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Los Amantes Pasajeros – I’m So Excited! – Os Amantes Passageiros


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O mundo é gay. E as pessoas aguardam apenas um momento de incerteza para transar, e muito. Essas são duas premissas do novo filme do espanhol Pedro Almodóvar, Los Amantes Pasajeros. Entendo o desejo do diretor de perder um pouco o controle vez ou outra, mas este filme, que começa até engraçado, lá pelas tantas perde a direção de maneira impressionante. Esqueça a fase mais filosófica e interessante do diretor. Em Los Amantes Pasajeros Almodóvar volta a trilhar o caminho iniciado no anterior La Piel Que Habito, no qual o principal interesse do realizador é assumir o exagero como ideia fundamental de seu trabalho.

A HISTÓRIA: Equipamentos são retirados após o embarque dos passageiros em um avião da companhia aérea Península. Uma das últimas etapas é a retirada das proteções dos pneus dos trens de pouso, feita por León (Antonio Banderas). Ao ver a Jessica (Penélope Cruz), León se entusiasma. E é correspondido. Distraída, Jessica atropela a um operário (Coté Soler). Este incidente interrompe as tarefas de León, o que vai prejudicar o voo pilotado por Benito Morón (Hugo Silva) e Álex Acero (Antonio de la Torre), e exigir jogo de cintura da equipe formada por Fajas (Carlos Areces), Joserra (Javier Cámara) e Ulloa (Rául Arévalo) para controlar os poucos passageiros que acabam não sendo sedados no avião.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Los Amantes Pasajeros): Gosto muito do estilo Almodóvar de fazer cinema. Especialmente porque ele deu um novo vigor para um cinema que tinha pouca relevância há algumas década, que era o cinema espanhol.

Depois de alguns experimentos nos anos 1970, Almodóvar chegou na década seguinte com filmes como Pepi, Luci, Bom y Otras Chicas de Montón, Entre Tinieblas e o divertidíssimo Qué He Hecho Yo para Merecer Esto!! O cinema dele era exagerado, mas carregado de sentido, de significados, da cultura espanhola e de uma carregada crítica ao puritanismo, a hipocrisia e aos valores antigos que pareciam não fazer mais sentido em uma sociedade que tentava ser mais moderna e libertária.

No final dos anos 1990, com Todo Sobre Mi Madre e Hable con Ella, Almodóvar deixa para trás o desejo de chocar com sexo e comédia carregada de costumes para fazer um cinema mais denso, psicológico, quase filosófico. Com estes filmes, ele chega ao auge da carreira, ganhando fãs internacionalmente que ele nunca tinha imaginado um dia conseguir. Paralelo a isso, ele também melhorou com a técnica da direção e da narrativa. Tornou-se um diretor e um roteirista melhor.

Muito bem, isso até este Los Amantes Pasajeros. Certo que suas produções anteriores, Los Abrazos Rotos (comentada aqui no blog) e La Piel que Habito (o qual comentei neste texto) não falavam tanto dos dilemas humanos quanto os brilhantes Todo Sobre Mi Madre e Hable con Ella mas, cada um deles, tinha peso dramático e envolvia o espectador a sua maneira. Além de roçar com exageros interessantes, que revisitavam partes “perdidas” da filmografia do diretor.

Los Amantes Pasajeros retoma a parte mais sexual de Almodóvar, mas sem muito sentido. Na verdade, o filme inicia como uma grande brincadeira. Os espanhóis tem um pouco essa filosofia de “cachorros de rua”. Até recentemente, antes da conquista da última Copa do Mundo, a Seleção espanhola era sempre vista como aquela que lutava, brigava, mas sempre morria na praia. E em muitas outras esferas, que não apenas a do futebol, eles são vistos como incapazes de grandes feitos – e essa leitura eu faço por ter morado na Espanha por alguns anos e ter visto esta estranha e constante divisão dos espanhóis entre serem arrogantes e terem este complexo de inferioridade mal resolvido.

Então imaginar uma situação como a vivida em Los Amantes Pasajeros com a filosofia do “cachorro de rua” espanhola é divertido. Um avião com risco de não conseguir pousar é um problema para qualquer tripulação e passageiros, mas nem todos lidariam com esta situação de forma tão displicente e típica quanto os espanhóis. Certo, a ideia até que não é ruim. Mas o desenvolvimento dela que acaba sendo o problema.

Quem já assistiu a muitos filmes, certamente viu a alguns clássicos que tem o ambiente claustrofóbico de um avião como cenário principal. A referência máxima de comédia sobre uma situação complicada é o filme Airplane!, simplesmente genial. Então quando Los Amantes Pasajeros começa a ganhar corpo e percebemos que aquele avião com três comissários de bordo gays tem problemas, é inevitável não relembrar do descontrole de Airplane! O que é ruim para a nova produção do diretor espanhol.

O roteirista Pedro Almodóvar faz comédia nos mínimos detalhes. A companhia aérea da produção chamar-se Península, por exemplo, faz alusão à empresa Iberia – que, inclusive, faz “presença” no filme com um avião que decola antes da aeronave onde a maior parte da história se passa. Os primeiros minutos da produção, com Antonio Banderas e Penélope Cruz fazendo pontas com acentuados sotaques andaluzes, também é uma cereja no bolo – os dois, como vocês sabem, foram descobertos e lançados no cinema por Almodóvar.

(SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Em seguida, somos apresentados a figuras muito típicas do imaginário espanhol – a mulher “vidente”, Bruna (Lola Dueñas); o “matador de aluguel” Infante (José María Yazpik); o “don juan de meia idade” Ricardo Galán (Guillermo Toledo); o “executivo ladrão” Sr. Más (José Luis Torrijo) e a “celebridade” que conhece os homens mais poderosos do país, Norma Boss (Cecilia Roth). Almodóvar junta todos eles na classe executiva de um avião que tem o risco de não conseguir pousar por causa da trapalhada que acontece no início da produção.

Para enfrentar o problema, estes passageiros e mais os tripulantes, incluindo o trio de comissários gays e os pilotos “de cabeça aberta”, entram em uma sequência de “buscas pelo essencial” de suas vidas. Daí surgem as ligações telefônicas em que todos escutam tudo, e que passam pela escolha de Almodóvar em mostrar as mulheres da vida de Galán, assim como a tentativa de Norma em ameaçar um ministro para defender a própria vida e a retomada de um contato importante na vida de Sr. Más.

Para mim, o filme começa a perder a graça quando sai do avião e segue Alba (Paz Vega, irreconhecível) e Ruth (Blanca Suárez). Uma história paralela que não agrega praticamente nada para a trama e que faz o filme perder o ritmo. Dispensável, pois. A única justificativa para aquelas sequências foi o diretor colocar duas belas mulheres – especialmente Blanca – em cena.

Além de fazerem contato com as últimas pessoas com quem gostariam de falar na vida – afinal, existe a dúvida se aquele voo pode ser o último de suas existências -, os personagens principais da trama enchem a cara de álcool e sexo. No melhor estilo “o que você faria se este fosse o seu último voo”, cada um revela a sua personalidade sem filtros e sem censura. E isso é tudo.

O filme é cheio de baboseira mas, se visto com um pouco de distanciamento, se revela uma sátira à Espanha contemporânea. Algo que marca o cinema de Almodóvar – aqui, pelo menos, ele não se perdeu. O problema apresentado no filme é provocado pelos próprios espanhóis – com aquela trapalhada inicial protagonizada pelos personagens de Antonio Banderas e Penélope Cruz. Fazendo um paralelo, é o mesmo que dizer que a bolha imobiliária, a grande causadora da crise atual na Espanha, foi causada pela ambição e pela falta de critério dos próprios espanhóis – se não de todos, pelo menos do sistema financeiro, que no filme é criticado pelo exemplo do Sr. Más. Aliás, no jornal que o personagem lê, é possível ver vários escândalos envolvendo “cajas” e bancos do país – o que de fato aconteceu.

Como as pessoas agiram para enfrentar a crise atual, e que segue persistente, no país de Almodóvar? Houve o 15M, é claro – que envolveu passeatas e “acampadas” para protestar contra as políticas de cortes do governo e contra a crise. Mas, no dia a dia das pessoas, houve também muita gente enfrentando os problemas com álcool, drogas, sexo e musicais. Alguns quiseram manter as aparências, como Norma Boss, enquanto tantos outros, talvez a maioria, permaneceu “anestesiado” – como a maior parte dos passageiros do voo comanda por Almodóvar.

Fazendo esse exercício de paralelo dramático/artístico com a realidade espanhola, até que o filme não parece tão idiota assim. Mas enquanto eu estava assistindo à produção, o pensamento predominante era: “Almodóvar, meu caro, aonde você vai com esta história burlesca?”. Não achei que ele fosse chegar a parte alguma, mas torcia para o filme não ter mais de duas horas. E, uma das poucas qualidades desta produção, além de uma ou outra parte realmente engraçada, é que ela dura menos de uma hora e meia. Gracias! Agora, nos resta esperar a um Almodóvar um pouco mais inspirado e menos tresloucado da próxima vez.

NOTA: 5,5.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: Sempre que assisto a uma comédia, fica evidente para mim que o humor é algo muito, muito pessoal. Até mais do que outras escolhas que fazemos na vida – como o time de futebol para o qual torcemos, nossa religião ou forma de amar. Muitas vezes o meu senso de humor não coincide com o de vários leitores deste blog. Sabendo disso, sou obrigada a comentar que o “ponto alto” desta produção, que é a encenação da música I’m So Excited, de The Pointer Sisters, não me fez gostar mais do filme. Pelo contrário. Achei muito sem graça.

Adoro assistir a Madrid como personagem de filmes – especialmente dos de Almodóvar. Mas achei bem forçada a entrada da cidade na história junto com as personagens Alba e Ruth. Ok que o diretor quisesse dar mais “profundidade” para os seus personagens. Mas, de fato, a entrada das duas mulheres no roteiro torna o filme mais interessante? Não achei.

Agora, nem tudo são problemas em Los Amantes Pasajeros. Javier Cámara está maravilhoso no papel de Joserra, o comissário que ganha protagonismo na história. Também foi muito bom rever Raúl Arévalo, Carlos Areces, Hugo Silva e Antonio de la Torre em cena. Eles são alguns dos atores mais importantes do cenário do cinema espanhol atual. Sem contar, claro, a sempre diva Cecilia Roth e a respeitada e competente Lola Dueñas.

Algo bacana nesta produção é o espaço que ela dá para os bonitões made in Espanha. Hugo Silva, claro. E, além dele, Miguel Ángel Silvestre como o Noivo que é um colírio para os comissários do avião – e para os espectadores.

Tecnicamente, mais uma vez, Almodóvar nos entrega um filme limpo e bem construído visualmente. Para isso, ele contou com a ajuda do diretor de fotografia José Luis Alcaine. A trilha sonora, um dos pontos fortes da produção, achei apenas “ok”, nada demais. E ela é assinada por Alberto Iglesias, antigo parceiro do diretor.

Inicialmente eu estava dando até uma nota menor para este filme. Um 5. Mas aí o paralelo com a atual situação da Espanha me fez melhorar um pouquinho a nota. Ainda assim, claro, ela está muito abaixo da média para os filmes do Almodóvar.

Falando em notas, vale citar os dois sites que eu normalmente comento por aqui. Os usuários do IMDb deram a nota 5,7 para esta produção. Para vocês terem uma ideia, esta é a menor nota para um filme de Almodóvar no site, exceto por Folle… Folle… Fólleme Tim!, primeiro e desconhecido longa do diretor lançado em 1978. Todas as outras produções lançadas por ele depois tem uma nota melhor que Los Amantes Pasajeros. Achei justo porque, afinal, este filme está beeeem abaixo do padrão do diretor ao qual estamos acostumados. Os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 56 textos negativos e 52 positivos para esta produção, o que lhe garante uma aprovação de 48% e uma nota média de 5,7. Quase empatei na avaliação com eles – e só porque gosto muito do Almodóvar.

Agora, algumas curiosidades sobre esta produção: Los Amantes Pasajeros marcou a sétima parceria entre Banderas e Almodóvar e a quinta entre Penélope Cruz e o diretor. Mesmo com tantas presenças em filmes do diretor espanhol, esta foi a primeira vez que os dois contracenaram juntos em uma produção de Almodóvar.

Como normalmente faz em suas produções, Pedro Almodóvar dá uma pequena ponta para o irmão e produtor Agustín Almodóvar. Ele “interpreta”, neste filme, ao controlador da torre do aeroporto onde a produção acaba.

Los Amantes Pasajeros estreou no circuito comercial dos cinemas espanhóis em março deste ano. Depois, o filme passaria por cinco festivais, nenhum de ponta. O mais conhecido é o de Los Angeles. Nesta trajetória, a produção não foi indicada para nenhum prêmio – seria uma surpresa se tivesse acontecido diferente.

Para quem gosta de saber os locais em que o filme foi rodado, Los Amantes Pasajeros teve cenas gravadas em Madrid e em Ciudad Real.

De acordo com o site Box Office Mojo, este último filme de Almodóvar conseguiu, até o último dia 22 de agosto, quase US$ 1,3 milhão nas bilheterias dos Estados Unidos e pouco mais de US$ 10,3 milhões nas bilheterias dos demais mercados onde já estreou. Pouco, como se pode ver.

CONCLUSÃO: Gostei do começo despretensioso e irônico de Los Amantes Pasajeros. As pontas dos astros Antonio Banderas e Penélope Cruz foram muito bem planejadas e tem o tempo adequado para o filme. Depois, achei brilhante o desempenho de Javier Cámara e Lola Dueñas. Mas quando Los Amantes Pasajeros resolve colocar histórias paralelas para “aprofundar” a ação, em um filme nada profundo, e descamba para a orgia, me cansei.

Aparentemente Almodóvar se cansou de fazer filmes mais “existenciais”, naquela fase em que ele se tornou um cineasta premiado e reconhecido internacionalmente. Não acho que ele seja obrigado a seguir uma filmografia séria, até porque o passado dele é muito mais satírico, exagerado e polêmico e abandonar esta verve seria negar o próprio passado do diretor. Mas este novo filme dele, para mim, apenas tirou uma hora e meia do meu tempo, que poderia ter sido utilizado para assistir a um filme melhor, com um diretor e roteirista mais inspirado. Esta produção tem alguns momentos engraçados mas, no saldo geral, achei ela beeeeem dispensável – apesar da produção fazer uma sátira contemporânea da Espanha. Veja se gostar muito do diretor e se não tiver nada melhor para assistir.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 20 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing e, atualmente, atuo como professora do curso de Jornalismo da FURB (Universidade Regional de Blumenau).

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