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Before the Devil Knows You’re Dead – Antes Que o Diabo Saiba que Você está Morto


Tem pessoas que fazem escolhas realmente estúpidas. Ignoram hierarquias, laços familiares, responsabilidades e resolver optar por um golpe arriscado para se dar bem. O problema é quando o plano dá errado e cada passo seguinte piora a situação. O primeiro atrativo de Before the Devil Knows You’re Dead (site oficial em francês, não sei exatamente o porquê) para mim foi realmente o elenco. Philip Seymour Hoffman, Ethan Hawke, Marisa Tomei e Albert Finney nos papéis principais, além de outros atores impressionantes como coadjuvantes, atraem qualquer um(a). Depois fui notar o nome do diretor: Sidney Lumet, um mago do cinema que já foi capaz, em sua carreira, de fazer filmes excelentes tanto quanto filmes medíocres. Mas o que mais me impressionou, quando o filme terminou, foi realmente o roteiro, irônico, mordaz e potente.

A HISTÓRIA: Andy Hanson (Philip Seymour Hoffman) tem um raro dia de plenitude com a mulher, Gina (Marisa Tomei) na introdução do filme. São os 30 minutos de “Paraíso” antes que o nome desta produção apareça e nos apresente a sequencia de desastres nas vidas da família Hanson. Ambicioso e farto da vida que está levando – com altos custos e um tanto de desonestidade – Andy propõe ao seu irmão menor, Hank (Ethan Hawke), que eles assaltem uma joalheria. Segundo ele, o resultado do roubo vai garantir aos dois o fim de seus problemas com dinheiro. O problema é que o assalto dá errado e tudo passa a piorar com o passar dos dias.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que a maior parte do texto à seguir conta trechos fundamentais do filme, estragando todas as surpresas do roteiro, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Before the Devil Knows You’re Dead): Existem várias histórias fragmentadas no cinema. Ou seja: a técnica não é novidade. Ainda assim, Before the Devil surpreende pela inteligência dos cortes temporais. Eles não cansam – como talvez ocorra em Vantage Point. Cada corte atua para estimular a curiosidade, surpreender e fazer com que a história entre de maneira mais contundente na vida de cada um dos personagens principais.

Realmente o roteiro, para mim, é o grande astro do filme. Detalhe: ele marca a estréia de Kelly Masterson nos cinemas. Durante sete anos Masterson tentou que seu roteiro virasse filme, sem sucesso, até que Sidney Lumet aceitou o desafio. Acertando na mosca. Aliás, Lumet volta a fazer um grande filme, depois de dirigir histórias dispensáveis como Gloria e Night Falls in Manhattan. Outro acerto do filme foi a escolha dos atores, cada um competetíssimo em seus papéis.

Mas voltemos a falar da história (SPOILER – não recomendo que você continue a ler se ainda não assistiu ao filme). O filme não faz rodeios para mostrar o momento crucial do filme: o assalto à relojoaria mal-sucedido. Ainda assim, cada minuto que passa vai nos revelando o tamanho do desastre. Andy, ambicioso, consumista e mal resolvido com sua família tem a infeliz idéia de assaltar a joalheria de seus pais. Manipulador, ele consegue enredar o irmão mais novo no assalto, deixando para ele o pior do plano: a ação propriamente dita. Hank, o “preferido” do patriarca da família, Charles (o estupendo Albert Finney), acaba não tendo coragem de executar o plano e chama a Bobby (Brian F. O’Byrne) para entrar na loja e assaltá-la.

O que ninguém esperava (SPOILER – não recomendo que você continue lendo se não viu o filme) é que Nanette (Rosemary Harris, também ótima), mãe de Andy, Hank e Katherine (Arija Bareikis) estaria naquela manhã de sábado substituindo a vendedora da relojoaria. O atrapalhado Bobby acaba levando um tiro durante o assalto e revida. E a partir daí, com a morte de Bobby e Nanette, surge em cena chantagens, culpas e mais violência. Uma história de desespero por dinheiro e de situações familiares nunca resolvidas que poderia acontecer em qualquer lugar. Ainda assim, da maneira com que ela é contada e, principalmente, devido as interpretações afinadíssimas dos atores, Before the Devil é tudo, menos um filme banal.

Achei especialmente potentes as interpretações dos três atores principais, pai e filhos. Além delas, destaco Michael Shannon como Dex, o irmão da viúva Chris Lasorda (Aleksa Palladino) e Rosemary Harris como Nanette. Também estão no filme, mas em papéis menores, Sarah Livingston (como Danielle, filha de Hank) e Blaine Horton (como Justin, traficante frequentado por Andy).

Tecnicamente o filme está bem acabado, tanto na direção de fotografia de Ron Fortunato quanto na trilha sonora de Carter Burwell. Falando em trilha sonora, é especialmente irônico o momento em que Hank e Bobby estão no carro esperando o momento em que o segundo deve entrar na relojoaria. A “preparação do personagem” de Bobby é uma das poucas tiradas cômicas do filme – junto com aquelas do traficante frequentado por Andy. No geral, Before the Devil se mostra denso. Realmente de mexer com o brio de qualquer um a busca pela verdade de Charles Hanson.

Também fiquei impressionada em como as pessoas podem fazer escolhas erradas e serem estúpidas. Como Hank, o “bandido/mocinho” do filme, teoricamente fantoche do irmão, que resolve envolverse justamente com a “carente” mulher dele. Tem pessoas que realmente parece que não tem a noção do perigo.

NOTA: 9,5.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: Até o momento Before the Devil ganhou sete prêmios e foi indicado a outros 12. Entre os que abocanhou estão os de “melhor elenco” conferidos pela Sociedade de Críticos de Cinema de Boston, pelo Prêmio Gotham (especializado no cinema independente) e pelo Satellite Awards. Realmente, o elenco é de matar. Curioso também que ele ganhou o prêmio de “melhor pôster independente” no Golden Trailer Awards. Ok que o pôster é bacana, mas não achei tuuuuuuuuuuudo aquilo. (Aliás, o cartaz que estou divulgando aqui não é o oficial mesmo… este do blog é a versão alemã, mas o original você, caro leitor, pode conferir em duas versões no link para fotos dos filmes que tenho no lado direito e que lhe levará ao meu albúm do Flickr).

Os usuários do site IMDb conferiram a nota 7,5 para o filme. Por sua parte, o Rotten Tomatoes publica 130 críticas positivas e 17 negativas para Before the Devil.

O filme realmente tem toda a “pinta” para virar cult. Quer dizer, menos para as pessoas que não tem muito senso de humor ou ironia, afinal, se trata de uma história densa sobre uma família nada próxima e com um bocado de violência no meio.

De bilheteria ele foi mal – comparando com outros filmes menos interessantes de Hollywood: conseguiu pouco mais de US$ 7 milhões até o dia 9 de março nos Estados Unidos. Detalhe: ele teria custado algo em torno de US$ 18 milhões. Ou seja: aos olhos dos executivos de cinema ele foi mal, um verdadeiro fracasso. O que eu acho curioso (e uma pena), porque ele tem um elenco realmente potente e, como atrativo, alguns prêmios no currículo.

Achei interessante esta entrevista (está em inglês) com o roteirista. Foi aí que descobri que ele estudou Teologia (será por isso a sua “brincadeira” com o Paraíso e o Diabo?) e que trabalhou como produtor e escritor de peças teatrais antes de escrever seu primeiro roteiro para os cinemas. Curioso que ele comenta que o livro Reservation Road, que inspirou o filme de mesmo nome, lhe inspirou para escrever Before the Devil. Acho que especialmente sobre as questões de crise moral que os dois filmes trazem, além da gradativa profundidade que eles vão dando para as personalidades dos envolvidos nas respectivas situações trágicas. Curioso também que ele considera o seu filme mais existencial do que niilista – concordo com ele.

E uma piadinha sem graça: e pensar que tudo aconteceu por causa do Rio de Janeiro, não é mesmo? Afinal, Andy acreditava que viajar novamente para o Rio seria a solução para os seus problemas – especialmente com a mulher. Doce ilusão. Falando nisso, gostei também da “piada” com referência ao filme Blame It on Rio (Feitiço do Rio), uma produção de 1984 estrelada por Michael Caine e Joseph Bologna – e que conta com uma participação de Demi Moore.

CONCLUSÃO: Um filme ácido sobre as escolhas estúpidas que as pessoas podem fazer nas suas vidas e todas as consequências que podem resultar de passos equivocados. Denso, Before the Devil consegue gradativamente ir surpreendendo na mesma medida em que se mostra um quadro mais profundo das fraquezas que cercam cada pessoa de uma família. Tem um pouco de violência, humor ácido e não apresenta nenhuma mensagem de “redenção”. É interessante especialmente pelos atores – todos ótimos -, pela direção e pelo roteiro.

SUGESTÃO DE LEITORES: Este filme foi indicado pelo cinéfilo participante deste blog Osmar – que antes já tinha indicado o ótimo Into the Wild. Demorei muito para assistí-lo, verdade? 🙂 Mas eu sei que você me perdoa! Agora vou ver se continuo seguindo a lista de demais indicações e também sigo meu próprio instinto na busca de filmes interessantes para comentar por aqui. Obrigada, Osmar, e apareça!!!

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 20 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing e, atualmente, atuo como professora do curso de Jornalismo da FURB (Universidade Regional de Blumenau).

5 respostas em “Before the Devil Knows You’re Dead – Antes Que o Diabo Saiba que Você está Morto”

OI minha flor….
Ahhhh marrom!!! Pé no châo, terra….ta bacana a roupinha nova do seu blog. Ficou elegante. E olha que eu nâo sou apaixonada por marrom.
Mas ficou bom.
E até deu rima.

Beijo enoooooorme!!!!!!
Vanessa.

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Oi Vanessa querida!

Obrigada. Eu também gostei da mudança. E a cor não fui eu que decidi não… ela veio já nessa combinação. Gostei dela – ainda que eu também não seja nenhuma fã do marrom. Mas acho que ficou bacana. Se um dia eu enjoar, mudo as tonalidades e pronto. hehehehehehehhehehe

Beijos enormes e obrigada por tua visita. Inté.

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Òla,
Acabei de ver o filme apanhei meia seca, com a personagem de Hank detestavel admiravelmente interpretada por Philip Seymour Hoffman e Andy, tão mole que me obtecia lhe dar lambadas. Quando acabou reparei que era de Sidney Lumet, e aí percebi tudo. As personagens deshumanizadas, o ambiente glauco, o tema da degradação humana era a asinatura do realizador.
Não sei dizer se gostei ou não mas fiquei mal desposta com o acontecer das coisas, isto é mesmo o lado escuro da mente humana.
“com um bocado de violência no meio”
– Aqui discordo, é violencia em todos os sentidos, armas, droga, dinheiro, sexo, vingancia, ganancia, ciumes, mentiras
É horrivel: matem a mãe sem querer e por fim o pai (Albert Finney, incrivel) mata o seu proprio filho no hospital. Vendo que ele só espalha o mal ele mata a quem ele deu a vida.

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Olá Sandra!!

Sim, Before The Devil não é um filme bonitinho… é uma história dura, cínica, que revela algumas das maiores fraquezas e/ou maldades do ser humano.

Por isso mesmo discordo quando comentas que os personagens são desumanizados… acredito que a maldade também faz parte da nossa espécie. Agora, é certo que o filme trata, até um certo ponto, da degradação humana. Na verdade, acho que ele mostra mais como escolhas ruins podem ficar ainda piores, como em uma verdadeira bola de neve de erros que levam a violência e assim por diante.

Quando digo “um bocado de violência no meio” quero dizer, justamente, que o filme tem muita violência. Agora, francamente, há filmes piores, mais violentos – pelo menos que mostram uma quantidade maior de mortes, tortura, etcétera. Não acho que seja esse o objetivo deste filme.

E não sei você, Sandra, mas eu gosto de ver filmes de todos os tipos, que tratam de diferentes capacidades do ser humano – seja para o bem ou para o mal. Se eu gostasse de assistir apenas a filmes edificantes ou bonitinhos, certamente, perderia muito da variedade do cinema atual. Mas, claro está, cada um com seus gostos…

Um grande abraço e até a próxima (estou te devendo uma resposta para outro comentário, mas é que antes quero tirar umas dúvidas sobre o que comentas por lá assistindo parte do filme citado).

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