A Alemanha não tem medo de olhar para o próprio passado e seus erros. Mas nem sempre isso foi assim. Im Labyrinth des Schweigens nos conta a história de pessoas e fatos que ajudaram a mudar este cenário. Um filme importante e que ajuda, ao lado de outros mais contundentes, a contar os fatos que aconteceram após o fim da Segunda Guerra Mundial. Mesmo bem conduzido e com bons atores, é um filme bem tradicional e que não apresenta inovações – lembrando sempre que elas não são fundamentais, mas bem-vindas. Nesta corrida para o Oscar 2016 é uma produção que vale ser vista, mas que não deve ter muitas chances de ganhar a estatueta.
A HISTÓRIA: Frankfurt, 1958. O sinal de uma escola bate para o intervalo e as crianças correm para brincar de bola e de elástico. Elas cantam em homenagem ao país em que nasceram e vivem. Três professores falam sobre os jovens indisciplinados e problemáticos, enquanto Simon Kirsch (Johannes Krisch) caminha do lado de fora. Um dos professores se oferece para acender o cigarro dele. Quando ele aceita, recebe um choque.
Na Promotoria Geral de Frankfurt, Johann Radmann (Alexander Fehling) ensaia no banheiro para o momento em que pegar casos maiores – novato, ele está cuidando apenas de delitos de trânsito. Em breve os caminhos de Kirsch e de Radmann irão se cruzar e mudar não apenas o destino do jovem promotor, mas a ideia que a Alemanha faz de si mesma.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Im Labyrinth des Schweigens): Volta e meia nos encontramos com um filme que trata sobre os bastidores da Segunda Guerra Mundial pela ótica dos alemães. Além das produções daquele país, normalmente, terem qualidade, acho admirável o fato do cinema alemão não ter medo de tratar de assuntos duros e que podem ser vistos, por alguns nacionalistas extremos, como contrários ao país.
Im Labyrinth des Schweigens é mais um filme que acrescentar alguns grãos de informação e de conhecimento sobre a Alemanha do pós-guerra. Mas diferente de outras produções, este filme fala da busca de um promotor pela verdade e pela justiça, ainda que ela já começasse a ser tardia. O protagonista desta produção vê na denúncia de Kirsch sobre um ex-militar nazista que esteve em Auschwitz e que está dando aula em um colégio – algo proibido – uma maneira de entrar, finalmente, em um caso relevante e importante.
Até então, e aí entra a motivação pessoal do protagonista, ele tinha sido escalado apenas para casos para “iniciantes”, ou seja, disputas envolvendo causas de trânsito. Ainda que todos da promotoria já tinham passado por aquilo, Radmann tinha pressa. Apesar desta motivação pessoal e de carreira, as principais molas propulsoras de Radmann para investigar o ex-militar nazista, Lehrer Alois Schulz (Hartmut Volle), eram os valores aprendidos do pai desaparecido.
(SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). O roteiro do diretor Giulio Ricciarelli, escrito junto com Elisabeth Bartel, autora da história original, e com ajuda de Amelie Syberberg, conta uma história linear que parte do encontro de Kirsch com o antigo algoz e segue até o início do julgamento dos nazistas que viviam como pessoas comuns na Alemanha do pós-guerra. Do início até o final Radmann encontra diferentes obstáculos e mentiras de quase todas as partes para conseguir levar o tema adiante.
Do lado dele estão o jornalista Thomas Gnielka (André Szymanski), que leva a denúncia de Kirsch até a promotoria, e o Procurador-geral Fritz Bauer (Gert Voss), judeu que sabe bem como diversos nazistas seguem entranhados no serviço público. Como pede um filme que busca seguir a “cartilha do sucesso”, Im Labyrinth des Schweigens descola uma figura feminina forte para dar aquele toque de “romance” na história.
Logo no início da trama Radmann tem um encontro no tribunal com Marlene Wondrak (Friederike Becht), acusada de uma infração de trânsito. O encontro é interessante e bem escrito, porque ele não apenas dá o tom da tensão entre os personagens como revela parte do caráter de Radmann. Apesar da moça dizer que não tem condições de pagar pela infração integralmente e do juiz sugerir que ela pagasse apenas o que podia, Radmann afirma que a lei não prevê isso e que a lei deve ser cumprida. No fim das contas ela fica devendo para ele – a deixa perfeita para eles terem um segundo encontro.
Esse segundo encontro não é provocado pela dívida, mas por Gnielka. Além de servir de tempero para o filme, o romance entre os personagens tira um pouco do peso da história que é, em essência, investigativa. Pouco a pouco Radmann vai vencendo as resistências para não apenas ouvir as vítimas, mas para tentar o mais difícil: reunir provas do envolvimento dos acusados que faziam parte do regime nazista em homicídios – em 1958 os demais crimes praticados durante a Segunda Guerra Mundial já tinham prescrevido na Alemanha.
Outros desafios dele eram, após ouvir as testemunhas dos crimes e conseguir algumas provas do envolvimento dos nazistas com homicídios, conseguir localizar os acusados e obter uma ordem de prisão para eles. A resistência de policiais e outros agentes públicos para as investigações lideradas por Radmann era enorme. Para eles, o promotor “novato” era um “traidor” da pátria. Isso porque o que tinha sido feito durante a guerra era justificável. “Afinal, estas são coisas que acontecem durante uma guerra”.
Mas todos nós sabemos, e só tempos depois – inclusive por investigações como esta liderada por Radmann -, que o que aconteceu nos campos de concentração nazista nunca deve ser encarado como um fato normal de guerra. Foram crimes contra a humanidade – e inúmeras pessoas, especialmente judeus, além de perseguidos de outras origens. Neste quesito, acho que o filme poderia ser um pouco mais contundente nos relatos das vítimas – apenas parte da fala da primeira testemunha aparece na produção.
O roteiro, ao escolher o caminho de acompanhar sempre os passos de Radmann, faz uma homenagem para ele e para os outros nomes responsáveis pela investigação que resultou no julgamento de 19 ex-oficiais nazistas – dos quais 17 foram condenados. A escolha foi positiva, mas senti falta de ouvir mais das vítimas. A direção de Ricciarelli também é bastante acomodada.
(SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Na busca pela verdade, Radmann descobre que dois de seus “heróis” também estiveram envolvidos com os nazistas – o pai dele e o amigo Gnielka. Com isso ele descobre algo importante, ainda que bastante básico: não existem heróis. Ou todos os santos tem pé de barro. Além de perceber que não existem, exatamente, “bandidos” e “heróis”, com a ajuda de Gnielka e de Bauer ele entende que o principal não é buscar ou encontrar uns e outros.
O trabalho dele é justificado pela busca da verdade – o que é sempre válido – e por dar voz para pessoas que não tinham vez na sociedade alemã conformada com o esquecimento e com a justificação do injustificável. Ele coloca a dor e o drama das vítimas e a vergonha de muitos alemães no holofote e não deixa, com este ato, a história absurda dos campos de concentração ser esquecida. Obriga os alemães, especialmente as novas gerações, a debater temas que eles gostariam de esquecer ou que nem conheciam.
Por um breve período o Radmann decepcionado perde o foco do que estava fazendo. Tem uma crise de valores e pensa que não sabe mais o que é certo e errado. Em alguns momentos da nossa vida até podemos duvidar do que estamos fazendo, mas algo não muda: existe sim certo e errado. E quem tem valores sabe a diferença entre um e outro. Por mais decepcionados ou cansados que um dia possamos estar, nunca devemos esquecer isso. Nem mesmo que uma boa batalha, pelas causas e pessoas certas, sempre merece ser acampada.
Radmann acaba percebendo isso e voltando atrás. Volta a assumir a causa e leva ela até o final. Ao lado dele, no difícil trabalho de investigação e de preparação para o julgamento, estão também o promotor Otto Haller (Johann von Bülow) e a secretária Schmittchen (Hansi Jochmann). Aliás, muito bacana a forma com que a história valoriza o trabalho desta secretária – que simboliza, como tantos alemães, o choque de saber toda a verdade sobre alguns de seus conterrâneos.
No fim das contas, é muito melhor trabalhar com apoio e chegar a resultados positivos compartilhando o mérito com mais gente. Sem dúvida alguma o trabalho de Radmann e dos demais mudou a forma como a Alemanha passou a ver a Segunda Guerra Mundial. O tema já foi muito tratado, mas parece ainda não ter sido esgotado. Enquanto outros filmes falam com propriedade sobre o período da guerra, outros abordam as condições da sociedade alemã antes e depois dos conflitos. Im Labyrinth des Schweigens não é um filme excepcional e nem está perto de ser perfeito, mas ele contribui para entendermos melhor o que aconteceu no país após a guerra.
NOTA: 8,5.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: Dá para entender, mas nem por isso não deixa de ser impressionante a forma com que os alemães correram para esquecer e tentar levar uma “vida normal” após a Segunda Guerra Mundial. Os envolvidos diretamente no conflito que não tinham sido julgados e que estavam livres simplesmente tocavam a vida como se não tivessem participado de atos criminosos absurdos. Acho impressionante porque sabemos bem as cicatrizes que as guerras provocam nas pessoas – muitas não conseguem superar o que viveram em um conflito. E mesmo estando do lado dos “vencedores”.
Todos os atores envolvidos neste filme fazem um bom trabalho. Ainda que ninguém tenha, realmente, me chamado a atenção. Isso porque, na maioria das vezes, os atores pareciam estar fazendo um trabalho teatral. Ninguém chegou a me comover. Além dos atores já citados, vale comentar o bom trabalho de Robert Hunger-Bühler como o promotor-chefe Walter Friedberg. Ele tentou, em diferentes ocasiões, desestimular Radmann de seguir com a investigação. No fundo, Friedberg encarnava o “espírito” da época dos alemães que queriam, essencialmente, esquecer o que tinha acontecido e não falar mais nada a respeito. Os demais coadjuvantes fazem o seu papel, mas sem nenhum destaque.
O roteiro de Ricciarelli, Bartel e Syberberg cumpre o seu papel, ainda que não inove em momento algum. O mesmo pode ser dito da direção de Ricciarelli, que fica muito próximo do protagonista, em especial, mas que não aposta em ângulos de câmara diferenciados, em edição mais ágil ou em outros recursos narrativos como flashbacks. Da parte técnica do filme, vale comentar o bom trabalho dos diretores de fotografia Martin Langer e Roman Osin e dos responsáveis pela trilha sonora Sebastian Pille e Niki Reiser.
Por ser um filme de época, também funcionam bem uma série de elementos essenciais para produções deste tipo, como a direção de arte de Manfred Döring; a decoração de set Janina Jaensch; os figurinos de Aenne Plaumann e o departamento de arte de Sophie Pruzsinszky.
Im Labyrinth des Schweigens estreou em setembro de 2014 no Festival Internacional de Cinema de Toronto. Depois, o filme passaria ainda por outros nove festivais mundo afora. Nesta trajetória, a produção recebeu quatro prêmios e foi indicado a outros 13. Entre os prêmios que recebeu estão o de Melhor Filme segundo a escolha do público do Festival Internacional de Cinema de Atenas; o de Melhor Ator para Alexander Fehling no Prêmio de Cinema Bavariano; e os prêmios de escolha da audiência e a Menção Especial do Júri do Festival de Cinema Europeu Les Arcs.
Agora, algumas curiosidades sobre Im Labyrinth des Schweigens: de acordo com as notas de produção do fime, ele é baseado na vida de Fritz Bauer, procurador-geral de Frankfurt, e de três promotores que foram fundamentais para a realização do “julgamento de Auschwitz” de 1963. Achei isso interessante porque, além de Bauer, aparece com destaque à frente do julgamento apenas Radmann e Haller. Fiquei me perguntando aonde foi parar o terceiro promotor…
Por uma boa parte do filme Radmann está obcecado com Mengele. Outro filme aborda a vida do médico nazista na Argentina e trata, um pouco, da missão para capturá-lo no país latino: El Médico Alemán (a crítica do blog sobre ele pode conferida aqui). É uma produção interessante, especialmente por mostrar a histórica pela ótica dos argentinos. Outro filme aborda a realidade alemã no pós-guerra: Lore (comentado aqui no blog). Francamente, achei esta outra produção melhor e mais impactante – porque provoca mais os espectadores e faz pensar com maior intensidade que Im Labyrinth des Schweigens. Recomendo Lore, para quem ainda não viu.
Os usuários do site IMDb deram a nota 7,3 para Im Labyrinth des Schweigens. Os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes escreveram 39 textos positivos e 13 negativos para a produção, o que lhe garante uma aprovação de 75% e uma nota média de 6,6. Ainda que o filme seja bastante “óbvio”, acho que público e crítica foram um pouco duros demais com a produção. Acho que ela tem o seu valor, especialmente histórico. Ainda que, como cinema, seja um bocado fraquinho.
Apesar de ter avançado como um dos nove filmes que seguem na disputa pelas cinco vagas na categoria Melhor Filme em Língua Estrangeira, Im Labyrinth des Schweigens não chegou entre os finalistas na mesma disputa do Globo de Ouro 2016. Talvez seja um indicativo para o Oscar – ainda que, todos sabemos, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood seja mais “sensível” ao tema do Holocausto.
CONCLUSÃO: Como todos os outros filmes alemães que se debruçam sobre o nazismo e a Segunda Guerra Mundial e tudo que compreendeu aquele período, Im Labyrinth des Schweigens é uma produção importante. Ela enfoca o trabalho de pessoas corajosas que não aceitaram o esquecimento e a ignorância e preferiram trazer os crimes de guerra e contra a humanidade para os holofotes.
Ao invés de viverem uma vida de aparências e “feliz” eles decidiram dar voz para as vítimas. Um grande exemplo para qualquer país e que inspira a cada um de nós que, sempre, podemos optar pela verdade ou pela ilusão. Apesar de ser um filme importante, ele tem uma narrativa bem tradicional e não chega a “incomodar” ou provocar como poderia.
PALPITE PARA O OSCAR 2016: Este é apenas o segundo dos nove filmes que avançaram na disputa por uma vaga na categoria Melhor Filme em Língua Estrangeira no Oscar 2016. Comparando ele com Mustang, comentado aqui no blog, francamente vejo uma vantagem clara do representante francês na disputa.
A temática de Im Labyrinth des Schweigens agrada aos votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, é verdade. Há muitos judeus e descendentes de judeus entre os votantes e eles costumam votar a favor de filmes que tratam da verdade sobre Auschwitz e tudo o mais que cerca a Segunda Guerra Mundial. Dito isso, talvez o filme que representa a Alemanha consiga uma vaga entre os finalistas ao prêmio, mas acho difícil ele levar a estatueta.
Isso porque, como eu disse antes, ele é um filme pouco ousado. Apesar de bem narrado, ele não inova na direção, no roteiro ou em qualquer outra parte. Lhe falta também, a meu ver, um pouco de força narrativa. Comparado com Mustang, que é bem mais provocador e interessante, este filme se revela ainda mais “comedido”. Vale assistir a Im Labyrinth des Schweigens, isto está claro. Mas meu voto, até agora, iria para Mustang. Acredito que os votantes da Academia também prefeririam ao filme francês.
3 respostas em “Im Labyrinth des Schweigens – Labyrinth of Lies – Labirinto de Mentiras”
Opa, amo filmes com essa temática e fiquei super curiosa para assistir (parei de ler no segundo aviso de spoiler rs)!
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