Dizem que nada se cria, tudo se copia. Que tanto já foi feito e dito sobre amor, vingança, sentido de autopreservação e outros temas fundamentais que nada mais de original, verdadeiramente original, restou. Looper parece ser uma prova desta premissa. Ele lembra demais a “alma” de The Terminator para parecer original. Mas tem uma certa novidade, aqui e ali e, especialmente, apuro técnico que não fazem esta experiência ser ruim. Afinal, o que, de fato, é original?
A HISTÓRIA: O dia está prestes a amanhecer, e Joe (Joseph Gordon-Levitt) dá mais uma olhada em seu relógio de bolso, antes de seguir treinando palavras em francês. Ele olha fixo para a frente, onde repousa, no chão, uma lona extendida. Após dar mais uma olhada no relógio, ele se levanta, empunha a arma e atira no homem que surge a sua frente. Ele explica que a viagem no tempo ainda não foi inventada, em 2044, mas que 30 anos depois ela será proibida e utilizada por criminosos para que eles consigam se livrar das pessoas, já que despachar um corpo no futuro não será uma tarefa simples. Os assassinos especializados em se desfazerem destas pessoas do futuro são chamados de loopers. Joe é um deles.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta trechos importantes do filme, por isso só recomendo que continue a ler quem já assistiu a Looper): Falar de viagem no futuro outra vez… e como ser original? Provavelmente, após a trilogia genial de Back to the Future e os filmes incríveis de The Terminator, isso seja impossível. Ainda assim, o diretor e roteirista Rian Johnson se lançou neste desafio, entregando o interessante Looper.
E o filme começa com uma ironia superinteressante: ao invés de termos “exterminadores do futuro” voltando para o passado para eliminar alguma ameaça, acompanhamos as histórias de “exterminadores do passado” que puxam o gatilho para tirar do futuro inimigos de organizações criminosas. Interessante. A tradução do título no Brasil, assim, pode ser vista como errada ou correta. Como tudo se passa no futuro – 2044 e 2074 -, o título não está errado, ainda que pareça estranho.
Looper deixa muitos elementos para o público pensar. Alguns menos importantes que outros para a história. Por exemplo, de como a viagem no tempo tornou-se proibida no “segundo” futuro – para não tornar a história uma bagunça, já que, como nos ensinou Back to the Future, cada mudança, por mínima que seja, do passado, altera o presente e o futuro. Outro exemplo é como o futuro de 2074, além de viagem no tempo, tem a rastreabilidade levada à escala máxima – tanto que fica quase impossível para uma pessoa desaparecer.
Looper faz lembrar um pouco também o espírito de Mad Max. Não porque temos uma sociedade desolada de recursos, mas pela falta de “humanidade” dos cenários. Não temos heróis em Looper. As duas versões de Joe são, na essência, de bandidos sem remorso. Que apenas pensam como irão sobreviver. Joe não se esforça muito para ajudar o seu melhor amigo Seth (Paul Dano), quando ele precisa. E segue a linha dos demais loopers, de esbanjar dinheiro, viver a vida adoidado e desprezando todos os marginalizados da sociedade futurista.
Mesmo sem se aprofundar muito no contexto que cerca aqueles personagens, Looper deixa claro que as sociedades futuristas deixam as pessoas com medo. Tanto que boa parte delas vive armada, pronta para puxar o gatilho e acertar qualquer pessoa que pareça um pouco ameaçadora. Também é um tempo em que a evolução de uma habilidade – a telecinética – é vista como piada. Esqueçam os heróis e os superheróis. Ninguém quer saber deles, aparentemente.
Looper, assim, é um bocado cínico. Na essência. E acerta nas apostas que faz. Depois de mostrar o cotidiano repetitivo e frio de Joe e os demais loopers, o filme ganha interesse ao apresentar o “encerramento de um loop”. Cada um daqueles assassinos sabe que, mais cedo ou mais tarde, isso irá acontecer com eles. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). E a premissão não é ruim: após matar a você mesmo, você ganha várias barras de ouro e 30 anos de vida com liberdade para ser vivida.
Todo “exterminador do passado” sabe que isso vai acontecer com ele. Mas acompanhamos uma fase em que isto está ocorrendo com muito mais frequência. Porque há um vilão novo no futuro. E para acabar com esse inimigo é que o Joe de 2074 (o ótimo Bruce Willis) engana a morte – como não lembrar de The Terminator? Apenas o alvo mudou, afinal, o “senhor da chuva” já é um garoto, e não adianta mais matar a mãe dele. 🙂
O ritmo de Looper vai bem até o velho Joe aparecer e começar o seu plano de busca do vilão do futuro. Nesta hora, o Joe jovem ajuda a desacelerar um pouco o filme. Claro que esta “esfriada” é necessária para explicar a origem do poder do “senhor da chuva”, e revelar o que há de verdade na lenda que o velho Joe trouxe a seu respeito. Mas querendo ou não, aquela parte é a menos interessante da produção – até porque o garoto Pierce Gagnon, que interpreta a Cid, irrita um pouco com aquela cara demoníaca e sua “superinteligência”.
De qualquer forma, o ambiente envolvendo Cid e Sara (Emily Blunt) abre aquela velha discussão sobre o que define o futuro das pessoas. Quanto este futuro é determinado por sua “essência”, por características inatas que lhe acompanham de antes mesmo de nascer, e o quanto é determinado por sua criação, amor familiar, amigos e o restante do “meio” que vai lhe cercando a vida afora? A questão está lançada e tem uma certa resposta no final. Digo isso porque há muito para acontecer após aquela cena final, e fica a gosto de cada um imaginar o futuro a partir dali.
NOTA: 9.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: Um acerto de Looper é explicar o que irá acontecer antes de que aconteça. Vide o momento decisivo da conversa do Joe do futuro com a sua versão mais jovem. A explicação dele sobre as lendas envolvendo o vilão do futuro é o que torna a convivência de Joe, Sara e Cid interessante. E também, naquele momento, existe uma questão fundamental neste filme: afinal, o antigo é melhor que o novo ou vice-versa? Os “dois” Joe se sentem superior, de alguma forma. O mais jovem porque sabe que tudo que ele fizer vai determinar a sua versão mais velha. E o mais velho porque ele sabe todas as besteiras e visões equivocadas que o mais novo tem. Sem dúvida, aquele é o grande momento de Looper.
Impressiona como este filme é bem acabado nos efeitos especiais e, principalmente, como ele deixa tantos temas abertos para a discussão e a reflexão. O embate entre o velho e o novo aparece a todo momento. Assim como, e de forma muito natural, a velha questão de Back to the Future de como cada mudança no presente afeta o futuro. O Joe de Bruce Willis segue tendo a sua mulher (Qing Xu) na memória, ainda que tudo nos leve a crer que aquele futuro não irá acontecer. Isso porque, até que algo realmente se defina, ele ainda pode viver muitas das coisas que tinham ocorrido na primeira versão. Interessante.
O diretor Rian Johnson afirma que cuidou de cada detalhe do roteiro para que este filme não tivesse furos. Ainda assim, há pelo menos duas partes que eu não entendi muito bem (e, como sempre, agradeço quem puder ajudar a esclarecer). (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Primeiro: a primeria sequência em que Joe não mata a sua versão no futuro representa a imaginação dele enquanto espera a figura da vítima aparecer, atrasada, na sua frente? Segundo: por que Joe fica mais sensível para matar o segundo garoto? Parece até que ele conhece a Suzie (Piper Perabo). Para mim, a resposta para a primeira pergunta é que sim, Joe primeiro imagina aquela sequência antes de atirar em seu “eu do futuro” e, para a segunda, é de que o Joe velho não conhecia Suzie, mas hesita apenas porque ficou mais difícil para ele seguir matando crianças.
Uma sacada muito bacana de Looper é como a versão de Joe do futuro acaba aprendendo com os novos fatos que vão acontecendo com o Joe do presente. Bem pensado pelo diretor.
Interessante como Looper está recheado de ótimos atores. Além dos já citados, vale comentar a participação de Jeff Daniels como Abe, o homem que tira Joe das ruas e garante “um futuro melhor” pra ele ao torná-lo um looper; Noah Segan como Kid Blue, o capanga que quer impressionar Abe e que acaba sendo a parte “engraçada” e trapalhona da trama; Frank Brennan como o Seth do futuro; além da super ponta de Piper Perabo.
Tecnicamente, tudo funciona muito bem em Looper. Da trilha sonora envolvente de Nathan Johnson até a excelente e precisa edição de Bob Ducsay – um dos pontos altos do filme; a direção de fotografia de Steve Yedlin; o ótimo design de produção de Ed Verreaux e a direção de arte de James A. Gelarden – que ajudam o filme a ser estiloso. Por outro lado, há um quesito na parte técnica que me irritou – ainda que eu entenda a razão dele ter sido feito como foi: a maquiagem da equipe liderada por Kimberly Amacker, Jack Lazzaro, Aimee Stuit e Emily Tatum. Me incomodou, do início até o final do filme, a maquiagem feita a golpes de facão para tornar Gordon-Levitt mais “parecido” com Bruce Willis. Sei lá, acho que podiam ter resolvido esta questão de outra forma – como o velho Joe ter feito, para fugir da polícia, uma plástica no futuro ou algo assim.
Além daqueles pontos do roteiro que parecem um pouco mal amarrados – citados acima -, e da maquiagem de Gordon-Levitt, me irritou um pouco o exagero da interpretação do garoto Pierce Gagnon. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). O filme ia muito bem até o guri começar a surtar e parecer um personagem demoníaco de filmes de terror. Não tenho problemas com estes personagens, desde que eles estejam nos filmes do gênero. Um garoto diabólico em Looper me pareceu um pouco exagerado. Um pouco mais de sutileza para este personagem teria sido mais interessante.
Looper custou cerca de US$ 35,7 milhões e arrecadou, apenas nos Estados Unidos, até o dia 23 de novembro, quase US$ 65,6 milhões. Nada mal. Mas pela propaganda boca-a-boca, certamente, ele vai conseguir faturar muito mais que isso. E merece. Não é fácil fazer um ótimo filme de ficção científica, ainda mais tratando de questões futuristas e viagem no tempo hoje em dia.
Esta produção estreou no Festival de Toronto em setembro deste ano. De lá para cá, ele participou de apenas dois outros festivais, o de Zurique e o Night Visions. Apesar destas participações, ele não ganhou nenhum prêmio até o momento. Mas deve figurar no próximo Oscar em categorias técnicas, como a de efeitos visuais.
Algumas curiosidades sobre a produção: Joseph Gordon-Levitt gravou várias falas de Bruce Willis ditas em filmes anteriores em seu iPod para emular o melhor possível o jeito de falar do ator. Ele também assistiu a várias produções para tentar repetir os trejeitos de Willis. Outro detalhe: no dia em que foi gravada a cena em que ele cai da escada externa do prédio onde vive, ao tentar fugir dos bandidos, Gordon-Levitt comemorava o aniversário de 30 anos.
Vi uma entrevista em vídeo com o diretor que achei interessante citar aqui. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Primeiro, ele explica a razão do filme ter tantos elementos do passado. Rian Johnson diz que os filmes futuristas que mostram tudo muito futurista lhe incomodam, porque não parecem realista. E dá exemplo do relógio e do sapato que ele estava usando na hora da entrevista… apesar de estarmos em 2012, utilizamos muitas coisas que lembram demais a metade do século passado. E ele acha que o futuro será assim… especialmente o futuro onde as coisas não funcionam bem. Porque quando as coisas não funcionam bem, as pessoas tendem a buscar referências no passado, quando a realidade parecia ter mais lógica. E o segundo ponto, que eu achei especialmente interessante, foi quando perguntaram para ele porque a violência é tão realista no filme. Ele diz que esta é a questão fundamental de Looper. Ele quer mostrar como a violência utilizada para resolver a violência acaba não solucionando nada – vide a busca pelo garoto. Pelo contrário, essa lógica acaba sendo o problema. Bacana.
Looper se saiu muito bem ao conquistar a opinião do público e da crítica. Os usuários do site IMDb deram a nota 7,9 para a produção, uma avaliação ótima para os padrões do site. Os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 216 textos positivos e apenas 15 negativos para a produção, o que lhe garante uma aprovação de 94% – e uma nota média de 8,1. Muito boa nota também.
Há uma outra entrevista do diretor que eu achei interessante. Nela, Johnson comenta a cena no café. De como cada versão de Joe se acha superior e de que, apesar da versão de Willis dizer que sabe o quanto jovem está equivocado, porque já viveu “aquela vida” e por se sentir em outro nível, ele não percebe que segue meio que “preso” aquela falta de maturidade – que nada mais é do que uma forma egoísta de levar a vida.
CONCLUSÃO: Quem tem The Terminator e suas sequencias como referência, vai assistir Looper com um certo incômodo. Possivelmente o mesmo incômodo que o próprio mecanismo do “looper” provoque. Afinal, o passado volta, e volta, e parece que permaneceremos naquele “eterno retorno”. Mas temos a possibilidade de alterar essas repetições. Assim, Looper também altera a lógica de The Terminator. Nesta produção há violência, drama, cenas incríveis que usam o melhor da tecnologia e um bando de gente sem muito escrúpulo além da autopreservação. E ainda que a história, lá pelas tantas, fique um bocado previsível, essa previsibilidade ajuda a alimentar a tensão. Para que todos estejam ansiosos para ver quem segurará as suas crenças até o final. Porque, por incrível que pareça, Looper planta a sua semente naquela velha discussão sobre o que forma o caráter de um indivíduo. O quanto nós trazemos de antes do berço e o quanto somos moldados a ser. Essa reflexão, junto com ótimos efeitos, bons atores e uma recriação de histórias que já vimos antes, fazem de Looper uma peça eficaz de entretenimento.
12 respostas em “Looper – Looper: Assassinos do Futuro”
Sempre desconfio de um filme que entrelaça futuro e presente…
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Olá “morissoca”!
Curioso o teu comentário. Por que sempre desconfias de filmes que jogam com o futuro e o presente? Não curtes ficção científica?
De qualquer forma, te agradeço pela visita e pelo teu comentário. E espero que voltes mais vezes por aqui, inclusive para falar de filmes que tenhas gostado.
Abraços e inté!
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Estranho. Considerando que o filme não faz isso. Ele entrelaça dois futuros, 2044 e 2074!
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“Parece até que ele conhece a Suzie (Piper Perabo). ” Ele conhecia a Piper, a stripper… Ele até quis que ela abandonasse a carreira dela de stripper, mencionando o filho! Ele disse que ajudaria ela a cuidar do filho, por isso a hesitação.
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Estou adorando seu site, assisti esse filme e adorei, gosto do diferente, assistir filme já sabendo o final não tem graça.
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Olá Mônica!
Com bastante atraso, estou começando a responder os teus recados.
Fico feliz que tenhas gostado do blog. Espero que do primeiro contato com ele, no final de 2012, até agora, início de 2014, tenhas me dado o prazer da tua visita outras vezes.
Apareça mais por aqui! Abraços!
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Só tem um problema. Se ele morre no passado o velho do futuro nao existe, logo ele não volta para matar ninguem pois morreu antes de ficar velho e voltar.
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Olá joao jose!
Antes de mais nada, obrigada pela tua visita aqui no blog.
Então, como comentei no texto acima, diferente de Exterminador do Futuro e outros filmes do gênero, em Looper o personagem não volta para o passado para matar a si mesmo naquela fase (passado). A pessoa já envelhecida “volta” para o passado para ser morta – ou seja, não vai envelhecer mais, mas teve todo aquele tempo de passagem de tempo que ela viveu, entendeu?
Espero ter deixado mais claro. A pessoa jovem não é morta, pelo contrário. Ganha ouro para ter uma boa vida até ser morta mais velha. Enfim, é outra forma de contar uma história com “viagem no tempo”.
Obrigada pela visita e volte por aqui mais vezes. Abraços e até mais!
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O problema, como sempre em filmes de viagem no tempo, é cair em paradoxos temporais. O filme é absurdo na ideia de causar um dano em alguém no então presente do filme, e este se transferir automaticamente para sua versão futura, bem como pelo fato colocado pelo “joao jose”.
Em suma, ele peca pelos paradoxos de causa e efeito, onde a viagem no tempo elimina a causa, e por consequência, tem que eliminar o efeito, tornando toda a viagem em si impossível. Isto é explicado em detalhes no meu texto http://xr.pro.br/FC/ParadoxTime.html
Apesar de muitas boas qualidades, a mim o que salva o filme é que a temática da viagem no tempo em si acaba ficando em segundo plano perante o tema do futuro Rainman, que soa bem mais interessante, e penso que por si só já poderia sustentar o filme. Não seria necessário sequer haver a trama dos “exterminadores do passado” (por sinal genial essa sacada da autora), e sim apenas uma viagem com a intenção de matar o garoto (cujos exageros de interpretação também me incomodaram), que teria que falhar, claro, para que o paradoxo não fosse estabelecido.
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Achei o filme um tanto confuso disconexo difícil de entender com história muito boa e roteiro mal desenvolvido me deu sono e dormi 3 vezes antes de conseguir termina-lo. Uma pena um desperdício de uma boa história
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[…] em 2005. Depois viriam os longas The Brothers Bloom (2008) e Looper (2012) – esse último comentado aqui no […]
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[…] estreou na direção de longas em 2005 com Brick. Aqui no blog, vocês encontram as críticas de Looper e de Star Wars: Episode VIII – The Last […]
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