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Man on Wire – O Equilibrista


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Tem pessoas que pensam o impossível e conseguem realizá-lo. Por mais louco que o plano possa parecer na hora da concepção, do “insight”. É sobre a história de um sujeito que conseguiu o impossível – e para muitos, o impensável – que trata Man on Wire, um dos documentários pré-concorrentes do Oscar deste ano. A produção conta a história de Philippe Petit, o homem que com a ajuda de alguns amigos – e outros colaboradores pontuais – conseguiu, em 1974, o impensável: atravessar o vão que separava as Torres Gêmeas (ou o tão conhecido e extinto World Trade Center) como um equilibrista. Além de ser uma história interessantíssima, o documentário consegue algo nem sempre fácil neste tipo de produção: adotar, como em uma sinfonia, o tom exato da mensagem em cada detalhe da narrativa. Em outras palavras, tornar igualmente artística a parte “ficcional” do filme, respeitando a “alma” do trabalho do personagem retratado em todos os detalhes da produção. Realmente interessante.

A HISTÓRIA: O filme começa como um relato de um assalto à banco. Três homens e uma mulher, inicialmente, narram seu plano ousado para burlar a segurança e entrar nas vigiadas torres do World Trade Center. Então o filme volta vários passos para trás e conta a história do personagem principal desta trama: Philippe Petit. Um garoto que cresceu tendo idéias criativas e que, aos 17 anos, ficou maravilhado com o projeto do que seriam os maiores edifícios do mundo – pelo menos durante os anos de 1972 e 1973. Na hora que ele viu no jornal a imagem dos edifícios, ele teve o “insight” de atravessá-los em um cabo de aço. O ano era 1966 – quando foi colocada a pedra fundamental do projeto. Mas Philippe Petit conseguiria a proeza, utilizando técnicas de espionagem e seguindo um plano audacioso, apenas em 1974. 

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso só recomendo que continue a ler quem já assistiu a Man on Wire): Os documentários, normalmente, são recheados de depoimentos e da “reconstrução dos fatos” através de narrativas. Muitas vezes são utilizadas também imagens reais – especialmente quando o documentário trata de alguma situação ou história que pode ser acompanhada do início ao fim. Na verdade, existem muitos tipos de documentários, mas a maioria deles mescla justamente depoimentos com imagens que “narram” a história, sejam elas reais ou “dramatizações” do que aconteceu.

Nem sempre um documentário, contudo, consegue carregar em cada trecho a “alma” do que está sendo contado. Não é nada incomum perceber “cortes” na narrativa quando se mesclam diferentes recursos para contar uma história. Mas não é isso que acontece com Man on Wire. O filme dirigido pelo inglês James Marsh consegue captar em cada momento o espírito do que Philippe Petit fez até 1974, quando conquistou o “topo do mundo” – como era chamado o posto de observação da Torre Sul do complexo World Trade Center.

Algo curioso do filme é que ele trata de muitos conceitos, além da história propriamente dita desta obsessão de Pettit em se aventurar pelos 43 metros que separavam as Torres Gêmeas. Do início ao fim o documentário mostra a importância da amizade, os efeitos da fama e, principalmente, a obstinação do artista por viver uma vida fora das regras, buscando a poesia no banal. O curioso é que para alguns esse sujeito podia parecer apenas um louco, um homem sedento por fama, mas para outros ele foi (e é, porque continua vivo) um visionário, um artista pós-moderno antes mesmo deste conceito ser criado e/ou virar moda. 

Independente da conclusão que cada um chegar com a vida deste homem – e com o documentário que conta a sua aventura nos Estados Unidos -, o fato é que a produção quebra um pouco o “lugar-comum” dos documentários. Para começar, o filme trata a história do trabalho do equilibrista no World Trade Center como uma verdadeira história policial. Existe suspense em grande parte dos 94 minutos do filme. Ainda que se saiba de antemão que o homem vai conseguir atravessar aqueles famosos 43 metros que separavam os edifícios, a sensação é que algo de errado pode acontecer a qualquer momento. E no final, algo que nem sempre acontece com as produções do gênero: você fica louco para querer saber o que aconteceu com aquele sujeito.

Os depoimentos são muito bons. Petit, como o artista que se vê como estrela internacional há 34 anos, faz o que sabe melhor: vender seu peixe. Falar com entusiasmo de algo que realmente lhe apaixona: o desafio e, claro, o maior feito de sua vida. Mas além dele, os demais personagens desta história acabam propiciando um filme realmente emocionante. Especialmente Jean-Louis Blondeau (aqui encontrei um texto interessante da Vanity Fair sobre uma exposição fotográfica dele), braço-direito de Pettit, escudeiro do artista e um de seus melhores amigos que, claramente, mostra o quanto sente a falta do velho companheiro – e também a maneira com que ele se sentiu traído por ele. Suas declarações, perto do final do filme, são de arrepiar. Também gostei muito do sentimento que o diretor conseguiu sacar de Annie Allix, ex-companheira de Petit, e de Jean François Heckel, outro francês que acompanhou a aventura até o final – e que tem um senso de humor realmente peculiar.

Algo bacana dos depoimentos, tanto dos franceses quanto dos estadunidenses que participaram do projeto “atravessar o vão das Torres Gêmeas sobre um cabo de aço”, é que ninguém usa meias palavras. Quem precisa admitir que fumava maconha, admite. Quem deve comentar o medo que sentiu e porque saiu correndo de uma das torres, comenta. O tom dos depoimentos é essencialmente bem-humorado. 

E as imagens? Realmente belíssimas. Claro que para isso o diretor contou com uma sorte gigantesca, já que os entrevistados certamente contribuíram com imagens originais da época, tanto em vídeo quanto em fotografias. Algumas realmente incríveis, magníficas, inspiradoras. E não apenas do desafio das Torres Gêmeas. Fiquei especialmente impressionada com as que registraram a travessia das torres da Notre Dame, em Paris. Lindíssimas. Um artista visionário, realmente.

Algo curioso do filme, para mim, é que ele deve interessar inclusive para as pessoas que normalmente fogem de documentários, já que, como eu disse antes, ele tem uma narrativa essencialmente de suspense. E, de quebra, estas e as demais pessoas que assistirem ao filme vão perceber que intervenções artísticas urbanas como a de Pettit e seus amigos, consideradas contravenções pela polícia e pela lei, exigem muita técnica, preparo e, principalmente, planejamento. Cada detalhe é estudado como um plano de assalto à banco, realmente. Quem aceitar o desafio, verá um artista realizando seu sonho e, de quebra, entender um pouco mais sobre o que move um sujeito assim, os sentimentos de seus “comparsas” a maravilha que eles provocam na vida de pessoas mundo afora.

NOTA: 9,7.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: O diretor James Marsh consegue um resultado realmente interessante não apenas pela forma com que narra essa história, mas especialmente pelos detalhes que vai salpicando aqui e ali em sua narrativa. Desde o foco da câmera nos esboços feitos por Petit antes de concretizar seu plano, quando consegue subir nas Torres Gêmeas pela primeira vez; até a sequência magistral em que o ator que o interpreta se desnuda para sentir o fio que prendia a flecha que seu amigo Blondeau havia lançado da outra torre – parte fundamental do plano da travessia.

Falando na dramatização das cenas, vale a pena citar os nomes dos atores que interpretam os personagens reais desta história: Paul McGill (Petit), David Demato (Jean Louis), Ardis Campbell (Annie), Aaron Haskell (Jean François) e David Roland Frank (Alan). E citando todos os entrevistados do documentário: David Forman, Barry Greenhouse, Jim Moore e Alan Welner, os estadunidenses que ajudaram Petit de alguma maneira – alguns mais diretamente, outros facilitando sua entrada e de seus companheiros nos edifícios.

Algo especialmente importante neste filme é a trilha sonora. Mérito de J. Ralph, que faz um trabalho realmente maravilhoso. Sem a música que imprime diferentes tons na produção, o filme teria metade de sua levada envolvente.

Também gostei muito do trabalho do editor Jinx Godfrey e do diretor de fotografia Igor Martinovic.

Um detalhe me chamou a atenção – e posso estar sendo maldosa ao comentar isso: um certo “preconceito” e/ou resistência dos franceses a respeito dos norte-americanos que aparecem nesta história. Jean-Louis e Annie, em especial, comentam repetidamente que “aquelas pessoas” não eram nada confiáveis – se referindo aos colaboradores que Petit havia arranjado em Nova York. Senti realmente uma resistência deles – algo que virou quase uma lenda quando se falam dos franceses. Pessoalmente, viajei para a França duas vezes e percebi, realmente, que eles odeiam falar inglês e que não gostam do que vem dos Estados Unidos. Talvez isso tenha influenciado um pouco a opinião dos amigos de Petit em relação aos demais “ajudantes” estadunidenses – se bem que, sejamos honestos, nenhum deles acompanhou o projeto até o final. Eles eram, sem dúvida, menos apaixonados que os franceses nesta história.

Para mim, além de um documentário interessante sobre a arte contemporânea, sobre um artista que fazia intervenções artísticas urbanas em uma época em que isso não era nada comum, o filme se mostra ainda mais potente ao narrar um sonho e uma maneira de “ser” transgressora, questionadora. O belo pode ser provocado em quase qualquer lugar, especialmente quando se confronta a fragilidade/bravura humana com a grandiosidade do que os homens conseguiram criar. É como se a beleza surgisse justamente do local menos esperado, na antítese entre o que parece extremamente artificial/cinza com a suavidade/originalidade de um balé pelo ar. O homem desafiando a lógica consegue, realmente, inspirar.

Na Wikipedia existe um artigo realmente bem informativo sobre o World Trade Center. Ali é possível saber, por exemplo, que a pedra fundamental do projeto foi colocada em 6 de agosto de 1966 – mesmo mês escolhido em 1974 por Petit e sua trupe para sua “grande aventura”. Foi ali também que eu descobri que o espaço entre as duas torres era de 43 metros e que Petit atravessou este vão oito vezes a uma altura de 400 metros do solo. 

Neste outro artigo da Wikipedia descobri que as torres do World Trade Center foram consideradas as maiores do mundo no período de 1972 – quando foram concluídas – até 1974 (quando foi inaugurada a Sears Tower, em Chicago, com 442 metros de altura – 25 metros a mais que as Torres Gêmeas). Também soube que atualmente o maior edifício do mundo é o Taipei 101, com 508 metros de altura, construído em Taiwan. Mas logo ele perderá o seu posto de maior para o Burj Dubai, em fase de construção, que terá impressionantes 707 metros de altura e 158 andares.

Procurei saber o que aconteceu com Petit depois deste grande feito, quando ele deixou de ser um artista reconhecido apenas em sua França natal para ser um nome conhecido em todo o mundo. A verdade é que ele não mudou muito sua vida depois de 1974, quando tinha 24 anos. Continuou suas andanças sobre cabos de aço, passando da Avenida Amsterdam até a Catedral St. John the Divine ou pela Torre Eiffel. Em seu currículo, desde que começou suas aventuras, ele tem mais de 500 prisões e a publicação de seis livros, segundo este artigo do New York Times. Também perdeu sua filha única, Cordia Gypsy, quando ela tinha nove anos e meio. 

O escritor Paul Auster, consagrado romancista norte-americano, considera Petit um herói. 

Man on Wire têm sido um fenômeno, especialmente de críticas. Ele conseguiu a nota máxima do site Rotten Tomatoes – todos os 136 textos de críticos publicados pelo site são positivos para o filme. Uma rara, muito rara unamidade. Tanto que na eleição dos melhores filmes do ano, feito pelo site, ele é considerado o melhor documentário de 2008. Os usuários do site IMDb também deram uma boa nota para o filme: 8,2.

Até nas bilheterias o filme não foi assim tão mal. Conseguiu quase US$ 3 milhões nos Estados Unidos. Pode parecer pouco, mas se tratando de um documentário, até que não é um desastre. Se ele ganhar o Oscar, deve ter um desempenho muitíssimo melhor.

Falando em prêmios, até agora Man on Wire conseguiu 12 deles – além de ter sido indicado para outros sete. Entre os prêmios que conquistou, destaque para dois embolsados no Festival de Sundance de 2008: o Grande Prêmio do Júri e a Escolha do Público – ambos na categoria documentário. Os demais prêmios foram conferidos, na maioria, por associações de críticos. Mas ele ainda levou outro importante prêmio de festival, o de Karlovy Vary; além do Satellite Awards e do prêmio do National Board of Review

CONCLUSÃO: Um documentário que foge um pouco do padrão ao assumir a postura de um filme policial e/ou de suspense para contar a história do homem que atravessou os 43 metros que separavam as Torres Gêmeas, em Nova York, em uma corda bamba em 1974. Com um bom ritmo e uma mescla perfeita entre depoimentos, imagens de arquivo e “dramatizações” da época, Man on Wire é uma das boas surpresas do ano. Destaque também para a trilha sonora fundamental e para o estilo do diretor, cuidadoso e inspirado. Destas histórias de sujeitos que decidiram romper com o convencional e que se tornaram inspiração para gerações de artistas e de pessoas comuns.

PALPITE PARA O OSCAR: Man on Wire é um dos 15 documentários pré-selecionados para o Oscar. Ele não tem uma tarefa fácil para chegar a entrar na lista dos cinco indicados, mas há quem diga que ele tem uma vaga garantida. Eu acredito que sim – ainda que, admito, não assisti a nenhum outro concorrente ainda. Mas comento isso com base na unanimidade da crítica comentada anteriormente. Difícel falar das chances dele sem ter assistido ainda a outros fortes concorrentes, como Standard Operating Procedure, Encounters at the End of the World e Trouble the Water, mas acredito que Man on Wire tem boas chances de ser indicado e de ganhar a estatueta. Logo que tiver visto mais documentários, volto a atualizar este post.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 20 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing e, atualmente, atuo como professora do curso de Jornalismo da FURB (Universidade Regional de Blumenau).

9 respostas em “Man on Wire – O Equilibrista”

Então consegui ver esse documentário. Nem uma certa sonolência momentânea conseguiu esconder a emoção ao ver um trabalho tão brilhante Ale. Cuidadosamente trabalhado e riquíssimo em detalhes, como não poderia deixar de ser um bom documentário. Philippe é uma pessoa cativante, tanto em suas paixões como pela forma intensa como se expresssa. Sua narrativa é um show a parte.

Uma lição de persistência e paixão recomendadíssimo.

bjão Ale!

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Oi Mangabeira!!

Lindo documentário, não é mesmo? E o que mais me chamou a atenção nele foi, realmente, a forma apaixonante e com cores bastante artísticas com que ele é narrado. Gostei muito também.

E, como bem defines, a história de Philippe e seus amigos é uma grande lição de persistência e paixão. Estimulantes, realmente.

Beijos, abraços e até breve.

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Quase um ano depois eu finalmente consegui assistir a esse filme inspirador. A trilha é realmente precisa e sem ela o filme perderia boa parte do seu encanto, a construção da narrativa é envolvente e as imagens, ah, são inexplicáveis. Precisava mesmo de um filme assim logo depois de assistir o pesadíssimo, mas também excelente, “Sin Nombre” premiado em Sundance em 2009.
Bjos Alê!

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Oi Caio!!

Lindo, lindo filme, não é mesmo? Como bem comentaste, inspirador.

Sin Nombre, aí está um dos filmes que tenho pendente para assistir do ano passado – do início do ano, diga-se. Obrigada por me lembrar. Vou reforçar ele na lista. Gostaste dele?

Beijos e inté!

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[…] Uma delícia passar por tantos lugares dos Estados Unidos, de Londres, de Paris e de outras cidades junto dos grafiteiros e dos demais artistas de rua. Uma forma bem diferente, sem dúvida, de ver estas cidades. E isto, claro, é justamente um dos maiores objetivos destes artistas – ocupar, apropriar-se e recontar a história dos espaços urbanos. Me fez lembrar um pouco outro documentário excelente, e ganhador do Oscar, Man on Wire – que eu comentei por aqui. […]

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Oi Wilson!

Belo filme, não é mesmo? Achei ele inspirador.

Que bom que você gostou do texto.

E obrigada pela tua visita e pelo teu comentário. Espero que você volte mais vezes, inclusive para falar sobre outros filmes.

Abraços e inté!

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Oi Cintia!

Realmente, filme sensacional. Delicioso, inspirador.

Então, há uma forma de seguir o blog… aparece um RSS lá no início, entre a barra de pesquisa, no canto direito, e a imagem de “Mais sobre filmes…”.
De qualquer forma, fico feliz que estejas me acompanhando também no face e no twitter. 🙂

Muito obrigada, aliás, pela visita e pelo comentário. E volte por aqui mais vezes!

Abraços e inté!

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