Um filme sobre liberdade – aquela que é negada, a desejada, a que é possível alcançar e a ilusória. Sinners é uma produção que surpreende por misturar muitos temas, lendas e estilos em uma mesma história. Um filme muito interessante, que parece começar com uma proposta e que depois nos apresenta uma abordagem muito diferente. Mistura de dois grandes estilos narrativos que não é nada comum de acontecer mas que, quando o filme acaba, e quando pensamos um pouco sobre o que vimos em cena, até que faz bastante sentido.
A HISTÓRIA
Começa com uma narração que diz que “existem lendas sobre pessoas que nasceram com o dom de fazer música tão autêntica que podem rasgar o véu entre a vida e a morte, invocando espíritos do passado e do futuro”. A narradora explica que na Irlanda antiga, essas pessoas eram chamadas de “filí”; na terra dos choctaw, elas são chamadas de “guardiões do fogo”; e na África Ocidental, elas são conhecidas como “griôs”. Ela segue dizendo que “esse dom pode trazer a cura para suas comunidades, mas ele também atrai o mal”.
Acompanha essa introdução da história alguns desenhos que ilustram o que a narradora está contando. Em seguida, vemos a imagem do céu, com o sol aparecendo entre nuvens e, emoldurando a cena, uma árvore e o topo de um telhado. Somos apresentados para o local e a época da narrativa: a cidade de Clarksdale, no Mississippi, no dia 16 de outubro de 1932. Por uma estrada de terra, se aproxima um rapaz dirigindo um carro antigo conversível. Ele está sozinho na direção. Suas roupas estão bem sujas, uma parte está rasgada, e ele parece ferido. Ele caminha de forma estranha até a porta da igreja, de onde ouvimos um canto. Em breve, saberemos o que aconteceu com ele.
VOLTANDO À CRÍTICA
(SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Sinners): Opa, agora sim. Estou feliz. Disse adeus para o Oscar deste ano – finalmente! – e começo, com esse filme, a me debruçar na lista de produções que diversas listas apontam como as melhores do ano. E até me arrisco a lançar um olhar para alguns títulos que alguns especialistas já apontam como possíveis candidatos ao Oscar do próximo ano – sim, em épocas em que eu não consigo ver a tantos filmes como eu gostaria, o Oscar acaba sendo sempre um farol.
Cheguei até Sinners porque ele aparece em diversas listas que apontam os melhores filmes de 2025 e porque já há quem aponte essa produção como uma possível favorita ao próximo Oscar. Eu, particularmente, acho que essas listas de filmes que tem chances no Oscar 2026 são bastante prematuras. Afinal, quem acompanha a premiação máxima de Hollywood sabe que boa parte dos filme que chegam forte na disputa acabam sendo lançados nos cinemas apenas nos últimos meses do ano – ou seja, muita coisa boa deve aparecer a partir de agora.
Mas eu concordo sim com quem aponta Sinners como um grande filme. Como esta é a primeira produção que eu vejo desta temporada, digamos assim, acho prematuro eu concordar ou discordar se Sinners é um dos grandes filmes do ano. Mas o que eu posso dizer com toda a certeza é que esta produção é um belo achado. Ou, em outras palavras, ela merece o valor do ingresso ou o tempo da sua vida dedicado a ela.
Fiquei bem impressionada em como Sinners coloca diversos gêneros de cinema, de narrativa, e temas importantes da nossa história juntos em uma grande salada de fruta que, misteriosamente, dá certo. Claro que a grande responsabilidade em misturar tantos elementos diferentes, bater no liquidificador, nos apresentar em forma de filme e fazer com que tudo isso dê certo e funcione é do diretor e roteirista Ryan Coogler.
Mais conhecido por seu trabalho à frente da grife Black Panther (o primeiro filme da série foi comentado por aqui), Coogler nos apresenta seu trabalho mais ousado em Sinners. Pelo menos em relação ao que eu vi do diretor até aqui – além de Black Panther, assisti do currículo dele apenas a Creed (com crítica neste link). (SPOILER – não leia se você ainda não assistiu ao filme). Em Sinners o diretor e roteirista apresenta outro grau de ousadia, fazendo uma grande homenagem ao blues e aos pretos que sempre buscaram por um espaço digno e por liberdade, ao mesmo tempo em que ele coloca vampiros no meio desse cenário.
E quem poderia imaginar isso? Eu não esperava essa mistura, devo dizer a verdade. E espero que você tenha chegado até aqui após assistir ao filme e sem ter lido críticas a respeito antes. Porque eu acho que são as ideias “malucas” do diretor e roteirista que tornam essa produção tão instigante. Afinal, quem poderia imaginar que funcionaria em uma mesma história misturar lendas africanas, irlandesas e de um povo indígena americano e figuras aterrorizantes – os vampiros – que povoam o imaginário e fomentam o medo das pessoas há três séculos?
Aliás, essa é uma coincidência interessante. Eu já assisti a diversos filmes estrelados por vampiros, e esses personagens realmente povoam muitas produções em mais de 100 anos de cinema, mas só ao procurar mais sobre o tema eu descobri que em 2025 “se celebra” nada menos do que três séculos em que pela primeira vez um vampiro foi citado na arte. De acordo com essa reportagem da BBC, o historiador alemão Thomas M. Bohn descobriu que a palavra “vampiro” apareceu pela primeira vem 1725, em um jornal austríaco chamado Wienerisches Diarium.
Então três séculos depois dessa expressão ter sido utilizada pela primeira vez, temos Sinners misturando música, com destaque especial para o blues, uma comunidade preta em solo americano enfrentando o racismo e a violência da Ku Klux Klan e um grande vampiro que acaba transformando cada vez mais pessoas em seu próprio clã. Inicialmente, você olha para essa salada de fruta e pensa que Sinners pode ser uma grande viagem. Mas quando paramos para pensar um pouco em alguns simbolismos e argumentos da história, essa mistura faz muito sentido.
Mas antes de falar sobre o sentido que eu vi em toda essa mistura, eu queria abordar alguns aspectos da produção. Para começar, acho que alguns recursos batidos que Coogler utiliza bem no início da narrativa ajudam muito a narrativa e a nos envolver desde cedo na história que ele quer nos apresentar. Aquela narrativa inicial sobre pessoas extremamente talentosas que conseguem unir os mundos dos vivos e dos mortos com a música autêntica que elas produzem é a chave para o que veremos a seguir.
O protagonista desta história, Sammie Moore (Miles Caton), é um desses artistas inigualáveis, inesquecíveis, um jovem tão talentoso e que compõem suas músicas com tanta autenticidade que ele mexe com as estruturas do ambiente e dos ouvintes. Quando ele abre a boca e toca seu violão ou guitarra, Sammie impressiona e atrai todas as atenções – inclusive do vampirão Remmick (Jack O’Connell).
Então quando Coogler nos apresenta aquela breve apresentação da história, trazendo naquela introdução três culturas que ele irá destacar durante a trama e apresentando a força do protagonista, o diretor e roteirista nos dá a senha para entender o que virá pela frente. Em seguida, ele apresenta outro recurso bem utilizado em diversas narrativas do cinema, que é nos apresentar uma sequência próxima do fim da história para então voltar no tempo narrativo – porque sim, grande parte da história é um grande flashback.
Esse recurso, bem batido, é tão utilizado porque é eficaz. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Se Coogler fizesse uma narrativa linear, ele provocaria mais angústia do que o desejado durante o desenvolvimento da história ao abrir uma brecha considerável para o público pensar que o “herói”/protagonista da história poderia ter morrido em meio a um massacre de vampiros. Se sabemos que ele sobreviveu, porque vemos ele bem acabado na manhã seguinte, chegando na igreja onde o pai está liderando o culto, conseguimos ver o desenvolvimento da história em sua parte mais tensa com ao menos um pouco de conforto. E isso é importante para o filme.
Então sim, Coogler não tem preguiça em utilizar recursos bem conhecidos e até um pouco batidos no início da produção. Mas ele faz isso de forma bem calculada e pensada, o que ajuda Sinners no final. Depois daquela introdução, quando entramos no coração da história, que é aquele imenso flashback que preenche praticamente todo o tempo do filme, aí sim o diretor e roteirista não tem preguiça em nos surpreender.
Primeiro, nos apresentando um Michael B. Jordan – ator com quem Coogler adora trabalhar – em um papel duplo. Honestamente, eu não esperava por isso. Mas sim, o ator faz um belíssimo trabalho dando vida para os irmãos gêmeos apelidados de Smoke e Stack. Muito interessante como esses personagens são desenvolvidos durante a história. Eles retornam para a cidade natal deles depois de terem ficado uma temporada em Chicago. E eles voltam cheios do dinheiro, além de muito bem vestidos e motorizados. Logo de cara eles fazem negócio na cidade, comprando uma antiga serraria de um caipira branco que mal consegue disfarçar seu racismo, Hogwood (Dave Maldonado).
Em seguida, eles correm para agilizar a inauguração de um clube no local. Clube esse que será frequentado apenas por pretos como eles e como o primo Sammie. Aliás, nesse clube, os irmãos querem dar a primeira oportunidade para Sammie mostrar seu talento na música para um público de verdade. Muito interessante como Smoke e Stack se dividem e vão juntando as pessoas que eles precisam para colocar o sonho deles de pé.
E aí entra a primeira ideia de liberdade que Sinners nos mostra. Os pretos, perseguidos e segregados naquela sociedade, conseguem um pouco de liberdade justamente com diversos talentos que vemos em cena a partir da busca feita por Smoke e Stack. Eles são livres – e aí a liberdade possível – quando conseguem tocar, cantar, dançar e manter suas tradições na culinária e na fé. Mas o local da catarse e da união de tudo isso acaba sendo o clube que é criado pelos irmãos.
Fora daquele local, eles são explorados nos campos de algodão – um dos poucos trabalhos que eles conseguem ter na cidade e na região – e são segregados em diversos outros espaços. A liberdade deles é restrita e volta e meia ameaçada, inclusive pelo grupo de racistas da Ku Klux Klan, atuante na cidade e na região.
E então temos, no meio dessa narrativa interessante, mas que não fugiria muito do esperado, a aparição de um homem bastante machucado (e do qual parece que está saindo fumaça) que está correndo e que procura ajuda em uma casa no meio do nada. Esse homem pede ajuda porque diz que foi enganado e que está sendo perseguido pelos choctaw, um grupo de nativos Creek originários da região sudeste dos Estados Unidos, segundo esse breve artigo da Wikipédia.
(SPOILER – não leia… bem, você já sabe). O homem em fuga, logo vamos descobrir, é um vampiro que faz do casal que vive na casa, membros da Ku Klux Klan, suas primeiras vítimas naquela noite que está apenas iniciando – ele aparece todo chamuscado e com vapores saindo pelo corpo porque ele consegue escapar dos choctaw justamente quando o sol está se pondo. Depois de matar o casal Bert (Peter Dreimanis) e Joan (Lola Kirke), o líder vampiro, Remmick, sai pela noite com eles para caçar.
É então que essas histórias totalmente diferentes se cruzam. Quando o trio de vampiros sai para caçar suas próximas vítimas, Remmick ouve a voz e a música de Sammie, e então ele e seus companheiros ficam obcecados em entrar na festa criada por Smoke e Stack. (SPOILER – não leia se você não viu ao filme ainda). A partir daí, temos uma noite muito louca, em que diversas micro tramas se desenvolvem em paralelo até que a ameaça literalmente se apresenta na porta e vai acumulando forças até um confronto que tem tudo para ser uma carnificina.
Interessante o que o confronto final entre o vampiro e o protagonista dessa história nos apresenta como “mensagem final”. Remmick quer convencer Sammie que ele vai realmente ser livre quando ele se tornar um vampiro porque, afinal, ele não se tornará apenas um ser imortal (ou quase, já que vampiros podem ser mortos), mas terá uma força que lhe permitirá ter um nível de liberdade que ele nunca teve sendo preto e vivendo naquele local onde o racismo cobra um preço alto todos os dias.
Mas Sammie resiste e, no final das contas, percebemos que a liberdade “vendida” por Remmick é ilusória. Afinal, as pessoas que ele transformou em vampiros parecem mais uma massa de manobra do que seres com autonomia de fato. Todos estão interligados a ele como se fios invisíveis os unisse, e ninguém de fato é livre já que eles não podem viver na luz do dia e tem outras restrições por sua condição. Então a liberdade deles é ilusória. A única liberdade real, Sinners parece nos explicar, é aquela que a música e a arte em geral nos proporciona.
Diante de uma paisagem exuberante, vivenciando uma vitória no esporte épica, desfrutando de uma obra de arte na plataforma que for (um quadro belíssimo, um filme inesquecível, uma peça de teatro emocionante, um livro que você não consegue parar de ler, e por aí vai), dançando sem vergonha e com toda sua energia, cantando junto com um artista que você ama, não importa qual destes momentos, todos eles nos fazem vivenciar o que há de mais belo e nos dão um senso de liberdade e de plenitude que nada mais consegue. Não com essa intensidade ou profundidade. Sinners parece nos lembrar disso, inclusive com o final da produção, que arremata muito bem a história.
Um filme surpreendente pela mistura de gêneros e de histórias que ele faz, com uma narrativa que nos envolve com personagens interessantes e com alguns momentos de impacto. Ah, e sem contar uma sequência dessas que ficam na nossa memória por muito tempo – e que podem ser colocadas em uma coleção de grandes sequências do cinema. Me refiro ao momento que marca a virada na produção, bem no meio do filme, quando Sammie apresenta para o público que está estreando o novo espaço de diversão criado pelos primos a música que ele fez em homenagem ao pai, que é pastor e que não aprova a vontade do jovem em seguir com a música – claramente sua vocação.
Desde o momento que ele apresenta a música, começa a tocar e a cantar, e faz uma “ligação eterna” com o passado e com o presente desta arte, aparecendo em cena diversos estilos e gêneros musicais, temos ali a melhor sequência do filme o ponto alto da produção. Ali o diretor Ryan Coogler mostra todo seu talento e maestria ao ocupar todos os espaços do ambiente e deslizar com sua câmera como se ele estivesse dançando junto com a música e brincando com a linha temporal. Grande momento.
Mas para não dizer que tudo funciona em Sinners, eu tenho uma questão que me incomodou um pouco, devo dizer. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Levamos um belo susto, depois que um dos primos de Sammie é morto e ele ameaça quem o trancou dentro do depósito – aquela cena da porta é uma pegadinha das boas, no melhor estilo “gato que pula na frente da câmera” mas, diferente de outras produções, aqui o recurso é bem utilizado e justificado pela história, não está ali apenas para dar um susto fácil. Esse não é o problema.
(SPOILER – não leia… bem, você já sabe). O problema, para mim, ocorre quando Grace Chow (Li Jun Li), pressionada pelo marido morto e transformado em vampiro, Bo (Yao), e, principalmente, por Remmick, que ameaça ir atrás da filha do casal, acaba dando a senha para os vampiros entrarem no local. Dentro, no salão, estão seis dos personagens com mais destaque na narrativa até então, que não tinham virado vampiro, e mais dois outros homens. Ou seja, sete pessoas contra uma horda que foi entrando a conta-gotas no local.
Claro, dá para entender a escolha do diretor naquela sequência. Se a horda fosse entrar como uma horda faria, nem o Highlander daria conta do que viria em seguida. Então ele precisava nos convencer com aquela luta desleal tendo um certo equilíbrio por algum tempo para que a narrativa não terminasse em segundos. Depois, muito do confronto – como entre os irmãos – acontece no “mano a mano”. O que, convenhamos, não faz muito sentido na prática. Essas escolhas do diretor e roteirista, achei um pouco equivocadas.
Eu acho que faria muito mais sentido termos sim vários vampiros ameaçando o grupo que estava dentro da antiga serraria, agora transformada em clube, mas não uma horda tão grande. E, convenhamos, ele poderia ter reduzido o grupo bastante sem comprometer o nível da ameaça ou prejudicar a narrativa. Quando Remmick enfrenta Sammie (novamente no mano a mano) do lado de fora, pouco antes do sol nascer, novamente temos um grupo grande de vampiros demonstrando a união deles… honestamente, não faria muito sentido alguém ter sobrevivido em um confronto tão desigual.
Mas, para Sinners ter o desfecho que ele tem, não apenas uma pessoa sobrevive aquele cenário catastrófico, mas duas pessoas conseguem se safar de virarem vampiro… muita criatividade por parte do realizador desse filme, e um pouco de “forçada de barra” demais para o lado dos espectadores que devem ignorar esses fatos e olhar apenas para as qualidades da narrativa.
(SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Ah, e temos outra questão: certo que cada um dos três vampiros que vemos em cena inicialmente poderia ter “trabalhado rápido” e transformado grande parte do público da festa em seres iguais a eles, mas realmente eles teriam feito isso de forma tão rápida, quase exponencial, ao ponto de vermos aquela horda se formar tão rápido? Ninguém teria realmente conseguido escapar de carro ou de outra forma, com todos se transformando em vampiros e criando aquele grande grupo em tão pouco tempo? Achei um tanto forçado isso, mas ok.
Bem, da minha parte, essas questões “forçadas” me desagradaram um pouco, mas não o suficiente para eu achar esse filme sem graça ou extremamente exagerado. Pelo contrário. Acho que Sinners tem muito mais qualidades do que defeitos. Gostei. Agora resta saber se ele terá força para ganhar prêmios além de conquistar o público.
NOTA
9,3.
OBS DE PÉ DE PÁGINA
Ryan Coogler é o grande nome por trás de Sinners, sem dúvidas. Ele teve a visão do filme, do início ao fim, sendo responsável pela direção e pelo roteiro – esse último, que ele assina sozinho. Para mim, o grande acerto de Coogler está na direção, que não tem falhas e é bastante bem feita e inspirada, tendo alguns jogos de câmera realmente muito bons – especialmente naquela sequência incrível que eu comentei antes e que é o ponto alto do filme -, além de saber valorizar tanto o trabalho dos atores quanto o cenário no qual ele apresenta essa história. Ele dá aula de direção aqui, então nesse quesito Sinners é um trabalho primoroso.
Porém uma das fortalezas e, por incrível que pareça, ao mesmo tempo o ponto fraco do filme é o roteiro que Coogler nos apresenta. Eu já trouxe as razões da minha crítica antes, então não vou repetir por aqui os meus argumentos. Mas, para resumir, acho que a qualidade do roteiro está na forma como Coogler nos surpreende misturando personagens inusitados e estilos de cinema e de narrativa muito diferentes, fazendo tudo isso fazer sentido, ao mesmo tempo que falha ao exagerar a dose na parte do “confronto derradeiro” da história. E faz isso sem necessidade. Ele poderia ter feito outras escolhas que nos levassem mais para o realismo e que nos deixaria menos com a sensação de “forçada de barra”.
Apesar disso, se colocarmos o roteiro em uma balança, vejo que ele tem mais pontos positivos do que negativos. A criatividade de Coogler ganha da pequena “derrapada” que ele comete naquele momento importante da narrativa. E o melhor é que ele consegue se redimir no final – isso é muito importante. Outros filmes não conseguem se recuperar no derradeiro final, mas Coogler consegue fazer isso com Sinners. Gostei bastante da forma como a produção termina, arrematando a história e ajudando a consolidar a “moral” da produção.
Um outro acerto do roteiro, e acabei não comentando isso antes, foi a escolha de Coogler pelo número de personagens relevantes na história e a forma como ele desenvolve o núcleo central da trama. Verdade que alguns personagens acabam sendo relativamente pouco desenvolvidos – e até ficamos com um pouco de curiosidade em saber mais sobre eles -, mas isso demonstra como a breve apresentação deles em Sinners é bem feita, ao ponto de ficarmos interessados em saber mais sobre eles.
Entre os atores que fazem um trabalho de destaque em Sinners, me parece inevitável falar de Michael B. Jordan em seu papel duplo. Ninguém esperava por isso, acredito… e é muito interessante ver como o ator desenvolve os dois personagens de forma diferente nos pequenos detalhes. Muitos apontam ele como um nome forte para o Oscar do próximo ano por causa desse papel. E, realmente, apesar de termos muitos filmes para ver ainda pela frente – inclusive produções que ainda não estrearam nos cinemas -, o trabalho de Jordan em Sinners pode levar o ator a ser indicado. Veremos.
Outro nome inevitável nessa produção é o de Miles Caton. O rapaz faz um trabalho espetacular nesse filme. De verdade. Me impressionou. Por ser bastante jovem – ele tem 20 anos – e por ter estreado no cinema com esse filme, talvez ele não tenha a força de conquistar uma indicação ao Oscar. Mas ele merecia. Faz um trabalho excepcional em Sinners. Realmente um belo cartão de visitas e uma estreia marcante.
O elenco de apoio da produção está recheado de nomes interessantes. Entre os coadjuvantes que merecem destaque, vou começar com os que eu considero que fizeram o melhor trabalho e que tem personagens melhor desenvolvidos na narrativa. Para começar, o sempre ótimo Delroy Lindo interpreta o músico experiente e velho conhecido de Smoke e Stack, Delta Slim. Alguns apontam que Delroy pode ser indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por esse papel. Apesar de termos que ver ao trabalho de muita gente ainda, acho sim que ele mereceria essa indicação. Ele tem uma presença marcante no filme e faz seu trabalho com esmero em Sinners.
Outro nome de destaque do elenco masculino é o de Omar Benson Miller, que interpreta a Cornbread, um trabalhador dos campos de algodão que acaba sendo contratado pelos irmãos para ser o segurança do clube, cuidando de quem poderia entrar ou não no local. Ele está muito bem em seu papel. Vale citar ainda o trabalho de Yao como Bo Chow, o dono da venda, amigo de Smoke e Stack, que ajuda a colocar o clube para funcionar. Além deles, claro, temos Jack O’Connell como o vilão principal da história. Ele está bem em seu papel, tem alguns momentos de destaque, mas também uma representação um pouco forçada especialmente na reta final do filme – antes, quando ele não mostra todos seus dentes, ele se sai melhor.
Do elenco feminino, para mim o grande destaque é o trabalho da atriz Wunmi Mosaku como Annie, ex-mulher de Smoke. Ela tem a sua personagem melhor desenvolvida e que apresenta uma maior riqueza de valores e de nuances. Além disso, Wunmi Mosaku apresenta uma interpretação envolvente e muito convincente. Se, de fato, o elenco de Sinners irá emplacar diversas indicações no próximo Oscar, eu diria que ela é o nome a figurar na categoria Melhor Atriz Coadjuvante. Novamente, a conferir.
Outros nomes de destaque entre as atrizes em papéis coadjuvantes nesse filme são o de Li Jun Li como Grace Chow – ela rouba a cena e faz um papel também bastante interessante, apesar de mais curto e com um destaque menor que o de Annie; e um dos nomes mais conhecidos do elenco, Hailee Steinfeld, como Mary, ex-rolo (ou ex-namorada, não sabemos ao certo) de Stack. Ela é a única mulher branca a fazer parte do grupo que está autorizado a entrar no clube e acaba sendo uma pessoa importante para a virada da história. Ela está bem no papel, apesar de sua personagem ser, em uma leitura superficial, um pouco menos interessante do que a de Wunmi Mosaku. Mary é uma personagem mais “plana”, linear, previsível, enquanto Annie mostra uma riqueza maior.
Finalizando a lista de coadjuvantes que tem uma relevância maior na história, cito o belo trabalho de Jayme Lawson como Pearline, uma garota jovem, belíssima, que parece ser o primeiro amor (ou paixão, ao menos), de Sammie. No final, acabamos não sabendo muito dela, mas ela tem uma presença bastante marcante, apesar de um papel pequeno, e meio que rouba a cena cada vez que aparece. Ela está muito bem – a exemplo de Miles Caton, ela ganha muitos pontos no currículo com esse trabalho. Jayme tem mais trabalhos que Miles no currículo – Sinners é o seu sétimo longa -, mas sem dúvida ela ganha alguns pontos de visibilidade por seu trabalho nesse filme. Ela é muito expressiva e muito talentosa, chamando a atenção.
Esses seria o “núcleo duro” do filme entre os atores coadjuvantes. Mas vale citar, por apresentarem um bom trabalho, ainda que em papéis menos relevantes, os seguintes atores: Peter Dreimanis como Bert e Lola Kirk como Joan, o casal que abriga Remmick em casa em troca de algumas moedas de ouro e que acaba fazendo um trio de “cantores inocentes” que se mostram bem perigosos depois – e já eram perigosos antes, na verdade, porque faziam parte da Ku Klux Klan; Helena Hu em um papel bem pequeno, mas interessante quando ela está em cena, como Lisa Chow, a filha do casal Lisa e Bo e grande preocupação de Lisa em momento decisivo do filme.
Vale citar ainda o trabalho de Dave Maldonado como Hogwood, o homem que vende a antiga serraria para Smoke e Stack e que é uma liderança da KKK na cidade; de Saul Williams como Jedidiah, pai de Sammie e pastor da igreja local, figura de autoridade e de prestígio que não aceita que o filho seja músico; Sam Malone como Terry, um dos ladrões baleados tentando roubar a caminhonete de Smoke; e Aadyn Encalarde como a adolescente que Smoke paga para cuidar de sua caminhonete enquanto ele vai conversar e contratar os serviços dos amigos Lisa e Bo.
Vale aqui comentar algumas questões sobre as quais eu não falei antes. Para começar, o título do filme e algumas escolhas de nomes que são carregadas de significado. Para começar, o título da produção. Sinners, traduzindo, significa Pecadores. E pensarmos que um monte de gente morre nessa produção porque todos são pecadores… uns, porque tem a ousadia de fazer música, cantar, dançar, transar. Outros porque não tem nenhum problema em matar. Ainda há quem seja temido por ser chamado de gângster, sem contar o povo da KKK. Mas, no fim das contas, todos são pecadores, não é mesmo? A diferença é que alguns tem um talento bem acima dos demais.
Mas algo interessante é que uma certa “salvação” é vendida por lados bem diferentes dessa história. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme ainda). Ora, se todos são pecadores, e se todos vão morrer, que tipo de salvação nós temos a nossa disposição? Segundo o pai de Sammie, o pastor Jedidiah, essa salvação passa pelas orações e por uma vida regrada, simples, sem música e outras tentações que fazem as pessoas perderem o caminho da salvação – em resumo, pecarem. Para Remmick, a salvação está na vida (quase) imortal de um vampiro, na qual cada novo membro passa a fazer parte de uma “irmandade” e, com as vantagens que esses seres têm – de força, astúcia, conexão uns com os outros -, o que favoreceria Sammie e outras pessoas fugirem da perseguição da KKK, do racismo e de outros problemas. No fim, o protagonista dessa história não escolhe nenhuma dessas opções de “salvação” e decide fazer o seu próprio caminho seguindo sua paixão – e, tudo indica, sua vocação. Afinal, um talento como o dele não pode ser ignorado. Para Sammie, a música era sua salvação, e não havia salvação fora da música.
Vale também comentar a escolha de dois nomes nessa história. Sinners, entre outras questões, aborda a relação de pai e filho e aquele momento decisivo na vida de uma pessoa quando ela deve escolher entre seguir o seu próprio caminho, mesmo que isso signifique romper com a família, ou abaixar a cabeça e optar pelo caminho mais fácil, mais “confortável”, seguindo a direção que os pais (ou, no caso desse filme, aparentemente mais o pai do que a mãe) desejam para ela. Pois bem, os nomes de pai e filho nesse filme não foram escolhidos de forma aleatória. Fui pesquisar um pouco e Jedidiah é um nome de origem hebraica que significa “o amado de Deus”, enquanto Sammie pode ser entendido como o diminutivo de Samuel, nome que também tem origem hebraica e que significa “nome de Deus” ou “Deus ouve”. Nomes muito significativos para os respectivos personagens de Sinners, não é mesmo?
E algo interessante, se pararmos para pensar tanto no nome do filme quanto do personagens que interpretam pai e filho nessa história, é que todo esse “enredo religioso” tem tudo a ver com a base dos Estados Unidos e, principalmente, do Mississippi, estado onde se passa a história de Sinners.
De acordo com esse artigo da Wikipédia, a religião predominante do Mississippi é o protestantismo (77% da população), seguido bem atrás pelo catolicismo (4%). Entre as raças mais presentes no estado estão os “brancos não hispânicos” (58%), seguida pelos afro-americanos (37%). Entre os grupo étnicos, a maioria parcela são de pretos (36,2%), seguida de “americanos” (14,2%), irlandeses (6,9%) e, empatados, ingleses e alemães (cada um com 6,1%).
Esse mesmo artigo explica como a população que era, em sua maioria, até os anos 1940, de ascendência africana, foi tendo essa predominância reduzida década a década, e de como o Mississippi é “um dos Estados mais conservadores dos EUA, sendo que a religião é, com frequência, um importante fator da opinião política dos habitantes”. Tudo a ver, portanto, o que Sinners aborda. Também vale citar o trecho do artigo em que se comenta que “o Estado possui leis rígidas contra jogos de azar e bebidas alcóolicas” – daí também essa ideia de “pecadores” que o filme trata.
Eu não sabia, até pesquisar um pouco mais a respeito, mas a cidade onde a história de Sinners está ambientada, Clarksdale, é considerada “a terra natal do blues”, conforme esse site oficial de turismo nos EUA. Esse mesmo artigo comenta que a cidade está localizada no coração do Mississippi e que está cercada por “quilômetros e quilômetros de campos de algodão”. No artigo que fala sobre o “roteiro do blues”, eles falaram sobre o “cantor mais importante do blues”, Robert Johnson, e sobre o local em que ele “supostamente” vendeu a alma para o demônio… hummm… interessante. Isso torna Sinners ainda mais certeiro em sua construção e escolhas. Ryan Coogler soube resgatar algumas questões bem relevantes sobre aquela cidade e estado.
Pesquisando mais sobre o Mississippi, encontrei essa notícia da Reuters publicada pelo G1. Apesar de ser uma matéria de 2016, acho que ela traz elementos importantes em Sinners e também na realidade. Na época, uma igreja batista frequentada pela comunidade preta foi queimada e pichada com a mensagem “Vote Trump”. Isso dá um contexto interessante e colocar Sinners ainda mais em evidência se pensarmos na audiência americana. Um filme que pode levantar algumas polêmicas e rachar opiniões “extremistas”. Sem dúvida, se pensarmos em tudo que o filme aborda, ele é um barril de pólvora. E isso é bom. Filmes que incomodam são sempre excelentes.
Eu já tinha visto aquele músico que aparece bem no final de Sinners, mas admito que eu não me lembrei do nome dele logo de cara – enquanto o filme está rolando. Tive que pesquisar sobre ele depois. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme ainda). A história de Sinners, basicamente desenrolada no decorrer de um dia, avança bastante no tempo e mostra o personagem Sammie envelhecido no final. Quem o “interpreta” então e que é o “chefe” do local é Buddy Guy. Ele é uma lenda da música.
Nascido em 1936 em Lettsworth, uma comunidade que fica no estado da Louisiana, Buddy Guy é guitarrista e cantor de blues e rock. Ele serviu de inspiração para outra lenda, Jimi Hendrix, e para diversos outros artistas de renome. Buddy Guy, que ainda está em atividade, foi expoente do Chicago blues, grupo de músicos que tinha como seus expoentes ainda Muddy Waters e Howlin’ Wolf, segundo esse artigo da Wikipédia. Segundo a conta de Instagram de Buddy Guy, ele ganhou nada menos que oito Grammy’s – o Oscar da música.
Segundo essa matéria da Rolling Stone, aos 89 anos de idade, agora em 2025, Buddy Guy lançou um novo álbum que celebra o blues de Chicago. Incrível Sinners contar com ele. Ah, e interessante alguns “paralelos” que podemos fazer entre o personagem Sammie e Buddy Guy. O músico que é uma lenda do blues também cresceu no meio rural e cercado de um ambiente de segregação racial – quando ele era garoto, os restaurantes e assentos de ônibus eram separados entre brancos e pretos.
Com sete anos de idade ele “fez sua primeira guitarra” com um pedaço de madeira e duas cordas amarradas com grampos de cabelo – o que acaba sendo bem simbólico quando pensamos na sequência inicial e em uma das últimas de Sammie em Sinners. Aos 21 anos, Buddy Guy foi incentivado por um amigo para ir para Chicago, onde ele fez carreira na música – e que carreira! Chicago também é importante para a história de Sinners – voltaram de lá os irmãos Smoke e Stack e para lá acaba indo Sammie.
Aliás, vale comentar que Sinners tem alguns extras bem interessantes depois que a trama central termina. Como acontece com os filmes da Marvel, nessa produção também vale a pena esperar até o final dos créditos para ver tudo que Ryan Coogler preparou para o público. Fica a dica. 😉
Uau, falei bastante da história e do elenco por aqui. Agora chegou a hora de falar um pouco sobre os aspectos técnicos de Sinners. Gostei muito da direção de fotografia de Autumn Durald Arkapaw, que sabe trabalhar muito bem os diferentes ambientes para nos fazer mergulhar na realidade do local onde a história é desenvolvida – e que acaba sendo importante para a narrativa.
Depois, chama a atenção a trilha sonora de Ludwig Göransson – que pode sim, talvez, render uma indicação ao Oscar para ele – e a edição de Michael P. Shawver. A edição ganha uma importância especial na sequência magistral que eu comentei anteriormente e também nas sequências em que o “couro come” e as diferentes “forças” se digladiam na reta final do filme. Aliás, sim, temos muitos filmes para ver ainda, mas eu não me surpreenderia se a edição de Sinners também fosse indicada ao Oscar.
Esses aspectos técnicos, para mim, são os de maior destaque no filme. Mas vale citar também o trabalho do Departamento de Maquiagem, que conta com nada menos que 40 profissionais – sim, a maquiagem acaba sendo um elemento bem utilizado e importante para a história.
Outros aspectos técnicos que são bem realizados no filme e que valem ter seus responsáveis citados por aqui: os figurinos da veterana Ruth E. Carter; o design de produção de Hannah Beachler; a direção de arte de Jonathan Cappel, Timotheus Davis e Jesse Rosenthal; a cenografia de Monique Champagne; o trabalho dos 62 profissionais envolvidos no Departamento de Arte; os 21 profissionais envolvidos com o Departamento de Efeitos Especiais; as dezenas de profissionais – sinceramente, a lista é tão grande que eu desisti de contar – envolvidos com os Efeitos Visuais e mais as diversas dezenas de nomes envolvidos com o Departamento de Música.
A partir desse parágrafo, vou citar algumas curiosidades sobre Sinners. O nome dos irmãos Smoke e Stack foram inspirados na música “Smokestack Lightnin” da lenda do blues Howlin’ Wolf.
Perguntaram para o diretor Ryan Coogler se ele pensava em fazer uma continuação de Sinners… olha, minha gente, devo dizer que muitas pessoas estão mal acostumadas com “franquias” e com filmes em série, não é mesmo? Porque, cá entre nós, não faz nenhum sentido Sinners ter uma continuação. O filme faz sentido como uma obra única – como 99% dos filmes deveriam fazer, devo dizer.
Ainda assim, vale citar a resposta de Ryan Coogler para essa pergunta – se ele pensava em fazer uma continuação de Sinners: “Eu nunca tinha pensado nisso. Estou na área de fazer filmes de franquia há algum tempo, então eu queria me afastar disso. Eu estava ansioso para trabalhar em um filme que fosse original e pessoal para mim e tinha apetite para entregar ao público algo original e único. Eu queria que o filme parecesse uma refeição completa: com aperitivos, entradas, pratos principais e sobremesas. Eu queria tudo ali. Queria que fosse algo holístico e completo. Essa sempre foi a minha intenção.”
Entendo perfeitamente a vontade de Coogler de apresentar algo diferente e original e de “escapar” dos filmes de franquia. E concordo com ele que, sem dúvidas, ele conseguiu apresentar um filme único e original. Nisso ele teve sucesso.
Jack O’Connell aceitou o papel de Remmick depois de ler apenas uma vez o roteiro porque ele ficou fascinado pelo fato de seu personagem cantar, durante a produção, músicas do folclore irlandês – esse era um sonho do ator, que é fã do gênero.
Por falar em música no filme, muitas das apresentações que vemos em Sinners foram gravadas ao vivo no set das filmagens, com os atores se apresentando ao lado de músicos de blues.
Interessante como Ryan Coogler fala de uma das suas inspirações para o filme. Como ele pensou no desenvolvimento da história a partir do trabalho da banda Metallica. Coogler comentou o seguinte: “Eu queria que o filme tivesse a simplicidade e, ao mesmo tempo, a natureza profunda de uma música de blues do Delta (do Mississippi). Mas eu queria que ele tivesse o contraste, a variação e a inevitabilidade de uma ótima música do Metallica, como ‘One’. Começa quase como um solo fácil de ouvir, sabe? E então fica completamente insano, de um jeito que você nunca imaginaria e, ao mesmo tempo, parecia que estava sendo pensado assim o tempo todo. O filme é, basicamente, isso”. Olha, devo dizer que eu achei esse um belo resumo de Sinners. 🙂
As filmagens de Sinners ocorreram, principalmente, em Nova Orleans e nos arredores de Louisiana durante a Primavera de 2024. Ou seja, todo o elenco teve que lidar com muito calor e muitos insetos, comentou a atriz Wunmi Mosaku.
(SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). O trabalho de Michael B. Jordan para interpretar os irmãos gêmeos Smoke e Stack contou com o apoio importante de um dublê que é fisicamente muito parecido com o ator, chamado Percy Bell, e com os consultores Noah e Logan Miller, que são gêmeos, e que auxiliaram o ator a entender algumas características da relação entre esse tipo de irmãos.
Ryan Coogler teve diversas fontes de inspiração para essa história. Em uma outra entrevista o diretor e roteirista comentou que se inspirou na história de um tio, James, que morava no Mississippi e que morreu enquanto ele dirigia Creed. As lembranças que Coogler colecionou no Mississippi ao visitar o tio, incluindo as suas memórias envolvendo o blues, ajudaram ele a construir Sinners.
Coogler falou o seguinte sobre esse tio que lhe inspirou: “Ele foi, por muito tempo, o homem mais velho da nossa família e morava bem perto de mim. Minha família estudava em Richmond, incluindo o meu tio James, e a casa dele era perto o suficiente para que eu pudesse ir a pé quando criança. Eu passava muito tempo com ele. E ele ouvia blues. Era a praia dele. Ele não assistia a filmes. Ele ouvia discos de blues e ouvia San Francisco Giants no rádio. Ele bebia uísque Taylor envelhecido. Era a praia dele. E eu associei aquela música a ele, que era como se fosse música de um homem negro envelhecido”. Interessante. No fundo, Sinners é meio que uma homenagem ao tio do diretor.
Achei interessante essa inspiração bem pessoal de Coogler. Com Sinners ele conseguiu olhar para suas próprias raízes ao mesmo tempo em que fez um filme que trata sobre diversos temas universais – e mesmo que não toquem todos os públicos da mesma forma, sem dúvida alguma pode ser entendido por pessoas das mais diferentes origens que tem algum conhecimento sobre os temas abordados na produção.
Lembrei de um aspecto desse filme sobre o qual eu não comentei antes. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Mais do que um filme de “fantasia” ou de “terror”, eu vejo essa produção como um filme com quase os dois pés inteiros na realidade. Afinal, existem mais coisas entre o céu e a terra do que a vã filosofia humana possa imaginar, e quem nos garante que não existem “seres mágicos” por aí? Como os vampiros, sim. Então, na verdade, Sinners “brinca” com essa ideia dos vampiros trazendo eles para a realidade. Annie é quem já tinha ouvido falar sobre esses seres e sabe como enfrentá-los. Mas o que eu acho interessante de Sinners é a forma como o filme aborda a aparição deles em uma comunidade de pretos que só estava tentando se divertir – e alguns deles, fazer dinheiro com isso também. Acho a reação dos personagens muito realista e isso nos faz pensar sobre como reagiríamos frente a algumas ameaças sinistras e inesperadas. Por tudo isso, acho que Sinners tem um foco bem interessante na “vida real”.
Miles Caton disse que aprendeu a tocar violão para poder interpretar o papel de Sammie. Por dois meses ele teve aulas de violão, inclusive viajando de trem de Nova Iorque para a Filadélfia para ter aulas com Randy Bowland, um guitarrista conhecido da Filadélfia.
O carro que Smoke e Stack dirigem no filme é um PG da CR Patterson & Sons. Esse modelo ficou conhecido por ter sido o primeiro carro construído e fabricado por negros nos Estados Unidos, em 1915.
Uma curiosidade trazida pelas notas de produção é que a conta no Spotify do “Sinners Movie” traz na parte “Sobre o artista” duas páginas de jornais que ajudam a explicar melhor a origem de Remmick e da fortuna dos irmãos Smoke e Stack.
Ah, lembrei de um último ponto que eu queria abordar sobre o filme. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Acho que grande parte do filme é muito bem desenvolvido e tem diversos momentos realmente interessantes na produção, mas acho que a sequência em que um irmão tenta convencer o outro para ceder, com Bo fazendo o mesmo com a esposa e Remmick também insistindo para o grupo sobrevivente deixar eles entrarem dentro do clube é um tanto longa demais. Os argumentos acabam ficando um bocado repetitivos, e essa seria a única parte que eu acho que merecia um corte na edição de parte dos diálogos.
Estamos vários meses distantes do Oscar do próximo ano e de outras premiações importantes do cinema. Mas, até o momento, Sinners já ganhou 12 prêmios e concorreu a outros 15. Nenhum prêmio de grande relevância até agora.
De acordo com o site IMDb, Sinners teria custado US$ 90 milhões – um orçamento considerável. Mas o filme se saiu muito bem nas bilheterias. Conforma o site Box Office Mojo, a produção arrecadou impressionantes US$ 278,6 milhões apenas nos cinemas dos Estados Unidos. Se somadas as bilheterias de outros países onde o filme foi exibido, a bilheteria global de Sinners chegaria a US$ 366,7 milhões. Fora os Estados Unidos, onde o filme teve as suas melhores marcas, o segundo mercado onde ele se saiu melhor foi o Reino Unido, onde Sinners conseguiu US$ 21,7 milhões nos cinemas.
Os usuários do site IMDb deram a nota 7,6 para Sinners, enquanto que os críticos que tem seus textos linkados no site Rotten Tomatoes dedicaram 397 críticas positivas e 14 negativas para o filme, o que garante para Sinners o nível de aprovação de 97% – ótimo nível de avaliação. O site Metacritic, por sua vez, apresenta o “metascore” 84 para o filme, fruto de 51 críticas positivas e de quatro críticas medianas. Além disso, o site apresenta o selo “Metacritic Must-see” para Sinners.
Vale comentar que Sinners aparece em diversas listas que apontam os melhores filmes de 2025. Por isso ele estreou essa minha nova leva de críticas por aqui – enquanto não temos uma definição melhor de filmes que podem concorrer ao Oscar, vou me focar agora nas listas dos melhores do ano. 🙂
Sinners é uma coprodução dos Estados Unidos com a Austrália e o Canadá.
CONCLUSÃO
Um filme que fica longe de ser óbvio. Sinners trata de temas que já vimos em outras produções, isso é verdade, mas a mistura que vemos em cena e a forma como a narrativa é conduzida traz frescor para diferentes gêneros e surpreende por tornar essa mistura estranha tão interessante e por fazer sentido no final. Uma produção que faz uma grande homenagem ao blues e à música em geral, assim como trata muito bem sobre o tema da liberdade. Tem ao menos uma sequência incrível e que já pode entrar nos anais da história do cinema. Bem dirigido, com roteiro interessante e instigante, ótimas atuações e poucas falhas, merece ser visto.
One reply on “Sinners – Pecadores”
[…] Mas dos filmes recentes que eu vi, de fato acho que essa produção e que Sinners (com crítica nesse link) tem diversas qualidades para serem colocados nas listas de melhores do […]
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