem idiota.

Entre os atores, o destaque desta produção é Anne Hathaway. Ela faz uma interpretação bastante crível em um filme nonsense, o que apenas demonstra o seu talento – não seria difícil ela cair no exagero ou apresentar um desempenho um tanto caricatural. Mas não. O espectador acredita em todas as variáveis e na inconstância da personagem vivida pela atriz. Jason Sudeikis também faz um bom trabalho, mas parece que ele não se encaixa totalmente no perfil do personagem.

Colossal é muito centrado nos personagens de Gloria e Oscar. Mas outros atores, como Austin Stowell, Tim Blake Nelson e Dan Stevens tem boas oportunidades de mostrar trabalho nesta produção. Outros nomes que vale citar são o de Hannah Cheramy como Gloria quando criança e Nathan Ellison como o Oscar da mesma época.

Da parte técnica do filme, merece destaque a trilha sonora de Bear McCreary; a direção de fotografia de Eric Kress; a edição de Ben Baudhuin e de Luke Doolan; o design de produção interessante e que faz jus aos filmes japoneses e que leva a assinatura de Sue Chan; a direção de arte de Roger Fires; o trabalho dos 17 profissionais envolvidos com o departamento de arte; o belo trabalho dos 13 profissionais responsáveis pelo departamento de som; os efeitos especiais de Tracey Blumel, Robert Musnicki e Jak Osmond; e os 33 profissionais envolvidos no trabalho fundamental dos efeitos visuais.

Colossal estreou em setembro de 2016 no Festival Internacional de Cinema de Toronto. Depois o filme participou de outros seis festivais. O próximo da lista começa no dia 1º de julho de 2017: o Festival Internacional de Cinema Fantástico Neuchatel. Nesta trajetória o filme conquistou três prêmios: Melhor Filme no Austin Fantastic Fest; Melhor Ator Coadjuvante para Jason Sudeikis e Melhor Diretor para Nacho Vigalondo no Lost Weekend Award promovido pelo Film Club.

Não encontrei informações sobre o custo do filme, mas o Box Office Mojo informa que Colossal conseguiu pouco mais de US$ 3 milhões nas bilheterias dos Estados Unidos. Uma bilheteria pequena.

Agora, algumas curiosidades sobre esta produção. A atriz Anne Hathaway estava na terceira semana de sua gravidez quando começaram as filmagens de Colossal.

Colossal sofreu um processo judicial em maio de 2015 com a alegação de que o filme tinha muitas semelhanças com Godzilla, produção de 2014.

A frase escrita pelo monstro em coreano, “Sinto muito, foi um erro. Não vai acontecer de novo” é, literalmente, a frase que o Rei Juan Carlos I, da Espanha, disse após ser ferido tentando caçar um elefante em Botsuana.

Para quem gosta de saber onde os filmes foram rodados, vale comentar que Colossal foi feito em cidades do Canadá, como Vancouver, Langley e Fort Langley; e na cidade de Seul, na Coreia do Sul.

Os usuários do site IMDb deram a nota 6,3 para esta produção, enquanto que os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 149 críticas positivas e 38 negativas para a produção – o que lhe garante uma aprovação de 80% e uma nota média de 7,2.

Para quem não tem um histórico muito grande de séries de TV e de filmes que inspiraram Colossal por abordarem monstros e robôs gigantes, vale citar este post do InfanTV sobre o Robô Gigante e este outro texto com os “20 melhores filmes de monstro da História” da Rolling Stone.

Este filme é uma coprodução dos Estados Unidos, do Canadá, da Espanha e da Coreia do Sul. Aliás, vale comentar que o diretor e roteirista Nacho Vigalondo é espanhol, natural de Cabezón de la Sal, cidade da província da Cantábria. Ele foi indicado ao Oscar de Melhor Curta em 2005 pela produção 7:35 de la Mañana. Com 40 anos de idade, Vigalondo tem 21 títulos no currículo como diretor – 11 deles são curtas.

Ah, algo bacana deste filme e que alguns cartazes dele valorizam bem é que não deixa de ser interessante pensar que Gloria é quem deu início a todo o terror mostrado na história em Seul e que foi ela mesma quem deu um fim naquela situação. Por ter problema com o álcool e, sem Oscar, ser uma garota desempregada e sem muitas perspectivas de uma vida melhor a curto prazo, Gloria acaba simbolizando o valor que todas as pessoas com estes perfis podem ter. Ninguém deve (ou deveria) ser julgado pela “capa”, por seus problemas ou limitações. Esta pode ser vista como uma das boas mensagens desta produção. Também achei interessante a ideia que os “desastres” no mundo muitas vezes são causados por nós e também podem ser resolvidos pela gente – vide os problemas no clima e agressões à Natureza.

CONCLUSÃO: Eis um filme que consegue, ao mesmo tempo, fazer uma boa viagem ao passado e um resgate curioso de um gênero que ficou bastante datado. Com muita criatividade e uma boa dose de nonsense, Colossal nos remete ao tempo do parquinho, da escola e das manhãs e/ou tardes de séries japonesas exageradas – e vistas, hoje, como peças cômicas. Ao mesmo tempo que este filme faz muito marmanjo/a reviver as próprias lembranças, ele também nos faz pensar sobre as escolhas que fazemos na vida e sobre feridas que não foram curadas. É uma produção interessante, com algumas tiradas bacanas, mas parece um tanto perdida lá pelas tantas. Pode valer como passatempo, especialmente para quem curtia filmes e séries de monstros e robôs gigantes. Afinal, esta produção é um belo exercício de imaginação e de satisfação para este público, em especial.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 20 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing e, atualmente, atuo como professora do curso de Jornalismo da FURB (Universidade Regional de Blumenau).

Uma resposta em “Colossal”

Olá, gostei da crítica, mas discordo do fato de o ator Jason Sudeikis não ser uma escolha boa, pelo contrário, acho que ele foi ideal ao papel, justamente por uma frase que você escreveu acima: “Ninguém deve (ou deveria) ser julgado pela “capa”, por seus problemas ou limitações. Esta pode ser vista como uma das boas mensagens desta produção.” Essa frase (e o filme) mostra o quanto somos, de certa forma, preconceituosos. Quando olhamos ao Oscar, num primeiro momento, não imaginamos o quão mesquinho e repugnante ele é, já a Gloria, a vemos como uma alcoólatra sem jeito na vida e só… O desenrolar da história nos prova o contrário, e a personalidade do Oscar, ora de boa e ora transtornada, justamente é o que faz o ator ser uma ótima escolha pro filme, pois fica aquela coisa de que se for contar a alguém que o Oscar é louco, mesquinho e tudo mais, quem o conhece (ou acha que conhece) não iria acreditar, principalmente se quem estiver contando for a Gloria, uma “bêbada fracassada”.

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