Existem filmes que você não deve assistir se estiver cansado(a) e/ou com sono. Este é um grande exemplar deste tipo de filme. Realmente não tente assistir a The Wall se você não estiver bem descansado(a) e desperto(a). E sim, recomendo isso porque este é um filme com pouca ação. Essa constatação pode parecer estranha, por se tratar de um filme de guerra, mas The Wall é tudo menos uma produção tradicional do gênero. Um tanto angustiante, um tanto maçante, The Wall nos faz pensar sobre as razões de um conflito e sobre o que parece ser um problema sem fim envolvendo o Oriente Médio. É interessante, mas está longe de ser um dos melhores ou mais interessantes do gênero.
A HISTÓRIA: Se passa no final de 2007, quando a Guerra do Iraque está na reta final. O presidente americano Bush declarou vitória e as operações de reconstrução do país já começaram. O alvo de um soldado examina um muro. O companheiro dele diz que não há mais nada, que quem disparou em quem eles estão examinando de longe já foi embora. Ele pergunta para o companheiro, Ize (Aaron Taylor-Johnson) há quanto tempo eles estão ali, no Iraque. Ize responde para o sargento Matthews (John Cena) que já fazem 20 meses. Ele acredita que um iraquiano profissional atingiu aqueles alvos: seis funcionários de uma empresa e dois seguranças. Matthews e Ize acreditam que o inimigo pode estar atrás de um muro.
Enquanto Matthews acredita que o perigo já passou, Ize afirma que o inimigo pode ser um profissional. Uma outra possibilidade é que o ataque tenha sido feito não por uma pessoa, mas por um grupo. Querendo sair logo dali, já que eles receberam a informação que a guerra acabou, Matthews decide descer da posição em que eles estão para conferir de perto como o ataque foi feito. Quando chega ao local ele percebe que todos foram mortos com tiros na cabeça. Logo ele também é atacado, e Ize tenta socorrer o companheiro, mas as alternativas para os dois são bastante complicadas.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a The Wall): Este não é um filme fácil. Em qualquer sentido. Primeiro, ele é bastante “lento” e sem ação. Bem diferente do que podemos esperar, normalmente, de um filme sobre guerra. Mas por isso mesmo The Wall se mostra, ao menos, uma produção diferenciada. No lugar de diversas cenas de ação, explosões, conflito e de muitos personagens sobre os quais praticamente ficamos sabendo nada, em The Wall temos nada menos que três personagens em cena durante o filme inteiro.
A figura central da produção acaba sendo o personagem Isaac, chamado também de Ize, interpretado com maestria por Aaron Taylor-Johnson. A câmera do diretor Doug Liman está nele praticamente o tempo todo. As ações de Ize é o que ditam o ritmo – ou a falta de ritmo – de The Wall. Ele trabalha em conjunto com o sargento Matthews, o segundo mais importante em cena. E há, claro, o personagem “oculto”, tão importante quanto Ize, mas que não aparece – falo do iraquiano que atira nos soldados e que está sempre à espreita para um próximo disparo certeiro.
Esse inimigo não aparece, mas a voz dele que Ize ouve – e nós, por consequência – é do ator Laith Nakli. Então o filme está centrado, 99% do tempo, neste três personagens. A relação entre eles é de conflito e de expectativa pela morte. Todos querem sobreviver, e não existe espaço para misericórdia. Assim, sem grandes cenas de ação, mas com uma longa expectativa para que algo aconteça – um resgate, um milagre ou o tiro fatal -, The Wall nos fala sobre alguns aspectos da guerra que o cinema não costuma retratar, mas que são muito reais.
O filme dirigido por Doug Liman e escrito por Dwain Worrell fala sobre como a guerra é cruel e solitária durante grande parte do tempo. Especialmente em fases do conflito como o que vemos em cena, quando as grandes operações já passaram e os soldados que sobraram tentam resolver problemas pontuais. Nestes casos, o conflito fica praticamente “mano-a-mano”, e a morte e o risco fazem parte do cotidiano dos homens que não têm nenhuma perspectiva de voltarem a ter uma vida normal novamente.
Em The Wall, chama muito a atenção diversos diálogos entre o “sniper” iraquiano e o soldado que ele não matou logo de cara para conseguir mais informações dele. Apenas com o tempo vamos entender porque um franco-atirador que matou a tantos com um tiro na cabeça não matou logo de cara Matthews e Ize. Certamente aquela tentativa quase kamikaze de Ize de ajudar Matthews seria facilmente aniquilada pelo matador profissional iraquiano. Então por que ele não fez isso?
(SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Apenas bem perto do final é que Ize vai descobrir e, nós também, que o inimigo é um matador em série muito, muito estratégico. Ele utiliza a comunicação dos soldados americanos para atrair cada vez mais vítimas. Este foi o caso de Ize e de Matthews. Ele utilizou um rádio para pedir um pedido de socorro falso e atrair eles para uma armadilha. E ele não mata Ize e Matthews logo de cara para conseguir mais informações deles, especialmente de Ize.
No início, achamos que o iraquiano está querendo conhecer melhor a sua vítima. Temos a impressão que ele, a exemplo dos soldados americanos, está ali para cumprir um “dever” e que, por ter um cotidiano muito solitário, ele resolve dar uma “sobrevida” para Ize para que ele tenha com quem conversar. Conforme a história avança, e especialmente no final, percebemos que ele poderia ter atirado na cabeça de Matthews e de Ize com muita facilidade. Mas ele não faz isso, diferente do que pensávamos no início, não para ter com quem conversar ou para conhecer melhor as suas vítimas, mas para ter mais informações delas que o ajudariam nas próximas estratégias de atração dos inimigos.
E este é um ponto especialmente interessante do filme. O roteiro de Worrell vai, pouco a pouco, revelando mais sobre este inimigo iraquiano. Enquanto Ize tenta defender a visão dos americanos dizendo que a guerra acabou e que o franco-atirador matou pessoas que estavam ali “apenas” para ajudar na reconstrução do país, o iraquiano mostra um ponto de vista muito diferente. Essa ótica é especialmente importante hoje, 10 anos após a história de The Wall se passar. Ize se esconde atrás do muro que fazia parte da propriedade de uma escola. Não sabemos os detalhes do que ocorreu por ali, mas podemos imaginar que um ataque “cirúrgico” dos americanos acabou com aquela escola e com diversos inocentes.
Então, como bem diz o franco-atirador iraquiano, a guerra não acabou. Pessoas como ele, que foram muito bem treinadas – possivelmente pelos americanos, quando era do interesse dos Estados Unidos treinar iraquianos para que eles fizessem o “trabalho sujo” em outra época -, querem vingança. Querem dar o troco para os americanos e todas as nações que ajudaram eles a invadir o seu país e a provocar tanto estrago e tanto atraso. E é isso que nós vemos hoje nos ataques terroristas em diversos países pelo mundo. A resposta cheia de ódio de pessoas que foram preparadas de alguma forma pelos próprios americanos em seus jogos de poder e de busca por riqueza.
Com tudo isso, não quero dizer que os ataques terroristas se justificam. Diferente do que iraquiano que aparece no filme comenta, não acredito na ideologia “olho por olho, dente por dente”. Isto faz parte de um Velho Testamente que foi superado por outra visão de Justiça e de Deus trazida por Jesus. O problema é que nem todos entenderam esta mensagem ou acreditam nela. E aí temos a realidade cruel e desumana que vamos por aí. Infelizmente. Sou da opinião que nada justifica a violência, e que existem outras maneiras de resolver os nossos conflitos e de buscar a justiça.
Mas o ciclo da violência para quem acredita nela como saída para os problemas parece ser interminável. The Wall nos apresenta, de forma bastante interessante, um bocado sobre isso. Sem muita ação, mas com um bocado de reflexão, este filme da dupla Liman e Worrell mostra com clareza e sem pender a “torcida” para um lado da balança, duas visões opostas sobre a Guerra do Iraque – análise esta que vale para vários outros conflitos no Oriente Médio.
(SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Algo que eu achei interessante nesta produção é que ela não apenas mostra com sinceridade alguns dos aspectos pouco mostrados pelo cinema sobre a guerra, como ele também não cai no lugar-comum de um “final feliz” para os americanos. Muito pelo contrário. Naquela situação mostrada pelo roteiro, assim como em várias outras da vida real, os inimigos dos americanos levaram a melhor. Mas o cinema normalmente não mostra isso.
É bom, para variar, um filme de guerra mostrar estes aspectos tão comuns nos conflitos e tão pouco abordados por Hollywood. Apesar de ser muito lento e um bocado cansativo, The Wall se revela, desta forma, acima da média da maioria de produções recentes deste gênero. É um filme interessante pelos diálogos e pelas cenas que nos ajudam a sentir quase na “pele” o que os soldados viveram na reta final do conflito no Iraque. O grande desafio é conseguir manter-se acordado até o final. 😉
The Wall é uma produção 100% dos Estados Unidos, por isso este filme atende a uma votação feita há tempos aqui no blog e passa a figurar na lista que atende a estes pedidos feitos por vocês, meus queridos e caros leitores. 😉
Esta é a última crítica antes do blog completar 10 anos. Só tenho a agradecer por cada um de vocês que passaram por aqui neste período. E agradeço, em especial, a todos que me acompanham há vários anos. Mantive este espaço por causa de vocês! Sei que estou devendo várias respostas a mensagens que vocês, meus bons leitores, deixaram aqui nestes anos todos. Mas um dia, eu prometo, vou conseguir colocar a nossa conversa em dia. Muito, muito obrigado a cada um de vocês! E vida longa – enquanto eu conseguir – para este espaço. Beijos e abraços grandes em cada um(a)! E até a próxima crítica. 😉
NOTA: 8,5.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: O roteiro de Dwain Worrell é simples, mas muito bem planejado. Tudo o que acontece em cena faz sentido e se parece com o que soldados realmente fariam naquelas situações. Os diálogos são precisos, assim como a ação. O filme, apesar de bastante lento, tem o ritmo exato que uma intervenção militar como aquela teria – por isso o filme nos lembra um pouco o tom de um documentário.
Não sabemos exatamente quantas horas se passam desde o início da história e até o final, porque o protagonista “apaga” algumas vezes, mas a espera dele por um resgate, pela morte ou por um milagre é angustiante e nos prende a atenção, apesar da falta de “ação” neste filme. Ize passa por momentos de solidão, de angústia, de desânimo e por rompantes de “renovada energia” que o fazem buscar uma saída para aquela situação-limite. Uma narrativa competente tanto do roteirista quanto do diretor. Um bom trabalho.
O destaque desta produção, em termos de atuação, é sem dúvida alguma Aaron Taylor-Johnson. O ator tem o filme para si. E faz um belo trabalho. Sem dúvida alguma ele se credenciou para estrelar outras produções interessantes a partir do que ele apresentou neste The Wall.
Da parte técnica do filme, sem dúvida, o destaque é a direção de Doug Liman. Ele procura sempre estar próximo de seus atores, com diversas cenas de close e de câmera muito próxima de “pequenas ações” que eles fazem. Lembrando que durante grande parte do filme temos um protagonista deitado ou sentado no chão, se arrastando, então tecnicamente é um desafio fazer uma produção interessante com variações de câmera sobre espaços tão limitados. Um belo trabalho de Liman, que tem uma longa carreira como produtor e 23 trabalhos como diretor – incluindo curtas, longas e séries para a TV. A estreia dele foi feita em 1994, com Getting In. Liman ganhou dois prêmios em sua carreira, ambos por Swingers, de 1996.
Ainda sobre os aspectos técnicos da produção, vale destacar a excelente direção de fotografia de Roman Vasyanov; a edição cuidadosa de Julia Bloch; a maquiagem de Jamie Kelman, Tami Lane, Francisco X. Pérez e Mike Smithson; e os 17 profissionais envolvidos com o departamento de som – que é um ponto fundamental da produção. Outros aspectos que vale citar, mas menos “destacáveis”, são o design de produção de Jeff Mann; a direção de arte de Cassidy Shipley; a decoração de set de Kelly Berry; e os figurinos de Cindy Evans.
Este filme me fez lembrar muito a All Is Lost, estrelado por Robert Redford. A exemplo de The Wall, em All Is Lost o filme é focado em apenas um personagem e há muitos e muitos momentos de pouca ou “nenhuma” ação. Também é um filme que pode dar sono e que não é simples de assistir, mas que tem algumas mensagens interessantes e que faz pensar. Comentei sobre ele neste link.
The Wall estreou em poucos cinemas do Canadá e dos Estados Unidos no dia 12 de maio de 2017. Depois, em junho, o filme participou do Festival de Cinema de Sidney. Filme de apenas um festival até agora, esta produção concorreu a apenas um prêmio, o de Melhor Filme Independente no Golden Trailer Awards, mas ele perdeu nesta categoria para Manchester by the Sea (comentado por aqui).
Não encontrei informações sobre os custos desta produção. Certamente eles foram bem baixos, pelas características do filme. Mas encontrei informações sobre o resultado do filme nas bilheterias conforme o site Box Office Mojo. Nos Estados Unidos, The Wall fez pouco mais de US$ 1,8 milhão, e nos demais mercados em que ele estreou ele fez outros US$ 2,2 milhões. Não é muito, claro, mas é um resultado bom para um filme independente e com as características nada óbvias que ele têm.
Durante grande parte desta produção, “nada acontece” – ou praticamente isso. Mas devo admitir que a reta final de The Wall faz o filme merecer a nota acima. Aquele final realmente foi especial. O que mostra que um filme precisa sim de um belo roteiro e, especialmente, de um grande final. Mais roteiristas/produtores/diretores deveriam se lembrar disso. O público agradeceria. 😉
Nicholas Irving, ex-US Ranger Sniper e autor do livro The Reaper, trabalhou como assessor técnico de The Wall. Irving recebeu o apelido “the reaper” durante as incursões que ele fez no Afeganistão. Ou seja, é um sujeito que entende bem do que acontece em cena em The Wall.
Agora, uma curiosidade que quem não viu o filme não deve ler. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Inicialmente, o final de The Wall seria bem menos ambíguo. Nesta versão, o atirador iraquiano seria morto e Ize seria resgatado. Francamente? Teríamos o clássico “final feliz” para o exército americano. Gostei muito, mas muito mais da versão que The Wall acabou tendo. Ela era bem mais coerente com o “super” sniper iraquiano, não? Bom também ter um outro ponto de vista da história, porque na vida real, nem sempre, os americanos se dão bem.
Os usuários do site IMDb deram a nota 6,2 para esta produção, enquanto que os críticos que tem os seus comentários linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 70 críticas positivas e 32 negativas para a produção, o que garante para The Wall uma aprovação de 69% e uma nota média 6,1.
CONCLUSÃO: Assistir a The Wall denota um certo sacrifício. Sim, você deve vencer o sono ou a ânsia de ver algo de interessante acontecer para se colocar no lugar de um soldado como tantos outros da vida real. Filmes de guerra costumam mostrar grandes sequências de batalha e de morte, mas o que poucos mostram é o que realmente acontece na maior parte do tempo. The Wall se preocupa em nos revelar justamente isso. Este é um filme sobre pessoas comuns colocadas em situações complicadas e onde não existe espaço para bondade ou misericórdia. The Wall é bruto, angustiante, um tanto “maçante” e “sem sentido”. Como a guerra e os conflitos o são. Vale assistir se você gosta muito do gênero. Os demais podem passar adiante.
Uma resposta em “The Wall – Na Mira do Atirador”
Gostei mais do filme após suas críticas. Muito bom, confesso que tinha ficado meio sem entender o final do filme, mas lendo o post aqui, foi bem esclarecedor.
CurtirCurtir