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Navalny


Neste exato momento, crimes estão sendo praticados ou orquestrados por regimes autoritários em diversas partes do mundo. Inclusive, em algumas das maiores economias do planeta. Estamos em 2023, e isso parece incrível, mas o mundo convive ainda com regimes em que as pessoas são perseguidas, presas e mortas por não concordarem com os governos de seus países. Navalny é um filme potente sobre uma destas histórias. Uma produção que parece uma ficção, de tão envolvente e inacreditável, mas que, felizmente (ou infelizmente), é suco de realidade.

A HISTÓRIA

Começa com alguém dizendo que estão filmando. O diretor Daniel Roher pergunta para Alexei Navalny se eles podem continuar. Navalny, que está sentado em um banco alto, de frente para a câmera, diz que sim. Roher puxa um tema que eles conversaram naquela manhã. Ele comenta que Navalny pode odiar isso, mas pede que ele pense e responda, caso for morto, que mensagem ele quer deixar para o povo russo.

Navalny não está muito satisfeito e ironiza, dizendo que não vai falar sobre isso, porque, do contrário, parece que eles estão fazendo um filme sobre sua eventual morte. O entrevistado diz que está pronto para responder a essa pergunta, mas que seja em outro filme, em um segundo filme. Este que eles estão fazendo agora é como um thriller, e caso ele seja morto, daí sim eles podem fazer um filme chato em “homenagem” a ele. Bem, o diretor segue a recomendação do entrevistado, em partes, para fazer quase um thriller sobre o capítulo mais impressionante da vida de Navalny.

VOLTANDO À CRÍTICA

(SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu à Navalny): Acho impossível alguém assistir a esse filme e ficar impassível. Mesmo que você não tenha uma posição política muito favorável aos direitos básicos das pessoas, acho improvável que você assista a Navalny sem colocar-se ao menos por um minuto no lugar das pessoas que vemos em cena.

Uma das qualidades mais marcantes desta produção é a forma como o diretor Daniel Roher e os editores Maya Hawke e Lagdon Page construíram a narrativa. Isso faz toda a diferença para o efeito que Navalny tem em quem assiste ao filme. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme ainda). Não importa se você, como eu, tinha uma leve lembrança das notícias sobre o envenenamento de Alexei Navalny. Conforme esta produção vai se desenvolvendo, recordei daquela cena da retirada de Navalny do avião, assim como de algumas notícias que se seguiram e que mostraram a ida dele para a Alemanha e, depois, a denúncia sobre o envenenamento. Mas isso era tudo. Uma leve recordação de algumas notícias.

Talvez você, como eu, tenha esses “flashbacks” de notícias conforme assiste a Navalny. Ou, talvez, você não tenha visto aquelas notícias e não sabia nada sobre o protagonista do filme. Certamente esses dois perfis serão os mais comuns entre os espectadores brasileiros. Mas se você se interessa mais pelo que acontece na Rússia do que a média ou se você faz parte da plateia daquele país, certamente você saberia muito mais do que isso sobre Navalny. O interessante do trabalho de Roher é que pouco importa em qual destes perfis o público se encaixa. O filme vai trazer novidades e recortes interessantes para todos esses perfis.

Isso não é fácil de ser alcançado, temos que convir. Para além de apresentar novidades para diferentes audiências, Roher constrói o filme de uma maneira precisa para nos surpreender, fazer pensar e emocionar. Verdade que, para isso, ele conta com alguns recursos “batidos”, como contar com depoimentos da esposa e da filha de Navalny – achei curioso que ele não chegou a ouvir os outros filhos do advogado e líder político.

Um acerto do diretor foi não começar o filme com um compilado de notícias sobre seu protagonista. No início e durante todo o filme, ouvimos o que Navalny pensa e sente sobre diversos temas. Roher acerta ao iniciar a produção e finalizá-la com a mesma questão – entre um momento e o outro, tudo muda, porque passamos a entender a complexidade daquela história e o que ela representa para toda uma nação – e outros países que vivem a triste realidade de regimes totalitários.

O diretor acerta ao começar nos “tranquilizando” que Navalny sobreviveu ao envenenamento. Em seguida, sabemos que ele está se preparando para voltar para a Rússia, após ter melhorado na Alemanha. E aí vem a explicação sobre sua história e, mais do que isso, sobre a impressionante investigação jornalística que revelou as pessoas que participaram da tentativa de homicídio envolvendo o protagonista desta produção.

Uma coisa é sabermos dos rumores e das denúncias envolvendo regimes totalitários como o da Rússia. Sim, basta pesquisar em fontes seguras da internet ou acompanhar o noticiário com certa frequência para recordar de notícias sobre opositores do governo russo que foram mortos de maneira suspeita. Mas uma coisa é suspeitar, outra é ver na nossa frente uma investigação sobre um destes atentados revelar, tim-tim por tim-tim, como essas operações são feitas.

Impressionante. Depois de acompanharmos aquelas falas iniciais do protagonista e de acompanharmos um pouco de sua vida antes do atentado, vemos de perto o que aconteceu na fase seguinte. A esposa de Alexei, Yulia Navalnaya, foi uma peça fundamental nessa história. Se ela não tivesse insistido como insistiu e feito pressão para tirar o marido daquele hospital na Rússia, possivelmente ele teria morrido.

Eu lembrava, mas de forma muito superficial, sobre a retirada de Navalny da Rússia e da ida dele para a Alemanha. Sempre admirei a ex-primeira ministra alemã Angela Merkel, mas ela deu um show, mais uma vez, nessa situação. Além de apoiar rapidamente uma ação para salvar o advogado opositor a Vladimir Putin, Merkel e seu governo também confirmaram, após exames, que ele tinha sido envenenado.

Uma das partes mais impressionantes do filme, para mim, como jornalista, foi mergulhar e ver de perto o trabalho de Christo Grozev, jornalista que escreve para a Bellingcat com foco na Rússia e em temas como ameaças à segurança, operações clandestinas extraterritoriais e uso de informações como armas de guerra. Muito interessante a visão dele sobre o jornalismo na atualidade. Ele comenta que, antes, os jornalistas ouviam e acreditavam nas fontes (pessoas, indivíduos), mas que hoje não dá para confiar nas pessoas, apenas nos dados.

Até assistir a Navalny, eu nunca tinha visto tão bem o potencial impressionante que a compra de dados para o uso em investigações jornalísticas pode ter. Com certa “facilidade” – bem entre aspas, porque é fácil para quem entende do babado, como é o caso de Grozev -, o jornalista consegue as informações que precisa, cruza os dados, segue os fios e consegue identificar cada pessoa que teria feito parte da equipe por trás do envenenamento que tinha como objetivo matar Navalny.

Depois de acompanharmos o trabalho de Grozev, ele procura Navalny e sua equipe, com destaque para a “braço direito” do ativista, Maria Pevchikh, para propor que a investigação inicial dele fosse compartilhada com outros meios de comunicação e que o trabalho jornalístico conjunto fosse divulgado posteriormente. Navalny e sua equipe topam, e acompanhamos toda essa fase que antecede e que sucede a divulgação desta bomba jornalística.

Impressionante o trabalho de investigação jornalística e a postura de Navalny, sua equipe e família. A obstinação dele para sobreviver e, depois, para seguir defendendo o que acredita, é de tirar o chapéu. Muito interessante também ver quem o acompanhava antes e após o atentado. De fato, pelo que as imagens de Roher mostram, Navalny é um líder popular – só não sabemos se o mais popular, porque o diretor não chega a contextualizar ele em relação a outros opositores de Putin. Aliás, se tem algo que falta neste filme, é isso. Um pouco de contextualização.

Sim, a produção nos envolve, nos enreda, é muito eficiente na narrativa. Mas depois que o filme termina e que começamos a pensar em tudo que assistimos, sentimos falta de saber um pouco mais sobre outras mortes causadas pelo governo russo usando Novichok – o filme cita que houveram outros crimes, inclusive investigados por Grozev, mas quem foram as vítimas? Por que elas foram mortas? Para além disso, que outros opositores ao governo russo estão na ativa atualmente? Qual é a importância de Navalny neste cenário de oposição?

Acho que um pouco mais de informações e de contextualização seria importante e não tiraria o foco da história pessoal de Navalny – que, obviamente, é o foco do diretor. Depois de mergulharmos naquela trama envolvente que descobre a “equipe” por trás da tentativa de homicídio e a organização que Navalny, Grozev e os demais fazem para levar esta denúncia à público, temos outro momento impactante na produção.

(SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Não tem como ninguém ficar impassível com aquelas ligações de Navalny para alguns dos agentes do FSB (Serviço Federal de Segurança russo, equivalente ao FBI nos Estados Unidos) envolvidos em seu próprio envenenamento e tentativa de homicídio. No início, claro, as ligações parecem meio “anedóticas”. Afinal, ninguém vai falar nada comprometedor daquela forma. Mas quando eles mudam a estratégia e, principalmente, ligam para alguém que tinha menos chances de reconhecer a voz de Navalny, tudo muda. A confissão dele de como tudo foi feito é muito impactante.

Apenas por aquele crescer narrativo, o filme já vale nosso ingresso e, sem dúvida alguma, nosso tempo até ali. Mas a trama ainda segue. Navalny decide voltar para a Rússia. E então a tensão cresce. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Não tem como não pensarmos que, além de ser preso, talvez ele já esteja morto enquanto vemos a reta final da produção. E a sensação é péssima, de pensarmos que “compartilhamos” um pouco da intimidade, da visão de mundo e dos sonhos de alguém que foi morto por simplesmente defender um caminho diferente para seu país.

Depois de vermos os desdobramentos do que acontece com Navalny após ele retornar para seu país natal, pelo menos até o momento em que esta produção foi finalizada, Roher ainda tem uma cereja para colocar sobre o bolo. Sim, ele volta para aquela pergunta inicial. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Que mensagem Navalny quer deixar para os russos caso ele seja morto? Que pergunta dura. Definidora. A cereja do bolo e algo que me emocionou muito foi quando, após a resposta de Navalny em inglês, o diretor pede para ele responder em russo.

Quem já viveu fora do país, em um país estrangeiro em que não falam a sua língua natal, sabe a força daquela cena. Por mais que você se torne “fluente” em outro idioma ou, ao menos, sinta-se confortável ao falar outra língua, nunca é o mesmo. Então sei perfeitamente bem como para Navalny foi importante responder aquela questão em russo. Sim, igualmente ele fala para as pessoas não desistirem, mas nesta segunda resposta ele acrescenta muitas outras camadas. Entre outras, a força que as pessoas tem ao se unirem e defenderem o bem, o que é justo, exigirem um país melhor.

Por tudo isso, pela mensagem que Navalny deixa no final, por tratar de forma tão direta sobre absurdos que estão acontecendo, neste momento, na Rússia, na China, na Turquia e em diversos regimes autoritários pelo mundo, onde opositores são perseguidos, presos e mortos – ou apenas “desaparecem” sem maiores explicações, algo muito típico em ditaduras, como a que o Brasil viveu a partir de 1964 -, por abordar de forma didática e muito interessante a potência do jornalismo de dados e a importância da busca pela verdade em uma era tão cheia de mentiras, esta produção ganha todo o meu respeito e os meus aplausos. Um grande, grande filme!

NOTA

9,8.

OBS DE PÉ DE PÁGINA

Então, minha gente, chegamos ao grande dia… ou quase. Amanhã, domingo, vamos saber, afinal de contas, que filmes serão premiados no Oscar 2023. Como quem me acompanha há tempos aqui no blog sabe, eu não sou nenhuma “adoradora” do Oscar, mas acho a premiação mais importante de Hollywood uma vitrine interessante de filmes muito bons. Claro que, ano a ano, temos também filmes medianos ou até ruins na disputa. Neste ano, claro, não será diferente. Mas temos alguns filmes que valem muito o nosso tempo e o nosso dinheiro. Comentei alguns deles por aqui nos últimos meses.

Pois bem, com a crítica de Navalny, finalizo uma sequência de críticas relacionadas com o Oscar, tentando assistir a alguns dos principais concorrentes do ano antes da entrega da premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood que será feita neste domingo, dia 12 de março de 2023.

Os meus planos, depois de acompanhar a premiação amanhã e de comentar sobre cada entrega por aqui, como costumo fazer todos os anos, é assistir aos filmes premiados que eu ainda não vi – com algumas exceções, porque há filmes que eu quero ignorar propositalmente este ano – e depois avançar na lista das categorias Melhor Documentário, zerando os filmes indicados neste ano. Em seguida, verei alguns filmes que faltam nas categorias Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Roteiro Original e, claro, avançar aos poucos na lista dos filmes que foram indicados por seus países buscando uma vaga em Melhor Filme Internacional. E daí deu, bóra ver outros filmes que não tem nada a ver com o Oscar. 😉

Mas voltemos para o que interessa, que é o filme Navalny. Se você, como eu, ficou curioso(a) para saber o que aconteceu com Alexei Navalny depois do que vemos neste filme, vou comentar por aqui algumas notícias que eu achei sobre o caso dele.

Segundo esta matéria publicada pela CNN, tendo como fonte a Reuters, Navalny foi condenado no dia 22 de março de 2022 a nove anos de prisão por um tribunal russo pelos “crimes” de fraude e desacato. Ainda conforme a notícia, Navalny é o “oponente mais proeminente do presidente russo, Vladimir Putin”.

Três meses depois, nesta matéria publicada pela CNN e assinada por Guy Faulconbridge, da Reuters, o jornalista informa que Navalny foi “abruptamente transferido da prisão onde cumpre uma sentença de 11 anos e meio para um local não revelado”. O advogado dele chegar na prisão e ser informado que não existia ninguém com o nome de Navalny lá e não informar para onde ele foi levado… é o fim. Mais um indício sinistro de um governo absurdo, não?

A notícia mais recente que temos de Navalny foi publicada pela BBC, tendo como fonte informações apuradas pelo jornalista Kevin Liffey, da Reuters, no dia 1º de fevereiro de 2023 – ou seja, há pouco mais de um mês. Segundo essa matéria, Navalny disse que não recebe visitas há oito meses e que no dia anterior ele tinha recebido a informação que seria transferido para uma cela onde ele ficará isolado pelos próximos seis meses. Ainda segundo a apuração de Liffey, Navalny está preso na colônia penal de segurança máxima IK-6 em Melekhovo, distante cerca de 250 quilômetros de Moscou.

Essa outra reportagem da Deutsche Welle, publicada em outubro de 2022, traz a notícia de que Navalny denunciou que as autoridades russas acusaram o advogado preso em outro processo penal, no qual ele é acusado de “enaltecimento ao terrorismo, financiamento de atividades extremistas e reabilitação do nazismo”. Segundo os advogados dele, caso ele for condenado por estas novas acusações, ele poderá ficar mais 30 anos na prisão.

Para quem quer saber um pouco mais sobre a história de Navalny e como ele se tornou um dos maiores – ou o maior – opositor político de Putin, sugiro a leitura desta matéria de Paul LeBlanc, da CNN, e desta outra matéria da CNN.

Navalny não é o único opositor do governo russo que continua vivo – mesmo que preso. Procurei sobre outros opositores do líder Putin e achei essa matéria da Deutsche Welle sobre Vladimir Kara-Murza; e essa outra matéria, do mesmo veículo de comunicação, sobre Ilya Yashin.

Quem ficou interessado(a), como eu, em saber mais sobre o trabalho do jornalista Christo Grozev, vale conferir as reportagens dele para o Bellingcat. Dá para conferir elas por aqui.

Gente, essa é a parte deste conteúdo que eu considero mais importante ir para o ar neste momento. Mas prometo terminar essa parte do conteúdo quando for possível, beleza? Ainda faltam alguns comentários sobre o filme. Complementarei essa parte quando sobrar um tempinho… 😉

Voltei! Então, entre as qualidades desta produção, sem dúvida alguma um dos pontos fundamentais é a forma como o filme foi estruturado. Mérito do diretor Daniel Roher e da sua visão sobre como deveria ser a dinâmica desta história. Interessante também a forma como ele acaba tornando a narrativa do filme quase como um thriller, como sugere, em tom de brincadeira, o próprio Navalny. As escolhas de Roher na estruturação da história, em especial, garantem a qualidade desta produção. O diretor também faz um bom trabalho na captação das entrevistas, sabendo conduzir bem as pessoas em cena para ele conseguir as respostas que deseja, inclusive tocando em alguns pontos polêmicos do protagonista – como suas ligações com grupos neonazistas.

Outro ponto fundamental do filme é a edição Maya Hawke e de Langdon Page, assim como a trilha sonora marcante e envolvente, importante para dar ritmo e diversos pontos de ênfase na história, e de responsabilidade de Marius De Vries, Anna Drubich e Matt Robertson.

Além dos aspectos técnicos já comentados, vale citar a competente direção de fotografia de Niki Waltl; a direção de arte de Rafael Loß e Johannes Weckl; e o trabalho dos oito profissionais envolvidos com o Departamento de Câmera e Elétrico e que forem responsáveis pelo apoio nas filmagens de Navalny.

A figura central da narrativa deste filme, claro, é o advogado e opositor do presidente russo, Alexei Navalny. O foco da narrativa está na história dele – ainda que essa história poderia ter sido um pouco mais aprofundada e contextualizada, faltou isso – e na investigação jornalística que trouxe à tona provas de que o opositor ao presidente foi envenenado. Além de Alexei, ganham certo destaque na narrativa a esposa dele, Yulia Navalnaya; o jornalista investigativo especializado em jornalismo de dados, Christo Grozev; a chefe das investigações envolvendo o atentado sofrido por Navalny e uma figura importante para o protagonista, inclusive na fundação anticorrupção que leva o nome de Navalny, Maria Pevchikh; e o chefe da equipe de Navalny, pessoa importante nas articulações do oposicionista russo, Leonid Volkov.

Além destas figuras centrais na narrativa, aparecem de forma complementar os filhos de Navalny, com a maior participação sendo de Dasha Navalnaya e, em menor medida, Zakhar Navalny.

Tem um momento do filme em que perguntam para Navalny o que ele fará em relação às guerras na Síria e na Ucrânia. No momento daquele pergunta, claro, não tínhamos uma guerra massiva da Rússia contra a Ucrânia, como temos agora. Então aquela pergunta chega a dor muito mais. Inacreditável que há mais de um ano a Rússia esteja atacando a Ucrânia daquela maneira infame. Nada justifica tal agressão. Mas, infelizmente, a Rússia é um dos países mais armamentistas do mundo, inclusive com armas de ataque massivo e nuclear. Então eles acabam fazendo o que outros países “mais fracos” certamente não fariam. Triste, muito triste.

Navalny estreou em janeiro de 2022 em première no Festival de Sundance. Depois, o filme participaria, ainda, de outros 16 festivais e mostras de cinema em diversos países, incluindo os festivais de Sydney e Melbourne.

Acho válido citar duas curiosidades sobre Navalny divulgadas nas notas de produção. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). A primeira é que por um bom tempo o filme teve o título provisório de “Untitled LP9”, que significa “Sem título” e faz uma referência ao apelido que o FSB dava para o Novichok: “Love Potion No. 9”. A segunda tem a ver com aquela filmagem da ligação bombástica em que um dos envolvidos no atentado contra Navalny dá detalhes sobre a operação. O diretor Daniel Roher comentou que por causa do fato dele não falar russo, ele não teve, na hora, noção exata do impacto do que estava acontecendo, mas que ele pode ter uma ideia que algo de muito importante estava sendo dito pelas expressões de quem estava no local, especialmente de Maria Pevchikh. Mesmo não sabendo exatamente o que estava ocorrendo, Roher apenas pensava em seguir filmando porque algo muito relevante estava acontecendo.

Interessante esse comentário do diretor. Deve ser muito louco você filmar pessoas falando em outro idioma que você não domina e, só depois, na hora da edição, tendo alguém para traduzir aquele conteúdo, você ter a noção exata do que realmente aconteceu. Mais um desafio desta produção.

Aliás, eu ia esquecendo de falar um pouco mais sobre Daniel Roher. O diretor canadense de 30 anos de idade tem 13 trabalhos na filmografia como diretor. Ele estreou com o curta Never Far from Home, em 2011. Depois, ele dirigiu mais seis curtas antes de filmar seu primeiro longa, Ghosts of Our Forest, lançado em 2017.

No mesmo ano, ele dirigiu a série para TV Brand Canada. Em seguida, vieram mais dois curtas antes do longa Once Were Brothers: Robbie Robertson & The Band, filme lançado em 2019 e que antecedeu Navalny. Antes de ganhar o Oscar com Navalny, o filme dele que mais tinha sido premiado foi Once Were Brothers: Robbie Robertson & The Band.

Navalny recebeu, até o momento, 16 prêmios e foi indicado a outros 28. Entre os prêmios que recebeu, está o Oscar de Melhor Documentário, entregue ontem, dia 13 de março (ou seja, após a crítica original deste filme ter sido publicada por aqui, sem que eu tivesse terminado essa seção); o prêmio de Melhor Documentário entregue pelo Prêmio BAFTA; prêmio de Melhor Documentário Político entregue pelo Critic’s Choice Documentary Awards; e os prêmios de Melhor Documentário Americano e Festival Favorite Award entregues no Festival de Sundance.

Os usuários do site IMDb deram a nota 7,7 para Navalny, enquanto que os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 96 críticas positivas e apenas uma negativa para a produção – o que garante para Navalny um nível de aprovação de 99% e a nota média de 8,4. Desempenho excelente entre os críticos. O site Metacritic, por sua vez, apresenta o “metascore” 82, fruto de 22 críticas positivas, e o selo “Metacritic Must-see” para Navalny.

De acordo com o site Box Office Mojo, Navalny teria faturado US$ 107 mil nos cinemas em que o filme estreou, sendo a maior parte deste resultado obtido na Austrália. Não há informações sobre o resultado do filme nas bilheterias americanas.

Navalny é uma produção 100% dos Estados Unidos. Por isso, o filme atende a uma votação feita há tempos aqui no blog, onde eu perguntei para os usuários deste espaço sobre os países que elas gostariam de ver mais críticas por aqui. 🙂

CONCLUSÃO

Muito bem construído, com uma narrativa envolvente, ao melhor estilo de filmes de espionagem ou de crime, Navalny é uma produção capaz de mexer com as estruturas de qualquer pessoa com o mínimo de pensamento crítico e de senso de humanidade. Interessante também pela forma de nos mostrar todo o potencial de revelar a verdade do jornalismo de dados. Uma história potente, surpreendente – especialmente para quem não conhecia à fundo a trajetória de seu protagonista -, que cresce conforme avança na narrativa. Até o ponto de nos emocionar. Navalny faz pensar, revolta e emociona, tudo ao mesmo tempo. Cinema em estado puro e um dos melhores filmes desta temporada do Oscar.

PALPITES PARA O OSCAR 2023

Que bom que, finalmente, cheguei na categoria Melhor Documentário do Oscar deste ano. Depois de Melhor Filme Internacional e de Melhor Filme, esta é a minha categoria preferida da premiação anual da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.

Quem me acompanha aqui no blog com certa frequência já sabe que agora, quando escrevo esta crítica, Navalny é o primeiro dos cinco filmes na disputa de Melhor Documentário que eu assisto. Assim, fica difícil dizer se ele é o melhor filme na disputa… mas o que eu posso dizer é o que eu disse acima: esta produção é impecável. Honestamente, não consigo ver defeitos no filme. Achei o roteiro, a direção, a trilha sonora e a narrativa em geral uma aula de cinema e de construção narrativa.

Assim sendo, evidentemente, acho que Navalny merece ganhar o Oscar. Mas ele vai levar a estatueta dourada para casa? Bem, isso é mais difícil de prever. Segundo as bolsas de apostas, sim, Navalny ganhou a dianteira e deixou para trás o antigo favorito na disputa, All the Beauty and the Bloodshed. Ou seja, se os apostadores estiverem certos, Navalny vai levar o Oscar para casa – e com certa dianteira.

O filme tem ao seu favor também alguns prêmios importantes, como o BAFTA, o prêmio de Melhor Produtor de Filmes Documentários entregue pelos Prêmios PGA (premiação mais importante entre os produtores de cinema e entregue em Los Angeles neste ano) e o de Melhor Documentário Político no Critic’s Choice Documentary Award. Este último prêmio é importante porque Navalny ganhou de seu maior concorrente, na mesma categoria, All the Beauty and the Bloodshed.

Se formos analisar quais filmes que estão na disputa ganharam mais prêmios, Navalny fica atrás de outros concorrentes. Como comentei anteriormente, Navalny recebeu 14 prêmios até o momento. Fire of Love, outro forte concorrente, ganhou 31 prêmios; All the Beauty and the Bloodshed também ganhou 31 prêmios; All That Breathes teve 22 vitórias e A House Made of Splinters ganhou em oito ocasiões.

Mas sabemos que o Oscar é um capítulo à parte. Nem sempre o filme mais premiado no ano pelo mundo acaba sendo consagrado pelos votantes da Academia. Então não é certo que os filmes mais premiados Fire of Love e All the Beauty and the Bloodshed tenham vantagem sobre Navalny… na verdade, acho que tudo pode acontecer. Teremos que esperar domingo para saber quem leva a melhor. A disputa está acirrada.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 20 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing e, atualmente, atuo como professora do curso de Jornalismo da FURB (Universidade Regional de Blumenau).

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