Não é fácil para quem tem 40 anos ou mais continuar em busca do amor. E as razões são variadas. Mas uma das principais é porque após os 40 muita gente boa já está comprometida ou está tão perdida que não vale investir para acabar se perdendo junto. Ainda assim, muitas mulheres – e homens – não desistem nunca de encontrarem o seu “grande amor”, mesmo que isso signifique dor, lágrimas, tristeza e um bocado de situações no estilo “cilada”. Un Beau Soleil Intérieur fala sobre isso e sobre outras questões relacionadas com quem já passou da juventude mas segue dando as suas topadas em diversas pedras pelo caminho.
A HISTÓRIA: Isabelle (Juliette Binoche) está esparramada na cama. Nua, ela parece estar se deliciando com algo. Logo, aparece sobre ela Vincent (Xavier Beauvois). Durante o sexo, Vincent pergunta se ela não vai gozar. Ela diz que ele pode gozar, sem problemas se ela não “chegou lá” ainda. A troca de diálogos na cama parece denotar que aquele casal está na rotina e um tanto cansado um do outro. Eles prometem fazer algo no final de semana, mas ele dá uma certa sumida. Depois, Isabelle vai cobrar isso dele. O desengano dos dois é apenas o começo de uma sequência de tentativas e erros da protagonista.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Un Beau Soleil Intérieur): Francamente, eu não sabia muito o que esperar desse filme. Na verdade, o título me chamou a atenção, assim como a sempre talentosa atriz Juliette Binoche. Entre as produções em cartaz no cinema há duas semanas, também esse me pareceu o filme mais interessante a conferir.
De cara, eu gostei do cartaz da produção. E o que ele me transmitiu? Não sei para vocês, mas para mim ele me passou a ideia de liberdade, de mulher independente, segura de si e/ou que tivesse se libertado de questões importantes após uma certa luta. O título do filme dirigido por Claire Denis e com roteiro de Denis e de Christine Angot, baseado em livro de Roland Barthes, também me passou essa impressão de “liberação” da mulher.
Mas e aí qual foi a minha surpresa ao assistir ao filme propriamente dito? Honestamente, grande parte das minhas expectativas foi frustrada. Primeiro, que essa história foca em uma personagem de meia idade que segue buscando incessantemente o “grande amor”. Até o final ela fica nessa busca cheia de altos e baixos e de uma boa dose de angústia e expectativas. Ou seja, não existe um momento realmente de “completude” como o cartaz e o título podem sugerir para os mais desavisados.
Feito esse comentário e essa ponderação sobre o abismo entre as expectativas e a entrega que esse filme produz, vamos falar sobre a produção propriamente dita. Para não dizer que Un Beau Soleil Intérieur é um grande desperdício, o filme acerta ao focar as atenções para uma personagem que o cinema ignora praticamente por completo: a mulher de meia idade que é divorciada e que vive em busca do amor sem esmorecer jamais – apesar das frustrações das relações sem futuro e com diferentes razões para essa impossibilidade ser algo concreto.
Importante o cinema olhar para esse público e para esse perfil. Porque, de fato, como eu disse no início desse texto, não é fácil para quem tem mais de 40 anos seguir insistindo na busca por um amor. Como Un Beau Soleil Intérieur mostra bem, ou a mulher nessa posição acaba encontrando apenas bons (ou até maus) partidos casados, ou encontra figuras indecisas sobre o que querem da vida ou, ainda, pessoas que não lhe atraem o mínimo possível.
Isso é o que vemos em cena nesse Un Beau Soleil Intérieur. Primeiro, a protagonista está imersa em um caso com Vincent (Xavier Beauvois), um sujeito casado e que faz o estilo boçal – ou, para os mais sensíveis, um sujeito um tanto sem noção e que não respeita muito as mulheres, dando realmente importância apenas para aquilo que ele quer ou pensa. Quando a história começa, Isabelle está na cama justamente com esse cretino.
Logo ela se enche do amante um bocado babaca e começa a investir em um ator (Nicolas Duvauchelle) que também é casado, mas que diz que está passando por uma grande crise no casamento. Não demora muito, ouvindo o papo do ator, para o espectador perceber que ele está perdido. Ou está jogando um “perdido” para a protagonista para conquistá-la e deixá-la em um permanente estado de “espera” enquanto ele, por sua parte, não pretende mudar nada do status atual de sua vida ou relacionamento.
Além desses, orbitam ao redor da protagonista dois ou três homens para os quais ela não dá muita atenção. Assim, esse filme conta algumas histórias de encontros e de desencontros. Mas não vemos grande “suavidade” em cena. Não temos em Un Beau Soleil Intérieur uma história lúdica, um tanto pueril ou bonitinha sobre os “desenganos do amor”. Não, não. O que temos é um certo “amargor” e uma boa dose de frustração na nossa frente.
Toda a busca, experiência e frustração vivida pela protagonista acaba cobrando dela sofrimento, angústia, desesperança, dor. Ela quer ser amada, valorizada, mas encontra uma grande dificuldade nos homens que encontra pelo caminho em conseguir isso. No final, Isabelle procura um vidente, Denis (Gérard Depardieu), em busca de respostas e de “encaminhamentos” para as suas dúvidas e angústias.
Respeitando as crenças diferentes da minha e as opiniões contrárias, que sempre vão existir, devo dizer que eu achei aquela longa sequência de Isabelle com Denis, enquanto os créditos finais do filme já estão rodando, um grande, imenso compêndio de obviedades e lugares-comum. E no fim das contas, o que a maioria dos “videntes” fazem além de um compêndio de lugares-comum que são jogados ao vento e que, em parte, sempre tem pontos que são identificados por cada cliente?
Assim, diferente do que o cartaz ou o nome desse filme podem sugerir, Un Beau Soleil Intérieur não é uma produção bonitinha que fala de empoderamento, liberdade conquistada ou “encontrar-se a si mesma”. Esse filme tem muito menos luz do que poderíamos imaginar, além de apresentar um sabor mais amargo e um tom cínico no final.
Apesar da várias obviedades, o vidente fala duas coisas que, possivelmente, são as mais importantes do filme inteiro: que Isabelle deve olhar mais para si mesma, valorizar-se, ao mesmo tempo que não deve se fechar para os outros e para o que vier de novo.
Assim, é claro que cada um pensa o que quiser, mas me parece que faz muito mais sentido uma mulher, com mais de 40 ou menos que isso, procurar conhecer-se bem e aprimorar-se, amando aos outros o máximo possível, aprendendo de todas as partes, mas tornando-se independente a cada passo e coerente com a própria trajetória, do que uma mulher com 40 ou menos buscando desesperadamente por alguém que “lhe complete”.
Honestamente, eu não acho que ninguém completa ninguém. Não acredito em uma tampa para cada panela, em duas metades da mesma laranja ou lugares-comum do tipo. Cada indivíduo é independente e dono de si mesmo – se tiver capacidade e coragem de desenvolver tudo o que isso significa. Que as pessoas se apaixonem e que escolham viver “várias vidas” dentro de uma juntos, evoluindo e aprendendo de forma permanente, sabendo que o casal que começou a história nunca será o mesmo que vai prosseguir com ela e terminá-la no fim da vida, dá para entender.
Mas, quando isso é feito da forma correta, as pessoas estão juntando as suas perfeições e imperfeições com o objetivo de caminharem juntas. Ninguém está completando ninguém. Ninguém deveria ser “usado” para preencher as carências e atender as necessidades do outro. Esse tipo de lógica nunca dá certo. Porque ninguém vai fazer por você o que só você pode fazer. E isso é tudo.
O final de Un Beau Soleil Intérieur eu achei um tanto cínico justamente por isso. Apesar de estarem frente à frente e de participarem de uma conversa, Isabelle não estava, de verdade, escutando o que Denis dizia. Ela tinha uma escuta seletiva, prestando a atenção e guardando apenas o que lhe era interessante. O restante, ela ignorava solenemente. Assim, apesar de Denis dizer algumas obviedades, ele sinalizou para ela o melhor caminho que ela deveria seguir: de autovalorização e de abertura para o outro sem grandes expectativas.
Mas ela realmente estava em busca do que? De que Denis confirmasse que o ator iria voltar para ela e que eles seriam felizes para sempre. No fundo, ela não queria sair daquele círculo vicioso em que ela estava imersa. Ela não queria passar pelo desafio que era achar respostas para ela seguir aqueles padrões e conseguir, com esforço, romper aquele ciclo e buscar uma nova realidade que lhe fizesse mais sentido e mais feliz.
Assim, por mais que o título e o cartaz são bacanas e cheios de esperança, o que vemos em cena é uma mulher que está afundando e que não sabe identificar que está em meio a um redemoinho – e que há maneiras de sair dele. É a velha história de que para resolver um problema, você primeiro tem que admitir que ele existe.
Un Beau Soleil Intérieur não nos mostra apenas uma mulher de meia idade que não desistiu de buscar o amor apesar de várias frustrações. Esse filme é sincero ao mostrar como essa mulher não vive uma procura feliz. Muito pelo contrário. Ela sofre, se angustia, chega até a roçar um princípio de depressão e/ou de isolamento por causa das histórias malfadadas. Então, no final das contas, será que é realmente bacana a ideia dela seguir “buscando o amor”, de forma incessante e um tanto irracional, já que essa busca lhe causa tanto sofrimento?
Durante a experiência do filme, ele parece um tanto longo e cansativo. E isso acontece por causa da confusão dos personagens – inclusive da protagonista – e da verborragia bem acima da média que vemos em cena. Esse filme é uma produção cheia de diálogos. Mas os pontos positivos é que o filme valoriza uma personagem pouco abordada pelo cinema e com um certo tom de cinismo e de descrença que também não é muito comum.
Por tudo isso, posso dizer com toda a segurança que o filme parece mais interessante e faz mais sentido depois de algum tempo que as luzes do cinema são acesas. Durante a exibição de Un Beau Soleil Intérieur, muitas vezes é difícil manter o interesse na produção – tanto isso é verdade que algumas pessoas saíram da sala de cinema onde eu estava bem antes do filme acabar. Mas, depois, ela acaba fazendo mais sentido e mostrando mais valor. Por isso também a nota abaixo. Poderia ser um filme melhor, mas ele também não é um desastre.
NOTA: 6,7.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: Vixe, agora que eu vi que escrevi demais, né? Mais uma vez. 😉 Me desculpem por isso. Quero ver se volto com aquela intenção de escrever menos sobre os filmes. Mesmo não tendo gostado taaaanto assim de Un Beau Soleil Intérieur, a verdade é que ao pensar sobre essa produção eu me senti “compelida” a escrever bastante sobre o filme. Mas prometo tentar ser mais direta, objetiva e “sucinta” a partir da próxima crítica, viu?
Achei esse filme um tanto sonolento demais. Não por ele ter uma narrativa fundamentada em diálogos e em pouca ação, mas porque o roteiro em si de Christine Angot e Claire Denis me pareceu um tanto “pobrinho” e cheio de obviedades. Já ouvimos boa parte daqueles diálogos algumas vezes, e se é para ver no cinema o que vemos em uma conversa comum e banal do dia a dia, nem precisamos ir no cinema, não é mesmo? Sei lá, me pareceu que faltou um pouco de “tempero” e de graça nesse filme.
Ainda que o filme tenha esses “probleminhas”, foi muito bom ver Juliette Binoche mais uma vez sendo perfeita em cena. Apesar da personagem dela ser bastante linear e pouco diversificada, a atriz está muito bem e consegue nos convencer sobre a sua personagem o tempo inteiro. Gosto da atriz, e foi bom revê-la na telona. Também foi interessante “reencontrar” Gérard Depardieu depois de uma longa temporada sem ver nada do ator. Pena que ele aparece quase em uma ponta bem na reta final do filme e em um papel um tanto “bobo”.
Do elenco, além de Juliette Binoche, destaco o belo trabalho de Nicolas Duvauchelle como o ator que fascina a protagonista e Xavier Beauvois como o machista clássico Vincent. Além deles, vale citar o bom trabalho de Philippe Katerine como Mathieu, o sujeito que gosta de Isabelle e vive a convidando para eles passarem um tempo juntos; e Alex Descas como Marc, o affair mais recente de Isabelle.
Entre os aspectos técnicos do filme, vale citar a trilha sonora de Stuart A. Staples; a direção de fotografia de Agnès Godard; a edição de Guy Lecorne e o design de produção de Arnaud de Moleron.
Un Beau Soleil Intérieur estreou no Directors Fortnight do Festival de Cinema de Cannes no dia 18 de maio de 2017. Depois, a produção passou por outros 34 festivais em diversos países do mundo. Nessa trajetória, o filme ganhou dois prêmios e foi indicado a outros cinco. Os prêmios que ele recebeu foram o SACD Prize para Claire Denis no Festival de Cinema de Cannes e o de Melhor Filme que não foi lançado em 2017 no International Cinephile Society Awards.
A diretora francesa Claire Denis é uma veterana. Ela tem 29 filmes, curtas e séries de TV no currículo como diretora e nove prêmios. Os filmes mais premiados dela são Beau Travail, de 1999, e 35 Rhums, de 2008. Procurando sobre ela aqui no blog, não encontrei nenhum filme da diretora que eu tenha assistido antes. Então não posso comparar essa produção com outras feitas por ela. Mas se alguém acompanha a sua carreira, agradeço se puder contextualizar esse filme em relação aos demais.
Os usuários do site IMDb deram a nota 6,2 para esta produção, enquanto que os críticos que tem os textos linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 54 críticas positivas e cinco negativas para Un Beau Soleil Intérieur – o que garante para o filme uma aprovação de 92% e uma nota média de 7,4. O site Metacritic registra um metascore de 78, com 16 críticas positivas e duas medianas.
Un Beau Soleil Intérieur é uma coprodução da França e da Bélgica.
CONCLUSÃO: Um filme com muitos, muitos diálogos. E uma busca incessante – e um pouco angustiante – de uma mulher de meia idade pelo amor que lhe “preencha”. Uma crônica de uma vida comum, mas pouco explorada pelo cinema. Durante a exibição de Un Beau Soleil Intérieur, o filme parece um tanto longo e/ou cansativo demais. Mas, passada a experiência, o filme vai fazendo mais sentido. É interessante, valoriza uma personagem pouco vista nos cinemas, mas está longe de ser um grande filme. Vale conferir se você gosta muito da atriz, da diretora ou de produções que fogem do lugar-comum – apesar de estarem recheadas de obviedades.