O filme argentino XXY só comprova uma teoria minha: quanto menos você sabe sobre uma história, melhor. Talvez até eu já tivesse lido algo a respeito dele antes, mas na hora de assistí-lo, não me lembrava de nada. E foi muito melhor assim. Comento também que começo com XXY a busca pelos nossos “concorrentes” ao Oscar. Coloco concorrentes entre aspas porque, afinal, não sabemos ainda se O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias, escolhido pelo Brasil para concorrer ao prêmio mais cobiçado da indústria do cinema, chegará até lá… ou seja, ainda não sabemos se ele realmente será indicado ao prêmio. O que é certo é que o filme de Cao Hamburger foi pré-selecionado junto a outros nove filmes latino-americanos e junto a outros 53 filmes do resto do mundo para o prêmio. Agora, se chegará mais longe, é uma dúvida ainda no ar. Certamente não conseguirei assistir aos 62 filmes pré-selecionados para o Oscar na categoria de melhor filme estrangeiro, mas não custa tentar assistir ao máximo possível. O desafio começa com XXY.
A HISTÓRIA: Os pais de Alex (Inés Efron) vivem afastados de vizinhos em uma pequena vila de pescadores no Uruguai. O pai da garota, agora com 15 anos, trabalha com a preservação de tartarugas marinhas. Ele e a mulher, Suli (Valeria Bertuccelli) levam uma vida simples e, ao mesmo tempo, cheia de cuidados com Alex – que toma vários tipos de homeopatia e é considerada uma menina meio “fora do comum”. A rotina deles muda quando Suli recebe um casal de amigos e seu filho vindos de Buenos Aires em casa. Alex logo se aproxima de Alvaro (Martín Piroyansky), o filho adolescente do médico Ramiro (Germán Palacios) e de sua mulher, Erika (Carolina Pelleritti). Uma recente agressão de Alex contra seu até então melhor amigo, Saul (Lucas Escariz), e a chegada dos amigos de Suli a casa da família até então isolada modificam o cotidiano de Alex e de todos ao seu redor, em um momento em que ela está descobrindo a sua sexualidade e tomando suas próprias decisões dentro do processo de amadurecimento típico de sua idade.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que o texto a seguir conta fatos importantes do filme, por isso recomendo que REALMENTE só continue lendo quem já assistiu a XXY): O filme vai contando aos poucos e, melhor, naturalmente, o que acontece com Alex. Por isso eu acho interessante não saber nada a respeito antes de ver o filme. Para mim foi uma surpresa saber que ela era uma hermafrodita ou, como se denomina atualmente, uma adolescente com “estado intersexual”. Ok, eu tinha já ligado o título XXY com a questão genética – quem lembra ainda das aulas de biologia sabe que o X determina o sexo feminino e o Y o masculino, para ser simplista. Pois bem, até aí eu tinha chegado, mas não sabia que a síndrome em questão era caracterizada pela presença do XXY e que isso significava o tal “estado intersexual”. Mas foi bom não saber antes, porque a história é mais interessante e mais surpreendente assim. Ainda assim, há médicos que questionam o título do filme, afirmando que a história retratada não tem nada a ver com a síndrome de Klinefelter, caracterizada pelo tal XXY.
O que eu pensava, desde o princípio, é que Alex realmente tinha algum problema. Ela parecia mais sofrer de autismo, porque vivia muito no “seu mundo”, por assim dizer. Mas com a chegada de Alvaro ela se aproxima, começa a se expor – e a enredá-lo. O garoto, muito tímido e que também vive um bocado “em seu mundo” – vive ouvindo música e desenhando sozinho -, encontra em Alex, para sua surpresa, mais familiaridade do que ele esperava. E os dois vivem uma rápida e intempestiva história de amor – o que me lembra um pouco os “amores de Verão”, ainda que não pareça que eles estão vivendo nessa estação.
O filme trata de vários temas, como a relação pais e filhos, a descoberta da sexualidade, o jogo de poder entre as pessoas – exercido algumas vezes entre pais e filhos, outras entre pessoas da própria idade -, a relação nossa e dos demais com o que é diferente e desconhecido. Gostei do filme. Acho que a direção e o roteiro de Lucía Puenzo estão muito bem trabalhados – em especial a direção, com vários toques sensíveis e detalhes de percepção e mirada para o mundo de conflitos retratado. Falando no roteiro, ele é inspirado na história Cinismo do escritor Sergio Bizzio. Gostei também da atuação de todos os atores, com destaque para os jovens Inés Efron (para mim, fantástica) e Martín Piroyansky (muito sensível em seu papel). Gosto muito do ator Ricardo Darín, para mim um dos melhores que o cinema argentino já teve, mas nesse filme ele está meio “vencido” pelo personagem. Digo isso porque o pai de Alex é totalmente irreal. Ou alguém realmente acha que um pai normal nunca brigaria com a sua filha, como ocorre no filme? Ainda que ela tenha uma “condição especial” e precise de cuidados e que o pai seja muito, mas muito sensível, ele é o pai de uma adolescente e, uma hora ou outra, irá brigar com ela para que ela aceite o seu ponto de vista. No filme isso não ocorre, o que eu achei uma falha. O personagem de Kraken, para mim, acaba sendo o mais caricatural do filme.
Falando em caricatura, achei o personagem de Kraken também bem machista – algo forte na cultura latino-americana, percebi chegando em Madrid e convivendo com várias pessoas daí que estão aqui. Digo isso porque ele parece o tempo todo preferir que sua filha seja filho, que decida ser homem – enquanto sua mulher, Suli, parece ter uma “leve” preferência para que ela tenha uma filha, ou melhor, que “siga” tendo uma filha. Além disso, a reação de Kraken com a cena que presencia entre Alex e Alvaro só comprova que tudo bem “se for no dos outros”, literalmente. Não acho que seria o mesmo se a posição fosse a inversa. Ainda que os dois ajam mais inclinados para uma ou outra posição, contudo, o discurso de ambos é de aceitar a filha como ela é. Mas é aquela velha história: uma coisa é o discurso, outra é o que as pessoas percebem que as outras realmente querem.
Mas mais que os temas que eu comentei que XXY trata, para mim o mais interessante foi o de como estamos sempre seguindo padrões e “classificando” as pessoas. A exemplo dos pais de Alex, estamos sempre esperando que alguém decida o que quer. E se a pessoa não quiser escolher? E se quiser viver tudo, como Alex pretende? A sociedade não está preparada para pessoas assim, que não são facilmente classificadas. Afinal, se espera que Alex decida ser homem ou mulher, mas ninguém parece estar preparado para ela viver os dois papéis, viver em sua plenitude os dois sexos com os quais nasceu. Nesse ponto, Alex está sendo transgressora e ousada, ao não querer decidir nada e viver tudo com intensidade. Me fez pensar porque a maioria das nossas escolhas são produtos sociais, pressões exteriores. Por que temos que escolher entre uma carreira ou uma pessoa? Ou entre seguir sempre uma mesma linha – sermos coerentes para os outros e não para nós mesmos? Achei interessante essa reflexão e acho, realmente, que a pressão social faz as pessoas escolherem, quando talvez a resposta mais pessoal de cada um seria não escolher nada e simplesmente viver a sua maneira. A questão de Alex também me fez pensar que é muito mais “aceita” no mundo contemporâneo a pessoa que se classifica como heterossexual ou homossexual do que aquela que é bissexual ou que não tem definido de quem gosta. Mais uma vez, a sociedade busca padrões e classificações. Realmente me parece verdade, tanto por XXY quanto por exemplos reais.
Outro ponto interessante do filme é que, no fundo, Alex e Alvaro passam por momentos difíceis e que podem determinar o que serão no resto de suas vidas. Alex logo terá que enfrentar a resposta de toda a sociedade, ao pretender tornar pública a sua “condição”. Por outro lado, Alvaro tem que aceitar o que o seu pai lhe diz, em um dos diálogos mais fortes e chocantes do filme, e decidir o que fazer com isso. Aceita e supera a opinião do pai, mostrando para si mesmo que pode ter talento e que pode chegar aonde quiser, ou vive o resto da vida sentindo-se rejeitado e tentando provar para o seu progenitor que ele está errado.
NOTA: 9.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: O filme ganhou, além do Oscar, 5 outros prêmios importantes como melhor filme. Entre eles, o dos festivais de Atenas e Bangkok, e outros dois por parte da crítica do Festival de Cannes.
XXY foi todo filmado na cidade de Piriápolis, no Estado de Maldonado, no Uruguai.
Este filme é a estréia na direção de Lucía Puenzo, conhecida pelos roteiros de filmes como A través de tus Ojos e La Puta y la Ballena, além de escrever para séries de televisão como Hombres de Honor e Sol Negro.
No site IMDb o filme contabiliza a nota 7,6 – achei pouco.
No Brasil o filme passou pela primeira vez no dia 25 de setembro no Festival do Rio. Ele fará uma série de participações em festivais mundo afora antes de estrear com algumas cópias em cada país.
O filme é uma co-produção da Argentina, França e Espanha.
PALPITE PARA O OSCAR: Acho que XXY não tem chances de ganhar o prêmio de melhor filme estrangeiro. Claro que digo isso sem ter assistido aos outros concorrentes – exceto pelo filme brasileiro, que acho divino. Contudo, ele pode até chegar a ser selecionado entre os finalistas. Repito, digo isso sem ter visto os demais. Mas ganhar mesmo, acho que não, porque não vejo nele uma força e uma qualidade para ganhar um Oscar e nem mesmo vejo o tipo de tema que a Academia gosta de premiar.
CONCLUSÃO: É um filme que vale ser visto, especialmente pelo tema delicado sendo tratado de maneira tão corajosa e aberta, sem preconceitos. Também vale pela atuação do elenco, ainda que os nomes realmente a destacar sejam dos jovens atores. Destaco ainda a direção de fotografia, o trabalho da diretora Lucía Puenzo e o roteiro.
10 respostas em “XXY”
puxa vida! pena que não vou poder ver hoje, no noitão do hsbc… sniff! bela dica!
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Oi Darlene!
Primeiro de tudo, seja bem-vinda a este blog!
Puxa, que pena que você tem uma oportunidade de ver a XXY e não poderá fazê-lo. Realmente o filme é interessante. Especialmente sensível com um tema assim delicado. Se tiveres outra oportunidade de assistí-lo, vá em frente!
E falando em ir em frente, volte aqui mais vezes para escrever tuas opiniões, ok? Serás sempre bem-vinda.
Um abraço!
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Um filme interessante…
Tinha começado a assitir a pelicula quando fui em busca de algo para me guiar, principalemente quanto ao roteiro… Pois bem, diante do conselho de so ler a ritica depois de assistir totalmente o filme, refiz meu caminho de volta ao MédiaPlayer e terminei de ver na integra, agora diante de tudo que vi posso compartilhar contigo as opniões….
Realmente é interessantissimo tudo que vi, consideraria o filme uma obra prima, diferente daquilo que normalmente se vê na 7ª arte, nos ditos filmes de circuito… A obra em si é instigante e nos faz refletir sobre as inumeras possibilidades da sexualidade humana e dos olhares que lançamos sobre os outros, sobre suas orientações e sobre as escolhas sejam elas sexuais, pessoais e profssicionais.
Uma outra coisa a considerar é como o cimena latino americano produz e como produz bem, tenho assitido a diversos filmes, mexicanos, brasileiros e principalmente produções argentinas.
Um ótimo filme mesmo.
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Oi Martins!
Primeiro de tudo, seja muito bem-vindo por aqui!
Então, valeu a pena não ler todo o texto do meu comentário antes de terminar de ver o filme, fala a verdade… heheheheeheheheh
Sim, também achei um filme muito interessante. Não sei se o classificaria como uma “obra-prima”, como tu comentaste… mas realmente ele tem um nível maior do que a maioria dos filmes recentes “comerciais”. Digo que a maioria e coloco comerciais entre aspas porque o que se pode dizer de Into the Wild? Talvez ele seja classificado como comercial, mas ele está no ranking de grandes filmes da temporada, na minha opinião. O que prova uma teoria que eu tenho: não é porque um filme vem de Hollywood ou é comercial que ele não pode ser maravilhoso. E também nem sempre um filme alternativo é bacana. Muitas vezes é chato e sem nada demais…
Não é o caso deste XXY, é claro. Muito bom, realmente. Gostei também desta reflexão que ele provoca sobre “o que aceitamos” dos demais, até onde chega a nossa compreensão do “outro”. É bacana falar sobre isso.
Realmente, o cinema latino tem uma produção super boa, algumas vezes muito melhor em temática, questionamentos e qualidade que muitos filmes de mercados mais respeitados, como o dos Estados Unidos ou o da Europa.
Volte sempre, viu? Para comentar de filmes que eu já vi e para sugerir novos títulos – até porque eu ando meio “desatualizada” com o que anda rolando no circuito alternativo. Um grande abraço!
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Ola Alessandra, tudo bem. Voltei ao seu blog para comentar um pouco sobre este belissimo filme. O que posso dizer é que cada vez mais os filmes fora dos circuitos de hollywood, principalmente os de lingua espanhola tem dado um show a parte no cinema. Adorei este filme desde o início, tinha lido pouco sobre ele mas sabia qual era o “problema” da protagonista. mesmo assim algumas coisas me deixaram surpresos como a cena entre ela e seu primo. Não pensei “dar no que deu”. Enfim. Pra mim há cenas sublimes neste filme, vale destacar: quando ela sofre o ataque dos garotos na praia, mostrando na verdade quem são as verdadeiras aberrações e quando o pai do primo conversa com ele na fogueira. O que é aquilo? É de dar um nó na garganta.
abraçao.
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voltei. uma coisa que notei no cartaz, especificamente no titulo é que ele mostra XXY , mas uma olhada melhor vc pode notar que o y é um x que foi apagado propositalmente e ainda restou um pedacinho da 4ª perna. Uma alusão ao feminino quase que dominando totalmente dentro do corpo da Alex. Legal!!!!
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Oi Rogerio!!
Que bom te encontrar aqui mais uma vez. Feliz 2009, viu? Que este ano você tenha muitas surpresas boas na tua vida e nos cinemas. 😉
Realmente, XXY é um belo filme. Ele trata um tema “cabeludo” sem preconceito algum e, principalmente, com bastante naturalidade e poesia.
Concordo contigo que muitos filmes fora do circuito de Hollywood são excelentes. Mostram, especialmente, outras maneiras de fazer cinema que não a “usualmente mercadológica” vinda dos Estados Unidos. Ainda assim, acho que nem tudo que é alternativo ou vem do circuito do cinema falado em espanhol, por exemplo, é bom ou melhor que o “cinemão americano”. Digo isso porque já vi muito filme ruim feito pelos “hermanos” da América Latina e também pelos cineastas espanhóis. Claro que XXY compõe a lista dos bons da turma, mas nem por isso quer dizer que filmes como ele são maioria – infelizmente.
Bacana ler a tua opinião, de quem já sabia sobre a “condição” da protagonista antes de assistir ao filme. Gostei de saber que XXY acabou te surpreendendo bastante mesmo assim – digo isso porque eu, como comentei antes na crônica, não sabia de nada da história antes de ver ao filme. O roteiro do filme realmente é muito bom, assim como vários detalhes da direção de Lucía Puenzo.
E sim, o cartaz também é muito bom… e aquele X apagado para formar o Y realmente reforça a idéia de que a definição do sexo, muitas vezes, é apenas um detalhe. Afinal, praticamente nada separa um homem de uma mulher ou vice-versa – cromossomicamente falando. 🙂
Obrigada, mais uma vez, por tua visita. E espero ver você por aqui mais vezes – andavas meio sumido, hein? Um grande abraço e te cuida!
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[…] A estreia dela no cinema foi com o filme XXY, muito interessante e que tem uma crítica no blog aqui. Vale ser visto, e Lucía, certamente, merece ser […]
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Carambaaa, somente hoje pude assistir esse filme. E que belo filme. Curti muito!!
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Bom eu sofro dessa sindrome alguns fatos nao foram tao divulgados tais como o fator de dna do individuo na parte paterna em alguns casos n sao indentificados e assim se uma pessoa n possuir no seu registro de nascimento o nome d!o pai isso q dizer q vc n tem como provar q um individuo é seu pai e isso nem no brasil e nem no mundo ainda n fizeram uma lei q considerasse essa sindrome fora tmbm outros aspectos socio social de como ver essa sindrome como tmbm nem todos é hermafroditas
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