Alguns diretores são interessantes. Eles se esforçam para desenvolver uma linguagem própria, um estilo diferenciado, apresentar uma cereja em cada bolo (leia-se filme) que entregam. Steven Soderbergh é um destes nomes. Em seu novo filme, Haywire, o diretor volta a apostar em uma forma diferenciada de fazer cinema. A proposta é boa, até um determinado momento do filme. Mas joga contra o diretor um roteiro fraco e uma atriz sem expressividade alguma. Mais uma vez, Soderbergh aposta em uma garota desconhecida para estrelar um filme seu. Desta vez, ele errou na escolha, ainda que Gina Carano seja ótima nas cenas de ação, na interpretação ela é péssima.
A HISTÓRIA: Uma garota olha com capuz olha fixo para um café de estrada. Ela entra, tira a mochila e senta em uma mesa. Tira o casaco, toma um chá e olha um grupo de amigos em uma mesa próxima. Vê a chegada de um carro, e não fica satisfeita ao ver quem saiu dele. Ela se prepara, e começa uma conversa truncada com Aaron (Channing Tatum). Ele pede para Mallory Kane (Gina Carano) facilitar e acompanhá-lo até o carro, mas ela se nega. Depois de brigarem, Mallory foge no carro de um dos rapazes que estava no café, Scott (Michael Angarano). Enquanto dirige e pede para ele fazer um curativo em seu braço, Mallory explica porque está sendo perseguida.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso só recomendo que continue a ler quem já assistiu a Haywire): A primeira parte deste filme é muito, muito interessante. O estilo de Haywire lembra demais os grandes filmes de ação dos anos 1960. Não apenas o estilo de direção, que foca os atores em um estilo que lembra algumas vezes o documentário, algo mais cru e naturalista, mas também pela presença marcante da trilha sonora. Ela parece onipresente, e um elemento fundamental para marcar o ritmo do filme.
O elemento novo, conquistado principalmente a partir dos anos 1980, são as lutas perfeitamente coreografadas. A violência come solta, nestes momentos – e há um bocado de pancadaria em Haywire. E se o início do filme já mostra algo fundamental para a produção, que é a beleza e a alta limitação interpretativa da atriz Gina Carano, logo de cara, ele também deixa claro, nos primeiros minutos, a escolha por ter filmes antigos como referencial principal do diretor.
Steven Soderbergh é um sujeito que conhece bem o seu ofício. Um diretor que procura fazer um trabalho diferenciado do “balaio” dos cineastas que fazem filmes de ação. Muitas vezes ele acerta, mas em outras ele erra. Depois de “descobrir” Sasha Grey, uma atriz de pornô, e decidir que ela seria a estrela de The Girlfriend Experience, Soderbergh resolveu destacar a novata Gina Carano em Haywire.
Nos dois casos, o principal predicado de escolha foi a beleza, não há dúvidas. As duas são garotas lindas. Como eu escrevi nesta crítica, acho que Grey se saiu bem no filme mais sério que ela já estrelou na vida por uma simples razão: ela conhece bem aquele tipo de papel, de mulher-objeto. Mas Carano não se sai tão bem. Ela é linda, é verdade, correu e bateu muito bem. Mas Haywire exigia para o papel principal uma atriz que conseguisse expressar alguma emoção mínima em determinados momentos. E ela não consegue isso.
Neste ponto, é possível ver um paralelo entre Carano e Arnold Schwarzenegger. Digamos que ela é um Schwarzenegger de saias. 🙂 Ambos se dão (no caso dele, se dava) muito bem em filmes de ação, batendo, assustando, fazendo caras de gente malvada. Mas isso é tudo. Há um momento em que Carano deve parecer muito sensual e provocante em Haywire. Não acho que ela convenceu neste papel. Não achei ela provocante, apenas bonita. Faltou encontrar uma atriz que pudesse servir de alvo para outro herói dos filmes do gênero, o personagem James Bond. Qualquer “bondgirl” convenceria masi que Carano.
Falei tanto da atriz porque ela é fundamental para Haywire. A história gira em torno dela. Mas algo que não funciona muito bem neste filme é, também, o roteiro de Lem Dobbs. Ele escolheu um dos caminhos clássicos do gênero: entrega uma pílula da história quando ela já está avançada, em um momento fundamental da “fuga”, e depois, a partir de um conflito, investe no recurso do flashback – pontuado, como manda a regra, volta e meia por alguma cena do momento presente.
Certo, recurso batido. Mas ele existe por uma razão simples: que o momento presente seja explicado e “complicado”, pouco a pouco, pela explicação do que levou os personagens até aquele ponto. O problema é que o flashback não dialoga bem com o presente. E quando digo isso, não quero dizer que existam falhas na condição da história, mas que simplesmente o presente não torna o flashback mais tenso ou vice-versa. E sem essa tensão, o recurso se esvazia.
Lá pelas tantas, a história segue a rota linear. Ou seja, sae de cena o flashback e tudo o que acontece é no momento presente. Aí sim o roteiro mostra o quanto ele é batido, fraco, e como o final será previsível. Evidente que a direção de Soderbergh é a melhor parte do filme.
O diretor acerta no resgate do estilo cru de filmes como o clássico Bullitt, e de filmes do James Bond estrelados por Sean Connery, para citar dois exemplos. As cenas de pancadaria muito bem encenadas e filmadas, é o que o filme tem de melhor. Assim como as outras de perseguições – pelas ruas, correndo, ou em prédios, como se fazia antigamente, antes da ação se resumir a carros e tiroteios – são bem feitas. Mas isso é tudo. E é muito pouco.
O final é decepcionante. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Afinal, toda aquela simulação para culpar a protagonista foi feita tendo como motivação dinheiro e uma certa “dor de cotovelo” do ex-chefe e amante, Kenneth (Ewan McGregor). E mais uma neurose de Rodrigo (Antonio Banderas), que se sentiu exposto por ela em uma negociação. Argumentação bem fraquinha, convenhamos. Haywire não vale o ingresso, apesar de sempre ser interessante ver um diretor como Soderbergh tentando acertar.
NOTA: 5,7.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: Steven Soderbergh é, provavelmente, junto com Quentin Tarantino, o sujeito que melhor sabe aproveitar as referências dos filmes do passado, especialmente os de ação, e escancará-las em uma releitura mais modernete. A linguagem de Haywire lembra totalmente a de filmes históricos do gênero. Além dos filmes já citados, me lembrei de The French Connection, Shaft (o original, de 1971), Mean Streets, e de um clássico que ainda estou para ver: Faster, Pussycat! Kill! Kill!, dirigido por Russ Meyer e considerado, por nomes como John Waters, com o melhor filme de todos os tempos.
Nada em Haywire supera espécimes do gênero feitas anteriormente. E daí vem aquela pergunta básica: então para que gastar US$ 23 milhões em uma produção que não agrega nada? Pois é, eis uma boa pergunta. Acho que um filme como este só se justifica pela preguiça das pessoas em buscarem filmes melhores no passado. Porque há pessoas – e conhece algumas – que acham que não há nada de bom no cinema mudo ou naquele anterior aos anos 1980 ou 1990.
Que pena que muitos pensem assim. Alguns dos melhores filmes de ação de todos os tempos são, justamente, dos anos 1960 e 1970. Por isso acho que diretores como Soderbergh e Tarantino se dão tão bem. Eles fazem filmes para quem não conhece os originais e, consequentemente, vê muitas novidades nestas versões “cheias de homenagens” – para não dizer cópias.
Se o roteiro de Haywire é fraco e a direção de Soderbergh tem seus momentos interessantes, e se a atriz principal é só bonita, mas o elenco de “apoio” é formado por nomes de respeito, temos que admitir que algumas figuras da equipe técnica merecem alguns aplausos.
Para começar e, principalmente, a trilha sonora de David Holmes. Grande trabalho – e principal trunfo do filme. Outro que faz a sua parte com excelência é Soderbergh na direção de fotografia. Acertadas as escolhas de cores, tons e os momentos em que o filme fica em preto e branco. Ele sabe trabalhar bem com o visual.
O filme está centrado em Gina Carano. Mas há um elenco de “apoio” importante, e com nomes que já mostraram um excelente trabalho em outros filmes – mas que aqui, como Carano, parecem muito anestesiados. São eles: Channing Tatum como Aaron, parceiro de Mallory em missões encomendadas e bem pagas; Ewan McGregor como Kenneth, o chefe da agência de espiões; Antonio Banderas como Rodrigo, o homem por trás da “genial” ideia que irá resolver os problemas de alguns poderosos – ele incluído; Michael Douglas como Coblenz, um cara do governo dos Estados Unidos que gosta de Mallory; Michael Fassbender como Paul, um agente secreto inglês; Mathieu Kassovitz como Studer, o sujeito rico que está por trás de toda essa história; Bill Paxton como John Kane, pai de Mallory; e Anthony Brandon Wong como Jiang, o “sequestrado” que é resgatado por Mallory e equipe e que não tem uma fala no filme, mas que é importante para a história. Um baita elenco, mas que não tem espaço para aprofundar a história de nenhum de seus personagens. Todos muito rasos e superficiais.
Francamente? A minha vontade era dar uma nota ainda menor para este filme. Mas em respeito ao “virtuosismo” da direção de Soderbergh, resolvi elevar um pouco o conceito. Não porque o filme seja bom, mas porque ele se esforçou para fazer algo diferente.
Haywire estreou no Festival AFI em novembro de 2011, mas entrou em cartaz, comercialmente, apenas em janeiro deste ano nos Estados Unidos e em outros 16 países. Até o dia 18 de março, o filme havia acumulado pouco mais de US$ 18,9 milhões nos Estados Unidos. Como ele custou, pelo menos, US$ 23 milhões, pode-se dizer que ele não está no caminho do sucesso.
Antes de estrelar este filme, a texana Gina Carano havia participado da série de TV Fight Girls, em 2006, feito um papel no game Command & Conquer: Red Alert 3 e um papel em Blood and Bone. E só. Agora, pós Haywire, ela vai estrelar o thriller In the Blood, atualmente em pré-produção e que será dirigido por John Stockwell.
Algumas outras pessoas que merecem palmas por este filme são Jonathan Eusebio, J.J. Perry, Don Tai e Jon Valera. Eles atuaram como coreógrafos das lutas. Sem dúvida, a melhor parte de Haywire são aquelas cenas de pancadaria muito bem planejadas. Além de criativas, elas vendem bem a ideia de serem plausíveis – ainda que a protagonista pareça demais uma Mulher Maravilha.
Os usuários do site IMDb deram a nota 6,3 para o filme. Achei uma boa nota. Os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes foram bem mais generosos, dedicando 129 críticas positivas e 32 negativas para a produção, o que lhe garante uma aprovação de 80% e uma nota média de 6,8.
Haywire foi filmado em Dublin, na Irlanda, e em Los Alamos, nso Estados Unidos – com algumas cenas simulando locais de Nova York. Esta é uma co-produção Estados Unidos e Irlanda.
CONCLUSÃO: Uma pena quando um filme tem uma proposta bacana, mas não consegue sustentá-la até o final. Gina Carano é muito fraca. Ótima na corrida e na pancadaria, mas péssima em qualquer momento em que ela precisa repassar o mínimo de emoção que deveria estar sendo vivida por sua personagem. E quando um filme tem uma atriz no foco o tempo todo, como é o caso de Haywire, ele acaba sendo muito prejudicado com uma intérprete fraquinha. Este é um dos problemas fundamentais deste filme. Mas não é o único. O estilo do filme, que relembra a alguns clássicos antigos de ação, acaba cansando lá pelas tantas. Especialmente da metade para a frente, quando o filme da uma certa “reviravolta”. A “surpresa” não cria realmente tensão – a trilha sonora é mais eficaz que o roteiro neste ponto. E todos sabemos o que vai acontecer até o final, o que mata o filme antes dele terminar – afinal, o elemento surpresa já era. Fora isso, esta é mais uma produção cheia de estilo e experimental de Soderbergh. Mas ele já fez melhores. Quem sabe no próximo ele acerte a mão? Ou segue apresentando trabalhos que, ao apostar tanto em uma linguagem mais dinâmica e diferenciada, se esquecem de elementos básicos, como um roteiro melhor acabado e uma atriz principal decente. Não foi desta vez, com Haywire, que ele conseguiu o equilíbrio.
Uma resposta em “Haywire – À Toda Prova”
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