Um filme romântico que contradiz os filmes românticos. Silver Linings Playbook conta a história de duas pessoas jovens que se esforçam para recomeçar as suas próprias vidas. Eles são estranhos, e buscam, desta forma diferente, um caminho para voltarem a amar. Como em tantas histórias românticas, eles começam em descompasso, cada um dançando para um lado. Romance, cartas – há algo mais romântico? -, dança, discussões, dúvidas e problemas psicológicos com e sem tratamento fazem parte do enredo. Um filme interessante, ainda que ele demore para decolar.
A HISTÓRIA: Hospital Psiquiátrico Karel, em Baltimore. Pat (Bradley Cooper) está se explicando para Nikki (Brea Bee), que não está ali. Ele comenta que adora os domingos, porque este é o dia em que toda a família se reune, e quando o pai dele (Robert De Niro) veste a camisa do time de futebol que eles adoram. Pat admite que era negativo, e que ficava nervoso, mas que agora está melhorando. Batem à porta. E pedem para ele sair. Pat segue falando como se Nikki estivesse ali, admitindo que errou, mas que ela também pisou na bola, mas que agora ele é um sujeito positivo e que tudo pode melhorar e ficar bem. Para ele, o sentimento dele por Nikki é amor verdadeiro. Há poucos objetos no quarto de Pat, e um cartaz com a palavra “Excelsior” na parede, uma espécie de mantra que ele utiliza para manter o foco no “positivo”. Pat sai do quarto, finge tomar sua medicação, e sai do hospital quando a mãe dele, Dolores (Jacki Weaver) assume o risco de tirá-lo de lá. A partir de sua saída, Pat se concentra em tentar recuperar Nikki.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Silver Linings Playbook): De perto, ninguém é normal. Mas alguns conseguem fingir melhor que outros. Administram, após a adolescência, todos os filtros e máscaras possíveis para viverem personagens socialmente aceitáveis. Mas no fundo, e na intimidade, todo mundo tem as suas fraquezas, fortalezas e loucuras.
Silver Linings Playbook trata desta gente esquisita. De uma família que tem pelo menos dois integrantes com doenças bem identificadas: Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e Transtorno Afetivo Bipolar (TAB). O TOC fica evidente no comportamento do pai de Pat, que não tem nenhum tipo de tratamento e também parece não admitir que tem qualquer doença. O TAF, por outro lado, foi identificado de forma tardia em Pat, o protagonista.
O diretor e roteirista David O. Russell abraçou o projeto de adaptar o livro de Matthew Quick, The Silver Linings Playbook, depois que a obra foi indicada pelos diretores, produtores e amigos dele, Sydney Pollack e Anthony Minghella. Lendo o livro, Russell conheceu o casal de protagonistas “problemático” e ficou pessoalmente interessado na história porque tem um filho que é bipolar e também tem um pouco de TOC.
Cinco anos depois de ter recebido o livro, Russell apresenta este filme. Segundo ele, uma forma de mostrar para o filho que ele não está “tão sozinho” no mundo. Para que ele se sinta mais integrado na sociedade. Bela mensagem de fundo, pois. Nestes cinco anos Russell lapidou o roteiro, até ficar satisfeito. Conseguiu um bom resultado, não há dúvida. Mas bom não significa excelente, muito menos inesquecível.
As primeiras reações surpreendentes de Pat têm impacto. Excesso de sinceridade, nos dias atuais, sempre surpreende. E torna as pessoas interessantes. Mas depois, aqueles “rompantes” e demais características do TAB de Pat não surpreendem mais. São apenas repetições. Como Cooper é carismático e está totalmente imerso em seu personagem, estas repetições até que não cansam. O ambiente na casa de Pat, sim, poderia ser um pouco mais enxuto.
Há pelo menos uma boa cena entre Pat e o pai. Aquela em que o velho, cheio de manias típicas do TOC, admite que não foi um pai presente. De Niro está bem, mas longe de seus melhores desempenhos. Aliás, há muitos anos não vejo este mestre da interpretação realmente surpreender em alguma atuação. Ele parece estar sempre com a mesma cara, os mesmos gestos e falas, sem qualquer inovação. Diferente dos bons tempos. O mesmo pode ser dito de Jacki Weaver. Ela está bem, faz o papel da mãe preocupada e amorosa, mas não se destaca com suas falas previsíveis.
Claramente Russell faz um esforço para este filme não ser sombrio demais. Pelo contrário, ele investe bastante tempo em torná-lo engraçado. Os personagens de De Niro e, principalmente, de Danny (Chris Tucker), amigo do hospital psiquiátrico de Pat, estão ali para fazer o público rir. O problema é que uma referência afetiva importante, o futebol americano, não é uma paixão brasileira. E nem de vários outros países. Certamente nos Estados Unidos, onde o esporte é uma paixão nacional, as discussões e a paixão da família de Pat pelo esporte tornam o filme ainda mais interessante. Esse efeito não chega a outros públicos.
Os melhores momentos desta produção, sem dúvida, estão na interação entre os atores Bradley Cooper e Jennifer Lawrence. Ela interpreta a Tiffany, uma garota que mora perto da família de Pat e que acaba sendo apresenta para ele pelo casal Ronnie (John Ortiz) e Veronica (Julia Stiles). Tiffany é irmã de Veronica, e sofre com a comparação entre as duas. Como Pat, Tiffany também está vivendo uma fase desafiante de reestruturação. Frágil, linda, há pouco desempregada, ela tenta deixar para trás a vida de promiscuidade que assumiu após a morte do marido.
Em um filme mediano, como este, que só engrena mesmo no final – e por isso a maioria do público deve ficar encantada com a produção, esquecendo o quanto ela demorou para decolar até aí -, o desempenho concentrado de Cooper e Lawrence se destacam. A melhor parte do filme, de fato, está na sintonia que os dois desenvolvem em cena.
Impressionante como Pat se concentra na estratégia para reconquistar Nikki. Desde a ânsia em ler os livros que a ex-mulher ensina na escola, para “entender” melhor a realidade que ela está vivendo, até as corridas para manter o físico e a calma. Concentrado na palavra Excelsior, ele se esforça para tornar-se um sujeito mais equilibrado. Mas como muitas pessoas que tem transtornos, acredita que conseguirá fazer isso sozinho, sem tomar corretamente os remédios receitados. Mas tudo deve contribuir para a cura.
A sorte de Pat é que ele se encontra com Tiffany, e que ela logo de cara se interessa por ele. A ponto de investir na conquista. Através dela, ele conhece o poder terapêutico da dança, do contato físico, dos treinos que trazem a disciplina e o exercício físico necessário para que ele possa melhorar. Sem isso, certamente faria muito mais falta os remédios que ele não estava tomando.
Em uma história romântica, além de sintonia entre o casal de protagonistas, é fundamental termos ótimos diálogos e algumas surpresas. Silver Linings Playbook tem alguns bons diálogos. Os melhores estão no final. Mas as surpresas… fora o momento em que Pat joga o livro pela janea e a primeira vez em que Tiffany “persegue” Pat na corrida, os demais episódios são previsíveis. Como a questão da carta, por exemplo. Também não entendi, exceto por uma questão de empatia com os torcedores de futebol americano, porque aquela sequência de Pat e o irmão Jake (Shea Whigham) indo até uma partida… para o filme, funcionaria muito melhor se aquele tempo fosse gasto em ensaios de Pat e Tiffany ou em outra interação entre eles.
No final das contas, este é um filme com belas intenções. E que tem um bom trabalho dos atores, assim como uma forma romântica de contar uma história sem recorrer aos lugares-comuns de histórias do gênero. Silver Linings Playbook mostra que as pessoas esquisitas, que somos todos nós, em alguma medida, pode ser muito romântica. Para isso, basta querer. Basta ter vontade de fugir da dureza do cotidiano e se entregar a querer agradar a pessoa que se ama. A querer declarar-se, sem medo. E como diria o Lulu, a “se permitir”. Porque é fácil manter o foco em algo que não existe mais, e desperdiçar as chances de amar e ser feliz de verdade. Silver Linings Playbook fala um pouco sobre isso.
E outro aprendizado interessante deste filme é que vale sim ter uma atitude positiva com a vida. Mas, ao mesmo tempo, como Tiffany ensina para Pat, isso não basta. Mais que ser positivo, importante é conhecer e aceitar todas as vertentes que você mesmo carrega. Entender todas as tuas facetas. Teu “lado A” e teu “lado B”, e não ter problema com nenhuma destas partes. E se tiver, cuidar de lapidá-las. Para encarar a vida com mais segurança, com foco no que se quer, como faz Tiffany, depois de ficar um tempo perdida. Porque estar perdido, por um tempo, faz parte. Mas estar perdido o tempo todo, não. E sim, com isso feito, ter atitude positiva é algo importante. Para enfrentar tudo que vem pela frente.
NOTA: 8,6.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: Um dos elementos que funciona bem em Silver Linings Playbook é a trilha sonora. Elemento fundamental no cinema, mas especialmente em filmes de histórias românticas. A seleção musical funciona muito bem aqui. Com destaque para canções de Stevie Wonder, Led Zeppelin, Bob Dylan, The White Stripes, entre outros.
O filme gira ao redor do personagem de Bradley Cooper. Tanto que isso é verdade que a família de Tiffany aparece quase nada em cena. Além dos atores citados, especialmente do casal de protagonistas e dos pais de Pat, vale citar o trabalho competente de Anupam Kher como o psicólogo Dr. Cliff Patel, que tem um sotaque bem interessante; Dash Mihok como o policial Keogh, que está sempre por perto de Pat, para evitar que ele tenha outro ataque de fúria e machuque alguém; e Paul Herman como Randy, o apostador profissional que vive fazendo o pai de Pat perder dinheiro.
Uma curiosidade sobre esta produção: inicialmente, Anne Hathaway havia sido cotada para interpretar a Tiffany. Mas por um problema de agenda, já que a atriz tinha outros projetos, o papel acabou caindo para Jennifer Lawrence. Depois da desistência de Hathaway, o papel chegou a ser pensado para Rachel McAdams, Olivia Wilde, Elizabeth Banks, Blake Lively, Rooney Mara, Kirsten Dunst e Andrea Riseborough. Sem dúvida Russell teve sorte de ter Lawrence. Talvez outra boa alternativa seria Mara.
Outro cotado para o filme, no início, foi Mark Wahlberg. Mas ele logo foi substituído por Cooper.
Os Weinstein compraram os direitos do filme antes mesmo dele ser publicado. Por isso ele havia sido planejado, inicialmente, para passar por Sydney Pollack e Anthony Minghella, antes deles morrerem em 2008.
Bradley Cooper e Jennifer Lawrence gastaram semanas praticando a cena da dança final, coreografada por Mandy Moore.
Silver Linings Playbook teria custado US$ 21 milhões. Até o dia 27 de janeiro, apenas nos Estados Unidos, o filme faturou pouco mais de US$ 68,9 milhões. E certamente seguirá subindo, dando um belo lucro para os produtores.
Este filme estreou no Festival de Toronto em setembro de 2012. Depois daquele evento, ele participou de outros seis festivais. Nesta trajetória, recebeu 40 prêmios e foi indicado a outros 58. Entre os que recebeu, destaque para o prêmio de Melhor Filme do ano no AFI Awards; o Globo de Ouro de Melhor Atriz – Musical ou Comédia para Jennifer Lawrence; e os prêmios de Melhor Ator, Melhor Roteiro Adaptado e Top Film no National Board of Review.
Silver Linings Playbook foi totalmente rodado na Pennsylvania, nos Estados Unidos.
Os usuários do site IMDb deram a nota 8,1 para esta produção. Uma avaliação muito boa, considerando a média do site. Os críticos do site Rotten Tomatoes dedicaram 194 textos positivos e apenas 16 negativos para Silver Linings Playbook, o que lhe garante uma aprovação de 92% e uma nota média de 8,2. Avaliação inclusive melhor que a do público, pois.
Para quem quer saber mais sobre o que acontece com os protagonistas desta produção, recomendo dois textos de distúrbios que eu li após assistí-lo. Sobre os transtornos de Pat, achei interessante este texto; e sobre o que acontece com Tiffany, este outro.
CONCLUSÃO: Os últimos 20 minutos deste filme valem todo o restante. Claro que para que este trecho final seja justificado, é necessário o restante. Ainda assim, Silver Linings Playbook me pareceu um pouco enrolado demais. Talvez ele pudesse ter meia hora menas, e ficaria mais interessante assim. A história investe em aprofundar-se nos bastidores da vida do protagonista, gastando um tempo valioso com o TOC do pai, com as esquisitices das corridas com saco de lixo. Por pouco este tempo precioso gasto com algumas informações repetitivas não chegam a cansar. A entrega dos atores e o carisma deles impede que tenhamos sono. E a sequência final acaba justificando o restante. Um filme bacaninha, bonitinho, com um belo casal de protagonistas, dois bons atores veteranos como apoio, e que nos faz refletir como as pessoas são interessantes. Sejam elas mais ou menos “normais”. Todos podem amar, surpreender com bom gosto e arte. E a dança, assim como a música, são mágicas, terapêuticas. Vale a pena amar, no final das contas. E ser romântico também.
PALPITE PARA O OSCAR 2013: Bob e Harvey Weinstein são poderosos, realmente. Não existe outra razão, que não o poderio destes grandes produtores, dois dos maiores em atuação em Hollywood, que explique como Silver Linings Playbook recebeu oito, eu disse OITO indicações ao Oscar.
Este é um filme bonitinho? Sim, de fato. Tem boas intenções. Tem. Mas ele é excepcional? Melhor do que os últimos filmes românticos lançados? Não acho. Silver Linings Playbook tem muitas qualidades, especialmente no final, mas não passa de uma produção mediana. Por isso mesmo, não acho que ele merecia ser indicado a oito Oscar’s.
Mas bueno, ele foi. Os quatro atores principais da produção foram indicados: Bradley Cooper como Melhor Ator; Jennifer Lawrence como Melhor Atriz, Robert De Niro como Melhor Ator Coadjuvante, e Jacki Weaver como Melhor Atriz Coadjuvante. David O. Russell foi indicado duas vezes, como Melhor Diretor e Melhor Roteiro. Para finalizar, esta produção foi indicada como Melhor Filme e como Melhor Edição.
Francamente? Acho que Silver Linings Playbook corre o sério risco de sair de mãos vazias do próximo Oscar. Não vejo Cooper ganhando, ou mesmo De Niro ou Weaver. Também não acho que esta produção ganhará como melhor filme ou roteiro. Talvez a atriz Jennifer Lawrence tenha alguma chance de ganhar a estatueta. Assim como a edição.
Da minha parte, não daria nenhum destes prêmios para o filme, porque acho que outras concorrentes foram melhor em cada uma destas categorias. Logo mais saberemos se os Weinstein vão conseguir impor a sua força e arrancar alguma estatueta para este filme mediano.