Algumas vezes, ser mulher é uma desgraça. Literalmente. Die Fremde, representante da Alemanha na corrida para o Oscar 2011 de Melhor Filme Estrangeiro, explora bem este conceito. Com uma história pesada e dramática, o filme com direção e roteiro da austríaca Feo Aladag trata também de família, cultura, religião, etnia e a busca por uma independência sofrida. Envolvente e ao mesmo tempo arrastado, Die Fremde procura o equilíbrio constante entre o perigo e a esperança, mas acaba cansando um pouco por um desenrolar lento demais. Ainda assim, é forte e abre um leque de temas para discussão. Bom filme, mas abaixo de outros originados na Alemanha nos últimos anos.
A HISTÓRIA: Dois adultos e um menino caminham por uma rua sem trocarem palavras. De repente, o rapaz para e aponta a arma para a mulher, que vira de frente para ele. Corta. O mesmo rapaz corre desesperadamente e entra em um ônibus. Suando muito e tentando recuperar o fôlego, algo lhe chama a atenção fora do ônibus. Ele fica perplexo, mas não sabemos o que ele vê. Corta. A mulher, Umay (Sibel Kekilli) aparece deitada, prestes a fazer um aborto. Ela volta para casa, e enfrenta a Kemal (Ufuk Bayraktar) um marido bruto e ríspido com o filho, Cem (Nizam Schiller). Farta da vida que leva junto ao marido e sua família, Umay decide viajar até a Alemanha, para buscar abrigo na casa dos pais, mas terá que enfrentar uma série de problemas, preconceitos e violência em sua busca por liberdade.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Die Fremde): Produções que tratam de religião sempre rendem polêmica. Historicamente, neste blog, se pode perceber isso. E na vida prática também. São poucos os que sabem falar sobre as suas próprias religiões sem ferirem aos ânimos dos demais. Como no futebol, os ânimos normalmente se exaltam. E isso deve ocorrer com este filme alemão – e a respeito da minha crítica sobre ele.
Difícil para um ocidental entender Die Fremde em sua plenitude. Mas é possível fazer um esforço. Francamente, no início, eu apenas enxerguei uma sequência de brutalidade, violência – não apenas física, mas especialmente moral – e absurdos. Depois, procurando saber um pouco mais sobre os preceitos do islamismo, passei a entender um pouco mais que tratamos, aqui, de uma mudança total de olhar. A verdade é que este filme exige pelo menos dois momentos: aquele vivido enquanto a história se desenrola e, depois, a salutar pesquisa sobre a realidade que está sendo mostrada pela produção.
Inicialmente, eu tinha gostado de forma relativa do filme. Achei a condução da diretora e roteirista Feo Aladag um pouco lenta demais. Certo que um filme sensível não precisa e nem deve ser “acelerado”. Mas há uma grande diferença entre ser “contemplativo”, atencioso nos detalhes, e arrastado. Infelizmente Die Fremde se perde, em alguns momentos, ao optar por uma levada que procura ser “contemplativa” e se revela, apenas, arrastada e sem inspiração. Mas descontados estes momentos, o filme tem um apelo bastante forte. Recheado de situações que podem provocar indignação e crítica.
A direção de Aladag é atenta. Explora os sentimentos da protagonista em seus silêncios, choros, desabafos de desespero e na procura incansável por aliar liberdade com o aconchego de uma família apegada às tradições de sua religião e comunidade. A câmera está sempre próxima de Umay e dos demais personagens. Mas, estrategicamente, também se distancia nos momentos exatos para mostrar as paisagens e as particulariedades de Istambul, na Turquia, e de Berlim, na Alemanha, as duas cidades em que esta história se desenvolve. Uma aliada fundamental para a diretora, neste sentido, é a diretora de fotografia Judith Kaufmann, que faz um belo trabalho.
A forma de narrar esta história é semi-clássica. Ou, em outras palavras, segue uma lógica bastante conhecida dos espectadores. Die Fremde começa pelo final, estrategicamente “segmentado”. Depois, retrocede no tempo para revelar como aqueles personagens chegaram até aquela situação antes de revelá-la por completo. O drama também segue uma linha clássica: mulher infeliz com um filho que adora decide deixar a casa na qual se sente mal tratada. Sem amor, ela resolve quebrar paradigmas, tradições, e buscar uma vida diferente. Qualquer garota jovem, como Umay, procuraria a família e teria, exceto em casos excepcionais, o apoio dos pais para recomeçar a vida.
Isso no mundo ocidental. Mas quando falamos de tradições do mundo islâmico, as coisas mudam de figura. A história então segue mostrando os dramas da protagonista, as suas tentativas para recomeçar a vida e, com a violência que segue encontrando pelo caminho, as escolhas criativas que ela adota para sobreviver. Die Fremde não alivia. Como eu disse no início deste texto, ser mulher, segundo o filme, naquela situação, é uma verdadeira desgraça. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Umay é maltratada de todas as formas e por quase todas as pessoas. Pelo menos de seu “entorno natural”, ou seja, sua família e pessoas da mesma cultura. O único apoio que ela recebe é de “ocidentais” – de Atife (Alwara Höfels), uma amiga que ela tinha da época de estudante e Stipe (Florian Lukas), que trabalha no restaurante da amiga e onde Umay começa a trabalhar.
Assistindo ao filme, me incomodou um pouco a condução previsível da história, a simplificação do problema e, especialmente, os trechos um pouco “arrastados” da produção. Mas, mais que isso, me irritaram algumas atitudes da protagonista. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Ela tomou decisões corajosas e seguiu uma linha coerente em muitos momentos mas, ao mesmo tempo, sucumbiu em erros que, para mim, sempre são difíceis de entender. Por exemplo: Umay conseguiu deixar para trás o marido, seus familiares e a Turquia. Se lançou de volta para a Alemanha. Enfrentou o preconceito de seu “povo” e a resistência da própria família. Teve coragem, ao perceber que Cem poderia ser tirado dela, em buscar a polícia para ter segurança. E depois? Ignorou as recomendações básicas que recebeu e insistiu em manter um contato com seus pais.
Honestamente, não entendi isso. Tanta coragem por um lado e tanta “inocência” por outro. Em um momento chave do filme, a personagem de Gül (Nursel Köse), que contrata a protagonista em um restaurante, dá o veredicto óbvio da história: os pais de Umay jamais irão optar pela filha. Se tiverem que escolher entre ela e a comunidade islâmica, sem dúvida eles escolherão a segunda. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). E claro que é isso que acontece. Mas a protagonista, ao insistir em manter-se próxima dos pais, acaba arrastando o espectador em um infindável caminho de humilhações. De verdade? Chega a dar raiva. Se ela fosse realmente corajosa, daria as costas para a família e buscaria uma vida nova em outra parte, em outra cidade, longe das violências e humilhações. Especialmente porque ela não estava sozinha. Arrastava o filho em toda essa desgraceira.
Por todas estas razões, eu iria dar uma nota 8,8 para Die Fremde. Levando em conta que é um filme bem acabado, tecnicamente, que tem uma fotografia legal e uma protagonista inspirada. Em 80% do tempo, também gostei da direção de Aladag, sempre focada nas interpretações e nas paisagens e dinâmicas dos lugares. Mas me incomodava o roteiro e uma certa simplificação dos problemas envolvendo a mulher no cenário da cultura islâmica. Isso até que eu fiz o segundo movimento necessário a respeito deste filme, que é o de buscar mais informações a respeito. Ao fazer isso, Die Fremde caiu ainda mais no meu conceito.
Não farei aqui juízos de valor sobre a religião muçulmana. Até porque eu acho que nós, ocidentais, já fizemos isso demais. Não quero relativizar também dizendo que tudo vale porque é preciso respeitar as diferenças e as particulariedades de cada cultura. Não. Honestamente não acho que a violência se justifique, sob a bandeira, religião, cultura ou moeda que seja. Mas é fato que precisamos fazer um exercício complicado de esquecermos, por alguns momentos, das bases da cultura ocidental e tentar compreender as bases da cultura islâmica. Fiz isso e, a partir daí, entendi um pouco mais o que significou o movimento da protagonista deste filme. E o quanto ele simplificou a história ao ponto de torná-la facilmente “digerida” por ocidentais – e injusta com o “outro lado”.
Encontrei algumas respostas sobre como a mulher é vista pelo Islã neste site. Recomendo, em especial, este texto, que fala sobre o papel da mulher naquela cultura/religião. Há um texto inteiro apenas sobre o casamento e o divórcio. Ainda que os textos falem sobre a importância da mulher, o último deixa claro que, no caso do divórcio, homens e mulheres não tem direitos iguais. O material também deixa claro que o divórcio deve ser evitado de todas as maneiras. Lendo mais a respeito, é possível entender a postura de Halyme (Derya Alabora) e Kader (Settar Tanriogen), os pais de Umay. Os atores que os interpretam, aliás, são magníficos.
Halyme e Kader seguem os preceitos de sua religião e evitam, ao máximo, por todos os meios, que a filha se divorcie do marido. Pressionam, ameaçam, desprezam, usam todos os recursos conhecidos para pressionar Umay. O irmão mais velho dela, Mehmet (Tamer Yigit), que segue os passos do patriarca da família, assume a postura de “guardião da honra” dos pais. Apenas os irmãos mais novos, Acar (Serhad Can) e Rana (Almila Bagriacik) se mostram um pouco mais “abertos” à revolução cultural proposta por Umay.
O capítulo dos jovens, aliás, merece uma reflexão à parte. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Eles resumem a postura da juventude da maioria das culturas. Ou seja: estão mais abertos à novas ideias e a mudanças. Mas acabam, também, cedendo conforme a pressão do grupo. Quando Acar é colocado contra a parede, ele acaba agindo conforme o ordenado – até o final, pelo menos. Rana igualmente. Se mostra aberta a apoiar a irmã enquanto a decisão dela não lhe afeta. Quando isto ocorre, ela pensa em si – e volta a conclamar as tradições a seu favor. O filme deixa claro, a todo momento, que a mulher não tem poder de decisão. Tanto que, quando Gül visita os pais de Umay, ela visivelmente faz apelos com o olhar para a mãe da protagonista. Mas não consegue a resposta pretendida. Não há espaço para revoluções aqui, segundo a diretora.
A questão é que existem muitas mulheres muçulmanas e da religião islâmica que, como Umay, não concordaram com aquele “estado de coisas”, se rebelaram e conseguiram ter uma vida independente. Claro que, para isso, elas abriram mão do convívio com suas próprias famílias e comunidade. Tornaram-se “exiladas” de uma vida anterior. São escolhas. O que me incomoda em Die Fremde é que o filme não mostra escolhas, apenas um espiral de humilhações e violência sem fim. Nem sempre a agressão é física – ainda que cada tapa e empurrão mostrado pareça doer em escala multiplicada. Muitas vezes é psicológica. Mas não importa. A violência está presente quase o tempo todo – com poucos hiatos de “paz e felicidade”.
Agora, admito que lendo mais sobre a forma de enxergar o mundo dos muçulmanos, entendi também a atitude de Umay. Ela queria romper com aquela realidade infeliz que tinha no casamento – e é importante observar que a doutrina islâmica não concorda com o tipo de atitude de Kemal. Mas não queria abandonar inteiramente a sua vida. Ela continuava acreditando no que o Islã dizia, a ponto de prezar tanto o convívio com o pai – algo muito forte entre os muçulmanos. O cartaz do filme, aliás, representa bastante isso. O apreço dos filhos aos pais – homens – e uma certa “submissão” da mulher neste contexto. Claro que a leitura depende muito do filtro – o nosso, de ocidentais, será o da “submissão”, enquanto o dos muçulmanos, certamente, será outro, como o do respeito e do zelo. De qualquer forma, é importante ponderar que a mesma violência vista no filme poderia ser protagonizada por famílias alemãs, brasileiras, da nacionalidade – e com a religião – que fosse.
Importante ponderar, também, que há muitas mulheres felizes e realizadas seguindo os preceitos do Islã. Nem todas tem maridos rudes e imbecis sob o mesmo teto. Muitas se realizam como mulheres e mães entendendo a sociedade de maneira diferenciada a que nós, ocidentais, estamos acostumados. E isso deve ser respeitado, conhecido e observado. Compreendido. Die Fremde, infelizmente, não contribui praticamente em nada neste sentido. Mostra apenas uma parte da realidade e, assim, corre o sério risco de inflar ainda mais os ânimos e os preconceitos a respeito do pensamento e da vida islâmica.
NOTA: 8,5.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: Os espectadores mais atentos devem reconhecer a protagonista deste filme. A atriz Sibel Kekilli, bárbara, para resumir em uma palavra, é também a intérprete principal do premiado Gegen die Wand, um dos filmes mais conhecidos do brilhante diretor Fatih Akin. Aos 30 anos, Kekilli é uma das grandes novas intérpretes do cinema alemão. Ela tem no currículo, até o momento, sete prêmios e duas indicações, sendo cinco dos prêmios por seu trabalho em Gegen die Wand e um por seu desempenho em Eve Dönüs.
Curiosos os títulos que este filme tem recebido. O original, Die Fremde, pode ser traduzido como “A Estrangeira”. Na Turquia, a produção recebeu o título de Ayrilik, que significa “Separação”. E em inglês, para o mercado mundial, o de When We Leave, que pode ser traduzido para “Quando Partimos”. Versões bem diferentes mas que, ao assistir ao filme, fazem sentido. Realmente Umay pode ser vista como uma “estrangeira” permanente – sempre deslocada de seu espaço. Nunca “em casa” verdadeiramente. O título em turco é óbvio. E o em inglês revela uma das facetas da história, a da ruptura com a Turquia e a escolha pelo “retorno” para a Alemanha.
Die Fremde estreou no Festival de Berlim em fevereiro deste ano. Depois, o filme passou por outros sete festivais, incluindo o de São Paulo. Neste trajeto, venceu o prêmio Label Europa Cinemas do Festival de Berlim e foi indicado ainda a outros seis prêmios do German Film Awards, entregue pela Academia de Cinema da Alemanha. Venceu em uma categoria: a de Melhor Atriz, para Sibel Kekilli por seu papel como Umay.
Na parte técnica, além da direção de fotografia já citada, merece destaque a trilha sonora de Stéphane Moucha e Max Richter. A música orquestrada por eles acaba sendo fundamental para a condução sentimental da história.
Todos os atores envolvidos na produção estão muito bem em seus respectivos papéis. Sem dúvida uma conquista da diretora, ela mesma uma experiente atriz – com 30 filmes, produções para a TV e curtas no currículo. Mas ainda que todos estejam bem, do menino Nizam Schiller até o “inseguro” Serhad Can, merecem aplausos, em especial, os atores que interpretam os pais da protagonista e Nursel Köse, que hipnotiza em cada cena que aparece. E o que falar de Sibel Kekilli? Ela vale o filme, sem dúvida, em uma interpretação angustiante, determinada e inspirada. Apenas por ela, eu daria uma nota melhor para Die Fremde. Mas o roteiro e sua “ligeireza” de propósitos me impedem de olhar de maneira mais generosa para a produção – apesar da atriz fantástica e dos demais atores. Entre os “coadjuvantes”, destaque para os rostos conhecidos de Köse, Alwara Höfels e Florian Lukas – os três bastante presentes no cinema recente da Alemanha.
Os usuários do site IMDb deram a nota 7,8 para Die Fremde. Uma avaliação bastante positiva, levando em conta a média exigente do site. O Rotten Tomatoes, por sua vez, não abriga nenhuma crítica para o filme. O que demonstra um certo desconhecimento da crítica internacional para a produção – premiada, até o momento, apenas na Alemanha. Estas são características que influem para a escolha do filme e suas chances no próximo Oscar.
Uma curiosidade sobre esta produção: a diretora e roteirista Feo Aladag escreveu Die Fremde depois de participar da campanha Violência contra a Mulher da Anistia Internacional. Sensibilizada por histórias de violência contra mulheres, ela sentiu que deveria escrever um filme que denunciasse uma situação destas. A intenção dela foi boa, mas só achei perigoso o grupo que ela escolheu para falar sobre o tema. Afinal, devemos sempre ser críticos para não reforçar preconceitos e alimentar, ainda mais, ódios e fomentar represálias contra alguns grupos, etnias e religiões. Acho que faltou um pouco de autocrítica para Aladag neste sentido.
Farei um comentário, aqui, sobre o final do filme, no caso de alguém ter ficado em dúvida sobre o desfecho. (SPOILER – não leia se você não assistiu a Die Fremde). Martirizado e sem encontrar saídas para o “drama” familiar provocado por Umay, o pai da garota, Kader, vai buscar a orientação de um Imam – líder espiritual, o guia no contexto islâmico. Depois da consulta, ele percebe que a “única” saída para encerrar o drama familiar é matar a filha. Como ela não cede e não entrega o filho para o marido, Kader decide que ela terá que “pagar” com a própria vida. Assim, eles teriam a honra de volta. Claro que é um absurdo e ninguém, mesmo tentando olhar pela ótica islâmica, pode concordar com um crime para “lavar a honra”. Típicos gestos que deveriam fazer parte de um passado de ignorância.
Lendo mais sobre a forma que o Islã trata a questão do casamento (existe um bom texto aqui sobre as relações islâmicas), posso citar que eles pensam o seguinte sobre a forma com que o marido deve tratar a esposa: “O muçulmano deve buscar estabelecer um relacionamento justo, carinhoso, respeitoso e humano para com sua esposa, isento de opressão ou abuso de suas prerrogativas”. Claro está, pois, que o personagem do filme, Kemal, não cumpre o seu papel como esposo. Poderia ser realmente questionado e até alvo de uma tentativa de separação, ainda que o divórcio seja quase impossível dentro da realidade muçulmana – especialmente quando solicitado pela mulher.
Aliás, fica claro no filme – e nisso ele acerta – que a realidade da protagonista seria outra, completamente, se ela tivesse nascido homem. Porque daí sim ela poderia se separar e tudo o mais, mesmo que sofrendo algumas represálias. Mas como mulher… impossível. Tanto que no texto que eu citei sobre os costumes, eles deixam claro: “o homem detém o direito a formulação do divórcio”. Em seguida, o texto ainda comenta que o Islã desaprova e desaconselha o divórcio. Segundo as regras previstas, Kemal falhou tanto por não cumprir os deveres como marido, negando para a protagonista a “retenção honrosa”, como também foi contra o que diz o Islã ao não permitir-lhe uma “libertação honrosa”. A família de Umay poderia ter seguido os preceitos do Islã e ter ficado ao lado dela, sem abandonar a própria religião e cultura, mas preferiram o caminho mais “fácil”, que prevê o repúdio as ideias da mulher.
Die Fremde é uma co-produção da Alemanha e da Turquia.
CONCLUSÃO: A história de uma mulher em busca de liberdade, respeito e dignidade. Die Fremde, filme alemão com dois prêmios no currículo, explora a trajetória de violência e humilhações de uma muçulmana que tenta romper com algumas regras de sua cultura. Com uma direção focada nos intérpretes e na exposição de detalhes de vida de duas culturas diferentes – a da Turquia e a da Alemanha -, este filme peca pelo roteiro. Primeiro, porque ele não propicia o ritmo adequado para a história. Depois, porque ele simplifica as questões e expõe apenas uma faceta da cultura islâmica. Falta um pouco de equilíbrio e, talvez, bom senso para a roteirista e diretora, Feo Aladag. De qualquer forma, ela tem boas intenções em narrar uma história de denúncia sobre a exploração da mulher. Com uma bela fotografia, uma trilha sonora inspirada e uma protagonista perfeita, é um filme com vários momentos contemplativos e de silêncio que deve ser assistido com a tecla da ponderação acionada. Visto apenas com os filtros da cultura ocidental, Die Fremde pode provocar uma revolta inadequada. Mas a produção pode servir, especialmente, para o debate e para a busca de mais informações a respeito da outra cultura. Se visto desta forma, vale a pena.
PALPITE PARA O OSCAR 2011: Diferente da premiação deste ano, não vejo a Alemanha como uma das favoritas para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2011. Die Fremde sai na frente de outras produções inscritas para a premiação porque recebeu, até o momento, dois prêmios. Inclusive um deles para a protagonista da produção. Ainda assim, não acho que ele tem a força do anterior Das Weisse Band – que, inclusive, era superior a este filme de Aladag. Ainda não assisti aos demais concorrentes, mas acho que o nível deste ano tem que estar muito baixo para Die Fremde chegar entre os cinco finalistas. Conta para isso o fato dele ter sido pouco comentado pela crítica internacional – bem diferente do antecessor, Das Weisse Band. Minha previsão é de que ele fique de fora da lista final. Comparado com o representante da Argentina, ele não tem chances.
12 respostas em “Die Fremde – When We Leave – Quando Partimos”
Ale, a pouco tempo atrás também assisti uma outra ótima produção dirigida por um iraniano, chamada ‘Darbareye Elly’. E ainda que de forma menos violenta e contexto totalmente diferente, faz questão de destacar o sofrimento de mulheres em um sistema historicamente opressor. Concordo com sua ponderação, onde diz que há muitas mulheres felizes e realizadas seguindo os preceitos do Islã, mas acho que ainda sim, elas vivem em campo minado e gostariam que de alguma forma, algo fosse diferente.
Mais uma bela crítica.
bjão do amigo
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ops, onde está ‘Andre Luiz’, leia-se ‘Mangabeira’, he he…
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Oi Mangabeira (Andre Luiz)!!
Você sempre dando boas dicas. Eba!
Darbareye Elly está na minha lista de filmes para assistir há tempos… mas daí comecei a ver estes pré-indicados ao Oscar e já podes imaginar… outros filmes acabam ficando para trás.
Hoje mesmo quero ver um filme comercialzão, sabe? Depois de ver a uma sequência de filmes mais “conceituais”, quero dar um “ar” para a minha cabeça. hehehehe
Mas Darbareye Elly está na lista… agora, reforçada com a tua indicação. 🙂
Olha, acho que as mulheres que vivem os preceitos do Islã e gostam daquele estilo de vida não pensam em mudanças não… acham que aquilo é o certo, o correto, e o que o restante está errado. Há aquelas também que gostariam de mudanças, claro, mas daí não acho que elas entram no grupo de realizadas, verdadeiramente.
Obrigada por tua visita, teu incentivo de sempre e por mais este comentário bacana.
Um abração e mais beijos! E até logo…
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Tu citou aí uma parte do filme que te irritou, que apesar de corajosa ela insistia em procurar sua família.
Eu achei isso tão compreensível numa islamica que SPOILER faz aborto, estuda e sonha com uma vida independente, onde a presença de um home na sua vida seria escolha sua e não imposição. FIM DO SPOILER
A parte do casamento da irmã (forte cena, diga-se) evidencia muito isso, qd ela lembra o pai que um dia ele disse que não havia nada mais forte do que o sangue.
Ela realmente acreditava nisso.
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Oi Johannah!!
Sim, eu sei que é bastante compreensível o comportamento da protagonista se levarmos em conta a criação que ela recebeu. Inclusive comentei isso no texto acima. Mesmo entendendo isso, não consigo deixar de me irritar. Porque ela teve a coragem de romper apenas uma parte da realidade de violência que sofria, entende? Não conseguiu romper com tudo aquilo que lhe fazia mal e punha em risco o filho. Me deu pena, e lamentei por isso. Porque sei que esta história se repete cotidianamente não apenas com mulheres muçulmanas, mas com mães de família de muitas culturas – inclusive a nossa.
Sim, ela acreditava piamente nos laços sanguíneos. Concordo. Mas isto fez com que ocorresse a tragédia que aconteceu. O que é uma pena. Há cenas como aquela que podem ser evitadas – se conseguimos romper com crenças que sempre nos foram ensinadas e nas quais acreditamos. Mas o que interessa é que estas crenças valem menos que uma vida. Não é?
Obrigada por tua visita e pelo teu comentário. Espero que ambos se repitam muitas vezes ainda.
Abraços!
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Incrivel o filme, e a distancia “cultural” que separa este continente.
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Oi Rafa!
Pois sim. Quando as pessoas querem, fazem questão, um universo pode separar vizinhos e familiares, não é mesmo?
É incrível, mas é real.
Que bom te encontrar por aqui. Inté!
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Muito bom o seu estilo de comentar o filme, bem detalhado e embasado. Parabéns.
Desculpe se na pressa de ler não compreendi bem a parte em que vc diz que o filme simplifica e facilita a compreensão para os ocidentais.
Ora, todos nós sabemos que mesmo no ocidente a mulher, principalmente no dito terceiro mundo, ainda é tratada de forma bem desigual na sociedade – seja no salário que ganha, seja na relação de poder diante do homem dentro do casamento.
No islã a situação é claramente pior. Nesse sentido eu vejo que o filme – no limite que um filme possa ter – trata muito bem a questão. Como vc mesma descobriu nas suas pesquisas, a única forma de uma mulher que foge do marido e leva o filho deste se ver livre de represálias é se afastando totalmente de seu grupo social, inclusive rompendo laços com sua família.
É exatamente isso que a personagem não quis ou não aceitou fazer. Tentou de todas as formas – que nos parecem até absurdas – manter o vínculo familiar. Mesmo recebendo desprezo e agressão. Mas me aprece que foi exatamente contra essa tradição do ter que fugir, se isolar que a personagem se insurgiu.
Até que quase no fim do filme ela percebe que jamais será aceita e decide partir. mas aí são os parentes que decidem ir atrás para “lavar a honra”.
Se tem algo nesse filme que me desagradou foi o fim overdramático com a morte da criança. Achei aquilo dispensável. Apenas a situação dos irmão tentarem matar a irmã já era suficientemente forte para passar a mensagem contra a violência, o abuso, o apego a tradições descabidas, enfim seja lá o que se queria denunciar/protestar contra já estava muito bem estabelecido sem aquele final melodramático que até depõe contra um filme que vinha sendo tão elegante e sóbrio – apesar do tema.
Pra finalizar também discordo que o filme foi “arrastado”. Eu achei o filme no ritmo ideal. Ultimamente o que mais tenho visto são boas histórias desperdiçadas por terem que caber nos 80* minutos padrão de filme atual. *(90 menos 10 minutos de letreiros)
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Oi Roberto!
Antes de mais nada, seja bem-vindo por aqui.
Gostei muito do teu super comentário. Fico feliz quando as pessoas se animam a escrever. Também fiquei contente que tenhas gostado do meu texto.
Então, vou tentar me explicar melhor. Verdade que o machismo e a diferença entre homens e mulheres está muito presente em diferentes sociedades ocidentais. Mas quando eu disse que o filme simplifica a questão para que fosse mais fácil da tradição islâmica ser entendida pelos ocidentais, me refiro a que a forma de pensar deles não pode ser avaliada com a mesma medida que a nossa. É como comparar a tradição e o modo de vida de estados como Bahia com São Paulo, Santa Catarina ou Mato Grosso. Mesmo que se trate de um mesmo país e de uma mesma cultura, as formas de pensar e atuar cotidianas são muito diferentes. Quem não faz parte daquele “meio” dificilmente vai entender o outro.
Em outra palavras, toda a religião e tradição islâmica funciona com uma lógica e uma dinâmica muito diferente da ocidental. E toda essa “problemática” é simplificada no filme, para que fique mais fácil para nós, ocidentais, entendermos as questões em jogo.
Também acho que o final contrasta com o restante do filme. Mas é compreensível o roteirista ter escolhido esse caminho. A intenção era realmente chocar e fazer pensar. Então até que se justifica… e, de fato, esses absurdos muitas vezes acontecem.
Então, não acho que todos os filmes tem que caber neste padrão que você falou. A duração nem sempre quer dizer se o filme é arrastado ou não. Há filmes de duas horas e meia ou três que passam sem que percebamos o tempo passar. Outros, de uma hora e meia ou menos, parecem longo demais. Tudo depende da dinâmica da história. Achei Die Fremde um pouco arrastado, independente da duração dele. Mas essa impressão é muito pessoal… que bom que, para ti, ele não pareceu assim.
Roberto, obrigada pela tua visita e pelo teu comentário. Espero que voltes por aqui mais vezes, inclusive para falar de outras produções.
Abraços e inté!
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Não gostei da crítica, discordo em boa parte.
Primeiro deveria ler mais sobre a religião islâmica e seus dogmas, só assim entenderia a personagem, o porque de ela sempre preferir a família, se for julga-la como tal, então deveria julgar a mãe também, pois ela também se sucumbia aos mandamentos da família e sempre seguia as ordens (mesmo sendo desmerecida como mulher, ela entendia o que era ser mulher e suas consequências), e até a própria mãe não apoiou a filha, e a busca desesperada da filha por aceitação, ela não tinha mais ninguém, não acredito que ela amava realmente aquele home que conheceu, ela apenas não tinha outra opção, teve sorte em achar alguem que a aceitasse mesmo com um filho e com a familia que tem…
O islamismo é uma religião muito extremista em seus mandamentos, e mesmo para uma personagem forte como Umay que cresceu vivendo essa religião ela sabia que seria uma vergonha abandonar a família e viver sozinha com um outro marido, ela sabia que estava arruinando a família e só queria a aceitação deles. Bom… é isso.
Leia mais sobre o islamismo e veja os dogmas religiosos com os quais esse povo é impregnado.
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Oi victor!
Tudo bem?
Você tem certeza que leu o meu texto inteiro? Entendeu o que eu escrevi?
Porque eu disse que a cultura islâmica é muito diferente da ocidental. E justamente, veja a coincidência, eu comentei que fica difícil as pessoas entenderem completamente ao filme justamente porque “funcionamos”, por assim dizer, com outra lógica.
Fica difícil entender a protagonista justamente por isso. Mas, obviamente, sob a ótica do islamismo, faz todo o sentido.
Entendeu agora? Talvez se você reler o texto, com calma, você perceba o que eu quis dizer.
Mas obrigada pela tua visita e pelo teu comentário. Espero que voltes outras vezes, inclusive para falares de outros filmes que gostaste.
Abraços e inté!
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Se procurarmos enxergas os acontecimentos do filme por uma ótica reencarnacionista, poderíamos compreender a sabedoria divina. Tenho certeza de que todos que vivenciaram tal drama aprenderam alguma coisa. E não é assim, com esses “Traumas” de vida que avançamos espiritualmente? É difícil de acreditar. Mas é a pura verdade!
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