O conflito israelense e palestino já rendeu bastante pano pra manga. Não apenas histórias, contadas em livros, filmes, séries e em outras plataformas, mas, sobretudo, já rendeu muitas mortes, sofrimento, dor. Entebbe conta um dos episódios desse conflito que parece não ter fim. O filme dirigido pelo brasileiro José Padilha é bem filmado e tem bons atores, mas a narrativa é bastante cansativa e previsível. Na verdade, Entebbe dá sono. A parte mais interessante do filme é vermos a alguns personagens históricos importantes daquele cenário em ação.
A HISTÓRIA: Em um palco, várias pessoas estão dispostas em um semicírculo. A música e o ensaio começam. A introdução comenta como, em 1947, Israel consegue se estabelecer como nação, enquanto os palestinos resistem à falta de território e consegue o apoio de diversos grupos de esquerda espalhados pelo mundo. A história dessa produção, em si, começa no dia 27 de junho de 1976, considerado o primeiro dia da ação.
Wilfried Böse (Daniel Brühl) não está passando bem no banheiro, mas ele se recompõe e sai para o saguão do aeroporto para se encontrar com Brigitte Kuhlmann (Rosamund Pike). Quando eles saem, dois outros homens olham para eles. Todos estão juntos. Eles entram no avião da Air France que está saindo de Tel Aviv com destino a Paris. Em breve, eles vão entrar em ação e entrar para a História.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Entebbe): Dessa vez eu prometo não falar muito sobre esse filme. Até porque eu acho que Entebbe não merece uma grande avaliação. Por uma razão muito simples: esse filme deveria ter rendido um curta e não um longa. E se fosse para render um longa, que ele fosse muito, mas muito melhor contextualizado.
Da maneira com que Entebbe foi desenvolvido, não precisaríamos gastar tanto tempo no cinema. Afinal, o roteiro de Gregory Burke é simplório e previsível. Fora um breve momento de retorno na história para mostrar a preparação dos sequestradores para a operação envolvendo o avião da Air France, a narrativa é linear e com um desenvolvimento um bocado lento. Como comentei no início dessa crítica, com bastante facilidade esse filme dá sono.
Apesar de ter poucos personagens de destaque, Entebbe realmente não desenvolve bem personagem algum. Os atores principais, que podem ser considerados Daniel Brühl e Rosamund Pike, fazem um bom trabalho, mas, apesar disso, não sabemos quase nada de seus personagens. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Afinal, qual era a origem de Böse e de Kuhlmann. Sabemos que Kuhlmann se responsabiliza pela prisão – e posterior morte – de Ulrike Meinhof na prisão, mas não sabemos muito mais do que isso da personagem.
Presumimos, com a cena em que Brigitte Kuhlmann fala da morte de Ulrike Meinhof na prisão, que ela fazia parte do grupo Baader Meinhof – ou RAF (Fração do Exército Vermelho) – e que planejava, com aquele sequestro do avião francês com dezenas de israelenses à bordo, resgatar parte do grupo que estava preso. O mesmo presumimos de Böse, mas tudo não passa de suposições. Afinal, Entebbe realmente nos fala pouco destes personagens. E o mesmo a respeito dos outros sequestradores.
Assim, Entebbe deixa tudo muito sugerido e pouco realmente claro. Ao menos envolvendo os sequestradores. Porque a respeito de Israel e de seus líderes, claramente Entebbe praticamente lhes rende uma homenagem. Em partes, ao menos. Claramente percebemos uma postura, por parte de Shimon Peres (Eddie Marsan), de não ceder aos sequestradores sob circunstância alguma. O primeiro ministro Yitzhak Rabin (Lior Ashkenazi), por sua vez, parece ter muito mais dúvidas do que certezas.
Se algo esse filme tem de interessante, é mostrar como as preocupações políticas de algumas lideranças – ou seria de todas? – está acima de vidas humanas e de interesses maiores que não sejam os seus próprios projetos de poder. Peres parece estar sempre preocupado com o “custo político” das ações que o governo israelense pode tomar. Claramente ele é um sujeito ambicioso e combativo, que acredita piamente na filosofia “nós contra eles”.
Enquanto isso, Rabin parece ser um sujeito muito mais ponderado e pacifista. Ele percebe, já na segunda metade dos anos 1970, que não adianta Israel sempre optar pelo combate e pelo enfrentamento. Em algum momento, o país deverá ceder e dialogar, chegar a um acordo – e, para isso, abrir mão de algo, seja de um pouco de poder, seja de um pouco do território. Naquele momento já existiam questões que seguem válidas mais de 40 anos depois – infelizmente.
Para resumir, se temos algo de interessante nesse filme, é justamente esse bastidor político e de jogo de poder. Vemos a dois personagens importantes da história – Peres e Rabin – em momentos de debate e de decisão. Essa é a parte que faz esse filme valer o tempo gasto. O restante, o sequestro e o resgate dos reféns, em si, são desenvolvidos de maneira simplória e um tanto desorganizada.
No fundo, pelo que o filme nos conta, não nos aprofundamos na história e na motivação dos sequestradores e nem nos aprofundamos na história e nas intenções dos outros envolvidos naquela situação. A parte melhor desenvolvida, digamos assim, é a dos personagens de Israel. Sobre o ditador Idi Amin (Nonso Anozie) sabemos pouco. Apenas, por exemplo, que ele é uma pessoa dúbia e com motivações não muito claras – parece que ele faz um jogo duplo.
Um problema de Entebbe, a meu ver, é que ele é uma produção muito “chapa branca”. Ou seja, basicamente, o roteiro de Gregory Burke assume a versão dos fatos de Israel. Eles são os heróis, no fim das contas – ainda que a direção do brasileiro José Padilha mostre que a operação “heroica” de resgate dos reféns foi mais atabalhoada e desastrada do que a história oficial costuma mostrar.
Enfim, aquele foi um episódio importante para Israel e para os palestinos, mas pareceu mais que o sequestro do avião teve a ver com interesses paralelos ao interesse palestino – como o dos apoiadores da RAF, por exemplo, e de outras pessoas que tem a motivação pouco clara no filme, como o líder do núcleo de terroristas e que negocia diretamente com o ditador de Uganda. Afinal, qual era a real motivação daquele cidadão? O filme não deixa isso claro.
Para resumir, Entebbe fraqueja mais por tudo que ele não mostra e não explica do que se sustenta por aquilo que apresenta. As diversas cenas que buscam apresentar a tensão do sequestro acabam sendo bastante repetitivas, e alguns personagens não dizem ao que vieram. Falta contextualização e falta um roteiro que apresente uma versão dos fatos mais crítica e um pouco menos “chapa branca”.
Um exemplo de parte do roteiro que não convence é quando Böse insisti dizendo que nem ele e nem Brigitte Kuhlmann eram nazistas (ou neonazistas). Que a motivação deles não era matar e/ou combater judeus. Certo. Nesse sentido, além de mostrar a “operação heroica” de Israel, Entebbe parece querer convencer a audiência de que a dupla alemã era inocente na história.
Aparentemente, segundo o roteiro, Böse e Brigitte estavam sequestrando um avião cheio de pessoas, inclusive judeus, achando que todos renderiam o resgate de “aliados” de seu movimento “libertário”. Ora, não sejamos inocentes. Eles sabiam que eram alemães e que no voo haveriam muitos judeus. Em que planeta o gesto de alemães ameaçando de morte judeus não faria lembrar a Segunda Guerra Mundial e o extermínio comandado por Hitler? Então o roteiro de Burke me pareceu um tanto estranho e um bocado “parcial”.
No fim das contas, achei esse filme bastante cansativo e pouco explicativo. Valeu por conferir a mais um trabalho do diretor José Padilha que, desta vez, nos entrega um resultado apenas “ok”. O ponto fraco do filme é realmente o roteiro. A ponto de mesmo os atores principais fazerem um trabalho mediano, mas sem realmente nos convencer do que eles estão fazendo.
Para mim, tudo muito mediano. Ou seja, um filme que está longe de ser fundamental. Há muitos outros no mercado bem mais interessantes. Agora, se você, como eu, gosta do diretor José Padilha e de alguns atores em cena, talvez vale a pena investir o seu tempo nesta produção. Mas sabendo que você não verá nada demais em cena.
NOTA: 6.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: Para quem ficou curioso sobre o grupo Baader Meinhof, recomendo duas leituras e conteúdos. O primeiro é o filme Der Baader Meinhof Komplex, comentado por aqui no blog. E o segundo material que eu recomendo é esse super resumo feito pela Deutsche Welle sobre a história da RAF. Vale aprofundar-se nesse contexto para entender melhor a “motivação” da dupla de alemães que fazem parte do sequestro mostrado em Entebbe.
Falando em contexto, como Entebbe não é muito preciso ou mesmo contextualiza muito bem a história do sequestro, os seus antecedentes e desdobramentos, pode ser interessante ler a alguns textos que relembram aqueles fatos. Vale consultar desde esse artigo da Wikipédia até essa matéria curta da revista IstoÉ, essa reportagem do Acervo de O Globo e essa outra matéria da Folha de S. Paulo.
Ainda bem que muito mudou em relação à aviação civil no mundo nas últimas décadas, não é mesmo? Evoluímos muito em questão de segurança, por exemplo. Nunca hoje um grupo de terroristas entraria com tanta facilidade em um avião com armas dentro das bolsas de mão. O filme também me fez lembrar o tempo em que era permitido fumar dentro dos voos – não que isso seja mostrado em Entebbe, mas esse tipo de falta de controle e de “noção” sobre riscos para o voo veio à minha mente ao ver o sequestro “fácil” do avião que é mostrado nessa produção.
O diretor José Padilha faz um bom trabalho, valorizando as cenas de ação e o trabalho dos atores, mas ele realmente não consegue entregar uma grande produção porque falta para isso um roteiro melhor. Achei o trabalho de Gregory Burke abaixo da média. Infelizmente.
Como o roteiro não ajuda os atores, eles fazem em cena o melhor que eles podem, mas sem nenhum grande destaque. Ainda assim, vale comentar o sempre competente trabalho de Daniel Brühl como Wilfried Böse; de Rosamund Pike como Brigitte Kuhlmann; de Eddier Marsan como Shimon Peres; de Lior Ashkenazi como Yitzhak Rabin; de Ben Schnetzer como Zeev Hirsch, um dos soldados que se destaca no resgate dos reféns; de Nonso Anozie como o ditador de Uganda, Idi Amin; de Mark Ivanir como o general israelense Motta Gur; de Juan Pablo Raba como Juan Pablo, um personagem muito deslocado e mal desenvolvido mas que seria o namorado de Brigitte que pula fora da operação antes dela começar; Denis Ménochet como Jacques Le Moine, o engenheiro da aeronave que se destaca entre os representantes da tripulação do voo; e Angel Bonanni como Yonatan Netanyahu, comandante da operação de resgate.
Falando em roteiro bem mais ou menos, achei uma viagem a história de pelo menos dois personagens: Zeev Hirsch e Juan Pablo. O primeiro, a exemplo do personagem de Jacques Le Moine, “representante” da tripulação da aeronave sequestrada, parece ter sido destacado apenas para que o espectador se sinta mais “próximo” ou familiarizado com o grupo de militares israelenses. Zeev, assim como a sua namorada, aparecem um bocado na história sem ter, realmente, uma relevância grande para o que aconteceu. Eles, como tantos outros, tem a mesma “importância”, digamos assim. Então por que só eles foram destacados? O mesmo sobre o personagem de Juan Pablo, um bocado deslocado na história. Se ao invés de gastar tempo com esses personagens o roteirista tivesse contextualizado mais a situação do sequestro, certamente o filme seria melhor.
Filme arrastado e um bocado longo para o meu gosto. Para ter a entrega que teve, poderia ser um curta ou ter, pelo menos, uns 20 minutos de corte. Há muitas sobras nessa produção ao mesmo tempo em que falta uma contextualização para o filme funcionar melhor.
Entre os aspectos técnicos do filme, vale citar a trilha sonora de Rodrigo Amarante; a direção de fotografia de Lula Carvalho; a edição de Daniel Rezende; o design de produção de Kave Quinn; a direção de arte de Charlo Dalli; a decoração de set de Stella Fox; e os figurinos de Bina Daigeler.
Entebbe estreou em fevereiro de 2018 no Festival Internacional de Cinema de Berlim. Depois, o filme participou do Festival BCN. E nada mais. Em sua curta trajetória em eventos, ele não recebeu nenhum prêmio ou indicação.
Os usuários do site IMDb deram a nota 5,7 para esta produção, enquanto que os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 58 críticas negativas e apenas 17 positivas para esta produção – o que lhe garante uma aprovação de 22% e uma nota média de 5,2. Realmente eu não tenho como discordar dos usuários do site IMDb ou dos críticos. O filme talvez mereça mesmo estar na faixa da nota 5.
No site Metacritic o filme registrou metascore 49, resultado de 6 críticas positivas, 19 críticas medianas e 2 negativas. Acho até que o site foi “bonzinho” com essa produção – especialmente se comparamos com outros metascores. Segundo o site Box Office Mojo, Entebbe faturou US$ 3,2 milhões nas bilheterias dos Estados Unidos e quase US$ 3 milhões nas bilheterias dos outros países em que estreou. Ou seja, o filme teria feito quase US$ 6,2 milhões. É pouco para Hollywood, mas como não há informações sobre o custo da produção, fica difícil de saber o tamanho do “prejuízo” do filme para os produtores.
Talvez você esteja se perguntando porque eu assisti a esse filme se ele tinha tão pouca aprovação nos sites que eu sempre consulto. Olha, sou franca em dizer que eu resolvi encarar essa produção, basicamente, por duas razões. A primeira, porque eu queria ver ao novo filme do diretor José Padilha. Eu gosto do diretor brasileiro – acho um dos melhores da sua geração. Depois, porque esse filme ainda estava em cartaz no cinema no feriado de 1º de maio e eu resolvi aproveitar ao máximo a minha carteirinha do cinema – incentivo importante do Beiramar Shopping de Florianópolis para pessoas como eu, que ajudam a difundir os bons (ou nem tão bons) filmes que estão em cartaz.
Dito isso, sim, estou em uma fase no estilo “ver o que está passando nos cinemas”. Mas, em breve, quero resgatar os comentários sobre filmes clássicos e/ou históricos que estão fazendo aniversário nesse ano e também ver a outros filmes mais alternativos e que nem sempre passam nos cinemas comerciais. Em breve, meus caros, vou conseguir equilibrar esses três perfis novamente aqui no blog.
Espero que o José Padilha tenha mais sorte em sua próxima produção em Hollywood. Espero que ele conte com um roteiro melhor para trabalhar – ou que ele próprio consiga emplacar um roteiro por lá. Do contrário, ele pode apenas queimar o próprio filme ou cair na “vala comum” de tantos diretores que não emplacaram naquele super competitivo mercado de realizadores.
Entebbe é uma coprodução do Reino Unido com os Estados Unidos. Por ser tão “chapa branca”, até achei que poderia ter grana de Israel no meio. Mas não.
CONCLUSÃO: Entebbe trata de uma história real para nos ensinar como o idealismo muitas vezes sofre com o pouco contato com a realidade. Ao mesmo tempo que é verdade que não é justo o que Israel historicamente faz com os palestinos, também é verdade que não adianta atacar civis israelenses que não tem nada a ver com isso para tornar a balança “mais justa”. Atacar civis nunca pode ser considerado algo correto.
Bem filmado, mas com um roteiro bastante enfadonho, Entebbe sofre com um ritmo lento e uma história por si só pouco interessante para um longa. Poderia render um belo curta ou, talvez, ficaria melhor em um formato de até 1h30. Mais que isso, é exigir demais do espectador. Apenas mediano, e ainda sendo generosa na avaliação.