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Penelope – Penélope


Desde o lançamento de Ever After (Para Sempre Cinderela, de 1998 ) e, depois, de Shrek, a visão dos “contos-de-fada” mudou um bocado em Hollywood. O primeiro filme, com Drew Barrymore, está completando 10 anos. A produção, que transportava para o “mundo real” a história de Cinderela, cativou muita gente especialmente pelo carisma da protagonista. Depois, Shrek (2001) surgiu como uma paródia animada dos contos-de-fada tradicionais, com uma boa dose de humor e sarcasmo. Por tudo isso, a nova “remessa” de filmes que tentam repetir a fórmula, como este Penelope e Enchanted (Encantada, que vou comentar em seguida), acabam perdendo boa parte de sua “força” como novidade. Porque não são nada novos, claro. Ainda que Penelope consiga cativar o espectador incauto especialmente pela simpatia dos protagonistas, interpretados por Christina Ricci e James McAvoy. Além disso, o filme tem uma certa dose de cuidado estético e algumas “sacadas” muito boas – especialmente com a sua “crítica” velada a superexposição midiática de alguns ricos e famosos.

A HISTÓRIA: Conhecemos a família de aristocratas ricos e midiáticos Wilhern, sobre a qual recai uma maldição. Antes de Penelope nascer, seu tetra-tetra-tetra-avô Ralph (Nicholas Prideaux) teve um romance com uma empregada, Clara . Depois de rejeitá-la por pressão da família e casar com uma mulher de sua mesma classe social, Ralph foi almadiçoado pela mãe de Clara e bruxa da cidade (Michael Feast). Sua maldição: a primeira mulher que nascesse de um Wilhern teria cara de porco. Todas as gerações seguintes da família foram de homens, até que o casal Jessica (Catherine O’Hara) e Franklin (Richard E. Grant) tiveram uma filha: Penelope (Christina Ricci). Segundo a maldição, a única maneira de quebrar o encanto seria que a descendente Wilhern com cara de porco fosse aceita por alguém de sua “própria espécie”, o que desencadeia anos e anos de busca por algum ricaço que resolva casar com Penelope.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que parte do texto à seguir conta trechos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Penelope): Como todo conto-de-fadas ou fábula, Penelope tem a idéia de uma “moral” ou “sentido da história”. Mas além do mais óbvio, que é a questão do que “cada um deve aceitar o outro como ele é”, de que “a beleza exterior importa menos que a interior” e de que “a força de qualquer maldição depende da importância que se dá a ela” (como bem diz o garotinho simpático no final do filme), Penelope trata de outras questões interessantes, especialmente na superexposição de determinadas pessoas na mídia e sobre o círculo de interesse que eles criam sobre si mesmos – e, claro, sobre a dependência das pessoas que vivem em função destes “desconhecidos tão familiares”.

Mas antes de entrar neste tema, vamos ao que o filme realmente é: uma história romântica com boa dose de comédia que resgata a “alma” dos contos-de-fadas e a transporta para o mundo real. Como disse no início deste texto, esse “transporte” não é algo novo… vêem sendo feito com uma certa frequência nos últimos 10 anos, desde aquele filme com Drew Barrymore. E vem sendo feito porque dá certo, claro. Funciona tanto com o público infantil, que fica encantado em ver no “mundo real” algo tão fantasioso, como funciona também com o público adulto, especialmente com aquela faixa de espectadores que gosta de um bom romance com comédia e fantasia.

A verdade é que Penelope funciona. Em especial pela sintonia de Christina Ricci com James McAvoy (que interpreta Johnny, um jogador de pôquer que resolve se passar pelo filho “de boa família” Max para conseguir dinheiro). Também funciona pela direção competente e cuidadosa de Mark Palansky, pelo interessante trabalho de fotografia de Michel Amathieu e por detalhes tão importantes em uma história assim como é a direção de arte de Gerard Bryan e John Reid, os cenários e decoração em cena de Bridget Menzies e o figurino de Jill Taylor. O figurino, aliás, merece uma menção honrosa. Realmente um belo trabalho de Taylor.

Mas todos estes elementos técnicos e de cuidado estético não funcionariam se os atores não fossem competentes. E além dos já citados, destaco a atuação divertida e equilibrada de Catherine O’Hara e Richard E. Grant como os pais da “garotinha com cara de porco”. Os dois, que na história eram superexpostos pela mídia, fazem um pacto de distanciamento e de isolamento de sua filha para “protegê-la” – e a eles próprios, claro. Claramente os dois tem visões diferentes do que seria melhor para a garota, especialmente depois que ela passa por anos de rejeição de todos os “bons partidos” da sociedade local. Mas ainda assim eles não tem coragem de quebrar uma rotina com a qual tiveram que se acostumar. E a coragem de Penelope joga todos em um novo e decisivo ciclo.

Um ponto de vantagem do filme é que ele não “endeusa” ou enfeita os personagens principais. Exceto por Penelope, que realmente parece uma “santa” que foi criada em uma redoma de vidro, isolada do mundo e de seus perigos e tentações – curioso que ela não assite televisão, hein? – todos os demais e, em especial, o “herói” ou “príncipe encantado” da história, são bem reais e passíveis de erros. Mas, como em qualquer encontro bom na vida, tanto nosso “herói” como nossa “heroína” mudam depois de se encontrarem. A realidade que lhes incomodava parece já não ser possível depois do encontro que tiveram – ainda que rápido, mas suficientemente importante para motivá-los a mudar de vida. Bons encontros fazem isso com as pessoas.

Mas como eu disse antes, merece um capítulo a parte a questão da superexposição de algumas “celebridades” na mídia. Muito interessante o personagem do jornalista Lemon (interpretado pelo ótimo Peter Dinklage). Ele persegue a história de Penelope para se redimir e, por ironia, sem perceber que ele talvez faça isso porque é considerado também “uma aberração” na sociedade consumista e padronizada por modelos magérrimos e “plasticamente perfeitos” que a própria mídia vende. No fim das contas, acho que muitos jornalistas que tentam expor as outras pessoas e/ou serem polêmicos tentam, na verdade, resolver publicamente problemas que não conseguem resolver com eles mesmos.

Parece meio duro dizer isso ou até mesmo parece uma “teoria da conspiração”, mas realmente acho que muitos que “escrevem sem pensar” estão se expondo mais do que eles gostariam de admitir. E também acho que estas mesmas pessoas criam um ambiente de superexposição na mídia de determinadas pessoas que não traz nada de útil e nem serve a ninguém – e, depois, são eles mesmos que reclamam de um mercado que pede isso, ainda que eles contribuam para alimentá-lo.

Ainda sobre este tema, achei interessante a parte em que a mãe de Penelope a questiona sobre esse seu prazer de estar exposta na mídia… no fundo não era o que ela procurava quando saiu de casa. Ela queria sua independência e conhecer a vida fora da redoma em que estava, mas sem querer ela virou “atração pública” da cidade. E gostou. A verdade é que muita gente se surpreende, depois de um tempo, gostando de uma superexposição que não é real. Claro, todos queremos “um pouco de atenção”, como diria um certo Renato Russo. Mas e quando essa atenção vira necessidade e/ou vício? Quando Jessica comenta com a filha de que as pessoas que ela chama de amigos de verdade são, na verdade, fãs de uma pessoa que aparece na mídia, Penelope se dá conta que talvez esta superexposição seja uma fantasia. Quem sabe o grande conto-de-fadas do filme. E claro que ela tinha, no meio das pessoas que a cercavam, amigos de verdade – como Annie (Reese Witherspoon, também produtora do filme) e Jack (Richard Leaf) – mas, como qualquer pessoa normal desta vida, ela poderia contar nos dedos das mãos os que não a seguiam por algum interesse ou em busca de vantagens.

No fim da história, uma das morais menos óbvias é que muitos personagens descobrem que podem ser felizes de maneira simples, seguindo intuitivamente o que eles acham mais importante e, paralelamente a isso, ignorando a superexposição à mídia que muitos parecem querer, mas que poucos entendem como é extremamente ilusória e prejudicial.

NOTA: 8.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: Realmente impressionante o carisma de Christina Ricci e James McAvoy. O ator escocês, em especial, consegue um importante equilíbrio em seu papel, ainda que eu aposto que muitas vezes ele deve ter tido verdadeiros ataques de riso com o seu papel “conto-de-fadas”. Vale a pena esperar para vê-lo em seu próximo filme a ser lançado: Wanted. Neste filme ele divide a cena com Angelina Jolie e Morgan Freeman, entre outros. O filme promete.

Penelope foi filmado todo na Inglaterra, nas cidades de Londres e Beaconsfield. O filme é uma co-produção Estados Unidos e Inglaterra.

O filme, que teria custado aproximadamente US$ 15 milhões, arrecadou apenas nos Estados Unidos, em pouco menos de dois meses em cartaz, cerca de US$ 9,9 milhões. Não está mal, mas com certeza está abaixo do que os produtores esperavam.

No site IMDb o filme registra a nota 7,4, enquanto no Rotten Tomatoes ele consegue praticamente um empate entre as críticas dos jornalistas por ali publicadas: 57 textos são positivos, enquanto 51 são negativos.

Penelope é a estréia em longas-metragens para o cinema do diretor Mark Palansky. Antes ele tinha dirigido a dois curtas: Shuttler e The Same, além de ter sido o responsável por várias entrevistas feitas para a TV com pessoas conhecidas nos “bastidores” de Hollywood, como os roteiristas Paul Haggis e Ted Griffin.

O roteiro do filme, bem escrito – ainda que com alguns chavões praticamente inevitáveis – é de autoria de Leslie Caveny, uma das co-produtoras executivas e roteiristas da série Everybody Loves Raymond.

CONCLUSÃO: Comédia romântica bem produzida que transporta para o “mundo real” uma história totalmente embebida em um conto-de-fadas. Tem várias “morais da história” e uma equipe de atores bem afinada, com destaque especial para o carisma dos protagonistas. Vale como diversão, mas sem grandes expectativas. Não inova, mas ainda assim se trata de um filme bem feito e com carisma.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 20 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing e, atualmente, atuo como professora do curso de Jornalismo da FURB (Universidade Regional de Blumenau).

4 respostas em “Penelope – Penélope”

Eu achei o filme uma merda. Defende a beleza, mesmo que, até ela, se precise de uma cirurgia plastica ou a quebra de um encanto. Se o filme é para crianças, elas aprendem, desde já, a fugirem horrorizadas de coleguinhas com algum tipo de defeito. Escrevei melhor sobre isso no meu blog. Depois dê uma visitada, se quiser (isso não é uma propaganda, vim mais pelo filme mesmo. hehe).

abraços

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Oi Rafael!!

Então, é o que eu sempre digo: cada qual com sua opinião…

Ainda assim, discordo um pouco de ti. Acho que o filme brinca e ironiza justamente os estereótipos de beleza vigentes. Vejamos: a menina resiste totalmente a mudar sua aparência – até porque isso é impossível segundo a Medicina – e, lá pelas tantas, mesmo quando pode “quebrar o encanto” se casando com um tipo de “linhagem adequada”, ela se recusa porque descobriu que a beleza é relativa. Para mim o filme quer justamente quebrar com essa idéia – tanto que eles “brincam” com isso no final, com a festa em que todos estão usando “focinhos de porco” e, mais, quando a mãe descobre que se ela amasse a filha como ela era tudo teria se resolvido muito antes.

No fundo, achei o filme uma crítica leve sobre vários padrões atuais – como os de beleza e o de fama -, ou seja, sem fazer nenhum grande “tratado” filosófico ou mesmo crítica xarope, Penelope questiona justamente o que as pessoas consideram belo ou normal.

Resumindo: talvez você tenha entendido o filme errado. Talvez. Pense a respeito.

De qualquer forma, você concordando ou não comigo – isso pouco importa, na verdade, porque neste blog realmente todas as opiniões são bem-vindas -, quero dizer que éres muito bem-vindo. Agradeço teu comentário e espero que voltes por aqui muitas vezes ainda. Dei uma rápida olhada no seu blog… sorte com ele!

Um abraço!!!

P.S.: Ah, e não acho que o filme seja para crianças… aliás, acho que boa parte da ironia e das “entrelinhas” dele são dirigidas realmente para os adultos.

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eu gostei! no começo do filme eu pensei q seria uma porcaria…ms!
logo, percebi que habia algo a mais por trás daquele conto de fadas. Assuntos q realmente eu gosto de pensar e q é muitooooooooooooooooo dificil de ver em qualquer filme que normalmente faz GRANDE SUCESSO e estes sempre tem haver com personagns perfeitos lindos!de tirar o folego..ms não é?

achei um trabalho diferenciado por isso…a um discurso por trás, e faz pensar! poucos pessoas realmente iriam gostar por isso rs,

…acho que o filme nos dá variados ponto de vista! pode ser que se trata da beleza relativa…ms senti que a história incentiva a ser mais que isso ou maior do que o poder que determinar padrões, é lutar contra isso e “verdades”, numa sociedade ditada por um simbolismo programado!

se libertar disso e seguir em frente como ela fez! bonitinha ou não como no final, isso não implica na moral da história…

Ah! Rafael! se fosse voltado realmente p/ “criancinhas”, acho que p/ continuar havendo uma moral na historia…teria que ser bem mais claro neh e o roteiro reeditado!..já que, como vc mesmo diz, elas não iriam entender nada e axariam que:
se o filme é para crianças, elas aprendem, desde já, a fugirem horrorizadas de coleguinhas com algum tipo de defeito.

bjim! =*

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Oi Samy!!

É verdade. Tens razão. Penelope trata de temas que poucos filmes tem a coragem de abordar e de forma tão singela e, ao mesmo tempo, irônica. Sem grandes discursos moralistas, mas com graça.

Também acho que o filme não foi feito para crianças… ainda que ele seja acessível para elas também. Mas como outras produções, Penelope tem várias camadas de leitura. Algumas mais evidentes, acessíveis inclusive para crianças, e outras nem tão óbvias – que só devem chegar para adultos um pouco mais “reflexivos”.

Samy, muito obrigada por tua visita e comentário. E apareça mais vezes, viu? Inclusive para falar de outras produções.

Abraços!

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