Um filme “diferentão” que trata sobre o conceito de família, de paternidade e sobre pertencimento. Adianto que não será fácil gostar deste filme. Não apenas porque Lamb apresenta uma história bem fora do padrão, mas porque ele tem um ritmo e um desenvolvimento um bocado desafiadores. Tranquilamente o filme poderia ter 30 minutos menos – talvez isso ajudasse o espectador. Mas, tendo a duração que ele tem e o desenvolvimento lento proposto, Lamb é um desafio. Vale ser assistido? Se você já zerou a sua lista de filmes melhores, até sim.
A HISTÓRIA
Diversos cavalos caminham em meio ao que parece ser uma tempestade de neve. Eles andam solitários. Corta. Dentro de um local fechado, várias ovelhas e alguns carneiros estão protegidos do frio e da neve. Eles parecem estar esperando. Até que uma passagem é aberta e alguns animais passam. Mas não vão longe. Um animal grande entra e cai no chão. Na rádio, uma voz deseja Feliz Natal e entoa a oração da noite. Diversos animais ficam parados frente a uma porta, mas não saem. Corta.
Maria (Noomi Rapace) olha pela janela enquanto serve a carne. Começa o Capítulo 1. Enquanto Maria trabalha com o trator da família, Ingvar (Hilmir Snær Guðnason) vê o trabalho dela de longe e caminha para o celeiro. Ele limpa o resto de comida e oferece um novo trato para as ovelhas criadas pelo casal. Esta é a rotina de trabalho de Maria e Ingvar, até que um nascimento inesperado acontece.
VOLTANDO À CRÍTICA
(SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes desta produção, então recomendo que só continue a ler esse tópico quem já assistiu a Lamb): Olha, logo que terminei de assistir a esse filme, minha ideia inicial era dar a nota 5 – e olha lá – e indicar que quem aprecia o próprio tempo passasse longe desta produção. Afinal, com o tempo limitado que temos hoje em dia, para que gastar com um filme mediano – na melhor das hipóteses?
Mas, como aconteceu já com outros filmes que comentei por aqui, conforme o tempo foi passando – assisti à Lamb ontem – e fui pensando sobre o que eu vi, até que eu achei alguns significados e pontos de interesse nessa produção. Algo que, francamente, achei que não iria encontrar. Mas o filme tem sim o seus questionamentos interessantes.
Antes de falar deles, contudo, preciso falar sobre o que eu achei do filme logo que terminei de assisti-lo. Pensei: para que 1 hora e 46 minutos de filme? Tranquilamente esse filme poderia ter 1h30 ou até um pouco menos. Também para que tanta enrolação em alguns momentos, para que tanta “lenga-lenga” para fazer a história avançar? E por que não investir mais no suspense e até no terror?
Enfim, acho que o diretor e roteirista Valdimar Jóhannsson, que escreveu Lamb junto com Sjón, procurou investir demais na relação entre o casal Maria e Ingvar e no cotidiano deles antes e após o surgimento do novo integrante da “família”, com muitas repetições de cenas, de sequências e da essência de algumas mensagens, no lugar de investir no que cercava aquele casal e que estava escondido aos olhos deles – e dos espectadores.
Bem, por boa parte do filme, senti o peso da narrativa lenta da produção. Isso, como já deixei claro aqui em outras críticas, nunca é problema. A narrativa lenta em si não é um problema se ela casa bem com a proposta da produção. Mas será mesmo que todo o tom “onírico”, algumas vezes de “pesadelo” desta produção, assim como sua narrativa lenta e que foca por demais no cotidiano de um casal de um lugar rural ermo e isolado casa bem com o que esta produção deseja instigar e/ou fazer refletir?
Particularmente, acho que há um descompasso entre o ritmo da narrativa e a sua condução pensando no “conjunto da obra”. Temos muito “do mesmo” naquele cotidiano pacato do casal e, até depois, quando aparece em cena o irmão do protagonista, Pétur (Björn Hlynur Haraldsson), que não realmente agrega para o filme. Tranquilamente poderíamos ter meia hora a menos de produção – ou 20 minutos, vamos lá!
Ou seja, para início de conversa, achei esta produção longa e arrastada demais, sem que esta narrativa lenta realmente ajudasse na história. Depois, vamos convir que a história em si é um bocado absurda e incomoda em diversos sentidos. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme, porque a partir de agora eu vou “estragar” o ponto-central e a “surpresa” da produção). Não vou negar que se apenas tivesse nascido uma ovelha meio animal e meio humana, tudo certo. Isso acontece – ou pode acontecer, seja de forma prática, seja de forma “lírica”/pela imaginação.
Mas me incomodou muito como, desde o princípio, Maria e Ingvar trataram a nova integrante do lar deles como a filha de Ingvar. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Isso ficou evidente pela forma como trataram a “menina” desde o início, pelo olhar amoroso de ambos – especialmente de Ingvar – e, posteriormente, por falas do casal. Assim, sendo, devo admitir, me incomodou pensar que para ser filha dele ela teria que ter sido fruto de zoofilia, certo?
Vocês podem dizer que isso é coisa da minha cabeça. Que não é possível, que não existe. Mas hora, se estamos vendo um ser que é meio criança e meio bicho na nossa frente, primeiro pensamento e conclusão que temos é que ele foi o cruzamento de duas espécies. Maria, que perdeu uma filha de mesmo nome – e que está enterrada no cemitério da propriedade -, adota a nova versão da Ada, mas está na cara dela, desde o início, que ela é mãe adotiva. Mas Ingvar realmente se sente pai da menina – ou nos faz crer nisso. Assim sendo, me incomoda ver aquela criatura por imaginar que a pobre mãe dela realmente foi estuprada pelo dono da fazenda.
Sim, esse é o meu lado racional falando alto. Como sempre. Não que eu não seja capaz de apreciar filmes de fantasia ou que mergulham no “onírico”, mas quando um filme como Lamb deixa essa origem tão dúbia, ou até sugere que houve uma “cruza” ali não consentida, isso me incomodou do início ao fim. Claro que isso mudou um pouco com o final – vou falar sobre isso depois.
Bem, então temos uma criatura meio humana, meio animal, que é adotada pelo casal que estava em um relacionamento morno – para não dizer frio – e que já tinha um histórico de perda de filha(os) – não sabemos ao certo se tinham perdido a uma ou a mais de uma criança. A origem dela é incerta, mas a parte inicial do filme nos leva a crer que ela pode ser fruto de zoofilia – o que, ao menos para mim, me incomodou bastante.
Então temos uma parte importante da narrativa que gira em torno de uma rotina repetitiva e um tanto fria envolvendo um casal e a nova luz, as novas cores e a nova sensação de alegria que a chegada de uma nova criatura faz naquele cenário para eles. Até aí, nada demais, além da esquisitice em si do nascimento de um ser tão diferente e tão prontamente aceito pelo casal – que nem se questiona como ela vai viver no mundo?
Mas isso muda quando o irmão do protagonista chega em cena. Para mim, Pétur um pouco que nos representa. Ele chega naquele cenário, despachado pelos colegas após ter aprontado algo, possivelmente, presenciando uma morte brutal. Ele guarda essa carta na manga até um momento decisivo da produção. Pétur nos representa porque, diferente de Maria e de Ingvar, ele não vê Ada como uma menina, mas como uma criatura bizarra.
Neste ponto, entramos no primeiro dos questionamentos de Lamb. Nós estamos, enquanto indivíduos, e nossas sociedades estão, enquanto coletivos, preparados para receber bem aqueles que são diferentes? No aspecto que for, com a origem que for? Por muito tempo, em diversas sociedades e culturas, o antropomorfismo (como bem explica este texto introdutório sobre o assunto) foi uma prática recorrente.
Mas será mesmo que, além das lendas, fantasias, da arte (especialmente da literatura) e de algumas crenças e religiões, as pessoas estariam preparadas para o nascimento de seres meio humanos e meio animais? Acho que não. Mas a interpretação disso varia muito, claro, conforme a sociedade e a sua base cultural – falarei mais sobre isso mais abaixo. Certamente alguns iriam adorar estes seres como deuses – ou semi-deuses – enquanto outros iriam persegui-los e querer eliminá-los por considerá-los demoníacos.
Particularmente, a exemplo de Pétur, inicialmente eu tive a reação de “WTF?” ao ver Ada pela primeira vez. O estranhamento é inevitável. Mas, claro, diferente de outros casos reais de filhotes que nasceram deformados, para os propósitos deste filme, Ada não é um ser deformado e sim um híbrido perfeito – e até certo ponto graciosos – entre ovelha e humano.
Isso faz com que Pétur, que não tem o apego de pai ou de “mãe adotiva”, inicialmente trate ela como um filhote de ovelha, até pense em acabar com ela mas, no fim, acaba não tendo coragem para isso. Não porque ele ache que ela possa ser feliz ou porque ela terá espaço no mundo em que vivemos, mas porque ele acaba respeitando a vontade de Maria e Ingvar e até tendo um certo “apreço” pela “sobrinha”.
Mas o que o filme quer dizer com um personagem como Pétur? Ele simboliza o mundo que está para além daquela propriedade rural. Ele não apenas é a tentação de Maria, um elemento que pode colocar em risco aquele casamento, mas, principalmente, ele é a visão do mundo para um ser tão diferente quanto o filho de uma ovelha com metade do corpo humano.
Ada seria aceita fora daquela propriedade? Dificilmente. Mas, como eu disse, isso dependeria muito do contexto social onde o fato ocorresse. Em alguns lugares, como na Índia, onde alguns animais são considerados sagrados – entre outros, a vaca, o macaco e a serpente -, talvez Ada fosse adorada como um milagre e até uma espécie de “divindade”. Mas na maior parte dos outros lugares, acredito, ela seria vista como uma aberração.
Então aí esta o primeiro ponto de reflexão de Lamb. Que visão sobre Ada estaria correta? Existe um meio-termo entre considerá-la uma aberração ou um milagre/uma divindade? Há quem possa considerá-la um híbrido, fruto do cruze de duas espécies, ou o fruto de uma deformação causada por alguma doença. A interpretação é múltipla, mas o que Lamb faz refletir é sobre o que poderíamos fazer com ela.
Tratá-la como um humano, sendo que ela não é apenas humana? Tratá-la como um animal, sendo que ela não é apenas um animal? Ou o ideal seria tratá-la pelo que ela é, um híbrido, um antropomorfismo? (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). O final violento de Lamb nos faz refletir ainda mais sobre isso. Afinal, será que Ada não era filha de uma relação de Ingvar com a ovelha e sim fruto de um outro tipo de relação? Ou será que o novo pai adotivo dela também foi fruto de zoofilia? Nunca vamos saber, até porque Lamb é um misto de fantasia com suspense e leve terror.
Mas o final do filme abre diversas possibilidades de interpretações. Da minha parte, cheguei a uma bem específica – e entendo se não concordarem comigo. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Por ser um ser mais velho, acredito que o novo pai adotivo de Ada poderia tento ser filho de um outro nascimento misterioso ocorrido na região como poderia ser o pai real da criatura. No segundo caso, Ingvar seria, como Maria, apenas pai adotivo de Ada.
Seguindo esta linha de interpretação, Lamb ganha outras matizes. O filme questiona a questão da família e da paternidade. Maria e Ingvar tinham o direito de assumir Ada como a filha deles, sendo que a natureza dela era outra e ela merecia ser criada por seus iguais? Eles interpretaram sozinhos que ela seria um “milagre”, um “recomeço” para a relação deles sob a perspectiva de Maria. Mas será que não poderiam ter procurado ao menos uma outra explicação para o seu nascimento?
Além disso, Maria age de forma bastante egoísta. Ela realmente achou que não chegaria o dia em que Ada tomaria consciência de si mesma e que gostaria de saber sobre a própria origem? Daí você pode se perguntar: “ok, mas Ada, por ter cabeça de ovelha, não teria o cérebro de uma ovelha? Assim sendo, ela poderia ter autoconsciência?”. Por muito tempo, como vocês sabem, o ser humano defendeu que apenas ele teria autoconsciência.
Hoje sabemos que isso não é bem assim. Aliás, quanto mais a ciência avança em tentar entender os animais e as plantas, mais sabemos que eles tem inteligência em diferentes níveis e sentimentos. Então Ada, mesmo com cérebro de uma ovelha, teria a inteligência desta espécie – e não de um humano.
Estudos já mostraram (deixo referências por aqui depois) que as ovelhas são ótimas em reconhecimento facial. Por isso não é uma bobagem a cena em que Ada se vê no espelho e que se percebe parecida com as ovelhas da fazenda e não com os “pais” adotivos – ao menos, em parte. Assim, e o final do filme traz estes elementos de forma rápida, temos em Lamb o cenário perfeito para Ada perceber que faz e ao mesmo tempo não faz parte daquela realidade em que ela está inserida.
Ela pode usar roupas de uma criança, de uma Ada que morreu, mas ela não é uma criança 100% – assim como não é uma ovelha. Mesmo sem externar isso, Pétur questiona este ponto – como quem assiste a Lamb. Qual será o lugar no mundo para Ada? Ela será aceita na sociedade e conseguirá se virar sem Maria e Ingvar no futuro? Ela deveria ser tratada como uma espécie sendo que ela não é totalmente aquilo que desejam que ela seja? Ela é totalmente aceita e compreendida pelos pais adotivos?
Lamb, para mim, lança essa série de questionamentos sobre família, aceitação do diferente, compreensão sobre fenômenos anormais que podem ocorrer e respeito pela vida, não importa de qual espécie. Até Ada nascer, Maria e Ingvar pareciam ter grande respeito por todos os animais e pela vida em geral que os cercava. Mas isso muda quando Maria atira para matar. A violência entra naquele cenário porque a posse entra em cena no lugar da aceitação.
O troco chega no final do filme. Inclusive porque, a meu ver, entra em cena também o questionamento da paternidade daquele ser. Talvez a interpretação inicial que eu tive sobre Ingvar se considerar tão o pai de Ada estivesse errada e ela fosse filha de quem vai resgatá-la no final. Não sabemos para onde eles foram mas, certamente, ela estava indo para um cenário no qual ela se sentiria muito mais integrada e familiarizada.
De certa forma, tivemos um final feliz. Pelo menos para parte dos seres desta história. A outra parte pagou com morte e sofrimento por uma interpretação sobre um fenômeno que ignorou as possibilidades e a interpretação científica e que se jogou em uma interpretação quase religiosa – afinal, o que pode ser chamado de “milagre”? Quando as pessoas se perdem preenchendo de forma superficial o vazio que algumas perdas deixaram, o resultado nunca pode ser positivo.
Lamb reflete sobre tudo isso de uma forma um tanto enviesada, longa demais e “maluca”. O filme provoca muita estranheza, não há dúvidas sobre isso. Mas, no final, ele acaba nos lançando alguns questionamentos interessantes. Pena que o desenvolvimento da produção tenha deixado um pouco a desejar. Alguns cortes aqui e ali teriam deixado o filme melhor.
NOTA
6.
OBS DE PÉ DE PÁGINA
Quem acompanha o blog há algum tempo sabe que eu não sou muito “afeita” a filmes de fantasia ou que saem muito da realidade. Gosto até de filmes com alegorias e que fantasiam nossa realidade, que a maximizam, por exemplo, mas um filme que saia muito do “esquadro” não costuma me agradar. Não tenho problemas, a priori, com filmes muito lentos, desde que eles façam sentido dentro de um certo contexto. Agora, quando eles parecem lentos demais, presunçosos ou muito fantasiosos, costumo não gostar, admito. Este é um pouco o caso deste Lamb.
O cenário deste filme é um dos seus diferenciais. Local lindo onde o casal de protagonistas mora. Apesar da paisagem ser fantástica, podemos imaginar o que significa viver em local tão ermo e isolado. Os dias passam lentos por lá, sem muita perspectiva de alterações além daquelas trazidas pela mudança das estações. Aparentemente, o casal vive em sintonia com a natureza, até que o nascimento de Ada muda essa realidade.
Esse filme me fez pesquisar sobre alguns temas. Como sobre o antropomorfismo. Para quem ficou interessado no assunto, sugiro este texto introdutório de Antonio Gasparetto Junior reproduzido pelo site InfoEscola.
Depois, eu quis saber sobre nascimentos “estranhos” de animais que lembram e/ou mesclam aspectos animais com humanos. Encontrei alguns textos a respeito. O primeiro que eu indico é este publicado pelo BOL. Depois, achei interessante esse conteúdo da Revista Galileu sobre um híbrido entre ovelha e humano desenvolvido por cientistas – ainda como experimento e visando o desenvolvimento de órgãos humanos com a ajuda das ovelhas.
Sobre animais considerados sagrados por alguns povos, civilizações e sociedades, achei interessante esse conteúdo produzido pelo Diário do Estado.
A questão da inteligência das ovelhas é explorada por diversos textos. Vou deixar como sugestões de leituras por aqui este conteúdo da Superinteressante, este material do site Meus Animais e este texto do site Incrível que trata sobre estudos envolvendo diversos animais.
A Islândia é um país considerado mágico por muitas pessoas. Por todo o seu contexto histórico e suas características geográficas, assim como pelos fenômenos naturais que podem ser observados lá – do gelo e dos vulcões até a aurora boreal. Achei dois textos bem interessantes para quem quer saber mais sobre a Islândia.
Este do site Venturas que traz, entre outras curiosidades, a informação interessante que a Islândia tem “duas vezes mais ovelhas do que humanos em seu território”; e este outro do site Freeway que trata, entre outros aspectos, sobre a colonização do país e sobre as crenças mitológicas que são preservadas por lá – estes dois fatos tornam os “bastidores” de Lamb ainda mais interessantes no contexto daquele país e de seus realizadores.
Não será nenhum crime você quase morrer de tédio ao assistir Lamb. Admito que por um bom tempo eu sofri com aquela narrativa lenta, previsível e redundante. Como comentei acima, acho que parte do arco poderia ser resumido, até porque já tínhamos entendido bem a mensagem do tédio e das relações entre os três personagens centrais – o casal e o irmão do protagonista. Não era preciso taaaanta enrolação para contar essa história.
Falando na história envolvendo os três, vamos combinar que até o ponto de “tensão” trazido por Pétur era um bocado previsível? (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). A parte interessante da participação dele na história é a visão “de fora” que ele traz para o caso de Ada. A reação dele seria a de qualquer pessoa fora aquele casal aparentemente eternamente enlutado. Mas ele dar em cima da cunhada, em uma aparente busca por reatar um caso antigo… uma tensão um bocado superficial e um tanto estranha para a narrativa. Não serve muito para a história, a não ser como pretexto para Maria logo despachar o irmão do marido do local.
Os atores fazem um bom trabalho, mas não achei nenhum deles acima da média. Noomi Rapace, como Maria, talvez tenha um pouco mais de complexidade para apresentar. Mas o trabalho dos demais… achei apenas regulares, satisfatórios. Ao menos os realizadores acertam em nos apresentar uma história com poucos personagens.
Assim, além de Noomi Rapace, basicamente vemos em cena as atuações de Hilmir Snær Guðnason como Ingvar, um cara que me deu nos nervos boa parte do filme pelas razões da primeira leitura que eu tive sobre o surgimento de Ada; e Björn Hlynur Haraldsson como Pétur, irmão do protagonista e elemento de reflexão, de “tentação” e de “perigo” que surge na trama antes do desfecho da produção.
A personagem de Ada, a outra que tem certa relevância na história, foi criada por computação gráfica. A “voz” dela é uma interpretação de Lára Björk Hall.
Entre os aspectos técnicos da produção, achei boa a direção de Valdimar Jóhannsson. Ele valoriza bem o trabalho dos atores, a paisagem e cada elemento que faz parte da vida dos personagens na fazenda. Claro que a fazenda e o seu entorno são como personagens desta história. Por isso a forma como ele enfoca a natureza, os animais e as pessoas naquele cenário, destacando suas relações e interações, faz muito sentido para o filme. É um trabalho bem feito. Só acho que o roteiro escrito por ele, junto com Sjón, deixa a desejar – especialmente pelo desenvolvimento da história, pela repetição de recursos e por terem apostado pouco no suspense/terror.
Ainda sobre os aspectos técnicos da produção, destaque para a direção de fotografia de Eli Arenson, um ponto forte do filme; para a trilha sonora pontual, clássica e envolvente de Þórarinn Guðnason; e para a edição de Agnieszka Glinska. Vale citar, ainda, o design de produção de Snorri Freyr Hilmarsson; os figurinos de Margrét Einarsdóttir; e o trabalho dos 34 profissionais envolvidos nos Efeitos Visuais da produção – um elemento fundamental para o filme também.
Lamb estreou em julho de 2021 na mostra Un Certain Regard do Festival de Cinema de Cannes. Até o início de fevereiro de 2022, o filme deve participar de outros 27 festivais de diferentes estilos em distintos países. Em sua trajetória até aqui, Lamb ganhou nove prêmios e foi indicado a outros 23. Entre os prêmios que recebeu, destaque para o Prêmio de Originalidade da mostra Un Certain Regard (Um Certo Olhar) no Festival de Cinema de Cannes; e os prêmios de Melhor Atriz para Noomi Rapace, Prêmio Cidadão Kane para Melhor Diretor Revelação para Valdimar Jóhannsson e Melhor Filme no Sitges – Festival Internacional de Cinema da Catalunha.
Lamb também ganhou destaque por figurar na lista dos cinco melhores filmes em “língua estrangeira” segundo a escolha da National Board of Review. Os cinco filmes escolhidos foram: Lamb, Benedetta, Lingui, Titane e Verdens Verste Menneske.
Agora, vale citar algumas curiosidades sobre Lamb. Esse filme entrou para a história como a maior bilheteria de um filme feito na Islândia no mercado dos Estados Unidos. Ele fez pouco mais de US$ 1 milhão nas bilheterias no final de semana de estreia, mesmo concorrendo com produções como o novo filme da franquia 007. Curioso como ele se tornou “popular”, não?
Escrevendo sobre Lamb e refletindo sobre o sucesso dele, pensei em outra questão que o filme aborda. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Lamb trata de forma franca sobre a necessidade dos protagonistas em serem pais. Maria, em especial, encara a maternidade de frente. Não importa qual é a origem de Ada ou como as pessoas externas da fazenda podem olhar para a “filha”. Ela deseja tanto ser mãe que aceita a “filha” como ela é, mesmo sendo um híbrido de ovelha com humano que ninguém sabe como irá se desenvolver ou do que realmente ela precisa. Ingvar embarca da mesma forma na adoção, mas sem a entrega que uma mãe tem. O desespero do casal para terem um filho chama a atenção e nos faz pensar se não existem crianças para adoção na Islândia…
Os usuários do site IMDb deram a nota 6,3 para esta produção, enquanto que os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 142 críticas positivas e 23 negativas para a produção – o que lhe garante uma aprovação de 86% e uma nota média de 7,1. Realmente, esse filme foi visto bem mais vezes do que outras produções que estão na disputa por um Oscar. O site Metacritic apresenta um “metascore” 68 para o filme, fruto de 23 críticas positivas e 10 mistas.
Segundo o site Box Office Mojo, depois de arrecadar pouco mais de US$ 1 milhão no final de semana de estreia nos Estados Unidos, Lamb chegou a marca de US$ 2,7 milhões nas bilheterias do país.
Lamb marca a estreia de Valdimar Jóhannsson na direção de longas-metragens. Antes, o conhecido assistente de câmera e responsável pela parte elétrica de diversas produções, incluindo The Tomorrow War e Oblivion, havia apenas dirigido um curta-metragem, chamado Harmsaga, em 2008.
Esse filme representa a Islândia no Oscar 2022 na categoria Melhor Filme Internacional. Além da Islândia, participam desta produção os países Polônia e Suécia. Ou seja, esta é uma produção 100% europeia.
Estava refletindo aqui sobre alguns cartazes do filme – algumas vezes eles tem muito a nos dizer sobre a intenção dos realizadores. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Muitos deles utilizam as palavras “Mother” e “Nature”, ou seja, “Mãe” e “Natureza”. Seria uma alusão à “mãe Natureza” e sua capacidade de sempre evoluir, algo um tanto darwiniano? Outros cartazes remetem Maria à posição da Virgem Maria. Mas essa última referência não faz muito sentido, exceto pela questão da maternidade, já que Maria não gerou Ada. Ou teríamos aí uma versão “moderna” de Maria, que não iria gerar e sim apenas adotar o “milagre”? Os cartazes mais nos fazem viajar nos sentidos que o filme pode ter, segundo o gosto e o desejo do público, do que nos ajudam a realmente entender o que os realizadores quiseram com a produção.
Falando sobre a intenção dos realizadores, busquei algumas entrevistas com Valdimar Jóhannsson e gostaria de citar duas por aqui. A primeira é esta, dada para o site Roger Ebert, na qual ele aceita que as pessoas classifiquem o filme como terror, apesar de não concordar com essa classificação – para ele, Lamb se encaixa mais como Drama. O diretor e roteirista também comenta sobre a escolha de fazer um filme com poucos diálogos, para deixar a sua obra o mais aberto possível para interpretações.
Depois de Jóhannsson perguntar para o entrevistador se ele considerava Lamb um filme de terror, ele comenta qual era a proposta do roteiro desde o início. Segundo ele, a Natureza é, de fato, “quase como um personagem” na história, porque na Islândia as pessoas são muito “vulneráveis” contra a Natureza “hostil” do país. Ele afirma que muitas histórias surgem dessa “Natureza estranha” do país e que eles também buscaram inspiração em histórias e contos populares antigos do país.
A segunda entrevista que quero sugerir para vocês é esta dada para o site Deadline. A entrevista com o diretor e a atriz Noomi Rapace está em vídeo, mas o texto da publicação destaca algumas falas da atriz. Para ela, Lamb é “uma história bastante universal. Ela lida com paternidade, perda, cura. Humanos versus Natureza e até onde estamos dispostos a ir. Quanto já tomamos e quando a Natureza nos atacará?”.
CONCLUSÃO
Um destes filmes que quer surpreender e ser maior do que é, mas sem conseguir o intento. Lamb procura nos apresentar uma história bem diferenciada, inspirada talvez em lendas de seu país de origem, revisitando e atualizando estas histórias para nosso tempo, mas sem realmente convencer. Talvez se o filme fosse mais curto, nos ajudaria a ter uma impressão melhor. Mas ele acaba sendo longo e arrastado demais, com um desenvolvimento que deixa a desejar. Os atores são bons, mas a história em si se mostra apenas regular – ou ruim mesmo, sob alguns critérios. Nem preciso terminar a lista do Oscar para saber que há filmes melhores.
PALPITES PARA O OSCAR 2022
Francamente, não vejo nenhuma chance de Lamb avançar na disputa pela estatueta dourada de Melhor Filme Internacional no Oscar 2022. Claro, a produção tem alguma chance porque ela faz parte da lista curta (“short list”) dos 15 filmes que avançaram e buscam estar na lista dos 5 indicados nesta categoria. Mas, pela qualidade do que eu vi nesta produção e nas outras nesta temporada, não vejo como ele possa avançar.
Como comentei bem antes, Lamb é um filme que tem alguns questionamentos interessantes, mas que deixa a desejar na condução da história e na dinâmica da produção. Ao menos para o meu gosto. Assim, e levando em conta as outras duas produções desta temporada que eu já assisti – nenhuma delas ainda entre as favoritas deste ano -, não vejo esta produção com chances de avançar.
Quem acompanha o blog por aqui com frequência já sabe que este é o terceiro filme dos 15 que eu assisti para zerar a lista de candidatos na minha categoria preferida do Oscar. A minha preferência – e, inclusive, meu palpite sobre chances na premiação – segue da seguinte forma: Lunana (com crítica neste link) em primeiro lugar, seguido, muito depois, de Un Monde (comentado por aqui) e, bem atrás, possivelmente no final da lista (pensando na lista completa, diga-se), por este Lamb.
Mas, como comentei antes, os filmes com maiores chances ainda não assisti. Um deles, o representante da Alemanha, virá na sequência. Espero realmente ver uma grande produção, até para esquecer um pouco este Lamb. Se ele fosse só esquisito, mas bom, tudo certo. Mas nem isso…
3 respostas em “Lamb”
[…] dois que, a meu ver, correm por fora: Un Monde (com crítica neste link) e Lamb (comentado por aqui). Sigo assistindo aos demais para depois poder opinar com mais propriedade sobre esta […]
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[…] seguida, pelo fenômeno que se tornou entre o público e a crítica, viria Lamb (com crítica por aqui), com este È Stata La Mano di Dio correndo próximo. Em último lugar ficaria Un Monde (comentado […]
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[…] quanto outras pessoas acham pode surpreender e avançar. Falo do islandês Lamb (comentado por aqui). Mas, se fosse apostar em alguém neste momento, apostaria primeiro no filme alemão e, em segundo […]
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