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Geu-Hu – The Day After- O Dia Depois


Um dia na vida de uma pessoa pode parecer um período muito curto de tempo. Mas um dia pode ser decisivo. O interessante da vida é que, quanto mais você vive, mais você percebe que aquele dia “decisivo” também pode ser superado. E aí vem uma produção como Geu-Hu para nos mostrar isso. A vida é feita de decisões, e cada uma delas nos leva para determinados caminhos. E ainda que não seja todo dia que nos questionamos sobre questões essenciais da nossa vida, em algum momento devemos fazer isso. Esse filme aborda estas e outras questões.

A HISTÓRIA: Uma música dramática e a imagem de um apartamento. Kim Bongwan (Hae-hyo Kwon) sai do banheiro e caminha pela casa. Ele ascende a luz da cozinha, olha o que há para comer e volta por onde veio. O relógio marca quase 4h30. Kim está na mesa, comendo. Song Haejoo (Yunhee Cho) pergunta para ele se a comida está boa. Ele diz que sim. Então ela pergunta porque ele está indo tão cedo trabalhar.

Kim diz que não vai sair imediatamente, mas que não consegue dormir. Song pergunta se ele está tendo um caso, e afirma que ele está estranho ultimamente. Ela insiste sobre o caso, e ele não responde a pergunta. Em breve ele vai sair para o trabalho, onde uma parte importante da vida dele acontece.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Geu-Hu): Logo de cara, gostei da fotografia em preto e branco desse filme e da trilha sonora dramática e vigorosa dos primeiros segundos. Também gostei muito da expressividade do protagonista, interpretado por Hae-hyo Kwon, e do filme dirigido e com roteiro de Sang-soo Hong ter um foco tão grande nos diálogos, na interação dos personagens e na vida comum.

Esses são os pontos positivos de Geu-Hu que qualquer espectador percebe logo de cara. Depois, surge algo interessante: uma narrativa não linear que nos deixa com uma certa dúvida por algum tempo. (SPOILER – não leia se você não assistiu a esse filme ainda). Da sequência na cozinha da casa do casal Kim e Song, partimos para a saída de Kim de casa para o trabalho e, logo depois, para uma sequência dele – ou de alguém muito semelhante a ele – caminhando bêbado com uma garota, que vamos descobrir, depois, ser Lee Changsook (Sae-byeok Kim).

Nesse momento, fiquei pensando: “De duas uma, ou estamos vendo a trechos de Kim em momentos diferentes, ou seja, temos narrativas paralelas e não lineares se entrelaçando, ou o personagem de Kim tem um irmão gêmeo ou um sósia”. Algo do gênero. Conforme a história vai avançando, descobrimos que Sang-soo Hong nos apresenta uma narrativa que vai e vem no tempo, conforme o protagonista – assim me pareceu – vai se lembrando dos fatos.

Song perguntou na lata para o marido se ele estava tendo um caso. E o faro dela não poderia estar mais apurado. De fato, Kim começou a namorar com Lee, a funcionária que ele tinha na editora na qual ele é o chefe. Mas como eles acabam brigando, Kim acaba contratando uma funcionária nova. E aí que entra em cena Song Areum (Min-hee Kim).

Grande parte do filme se passa mostrando o primeiro dia de trabalho de Song Areum, que tem um dia bastante agitado e controverso. Sou honesta em dizer que fora o começo interessante e esse “mistério” da narrativa que logo é resolvido, Geu-hu apresenta pouca novidade. Na verdade, o filme se caracteriza por uma narrativa bastante lenta, cheia de diálogos e focada em um “dia comum” na vida de pessoas comuns. Ainda sendo franca, admito que eu assisti a esse filme tarde da noite e que ele me deu muito, muito sono.

Venci a vontade de dormir e consegui assistir ele até o final. Mas essa não foi uma tarefa realmente fácil. Geu-hu tem uma narrativa um tanto “entediante” – e eu acho que isso é proposital – e que pode dar sono, mas que também nos faz refletir. Afinal, em um dia comum qualquer, podemos nos questionar sobre o sentido da vida, sobre o que andamos fazendo e sobre ter ou não fé – e no que. Pode parecer incrível, mas Geu-hu coloca tudo isso em cena de maneira muito natural e despretensiosa.

E foi isso que eu gostei no filme. Como ele nos faz pensar como a rotina pode nos “engolir” e nos fazer tomar atitudes impensadas. Sobre como é importante, algumas vezes, parar e fazer algumas das perguntas fundamentais. Como algumas das questões que Song Areum apresenta para o seu chefe. Os melhores diálogos do filme, aliás, estão em uma das refeições que os dois fazem juntos, durante a qual Song Areum pergunta para Kim pelo que ele está vivendo.

Aí o protagonista começa a fazer todo um discurso sobre a diferença entre a realidade, o dia a dia, e esse tipo de “sentido” das coisas. Ele defende que existe um descolamento entre esses dois cenários. Song Areum não concorda, e fala sobre a importância de acreditar em algo. Enfim, diálogos bastante interessantes. Depois, Kim revela toda a sua falta de coerência quando insiste para Song Areum continuar a trabalhar com ele até que a amante aparece em cena.

Enfim, o protagonista desse filme é um “cara comum”, como tantos outros com os quais a gente cruza todos os dias. Quantas pessoas você conhece que são coerentes? Quantas se perguntam, de tempos em tempos, pelo que estão vivendo? Você e eu, o quanto fazemos isso? Assim, sem mais, em um dia comum como tantos outros, o protagonista desta história tem alguns dilemas importantes sobre os quais refletir. E, de quebra, Sang-soo Hong nos faz refletir junto através de seu singelo (e um tanto “sonolento”) Geu-hu.

Algo que eu achei interessante nesse filme é que ele não se concentra apenas naquele dia longo e um tanto caótico em que King Bongwan deve lidar com três mulheres – a esposa, a amante e a nova e interessante nova funcionária. O filme poderia ter terminado ali, naquela atitude “covarde” do protagonista de mudar tudo (dispensar Song Areum) para deixar tudo como estava (seguir com a amante e enganando a esposa).

Achei bacana como Geu-hu mostra o “dia seguinte” (dito de forma figurativa, é claro) daquela situação. O tempo passa, e Song Areum volta à editora depois que Kim Bongwan recebe um prêmio. Novamente o filme desperta a nossa curiosidade, porque parece que estamos vendo ao primeiro dia de Song Areum com algumas pequenas diferenças… estaria a história se repetindo, mas de outra forma? Estaríamos vendo uma “realidade paralela” que não aconteceu?

Logo essa dúvida é respondida. Não se trata de uma “realidade paralela”, mas da simples falta de memória do protagonista. Ele repete várias perguntas que fez para Song Areum da primeira vez e sem se dar conta, até que ela fala sobre isso com ele. Daí descobrimos que, no fim das contas, King Bongwan acabou se confrontando com aquela pergunta sobre “para que” ele vivia. Confrontado pela esposa e pela filha, ele optou por viver pela filha, abandonando a amante e, com isso, encontrando o seu próprio “centro”, talento, paz e harmonia.

Sim, nesse aspecto o filme acaba sendo um tanto “moralista”. Mas, mais que isso, eu encaro esse filme como uma reflexão sobre o que fazemos das nossas vidas. Por que escolhemos determinados caminhos e não outros? Até que ponto deixamos “a vida nos levar”? E o quanto isso pode nos fazer sentido ou nos deixar felizes?

Enfim, achei um filme “ordinário” com algumas pegadas interessantes. O único porém é que ele realmente dá sono. 😉 Mas vencendo esse desafio, encontramos no cinema de Sang-soo Hong alguns princípios não muito comuns e, por isso mesmo, interessantes.

NOTA: 7,8.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: Estava com saudade de assistir a um filme da Coreia do Sul. Sim, verdade que andei focada nas produções que concorreram ao Oscar. Depois, com alguns filmes que estrearam nos cinemas do Brasil. Mas estava já com vontade de me lançar em algumas formas de fazer cinema diferentes. Gosto do cinema sul-coreano – além do segmento mais famoso, dos filmes de suspense e de terror. Gostei de retomar esse cinema, ainda que esse filme não seja do tipo “excepcional”. Mas vale para conhecer outras formas de fazer cinema.

Geu-hu tem poucos personagens e, consequentemente, poucos atores em cena. A explicação principal para isso é aquela que eu comentei antes: essa produção está focada nos diálogos e na interação dos personagens, procurando se aprofundar em poucos deles. Todos os atores em cena estão bem, mas eu fiquei especialmente encantada por Min-hee Kim, que interpreta a Song Areum, e com a expressividade de Hae-hyo Kwon, que interpreta Kim Bongwan. Eles são ótimos.

Gostei do estilo do diretor e roteirista Sang-soo Hong. A direção dele é bastante tradicional, com muitos momentos de câmera parada para filmar os diálogos e interações dos atores, mas o roteiro dele é algo mais interessante. Ele mistura diálogos “banais” com verdadeiras peças de reflexão e interações interessantes e instigantes. Com perspicácia, ele nos faz refletir sobre os nossos dias comuns, e como em alguns dias desses decidimos boa parte da nossa vida.

Entre os aspectos técnicos do filme, o destaque vai para a direção de fotografia de Hyung-ku Kim e para a trilha sonora pontual, dramática e potente. Também vale comentar a competente edição de Sung-Won Hahm.

Geu-hu estreou em maio de 2017 no Festival de Cinema de Cannes. Depois, o filme participou, ainda, de outros 20 festivais em diversos países. Nessa trajetória, o filme ganhou quatro prêmios e foi indicado a outros 13. Os prêmios que ele recebeu foram o Grande Prêmio para Sang-soo Hong e o de Melhor Ator para Hae-hyo Kwon conferidos pela Associação de Críticos de Cinema de Busan; o de Melhor Filme que não foi lançado em 2017 e o de Melhor Atriz para Min-hee Kim conferidos pelo International Cinephile Society Awards.

O diretor Sang-soo Hong tem 26 produções no currículo como diretor. Geu-Hu foi o penúltimo filme que ele dirigiu – o último, lançado nesse ano, se chama Grass. Sang-soo Hong tem nada menos que 42 prêmios no currículo, incluindo um prêmio Un Certain Regard no Festival de Cinema de Cannes pelo filme Hahaha, de 2010. Procurei aqui no blog, e encontrei outro filme dele que eu assisti antes: Right Now, Wrong Them (com crítica por aqui). Mas fiquei com vontade de assistir a outras produções dele. Acho que ele merece ser acompanhado. Tem um cinema autoral interessante – e que fala bastante sobre as escolhas que fazemos e que nos definem.

Os usuários do site IMDb deram a nota 7,0 para Geu-hu, enquanto que os críticos do site Rotten Tomatoes dedicaram 19 críticas positivas e cinco negativas para a produção, o que significa uma aprovação de 79% e uma nota média de 7,3 para essa produção. O site Metacritic registra um metascore para o filme de 67, com cinco críticas positivas e duas medianas.

CONCLUSÃO: Esse não é um filme nada óbvio. Muito pelo contrário. Ainda que ele nos pareça um tanto “entediante” e que ele realmente dê sono em alguns momentos, Geu-Hu é um desses filmes “despretensiosos” que exigem que estejamos atentos a cada diálogo, a cada movimento. Porque, como na vida mesmo, é nos momentos mais imprevistos em que colhemos os melhores ensinamentos.

Filme com uma boa carga filosófica que termina nos deixando em dúvida sobre o que pensamos a respeito dele. Isso é natural, porque Geu-Hu só vai fazendo sentido aos poucos. Filme interessante e diferente do que estamos acostumados a assistir. Vale conferir se você gosta de produções diferenciadas e não se importa com narrativas lentas e aparentemente “comuns”. Só não achei melhor porque ele realmente acaba sendo bastante entediante em muitas partes. Mas vencido o sono, depois que o filme termina, percebemos que valeu a experiência.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 20 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing e, atualmente, atuo como professora do curso de Jornalismo da FURB (Universidade Regional de Blumenau).

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