A honra não tem a ver com seguir tradições ou regras. A honra tem a ver com fazer o que é certo, buscar a liberdade e a justiça e defender a vida do seu amigo mesmo quando esta defesa coloca a sua própria vida em risco. Papillon nos conta uma história incrível de busca incessante por liberdade e pelo lugar de uma pessoa no mundo. A história é tão incrível que nem parece que ela é baseada em fatos reais, mas Papillon realmente existiu. Um filme delicado, muito bonito e sensível, apesar de toda a dureza da história. Vale ser visto.
A HISTÓRIA: Começa nos contando que o que veremos é baseado em uma história real. Vemos a uma cela antiga. Do fundo da cela, caminha lentamente para a frente, Papillon (Charlie Hunnam). Ele passa a cabeça pelo buraco da porta e olha ao redor. Corta. O mesmo Papillon, mas agora bem vestido, escuta com atenção as engrenagens de um cofre. O ano é 1931, e o local, Paris. Depois de abrir o cofre, Papillon pega os diamantes e sai pelas ruas. Vai até um clube, onde encontra o chefe da quadrilha e a sua namorada, Nenette (Eve Hewson).
Ele entrega os diamantes que roubou para o chefe da quadrilha. No final da noite, do lado de fora do clube, ele presenteia a namorada com um colar e algumas pedras que pegou do roubo. Um capanga de Jean Castili (Christopher Fairbank) vê a cena. Papillon e Nenette saem dali para comemorar. Passam uma noite divertida mas, na manhã seguinte, a polícia prende Papillon sob a acusação de ter matado um desafeto do chefe. Ele é condenado à prisão perpétua e enviado para a Guinea Francesa junto com vários outros condenados. Passará por maus bocados, mas nunca desistirá de sonhar com a liberdade.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto a seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Papillon): Assisti a esse filme há algumas semanas. Então me perdoem se eu não tenho ele tão “fresco” na memória como eu gostaria. Mas lembro do principal, disso podem ter certeza.
Fui ao cinema curiosa para ver a uma refilmagem de um clássico. Há ainda mais tempo, acredito que quando era criança ou adolescente, assisti ao Papillon original, com o grande Steve McQueen no papel principal. A história já era impressionante naquele momento. Na verdade, imagino que em qualquer época a história de Papillon e do que era feito com os presos nos anos 1930 na França impressionem.
Papillon trata de diversos pontos fundamentais sobre a busca da sociedade por regras e limites para os atos individuais e da busca incessante dos indivíduos por viver, ter liberdade e buscarem o seu lugar no mundo. Toda essa falta de compasso entre estas duas necessidades, da sociedade e do indivíduo, assistimos nessa nova versão da história que mexeu com a França e com outros países quando ela veio à tona.
Algo que chama a atenção em Papillon na versão 2017, desde o início, é a ótima fotografia da produção. O filme é lindo, com imagens incríveis e um cuidado com o visual que não pode ser negado. Além disso, logo após a introdução da cela, o mergulho na Paris de 1931 já serve como um belo cartão de visitas sobre o que veremos adiante em termos de reconstituição de época. Um trabalho primoroso também, tanto nos figurinos quanto nas locações.
Além do aspecto visual e da reconstrução de época, pontos que Papillon tem como destaque, vale comentar também o trabalho competente do elenco e falar da história, é claro. Gostei na forma com que o diretor Michael Noer tratou o roteiro de Aaron Guzikowski, que se baseou no roteiro do Papillon de 1973, escrito por Dalton Trumbo e Lorenzo Semple Jr., e no livro Papillon e Banco, escritos por Henri Charrière.
Claro que o roteiro segue aquela linha clássica. Começa com uma cena do “presente” para depois retomar o “passado” para contar como Papillon chegou naquela cela. A partir do retorno para a Paris de 1931, a narrativa passa a ser linear. O principal destaque desta narrativa, a meu ver, é que o filme é bastante econômico em momentos que não são realmente relevantes para a história, como a encrenca que leva Papillon para a prisão, ao mesmo tempo em que explora com muita calma e até uma certa “lentidão” outros momentos importantes, como as fases de solitária do protagonista.
A intenção do roteiro de Guzikowki e da direção de Noer é clara. Eles querem que o espectador sinta ao menos um pouquinho a angústia, o peso do tempo e da solidão que o protagonista sentiu naquelas situações de isolamento. As regras da prisão para a qual Papillon e vários outros foram mandadas eram bastante diretas e duras. Ali, uma vida valia pouco.
Como o diretor da prisão comentou, para eles um preso morto dava menos despesa e trabalho do que um preso vivo. Nesse cenário, temos a um ladrão injustamente condenado por homicídio. Sim, Papillon não era santo, mas será que ele ou qualquer outro indivíduo mereciam aquele tipo de tratamento? Frente àquela situação, o mais incrível de Papillon é que ele nunca desistiu.
Mesmo passando fome, sendo agredido, tendo que estar constantemente atento para defender a própria vida e sendo isolado para ser “quebrado” pela solidão, pela falta de comida, atividade física e contato com outras pessoas, ele nunca desistiu de enfrentar todas as perspectivas e fugir. Qual era o seu maior objetivo? Buscar a liberdade e um lugar que ele pudesse se sentir em casa.
Acho esse tipo de “sonho” e de propósito de uma potência incrível. Uma pessoa que é movida por isso, se sabe lidar com a solidão – e Papillon sabia -, não será “quebrada” ou vencida nunca. Essa é a mensagem mais incrível do filme, a meu ver. Além disso, Papillon inicialmente se aproxima do endinheirado Louis Dega (Rami Malek) por interesse, é verdade, mas depois ele vê Dega como um amigo e, aí sim, Papillon revela toda a sua grandeza.
Naquele cenário agreste de busca por sobrevivência, Papillon poderia ter sido egoísta e ter ignorado Dega em mais de uma ocasião. Teria sido mais fácil para ele. Mas não. Papillon se aproximou de Dega e o considerou o seu amigo. E aí está outra leitura fantástica desta história. A força da amizade e da honra ao defender esse princípio, assim como o da liberdade. Teria sido mais fácil para Papillon “abandonar” Dega à própria sorte em mais de uma ocasião, mas ele não fez isso.
Então esse filme, a meu ver, tem um resgate importante de valores fundamentais, apresenta um belo trabalho dos atores principais e ainda tem uma narrativa que respeita os tempos e que valoriza outros aspectos da produção, como a reconstituição de época e os locais em que os personagens passaram. Gosto da narrativa lenta da produção em alguns momentos. Acho que ela ajuda o público a entender um pouco melhor a experiência de Papillon em seus momentos de isolamento.
Para resumir, achei Papillon envolvente e bem construído. Tem muito mais qualidades do que defeitos. Talvez tenha faltado para a produção um pouco mais de contextualização sobre o que aconteceu com outros personagens importantes da história. Mas esse é apenas um detalhe.
NOTA: 9.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: Acho que este pode ser o ano do ator Rami Malek. Descobri ele por causa da série Mr. Robot. Já achava o seu trabalho muito bom. Mas, neste ano, ele não apenas fez esse trabalho interessante em Papillon, como, logo mais, vamos vê-lo como protagonista em Bohemian Rhapsody. Admito que estou bem curiosa para conferir como ele se saiu como Freddie Mercury – apenas pelo trailer, estou até desconfiando que ele pode receber uma indicação ao Oscar como Melhor Ator. Veremos logo mas. Mas, sem dúvida, este é um ator em ascensão.
Além de Malek, que faz um belo trabalho como Louis Dega, vale destacar o ótimo trabalho de Charlie Hunnam como Papillon. Não seria fácil, para qualquer ator, fazer o mesmo papel que, antes, foi realizado por Steve McQueen. Mas Hunnam não parece ter se intimidado com o desafio e abraçou Papillon como se este fosse o papel da sua vida. Gostei bastante da interpretação do ator. Não lembro de tê-lo visto em nenhum outro filme, mas reparei que ele também está em ascensão. Vale acompanhá-lo, pois.
Papillon tem, assim, dois atores em ascensão em papéis centrais. Isso é algo importante para um filme. Além de Malek e de Hunnam, Papillon apresenta outros bons atores em cena. Do elenco, vale destacar o trabalho de Roland Moller como Celier, um presidiário que é bom em navegação – mas que nunca foi com a cara de Dega; Michael Socha como Julot, companheiro de Papillon e de Dega e que é o primeiro a sofrer as consequências por tentar fugir e matar um guarda no intento; Christopher Fairbank em uma super ponta como o chefe da quadrilha de assaltantes Jean Castili; Joel Basman como Maturette, um preso que ajuda na fuga do grupo e que acaba tendo o gostinho da liberdade por um tempo; e Yorick van Wageningen como Warden Barrot, o chefe da prisão na Guiana Francesa. Todos estão muito bem.
Entre os aspectos técnicos do filme, sem dúvida alguma o grande destaque vai para a direção de fotografia de Hagen Bogdanski. Um trabalho incrível e que valoriza a história. Depois da direção de fotografia de Bogdanski, vale destacar a edição de John Axelrad e Lee Haugen; o design de produção de Tom Meyer; a direção de arte de Tom Frohling e Natasha Gerasimova; a decoração de set de Jennifer M. Gentile; os figurinos de Bojana Nikitovic; e a trilha sonora de David Buckley.
Papillon estreou em setembro de 2017 no Festival Internacional de Cinema de Toronto. Depois, o filme participaria, ainda, dos festivais de cinema de Montclair, Edinburgh e o Biografilm Festival. Nesta trajetória, o filme não recebeu indicações ou foi premiado.
Esta produção é baseada, de fato, no livro escrito por Henri Charrière, o nome de batismo de Papillon, e lançado, originalmente, na França em 1969. Ou seja, a primeira adaptação para ao cinema de sua história chegou às telas apenas quatro anos depois do livro ser lançado. Uma prova de como a obra de Charrière foi impactante naquela época.
Papillon significa “borboleta”. Charrière recebeu este apelido por causa da tatuagem de borboleta que ele tinha no peito – e que, descobrimos no filme, tinha o significado, entre os criminosos, de que ele era um assaltante.
Segundo a história, Papillon foi condenado em 1933 e conseguiu escapar da prisão apenas em 1941.
Papillon não caiu no gosto dos críticos. O filme conseguiu 46 críticas positivas e 41 negativas entre os críticos linkados no site Rotten Tomatoes, o que dá para a produção uma aprovação de 53% e uma nota média 6. No site Metacritic o filme não foi muito melhor. Lá, a versão 2018 de Papillon recebeu o “metascore” de 52, fruto de 10 críticas positivas, 15 críticas medianas e de quatro críticas negativas.
Apenas os usuários do site IMDb foram um pouco mais generosos com o filme, dedicando a ele a nota 7. Para mim, é válido uma refilmagem de Papillon agora, para que as novas gerações confiram esta história. Eu não acho que toda refilmagem deve superar a anterior. Cada uma tem os seus predicados. Claro, muito difícil – ou até impossível – superar o Papillon original. Mas acho que o novo Papillon pode ser visto de forma isolada, como um belo trabalho e um esforço interessante de reapresentar uma história bacana e forte para um novo público.
De acordo com o site Box Office Mojo, Papillon arrecadou US$ 2,3 milhões nos Estados Unidos e outros US$ 2,2 milhões nos outros países em que o filme estreou. Esses números mostram que a produção foi praticamente ignorada pelo público. Uma pena, porque eu achei ela bem acabada e com uma temática que vale ser tratada e discutida. Mas a nova versão de Papillon realmente não conseguiu emplacar.
Papillon é uma coprodução da República Checa, da Espanha e dos Estados Unidos. Curiosa essa mistura. Não lembro de ter visto a outro filme da República Checa. 😉
CONCLUSÃO: Um filme com uma fotografia incrível, um roteiro bem equilibrado, bons atores e que não tem pressa de contar uma história. Muito pelo contrário. Papillon segue o seu ritmo e a visão do diretor Michael Noer do início ao fim. Gostei do resgate desta obra tão importante sobre valores fundamentais da humanidade. Toda sociedade precisa de regras, leis, controles e segurança. Mas a busca do indivíduo por liberdade e por escolher os seus caminhos ultrapassa tudo isso. Belo filme, muito bem realizado e que nos faz pensar muitos aspectos. Se você não se incomodada com uma narrativa um pouco lenta, dê uma chance para Papillon.